domingo, 19 de janeiro de 2014

175 - AH !!! AQUELE BEIJO !!!! ............................

Anna-Rocheta *

AH !!! AQUELE BEIJO !!!! 

Ah ! aquele beijo !!

aquele grande beijo !!!!!
com que me mortifico e te sonho
em que te mordo os lábios 
sugo a língua
uma mão apertando a bochecha da tua coxa
forçando-te a virilha que abrasa 
os dedos sumindo-se subtis nas rendas de filigrana
ao longe o rumor da tempestade
dedos que abrem pétalas
e na mesa o odor do néctar melado 
geléia liquefeita no apetite do manjar
um turbilhão apossando-se de mim
e nem sei como as tuas pernas nos meus ombros
bem me quer mal me quer bem me quer
fixo-te o verde dos prados, cor da esperança
o sorriso tinto de sangue
enquanto me aposso de ti
como um tornado 
agora !!!!
e então.......
estrelas cadentes........
liríadas ...
e num milagroso instante percorre-nos um raio !!
a turquez das tuas pernas brancas na minha cintura
prendendo-me
arrastando-me
quebrando-me
possuindo-me e ..........
oh !! tu !! nereida !!!!!!
os dentes rangendo
simmmmmmmmmmmmmmmm
simmmmmmmmm
simmmmm
depois da tempestade a bonança
puxo de um cigarro
conversa que perece de horas

finalmente 
o sono dos justos.

* Pintura vista em Monsaraz - Galeria igrj de Santiago – Exposição - Anna-Rocheta - Nós.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

174 - O HOMEM DO PINGALIM ..........


Farda e galões faziam dele um homem, fácies de durão, erecto, calado, pingalim sempre na mão batendo contra a perna (e quem sabe se não terá sido esse o motivo primevo da queda da Magui por ele ?), olhava todos de cima arrastando atrás de si os olhares da mulheraça. Ora foi por essa altura que ela o terá conhecido.

Não sejas otário Honório, certamente não será por os negócios se terem feito e te correram bem independentemente das forças politicas que ocuparam a urbe que avaliamos o sucesso ou insucesso da cidade. Ademais, se assim fosse, como explicas os desastres que tens sofrido nos últimos anos ?

Depois calou-se, estranhamente calou-se, embatucou, de olhos fixos nalguma coisa e eu, que me sentava de costas para a entrada, ia rodar ligeiramente a cabeça afim de enxergar o que tão repentinamente o calara quando ele, socando-me violentamente o braço

- Não olhes porra ! Não olhes agora pá, depois perceberás.

Hesitaram na entrada mas lá se sentaram, passaram por nós e escolheram uma mesa recatada ao fundo do café. Era a Magui, há que anos a não via. Desde o colapso da sua saúde para ser mais preciso.

Agora entendi o Honório, fora nessa época que andara com ela, a perder tempo dizia ele, feito oportunista havia confessado ela, que estas coisas de alcova sempre se vêem a saber.

Na verdade a Magui há uns vinte anos sofrera uma depressão acentuada que a impedira de trabalhar por bem mais de uma década.

Jovem, espampanante, e ingénua, apressadamente trocara o bate chapas com quem casara num rebate apaixonado e cego para mais repentinamente ainda se ver requestada por doutores e engenheiros no laboratório onde, como técnica, sonhava as horas passando.

O ex-marido refugiara-se do vergonhoso revés escudando-se na bebida e entregando-se ao sindicalismo operário militante e solidário, a Magui por seu lado, a quem o términos da relação guindara a uma liberdade nunca imaginada, nela mergulhara de cabeça e alardeando a recente disponibilidade, que amiúde confundia com valorização pessoal.

               Apressadamente deitara para a sucata o bate chapas, transformado em chapa batida chapa lambida e mais depressa ainda saltou ela de proveta em proveta e de cadinho em cadinho, para depois de experimentada e sacudida por todos os engenheiros e doutores do laboratório, saltar de régua em régua, esquadro e compasso por toda a cidade, cidade a quem em boa verdade os antigos colegas fizeram saber o seu peso especifico e estar-se perante carne de primeira, atirando-a para uma depressão extrema uma vez intuída por ela a vera relatividade das coisas.

Fora durante grande parte dessa década perdida em que a baixa médica a afastara do amoroso convívio dos colegas de laboratório público onde trabalhava que o Honório, que nada tem de otário, amesendou no regaço da Magui de tal modo que só as meias esta se recusara a lavar-lhe, construindo entre os dois o único pomo de discórdia que a malta lhes conheceu, a ponto de, por natais ou aniversários, nos voluntariarmos e colectarmos para

- Honório, aceita esta caixinha surpresa, é o brinde da malta que jamais vos esquecerá pá, e festa da boa…

E, no meio da galhofa geral ficávamos aguardando ele abrisse a caixa e admirasse a prenda, reiteradamente uma dúzia de peúgas de homem e dois ou três pares de calcinhas de senhora do mais fino corte e bastas vezes com rendinhas e pompons.

Era risada geral pois sabíamos como o otário, que de Honório não tinha nada, era doido por cuequinhas vistosas e minimais.  

Mau grado os nossos esforços a coisa não acabou bem e quando a Magui exigiu dele mais estabilidade na relação, o Honório, otário de alcunha, raposa velha e trilhada, meteu-se a milhas deixando-lhe a depressão escorrendo entre dedos.

Ora todos sabemos como desde 2011 a coisa pública se deteriorou e, no laboratório recusaram aceitar a baixa médica da Magui exigindo-lhe uma junta médica.

Mau mau terá pensado ela, mau Maria terá dito para com os seus botões, primeiro foram os doutores e engenheiros a trama-la e a recusa-la, mas agora todo um povo se levantava em clamor contra ela e a sua desdita.

Havia que pensar e repensar outras tácticas e estratégias e essas, acabaram de entrar pelo café adentro pela mão do tenente coronel Albino, garboso e ególatra oficial de cavalaria, agora reformado, que eu já vira preso pelo beicinho da Magui duas ou três vezes nos últimos três ou dois anos, noutros cafés, mais centrais e mais bem frequentados.

Farda e galões faziam dele um homem, fácies de durão, erecto, calado, pingalim sempre na mão batendo contra a perna, olhava todos de cima arrastando atrás de si os olhares da mulheraça, mas… que a malta soubesse o nosso tenente coronel nunca tinha sido casado nem se lhe conhecia trato concerto ou experiencia com mulheres, sorte a nossa o país jamais ter precisado dos seus brios militares porque teria sido um desastre, comentava-se no nosso friends inner circle acerca do pavão de pingalim cuja vida passou a ser escrutinada desde que pela 1ª vez foi visto com a mulheraça que a Magui ainda era, e que não lhe cobiçaria os dotes de mancebo que ele já nem tinha, e provavelmente nunca tivera, mas a quem a choruda reforma com que a nação o prendara soava aos ouvidos dela como “segurança Magui segurança” e, para essa estratégia trazê-lo a este café era uma boa táctica, das melhores…

Sem galões e sem dourados, desprovido do pingalim, reformado, o garboso guerreiro, pança proeminente, os dentes enegrecidos do tabaco quando não em falta ou cariados, a barba por escanhoar, nem branca nem preta, o cabelo ralo acusando entradas, os olhos avermelhados, a postura curva, nem parecia o mesmo marcial soldado que nos habituáramos a ver conduzido por uma ordenança que a todo o lado o transportava.

Perdia fulgor, decerto não seria já intento digno de ser mostrado, em especial às amigas...

Ao senhor Dr. Juiz Leal De Mascarenhas, o tal que por tudo e por nada perorava que desde que as partes o quisessem até em cima de uma agenda… toda a gente sabia não ser capaz de dar a volta, mas ao bravo batalhador que se reformara como tenente coronel nada nem ninguém a impediria de conquistar, mais a mais nem lhe eram conhecidos os tiques sadomasoquistas com que toda a gente verberava o senhor juiz, a quem, segundo opiniões correntes, só os colegas salvavam reiteradamente de uma condenação vergonhosa.

Foi pois em passinho tremido e hesitante que aquele já nada combativo ser se aproximou da cadeira e, a medo, nela se sentou. Ela, ternamente, ajeitou-lhe a gola do blusão (não lhe limpou a baba como Hermes maldosamente afirmou) sentou-se em frente dele, pegou-lhe meigamente na mão, que tremia, e sorriu-lhe.

Estava no papo.

Nós, por uma vez na vida resolvemos ser corteses, levantámo-nos calmamente e, um a um, abandonámos o café sem nada dizer. 


...



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

173 - ESTAMOS A PERDÊ-LA * por Maria Luísa Baião...


Estamos a perdê-la. Apesar da muito boa vontade já demonstrada, das alternativas e experiências desenvolvidas estamos a perdê-la. Curioso como sempre a perdemos, curiosamente, como sempre, por culpa nossa. Se não foi a guerra colonial foi a falta de perspectivas. Sempre espalhámos órfãos, pelo mundo e na nossa própria casa. Somos madrastas e padrastos dos nossos filhos, e, nem para os que apesar de tudo nos sobram estamos mais atentas, disponíveis.

Em especial nos últimos anos tem-nos faltado boa vontade, eficácia, mas sobretudo disponibilidade de recursos técnicos e financeiros que promovam alternativas ao vazio para que os atiramos.

Somos, já o demonstrámos à saciedade, incapazes de articular soluções que façam frente aos novos problemas, articular meras e correctas adequações dos meios essenciais, os quais, ainda que não ultrapassem comezinhas acções pontuais, resultam vulgarmente em coordenações deficientes com resultados sempre sempre aquém dos desejados.

Para o que não renda de imediato lucros palpáveis consideramos demasiado valioso todo o dinheiro empregue, não lobrigamos mais que maneiras de maximizar o uso dos recursos sempre limitados que possuímos, como se tratasse de uma e única aposta num qualquer jogo de sorte e azar.

Paradoxalmente, perante certo tipo de problemas, move-nos um prazer mórbido de os resolver deitando-lhe dinheiro em cima, que nestes casos resulta invariavelmente numa espiral sôfrega e insaciável de desperdício que nos sossega a consciência mas não resolve absolutamente nada.

Por comodismo ignoramos a desagregação dos valores éticos e dos laços de sociabilidade que acreditamos existirem, contribuímos de forma anónima e paulatina para a substituição de modos de vida que, curiosa e inexplicavelmente passamos a vida criticando.

Afinal quem fomenta a exclusão social, as desigualdades sociais, a ausência de pleno emprego e a vil distribuição de riqueza que inconscientemente nos orgulhamos de apresentar ?

Quando e quem lutou, ou no mínimo contestou ou denunciou esta injusta repartição dos bens comuns que a ninguém prometem nem alimentarão um qualquer projecto de vida com dignidade no futuro, e que, supostamente, dariam coesão à nossa sociedade ?

Como mobilizar o meio envolvente, como mobilizar a comunidade, como sensibilizar este nosso mundo, mais preocupado consigo que com os demais, mais virado para si que para o que o rodeia ?

 Somos soezes a cavar fossos comunicacionais, hábeis a fingir, mestres no parecer, impetuosos no forjar de paternalismos e maternalismos serôdios e inconsequentes, exímios na afirmação de contrastes entre os valores apregoados e praticados.

Erguemos como valor dos valores o individualismo, ajustamo-nos a solidariedades vazias, inventámos a Escola inclusiva, e apresentamos os mais elevados e vergonhosos índices de abandono escolar.

Razão têm os adolescentes, somos nós os inadaptados, somos nós que os obrigamos aos códigos de rejeição que acusamos de usarem contra o nosso mundo, mundo onde lhe negamos espaço para se sentirem e serem adultos, viverem as suas insubstituíveis experiências, experiências que os façam sentir vivos e actuantes, sentir que nesta sociedade há um lugar que é deles.

Nem satisfatoriamente desenvolvemos a prevenção, nem cabalmente fazemos reduzir, limitar ou ao menos atrasar o início de tipos de consumos que, por bem parecer, pelo menos assim parece, nos esforçamos por evitar. A juventude não pode ser um mal a rejeitar.

A toxicodependência não pode ser uma batalha perdida, em que poucos mas muito empenhados, lutam contra tantos e tão alheados.

Que fazer ? Baixar os braços porque todos os dias surgem novos consumidores a quem nada ampara ? Não me façam crer que escola, família, poder, são tudo tretas para inglês ver, ou, ontologicamente falando, tsunamis de indiferença.

Há custos que não podem ser contabilizados como feijões em mercearia, há experiências que não podem deixar de ser ousadas, há formas mínimas de comunicação que não podem ser desprezadas. Não nos façam acreditar que é natural este resquício de despojados da riqueza, de afastados dos bens materiais que, mau grado a nossa singularidade ainda nos resta.

Não batam mais na tecla das diferenças étnicas e culturais ou dos novos tribalismos. Somos todos diferentes mas todos iguais.

Olhe-se para este mundo, olhe-se para a nossa casa, e perguntemo-nos quais são e onde estão, as políticas de Juventude, os incentivos ao Associativismo juvenil, o regaço onde possamos acolher os que têm a desdita de cair nos labirintos, nos abismos, que o nosso mundo lhe estende. A toxicodependência não é mais que uma doença, não se cura todavia em fabulosos estádios como os que erguemos hedonisticamente a não sei quê…
                                                                        
Escrito e publicado por Maria Luísa Baião em Março de 2005, Diário do Sul, coluna “ Kota de Mulher “