Os cambutas andavam na soltura por
ali, gingando nos crescidos, xingando um o outro, chutando terra, alastrando o
pó vermelho no ar, entupindo narizes, pondo mancha nas roupas secando. Brinca
durava já demais, velho Baltazar enxotara eles sem proveito mas mãe lhes viera no
ralhar e eles moucos, pararam não, inda aparecendo mais vez e dar logo no desaparecer por
trás das cubatas, pisando lavras, assustando galinha que já num punha ovo não. Ginga durar até mãe zangar no sério e dar ralho grande neles.
Só quando Natália deu berro neles os
parou, eles temer ela mas vergonha era do cão, só medo mesmo das galhetas
travou eles. Cambuta maior era seu filho mesmo, dela e de flecha morto em
combate no ano perto de 72. No dia mesmo que cambuta nascia e pai morria no
emboscada montada em curva da picada entre Xangongo e Chitado, os de Santa
Clara e Ondjiva ainda foram no ajuda mas ser tarde, embate tramou brancos
todos. Nem um ficou no contar como fora morrer no abraço mortal da guerrilha.
Natália carregava filho no ventre e
ao parir ele, dor estranha atravessou ela como epifania, não sabia ainda mas
contado lhe foi depois, seu Abílio, flecha e cabeça de coluna da tropa que serpenteando
estava na picada, caíra primeiro de todos, nem vira morte mas lhe ganhara a
honra e Natália se fizera respeitada entre sordados. Cambuta ficara se chamando Abílio,
como seu pai e Natália se fez flecha em sua vez e ocupou no lugar dele.
Do então adiante ter soldo certo ela, depois nem
precisar foi de lavar roupa no branco ou passar ela, muito menos aturar eles deitada na
esteira. Natália tinha honra própria mesma e não precisar estar de lavadeira
não. No quartel da tropa foi uma cerimónia onde capitão lhe entregou mesmo a
divisa e arma própria de Abílio, e desde aí nem lavadeira nem aparadeira da
golpadas dos sordados.
Tenente também gostava ela, Natália
era preta bonita mais que todas e ali não haver outra como ela, ter sempre
sorriso bonito na cara, dente branco e malicia matreira sempre dando alvoroço
nos homens e feitiço no tenente. Suas ancas duras e redondas, quando ela queria
davam mesmo um requebro no andar e dar pasmar no quem estar olhando, ou lhes viam ela
passar. Balanço no andar dar vontade no devorar a todos com seus olhos nele, e
depois culpavam ela de deitar doença neles todos, dando sonhos parados e pesadelos
abençoados nesses mesmos dias se calhava verem ela passando e se ficavam mesmo no
pasmando.
Tenente um dia houve ele ter de puxar
dos galões e dar ordem nela, e se não ser assim ao menos foi no parecer, certo é ele estar no mandar
e mais certo ainda ser ela seguir ele como cachorro bem mandado, mais certo que ladrar p’ra ele.
Aqueles dois não engana não, corpo dela dá doença e dá paz, e quando juntos os
dias lhe entusiasmam e darem brilho no olhar deles mesmos.
Bocas pequenas dizer cambuta mais
novo ser dele tenente, mas ao certo quem sabe que faz Deus ? Gente só saber
Deus não escrever torto por linha direita, Ele é tudo direito mesmo se linha
ser torta, como não se cansa de xingar nosso capelão da tropa, sempre acabando
sermão com exemplo p’ra preto cumprir e branco ficando a ver, e agora com
aquele sermão do não levanta boato não que ser pecado, mas meio mundo apostar
cambuta ser filho do graduado nosso tenente.
Natália andar precisada de homem
assim, esbelto, bonito, forte, sem medo de dar ordem nela. Tirou até dela vício
de fumar tabaco dentro da boca que ser vício de velho, agora só no mato em
operações de combate e p’ra inimigo não ver mesmo cigarro brilhante de aceso na
noite, nem cigarro a arder nem relógio se poder levar.
Por isso paz sorrir na cara deles
dois ambos e felicidade fazer sua caminhada como lavra na tonga, ela não largar
ele nunca e ser seu braço direito no arriscar, na mata ou na picada, mas lhe
dar três passos sempre no avanço do caminhar, mulher de respeito vai na esteira
de seu homem e nunca atravessar no caminho dele, não ser bonito.
Ao certo nenhum saber se tenente ter
mulher branca bonita na metrópoles esperando ele, mas estes dois dando cambão
dá gosto de ver eles, sempre no protegendo, sempre no amando, sempre na paz e
no descansar da alma que Deus dá. Eles se esconder e se enrolar na noite da
mata p’ra ninguém olhar, p’ra ninguém ver, p’ra ninguém saber seu segredo bem
sabido e no toda gente
conhecido. Até lá no quartel nosso graduado p’ra um lado Natália bonita no outro
lado, nã se misturando, nem sequer falando p'ra não for revelado esse tal segredo de
todos sabido e por todos ouvido.
Dá no gosto vê-los no voto cumprido,
coração ligado, amor escondido, fado cantado que todos cantá menos nosso tenente
que ser o felizardo. No futuro que sina vai no dar nem Deus lhes saberá.
Por agora bem está tudo e todos, Nzambi no dorme.