sábado, 23 de junho de 2018

509 - YOGA, PILATES E REIKI NA VARANDA ...

Foto roubada da net

A minha Mimi é de hábitos fixos, taras e manias, pelo que só parou com a brincadeira quando me levantei, como se tivesse obrigação de acordar com o acordar dela ou tendo acordado ela eu estivesse proibido de continuar dormindo. Às sete da matina em ponto é forçoso, acordada ela, que eu largue também a preguiça, mas as preocupações dela são outras, já a conheço como a palma da minha mão, quer dizer, de ginjeira.

Também tenho as minhas rotinas, uma delas enfiar os chinelos, enfiar-me na casa de banho, enfiar a escova no cabelo duas, três ou quatro vezes, enfiar o excesso da bexiga no buraco da sanita sem salpicar nem entornar, para o que me sento. Tudo é preferível a ouvir gritar, ralhar, mijar os sapatos novos ou ter que ajoelhar-me e lavar o chão da dita casa de banho. Seguidamente corro a casa toda levantando todos os estores e abrindo a última janela afim de entrar com o ar fresco da manhã a malvasia das rosas e das malvas do jardim, do quintal frente à casa ou melhor dos canteiros no jardim que ladeia a casa. E foi quando abri as ventas e inspirei, como se em contemplação e fruição desse nirvana matinal que dei com os olhos nela, lá estava ela como vai sendo habitual, na varanda do prédio fronteiro ao meu, estendida na toalha apanhando banhos de sol ou praticando yoga, ou pilates, reiki ou qualquer dessas merdas orientais agora muito em voga, as quais nunca me preocupei muito em entender, embora assuma que me prendem, que me chamam a atenção, que cativam, pelo que de imediato puxei a cortina, não fosse a nova vizinha julgar estar eu armado em mirone ou feito voyeur, espreitando-a, eu que coraria de vergonha se ela o pensasse, quanto mais se me visse.

Pelo sim pelo não repuxei as duas partes do cortinado, que se não fechou totalmente deixando uma nesga por onde se infiltravam os raios de sol da manhã e me obrigaram a ir à gaveta buscar os óculos espelhados ou jamais destrinçaria se ela estava fumando ou pintando as unhas, o que também se vai tornando habitual. Contudo tive o cuidado de não me encostar ao cortinado, recordo ter sido apanhado desprevenido, aquilo foi o acaso, eu a começar a lida diária da casa e ela ali em preparos, já se vai tornando vulgar, ela aflorar à varanda para fumar ou pintar as unhas ou tratá-las, umas vezes dos pés outras das mãos, ou ler, ou simplesmente telefonar, ali deve ter mais rede, a varanda tem uma grade e uma rede onde ela de vez em quando estende os fatos de treino, ou de banho ou uma colecção de roupa interior, a malha da rede é pequena, miúda, ideal para aquele fim, mais a mais sem estendedores onde enxugaria ela aquelas miudezas ?

Não estou sempre em casa mas dada a situação é impossível que não veja a varanda dela, ou a ela, comedido como sou evito olhar, ela havia de me julgar um parvónio, gosto de fazer jogo limpo e boa vizinhança, preocupo-me com os vizinhos, invariavelmente entro, fecho a cancela do quintal, curvo-me um nadinha para abrir a caixa do correio e é aqui, confesso, que inadvertida e involuntáriamente o canto do olho me foge para a varanda em frente, para o estendal, o cadeirão, a mesinha redonda, hoje não deve cá estar, nem vejo o carro estacionado por aqui, parece novinho, tem já meia dúzia de anos mas parece comprado ontem, de vez em quando lava-o com um balde de água e uma luva felpuda, frente ao vinte e nove que é onde ela mora e nem uma gota no chão, nem uma cagadela de pássaro na pintura, por vezes tenho vontade de brincando a desafiar a lavar o meu de seguida, a brincar claro não vá ela julgar-me um alarve, ou pensar que a estou observando, mirando, não havia de gostar, eu não gostaria, por isso evito qualquer aleivosia, é melhor assim, com esta história do assédio, do me too, dos piropos etc é preciso cuidado, quem sabe se foi por isso que a vizinha da rua de baixo, a professora de ginástica, a Vivi, deixou de passar aqui.

         Residia a meu lado um bancário, um desatino o homem, até binóculos tinha, trouxera-os do ultramar em 75 quando fora desmobilizado dizia ele, aldrabice pura, comprei há dias uns iguaizinhos na loja do chinês, belíssimos, anti-reflexo e tudo, não por acaso esta nova vizinha tem mais parecenças com a Vivi que possamos imaginar, a predilecção pelas mesmas cores, p’las mesmas marcas e números de sutiãs, p’la roupa interior igualmente de reduzíssimas dimensões, p’las rendinhas, a mesma estatura, já para não falar na pancada pelos ténis de marca ou pelos penteados, enfim, a gente sem querer nota e a Vivi fazia-se bem notada, era impossível não dar por ela, quem sabe quanto essa sua faceta teve a ver com o divórcio, a verdade é que depois disso nunca mais foi vista aqui no bairro, no Público duma destas manhãs vinha relatado um caso em Edimburgo, em que passados mais de dez anos as ossadas duma divorciada foram encontradas casualmente enterradas no quintal quando os bombeiros procediam ao desentupimento de uma fossa asséptica, mas que eu saiba a Vivi não tinha quintal e o passeio frente à casa onde vivia era empedrado, nem por aqui foram encontradas quaisquer ossadas.

Esta nova vizinha não tem que se preocupar com isso, ou é divorciada ou mãe solteira, tem dois miúdos mas hoje com essas coisas do género e dos casamentos transsexuais e bissexuais ou homogéneros quem liga a isso, ninguém

E agora desculpem-me, depois acabo este apontamento, a minha Mimi já me arranhou, tem fome e quer a gamela cheia de granulado, entretanto ela chegou com uma caneca numa mão e um livro na outra e assim à vista desarmada não consigo ver o que está lendo, é que não gosto nada de confusões e detesto induzir alguém em erro percebem ? 

Foto roubada da net