segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

96 - THE END.......................................

               
                   Encontraste-me. 
Não que te tivesse procurado, que o não fiz, embora esperasse com a avidez de um descamisado e a indiferença que só os condenados entendem, a tua vinda.
Apareceste, simplesmente apareceste.
E tudo mudou radicalmente, como se o processo de Galileu tivesse sido reaberto, o Sol se movesse de novo em torno da Terra e a inquisição, que o pagode hoje é, novamente exigisse em auto os nossos corpos, por irremissíveis de qualquer arrependimento ou penitência.

Surgiste, diria antes que surgiste, aparecer pressupõe uma intenção que nem houve nem há, surgiste portanto.

Que eu tivesse rejubilado com isso foi-te mais que indiferente, foi-te contrariedade, dor, aborrecimento, agastura.

Que essa insurgência, que também o foi, me tivesse cambiado os dias, que então começaram radiantes, como se repentinamente nas margens de um rio a beleza das cores e a frescura e fragrância das jornadas felizes me igualasse a cadencia do coração, cansado e enorme, como se a memória de outras cadencias, de outros momentos ditosos, deste mesmo ou doutros rios, as mesmas cores, intensas, fulgurantes, quase se repetissem dum modo inexorável e incansável, num novo ritual de celebração da vida, qual hino à existência, sublimação do que sou, do que tenho, e me redime do pior que em mim haja.

Aquilo que foi para mim um furacão, apenas e aparentemente terá sido para ti como uma brisa leve, libertadora, contudo, tão libertadora que só ela já mereceu a pena ter sido sentida, vivida.

Todavia, nada para o cosmos significou que eu outro, que eu mais seguro de mim, mais feliz, mais capaz, mais adolescente e, inacreditavelmente, mais tolerante também, e loquaz. O ego agigantando-se-me de um modo que só eu conheço e sei, uma auto-confiança daqui aos antípodas e te apressaste a, qual tapete, tirar rapidamente debaixo dos pés, não fosse eu ousar olhar-te, querer-te, sonhar-te que fosse, porque te apercebeste, te contei, que a volúpia das palavras primeiro, que o aroma das flores depois e que, quando nem em mim cria, já não sonhava, delirava, que repentinamente te abraçava, repentinamente te beijava, saboreando nos teus lábios champanhe.

E eras delírio e volúpia sim, mas somente dos sentidos que, sonhando lascivos, ébrios, sedentos de boémia, à noite me mergulhavam na sombra do astro, de tal modo jamais me soube arlequim ou querubim, somente que o teu corpo parecia mexer-se, e nem sabia se esses cabelos eram meus se teus, recordo afagar-te, afagar-te a pele morena, a silhueta, depois as curvas do corpo, tramando pecados e sonhando enquanto sombras me cobriam e te jurava promessas que tingiam de lágrimas meus olhos, e, perante mim, qual milagre, vagamente tomando forma uma mulher que amava, cuja carência de imediato começou, como imagem debruada por luzes e mergulhada no esplendor da minha alma.

Parece que por ter em ti tropeçado, não mais a melancolia nem a solidão, mas sei agora indiferente a tua ausência, tudo que sou tu não és, tudo que és eu não sou, agora sei, o mundo não somos tu eu e mais ninguém, já não palpitas em mim, já consigo dormir pois o sonho que me levava a perder-me de mim não voltou, já nem me persegue como silício vivo e eu, capaz já de fugir a esse fado, de alma sossegada, cujos sentidos o fogo alimentava lembras ?

Já nem te imagino em carícias ingénuas, com o coração batendo fremente de desejo, imagino-te com medo, medo de confrontação, medo de assumpção, de que o teu ar de segurança se esboroe incapaz de dizer sim, ou não, digo-o desinteressadamente, porque te não creio capaz nem de uma nem de outra, apenas da afirmação de uma negação que julgas proteger-te, qual muralha que descobrirás, como os chineses descobriram muitos séculos depois, não te proteger, antes te isolar, e, espero que morras feliz, tarde e feliz, bronzeada e feliz, rodeada de todos os amigos que acarinhaste, transformados no teu exército de terracota, porque a mim já nada interessa, estou bem, sem destino nem rota, fugindo ao presente, os sentidos girando, a abóbada celeste num carrossel, girando, girando, e contei-te desta paz sem ter morrido, corações mais não são que cinzas e paixões, e já não na penumbra dos dias com luz, nem flâmulas e pendões multicores, nem mares de rosas, nem qualquer tipo de alegria ou de bem querer-te porque a ponte que nos unirá será sempre a tua ausência, e já não invento desejos, nem me embriago com bacantes, ou sequer acumulo coragem para conquistar o teu corpo, cobrir-te de abraços, de beijos, saciar estes olhos, vaga-lumes tilintando em festa nascida de um sonho de ti, nascida de um sonho que antes de saciado matámos.

Sei que a inquietude deu largas à loucura que era a minha mas me não grita já, embora o meu sangue, latino, pulsando nas veias, continue a dizer-me não haver regras nem limites, só a verdade de mim, homem sincero, gritando tudo isto, sorrindo alheio ao facto de parecer louco, bradando a verdade, rindo de tudo e de todos, porque repentinamente e de novo o mundo todo luz, e eu, qual sombra saindo da escuridão, o corpo novamente antecipando delírios e paixões, o olhar renascendo repetidamente destes mesmos sentidos, os mesmos rodopios e devaneios, a mesma alma, o corpo bamboleando-se, pois agora sei, melhor que nunca, melhor que alguém ou alguma vez, agora tenho a certeza ! 

O mundo sou eu e mais ninguém !