sábado, 12 de fevereiro de 2011

16 - AS AREIAS MOVEDIÇAS DA HISTÓRIA ........

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Com o advento do 25 de Abril e o desenvolvimento do processo revolucionário com ele iniciado, o PREC, os portugueses viraram-se sobretudo para o seu umbigo, tendo inclusive o desenrolar dos acordos de independência das colónias passado a factos passados, a passado. Inicialmente o acordo de Alvor, em Portimão 1975, e mais tarde, em 1991, o acordo de Bicesse, supervisionado pela ONU e regularizando o fim da guerra civil angolana e a partilha do poder entre o MPLA e a UNITA, nunca foram factos que nos tivessem intressado apesar de se revestirem da maior implicação para nós e nosso futuro. Entre outras deliberações este acordo estipulou a realização de eleições livres e democráticas em Angola supervisionadas pelas Nações Unidas e a integração das forças beligerantes dos diferentes partidos numas novas Forças Armadas Angolanas, cabendo ao Estado Português, através das suas próprias forças armadas, ministrar a formação necessária a este novo exército, para o que enviaria formadores e conselheiros militares.

Recuando aos tempos anteriores a Bicesse e a Maio de 1991, lembro o muito anterior acordo de Alvor, assinado em Janeiro de 1975 entre o MPLA, UNITA e FNLA e nunca cumprido, a independência de Angola por parte unilateral do MPLA foi assumida em Novembro desse ano e debaixo duma guerra civil iniciada ainda antes do acordo assinado. A independência viria nos dias seguintes e à vez a ser igualmente declarada por cada um desses movimentos. Calcula-se que essa guerra civil tenha sido culpada por quinhentas mil vítimas africanas, viria contudo e mau grado os esforços de Bicesse a terminar somente em 2002.

O acordo de Alvor viu portanto ultrapassado por parte dos angolanos o foco de interesse que Portugal nele depositava, doravante esse nosso falhanço garantiria que fossem quais fossem as condições e os modos de que a descolonização se revestisse ela era dada como certa muito antes de cumprida, porém tal desiderato colocou-a fora do nosso controle por muitas cláusulas que a acautelassem.

Foi assim que ao invés de, nesse momento termos caminhado para Angola, Moçambique, Guiné, Timor e para os restantes territórios em força, a fim de manter o nosso poder negocial e o controle da situação impondo as condições que mais nos interessassem e acautelassem as vidas e o património dos milhares de colonos portugueses e a continuidade da nossa presença, aliás do interesse de ambas as partes como se tem verificado, titubeámos, sem um poder definido engonhámos, ninguém mandava mas todos davam ordens que ficavam por cumprir. O inútil improviso e passa-culpas habitual.

Ao invés da imposição negocial pela força claudicámos, soçobrámos, com consequências desastrosas das quais a população portuguesa nunca teve uma consciência perfeita, tendo mesmo preferido voltar ou devotar comodamente as costas ao problema e continuado o seu PREC, maldizendo e malfadando os que por lá ficaram e os que retornaram, sendo caso para dizer que se não tivessem contado com os milhões de dólares americanos aqui despejados em seu auxilio e geridos pelo IARN, Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais, dificilmente estes teriam sido capazes de refazer as suas vidas, atendendo aos milhares aqui chegados unicamente com a roupa que traziam sobre o corpo.

Mas os reflexos das tímidas e incipientes negociações para a independência das colónias tiveram efeitos mais profundos, menos visíveis por mais longínquos mas indubitavelmente mais condicionantes e determinantes do modo como lhes virámos as costas, com o rabinho entre as pernas e caladinhos que nem ratinhos.

A eclosão do 25 de Abril ditara a estagnação do processo de recrutamento e mobilização, congelara idas e vindas dos batalhões que seriam ou iriam render os que terminavam as suas comissões nas províncias ultramarinas, tacitamente fora ditado um cessar fogo nos cenários de guerra, ninguém a desejava e todos deixaram cair os braços crentes nessas expectativas e os nossos militares circunscrevem-se por iniciativa própria aos aquartelamentos enquanto os guerrilheiros saem das matas a que durante anos tinham sido confinados, confluindo para as cidades, iniciando aí a luta de ascensão pelo poder entre movimentos e dentro de cada movimento, luta que a independência dada sem imposições de força deixara sempre adivinhar ou antever.    

A luta transferia-se gradualmente do mato para as cidades ante o olhar impávido dos nossos militares, maniatados e vendo-a recrudescer, e nem aos nossos compatriotas podendo acudir dado o clima de guerra civil instalado e crescente, mas também por à luz dos acordos e tréguas não lhes serem permitidas ingerências nem sequer disporem de força para as apoiarem ou garantirem caso propositada ou inadvertidamente dela tivessem tentado fazer uso.

Ora esse clima de guerra civil veio precisamente a descambar nisso, numa guerra civil horrorosa e fratricida à qual os portugueses na metrópole fecharam uma vez mais comodamente os olhos e viraram as costas, preocupados e entretidos que andavam com o cerco à Assembleia Constituinte, que teve lugar a uma Quarta-feira, dia 12 de Novembro de 1975, casualmente ou não o dia seguinte àquele em que oficialmente se processou a independência de Angola, preocupados com as conquistas de Abril, com a implantação das suas conquistas, com os direitos a restabelecer e a adquirir, julgando erradamente que o mundo se resumia a este cantinho à beira-mar plantado.  

Como estávamos enganados, o cerne do problema nem era Angola ou Moçambique as duas colónias ou províncias ultramarinas mais significativas, aliás a terminologia utilizada, mais para consumo interno do tuga que outra coisa, assim o ditava. Para nós eram províncias ultramarinas, longínquas certamente, mas parte do território nacional e dele inseparáveis. Salazar herdara o país assim e do mesmo modo pensava entrega-lo na hora de passar o testemunho, tratava-se dum património geográfico mas era também um património histórico. Já para o estrangeiro ou para a ONU tratava-se de territórios sob nossa administração e responsabilidade era certo, mas territórios colonizados e que a exemplo do resto do mundo deveríamos entregar, devolver, conceder a independência, a autonomia. Para a ONU tratar-se-ia dum problema interno, razão pela qual nunca admitiu o seu tratamento ou abordagem como se de uma guerra se tratasse ou anuísse enviar para esses cenários os seus capacetes azuis.

O termo, a palavra guerra era utilizada somente entre nós e para consumo interno, guerra era coisa que o exterior nunca admitiu, quando muito admitiu estarmos a braços com uma guerra de guerrilha derivada da nossa relutância em conceder a essas colónias a independência a que tinham, direito. Nada mais claro, nenhum país nos declarara guerra nem nós a qualquer um deles, africano ou não, porém, se durante anos, todos os países, com a ONU à frente condescenderam com Salazar tal deveu-se exclusivamente ao clima de guerra fria em que o mundo vivia e ao facto da presença portuguesa em África ser vista como a do bombeiro de serviço.

Ao nosso país foram dadas condições e armamento, dado, vendido ou trocado, unicamente com o fito de mantermos o status quo, isto é conter a “guerra”, a guerrilha, não permitindo que a África austral, ou África meridional se incendiasse, não esqueçamos o Zaire ou Congo, a Zâmbia, o Zimbaué, antiga Rodésia, mais a leste a Tanzânia, junção de "Tanganica" e "Zanzibar" dois estados que se uniram em 1964. São muitos estados e muitas lutas p’la independência, a que devemos juntar uma incipiente e tímida luta de autonomia travada na Namíbia, solo sob domínio da África do Sul, país que não desejava de modo nenhum que esse incêndio deflagrasse. Podemos com algum acerto dizer que Angola estava bafejada, ou melhor ameaçada por um anel de fogo, era um barril de pólvora que podia rebentar a qualquer momento.

Este cenário de revoluções permanentes e de combates diários, este anel de fogo encravado entre Angola, Moçambique e a África do Sul, por causa do qual se fizeram e desfizeram algumas aparentemente inverosímeis alianças, parecendo flutuarem ao sabor dos interesses do momento pois se faziam num dia e desfaziam no outro para se recomporem no terceiro, estas forças vivas ou ocultas de guerras e as batalhas que assolaram a África a sul do equador, nas quais os portugueses tiveram participação activa forçada ou voluntariamente mas nas quais se deixaram envolver, desenharam um dos períodos mais negros e mais ignorados da nossa história, história remota a que os portugueses cómoda e mentalmente puseram termo em 25 de Abril de 74.


Porém somente nas suas cabecinhas a história parara, por trás dos panos montados os portugueses e a história continuaram de mãos dadas, ou atadas, é esse lado negro e tão invisível quão inverosímil da nossa história pós independência que em parte vos desejo contar, vos desejo dar conta, acautelando que também esta visão é parcial e redutora, é a minha e como poderão facilmente calcular ou inferir, não tenho o dom da ubiquidade. Contudo creio firmemente muito poder contribuir com um testemunho para o esclarecimento e clareza do muito que se passou em África por nossa causa, inda que depois de “nós”. (continua).

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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

POR QUE SOU MOTARD, BECAUSE I'M A BIKER ..



15 - BECAUSE I'M A BIKER

( ATTENTION ! TRANSLATED IN ENGLISH AT THE END OF THE PAGE )

15 - PORQUE SOU MOTARD


Passará mais uma quadra estival, e, como habitualmente as estatísticas das operações de segurança na estrada não serão animadoras nem encorajadoras.

Continuaremos morrendo alegremente nas estradas, ainda que não perceba qual a nossa mórbida preferência pelo Verão, Natal ou Ano Novo. Por mim o período que atravessamos será não só o mais agradável como correcto, pois por enquanto quer as forças de segurança quer os bombeiros, não têm ainda que se haver com a praga dos fogos.

Gostos não se discutem, o que vale a pena discutir são os “cavalos” e os “air bags” das nossas máquinas, cada vez mais potentes e seguras, pois não queremos, na estrada, ser ultrapassados por qualquer artola, ou morrer ao volante de um veículo infame, mais para burro que para Ferrari, o que em nada dignificaria uma morte tão digna como a que todos certamente ambicionamos.

Para nós, pelo menos nesse momento, só o melhor.

Mas o tempo não está para paleio macabro, vou mas é aproveitar estes dias de sol e dar um passeio.

Tenho já saudades da sensação que a adrenalina provoca em mim, e não são os cigarros nem o atravessar das passadeiras que me fazem vibrar.

Tiro a mota da garagem, acciono o start e deixo-a ronronar enquanto o motor aquece.

Parece-me bela ainda, tal como no dia em que, apaixonado, a fui buscar ao stand. Há algo de subtil nas suas linhas, e não é somente o seu aerodinamismo que me cativa, antes a silhueta.

Experimentem observá-la do posto de pilotagem, tem algo de feminino que não sei explicar, as medidas são as de uma modelo de topo, género 86 – 45 – 86, não brinco, o depósito, largo e bojudo lembrando um peito generoso, esconde um motor potentíssimo, alma que a anima, que me anima, o banco ou selim, estreito e escorreito, para que me possa cingir bem nela como quem abraça uma mulher pela cintura, a traseira de ancas largas, albergando um pneu de medidas soberbas e base de muita tracção e segurança neste tipo de veículo.

Fato desportivo vestido, ajusto o capacete e parto sem destino.

Como é diferente de um carro, um carro é um sofá com rodas, bem pensado esteve aquele anúncio na TV que assim os retratou, efectivamente nunca um carro me seduziu, nem o porte nem a velocidade. Sou aliás condutor cauteloso, respeitador, cortês, nunca buzino nem faço gestos menos próprios a quem quer que seja, e lembro-me que atrás de uma bola vem sempre uma criança, respeito religiosamente o código e os limites de velocidade, sou mesmo um condutor exemplar.

Mas como é diferente a mota, como todo eu fico diferente, há quem vá para o rio pescar, ou quem vá ao futebol, ao cinema, ou beber uns copos para libertar o stress da semana.

Gosto de andar de mota, sem destino tantas vezes, sentir o vento, a velocidade, a vertigem.

Instintivamente busco as estradas largas, bom asfalto, algumas curvas, 120 em segunda, 180 em terceira, 220 em quarta, 280 em quinta, 300 em sexta, tenho mais motor que estrada, mais velocidade que o necessário, a 180 rolo pacatamente em velocidade de cruzeiro, a mota ainda parecendo parada.

Tudo que seja menos de 200 quilómetros/hora não dá para aquecer, só a partir dos 220 a estrada se altera, fica mais estreita, afunilada, como quem olha até a vista a perder, uma linha de caminho de ferro.

É aí que está o paraíso, é a partir daí que as sensações valem a pena, é a partir daí que a adrenalina entra em ebulição, é aí o limite mínimo das sensações que se procuram, é nessa faixa estreita entre os 230 e os 300, que o milagre acontece.

Que o expliquem psicólogos e psiquiatras, que o perceba a Prevenção Rodoviária, que o entenda quem saiba ou for capaz, eu não sei, não compreendo, não entendo, que torna o homem-máquina um monstro ? o risco ? a vertigem ? o desafio ? a inconsciência ?.

Mas se eu até sou um cidadão exemplar !

Acelero quanto posso, curvo perigosamente nos limites, travar a estas velocidades é erro crasso, o joelho quase a raspar o chão, abro a perna dobrada para o lado em que curvo, é um freio aerodinâmico precioso, o corpo tombado sobre a mota equilibra as forças em presença e contraria a força centrifuga, o tronco deitado sobre o depósito diminui a resistência ao vento e baixa o centro de gravidade, os sentidos alerta, os olhos, como um radar, perscrutam a estrada muitos metros adiante observando minuciosamente tudo, os reflexos apurados antecipando tudo.

Homem e máquina são um só, nem uma mulher consegue tal simbiose, nem prolonga no tempo e no espaço tal comunhão.

É uma sensação medonha, avassaladora, viciosa, viciante, a dependência é total.

Porque somente o tabaco, o álcool, as drogas, são socialmente condenados? quem acode ao monstro que vive em mim ? em nós ?.

Nem eu nem tantos outros nos lembrámos ainda de ir escrevendo o epitáfio, mas seria bom que não fossemos apanhados desprevenidos, como tantas vezes acontece na estrada, apesar de cautelosamente anteciparmos tudo.

                    



    One more summer season will pass, and as usual the statistics of road safety operations will be neither encouraging nor encouraging.

    We will continue to die happily on the roads, even if you don't understand our morbid preference for Summer, Christmas or New Year's. For me, the period we are going through will be not only the most pleasant but also correct, because for the time being both the security forces and the firefighters do not have to deal with the plague of fires.

    Tastes are not disputed, what is worth discussing are the “horses” and the “air bags” of our machines, which are increasingly powerful and safe, as we do not want, on the road, to be overtaken by any toy, or to die behind the wheel. of an infamous vehicle, more for a donkey than a Ferrari, which would in no way dignify a death as dignified as the one we all certainly aspire to.

    For us, at least for the moment, only the best.

    But the weather is not for macabre talk, I'm going to enjoy these sunny days and go for a walk.

    I already miss the feeling that adrenaline causes in me, and it's not the cigarettes or crossing the treadmills that make me vibrate.

    I take the bike out of the garage, hit the start and let it purr while the engine warms up.

    She still looks beautiful to me, just like the day I, in love, went to pick her up at the stand.     There's something subtle about its lines, and it's not just its aerodynamics that captivates me, it's the silhouette.

    Try to observe it from the cockpit, there's something feminine that I can't explain, the measurements are those of a top model, gender 86 – 45 – 86, no kidding, the tank, wide and bulging reminding a generous chest, hides a very powerful engine, a soul that animates it, that encourages me, the seat or saddle, narrow and slender, so that I can gird myself well in it as if hugging a woman by the waist, the back of wide hips, housing a tire of superb measurements and basis of a lot of traction and safety in this type of vehicle.

    Sports suit on, I adjust my helmet and leave without a destination.

    As it is different from a car, a car is a sofa with wheels, well thought was that TV ad that portrayed them, in fact, never a car seduced me, neither the size nor the speed. I am, moreover, a cautious, respectful, courteous driver, I never honk or make gestures less appropriate to anyone, and I remember that a child always comes after a ball, I religiously respect the code and speed limits, I am really a driver exemplar.

    But as the motorcycle is different, as I am all different, there are those who go to the river to fish, or those who go to football, to the movies, or have a few drinks to release the stress of the week.

    I like to ride a motorcycle, with no destination so many times, feel the wind, the speed, the vertigo.

    Instinctively I look for wide roads, good asphalt, some curves, 120 in second, 180 in third, 220 in fourth, 280 in fifth, 300 in sixth, I have more engine than road, more speed than necessary, at 180 I roll peacefully in speed cruising, the bike still seems to be stopped.

    Anything less than 200 kilometers an hour cannot heat up, only after 220 does the road change, it gets narrower, funneled, as if looking at the sight to lose, a railway line.

    That's where paradise is, it's from there that the sensations are worth it, it's from there that the adrenaline comes to a boil, that's the minimum limit of the sensations you seek, it's in that narrow range between 230 and 300 , that the miracle happens.

    Let psychologists and psychiatrists explain it, let Road Safety understand it, let anyone who knows or is able to understand, I don't know, I don't understand, I don't understand, what makes the man-machine a monster? the risk ? the vertigo? the challenge ? unconsciousness?.

    But if I am even an exemplary citizen!

    I accelerate as much as I can, I corner dangerously at the limits, braking at these speeds is a blunder, my knee almost scrapes the ground, I open my bent leg to the side I bend, it's a precious aerodynamic brake, the body lying on the bike balances the forces in presence and counteracting the centrifugal force, the trunk lying on the tank reduces wind resistance and lowers the center of gravity, the senses alert, the eyes, like a radar, scan the road many meters ahead observing everything minutely, the reflections determined anticipating everything.

    Man and machine are one, neither a woman achieves such symbiosis, nor does she prolong such communion in time and space.

    It's a horrible, overwhelming, addictive, addictive feeling, the dependence is total.

    Why are only tobacco, alcohol and drugs socially condemned? who comes to the monster that lives in me? in we?.

    Neither I nor many others have yet thought of writing the epitaph, but it would be good if we were not caught off guard, as so often happens on the road, despite cautiously anticipating everything.



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

14 - ESPELHO, ESPELHO MEU............


Olha em frente….
Que vês no espelho que não a inocência e ingenuidade de um anjo ?
Diz-me, que vês nesse espelho ?

Esse rigor auto-imposto fica-te mal, exagerado.
Onde iria o mundo com a bitola de um rigor assim ?
Quanta gente condenarias aos infernos ?
Quanta com pecados bem maiores ? Mas qual o teu ?
Que pecado afinal que não entendo ?
Que exagero não achas ?
Que sabes da vida ?
De tentativas e erros ?
Que moral em ti que te condena dessa forma ?

Experiências não são erros, são dores de crescimento, são partos de maturidade. Não te pergunto se boas ou más, apenas digo que erros desses são os rebites da mulher em construção, em assumpção.

Deus distraiu-se um momento, foi isso e apenas isso, e enquanto tal o teu anjo salvador caminhava neste mundo deslumbrado c’o pecado de que te devia resguardar.

Apenas isso crê.

Dir-te-ei seres louca por assim pensares, que serás mesmo muito louca. Porque não pensares em ser feliz ?

E, isso sim, chamares louco a quem te vê assim ?

Assume esses pecados que o não são, liberta essa alma cativa de conceitos, que te marcam o peito, maltratam o coração, não sejas tola, isso nem é pecado nem segredo, é retrato a branco e preto, nem mata nem consola, importante é não seres vencida, condenada ao degredo, esquece, foi feitiço, foi encanto, foi pedra no caminho, foi instante, que as tuas escolhas não sejam distraídas, que nenhum homem te olhe com indiferença, e, jamais esqueças, vive-se mais quando se sente.

Não te condenes a uma vida sossegada, sem sentimentos, sentido, foge do que não sentires, foge de não existires, e não queiras, como essa gente, estar morta sem o saberes, ou viva sem dares por isso.

Cura essa chaga que abriste c’a inocência que brandiste quando o coração, ébrio, em alvoroço no teu peito se batia.

Esquece, nem saudades nem ciúmes, esquece, porque é assim que as cicatrizes se vão, aos poucos, sem que marcas deixem, que desapareçam, e pronto, o que foi passado passou-se, o futuro há-de chegar, trazendo o amor, sonhos correndo como rio impetuoso, cavado em leito entre vales, varrendo à sua passagem pesadelos e desgostos, culpas sem fundo, pecados imaginados, vinganças inflamadas e lágrimas desperdiçadas.

Ressurgirás pura e inocente como sempre foste, aos dias suceder-se-ão as noites, e, como sempre, sol e lua brincarão de novo perseguindo-se através de continentes oceanos e, no entretanto, os teus prantos já esquecidos.

Teu coração arderá de novo, de novo largará chamas que alimentarão esperanças e estrelas, e tu, mulher, soltarás um sorriso irónico, e, prenhe de consciência, concordarás que na vida não há coincidências e na milagrosa e elíptica espiral que é, por vezes nos apanha desprevenidos e, nem que apenas por um momento seja, ai de nós se esquecemos amor, meiguice, carinho, doçura, paixão, no fundo tudo que dá sentido e cor a esse furacão, tudo que preenche desde a paleta à tela em que o nosso destino desde muito cedo é esboçado.

Estás de partida, a meninice já foi, na estação azulejos, neles um anjo e um querubim, não sabes, como ninguém sabe ainda, qual o caminho, sabes apenas, como cada um de nós, que terás que ir até ao fim, que o destino se cumpra.

Haverá quem te ame, e ame tanto que te achará a mais linda, sorrirás de novo, chorarás de alegria, borrarás o rímel, então por um momento tão pequeno que só tu entenderás, só tu perceberás, olharás o infinito soltando um sorriso, concordando que na vida não há coincidências, e que por algum motivo nos encontrámos numa das encruzilhadas que o fado cantou, canta e cantará, sempre.


Então, só então, te darás conta do quanto vale um amigo assim.



terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

13 - FICÇÃO, É TUDO FICÇÃO...




Ainda hoje a lembro. 

Como não lembrar se corporiza um dos meus momentos felizes, mas também uma das minhas, e muitas, compreensíveis frustrações e arrependimentos. E tantos são que nada mesmo ganho em relembrar. Mas lembro, já que não esqueço, feliz ou infelizmente lembro, com saudade pois que dela ainda gosto.

A estória conta-se em poucas penadas. Já vos estou a ver palpitantes de curiosidade, espreitando avidamente este íntimo e este passado recheados de desilusões, frustrações e arrependimentos, vos garanto. E de erros, tantos erros que quaisquer de vós com a minha idade não somará nem metade, mas não eu que errei, erro e hei-de continuar errando. 

Quem não desconfiou já do meu ar seguro ?

Da minha faceta extrovertida ?

Do meu carácter prá-frentex ?

É tudo fingimento !


Tudo para esconder insuficiências, incapacidades, anos de erros acumulados, de arrependimentos sentidos, desilusões que são chagas, frustrações que me revoltam e põem de mal comigo mesmo. Nunca o confesso, nunca o confessei, e jamais o admitirei, muito menos aqui que esta merda é mais pública que julgamos e tem montes de gente somente espreitando, gente que nunca dá sinal de si, não comenta, não contesta, cobardemente resguardada por consciências comezinhas e que, se tivessem a ponta de um corno de vergonha, já se tinham apagado a si mesmas e hellas ! Do próprio mundo e da vida ! Pois nem farão a mínima falta nem consta que façam algo que interesse minimamente. Ornitorrincos lhes costumo chamar, isto porque posso ser um falhado mas sou respeitador, quando não, imaginem só a desgraça ou praga que lhes rogaria.

A Net tem realmente uma fauna muito “sui generis” cujo estudo empírico ando desenvolvendo há algum tempo e de que vos darei conta na altura certa. Em boa verdade alguns personagens nem direito têm a ser designados fauna, antes os incluiria na categoria de flora, concluído e provado estar para mim haver couves com um QI muito superior ! 

Mas ia eu dizendo, já vos estou vendo escorrer baba de curiosidade, no mínimo tanta quanto do cão de Pavlov, e não arrisco mais não venha a levar por descuido alguma dentada de impaciência. 

Chamava-se Cecília.

Eu era por essa época professor numa escola secundária da cidade, sempre dado ao progressismo e à esquerda, os mesmos movimentos que agora tanto abomino porquanto vanguarda das nossas cabeças mais estúpidas. Guardara desde o 25 de Abril um espólio desse movimento de idealistas cretinos, espólio de que me orgulhava e me servira anos a fio para, em cada escola e em cada efeméride, promover exposições sobre esse arroto histórico. Gradualmente fui-me vendo despojado dessas memórias, em cada um dos eventos não terá faltado cabrão ou filha de puta de esquerdista de merda que me não tivesse roubado um cartaz ou qualquer outro exemplar desse rico e único conjunto, a ponto de me ver quase sem nada. 

Acudiu-me à ideia nesse ano remoto, solicitar a colaboração do Centro de Recursos (nessa altura a designação era menos prosaica, como arquivo por exemplo) de um partido cá do burgo. Diga-se também que nessa altura ainda eu não tinha nada contra esses partidários, nem eles contra mim, já que com o tempo nos incompatibilizámos, ainda que não por causa da Cecília. Uma vez que era ela quem estava à frente desse departamento, logo me prometera colaboração desmedida e quanta eu necessitasse;

                      - Primeiro está o 25 de Abril camarada !

estou a contar-vos tal qual ela o afirmou ! Fiquei banzado ! Não tanto pela inusitada disponibilidade e colaboração da Cecília mas pela sua beleza, pormenor que nem o seu permanente ar meditativo lograva esconder. Um cabelo liso e negro de azeviche que só visto, aliás toda ela sempre de negro, um rosto oval, lindo, por baixo de uma franja parecendo o pano subido de um cenário, sorriso daqueles que nos derretem, encavalitado nuns lábios carnudos, sequiosos, suscitando desejos, olhos fundos de amêndoa, escuros, rasgados e pestanudos, que mais que uma vez me fizeram vacilar as pernas já que não aguentava olhá-los se pestanejassem duas vezes seguidas. 

                     Todos estes atributos tinham como base um peito farto, (e confesso-vos, mais uma fraqueza minha, sempre adorei mamas grandes, não me perguntem porquê) peito que me cambalhotava as órbitas se o calhava fixar, montado numas pernas altas, monumentais, em que por tudo e por nada, até por dá cá aquela palha, em sonhos ou acordado me via envolvido, apertado, submergido ou enlaçado. 

Nem sei por que não me converti à sua doutrina de imediato e perante tais argumentos, ou sei, pois por essa época nada mais recordava nem via que a Cecília, toda irreverente e sorridente no seu blusão de cabedal preto e cheio de fivelas, imagem de marca que nunca abandonava. Concedo que sou bonito, e há quase vinte anos ainda o era mais, (perdoem-me a modéstia), a Cecília também não deve ter resistido à minha beleza, tanto que se eu suspirava por ela, ela suspirava por mim, e, claro, acabámos várias vezes por nos encontrarmos bebendo umas bejecas e comendo uns caracóis, delirando e suspirando com a presença um do outro.

Era de Almada, separada, eu já casado há um ror de anos. Nem ela me sugeriu ir para Almada nem eu que ficasse em Évora. Víamo-nos quando calhava, até calhar quase todos os dias. 

Lembrem-se, eu era prof nessa altura, o mesmo é dizer que não fazia nada, trabalhava poucas horas por semana, não ganhava mal, entrava tarde e saía cedo, daí compreender a actual luta dos meus ex-colegas, com a qual me solidarizo. O “ser humano” não foi feito para trabalhar mas para se dedicar à contemplação, à retórica, à oratória, à filosofia, e ao sexo oposto, esta deve ser a verdade. 

Um belo dia, eu e a Cecília, já fartos de chupar os dentes por neles se terem metido os nossos olhares gulosos, mas também de repartir o mesmo caracol, combinámos sair, o que fizemos numa calma noite de verão. Escolhemos um recanto abrigado do luar por baixo de um sobreiro e ali ficámos falando de nós e da vida umas boas horas. Eu, não querendo ser malcriado, atrevido ou alarve, e, embora com toda a vontade de a amar e tomar toda ali mesmo sem deixar uma migalha que fosse, fui ficando quieto. Ela, ou por pudor ou porque esperasse um meu avanço, ia-se ficando sem me dar o mínimo sinal de abertura, consentimento ou encorajamento. 

E eu népia, só conversa, e ela mais conversa. 

Ficámos conversados ! 

Talvez a minha incapacidade para um momento de infidelidade tivesse contado, não sei, não posso jurar, o que sei é que nunca fui infiel até hoje nem penso sê-lo, o que terá pesado na minha hesitação e reflectido na atitude dela. Não sei se a Cecília me terá julgado ou ficado chamando maricas, a verdade é que aquela noite foi uma frustração para ambos e o facto de não termos voltado a ver-nos é um indicativo dessa desilusão. É com os erros que infelizmente tantas e tantas vezes aprendemos. 

Nunca aquela noite devia ter acontecido. 
Uma coisa aprendi, nunca mais voltou a acontecer-me.
Por quê ? 
Por que nunca mais saí com uma mulher ? 
Por que deixei de ser inexperiente ? 
Por outra qualquer razão ?

Conhecendo-vos como penso conhecer, prefiro deixar esse critério às vossas mórbidas curiosidade e especulação, crente que uma dissecação destas incógnitas nunca será despiciente para ninguém, até porque de outra forma qualquer dia saberiam mais da minha vida que eu próprio, o que não me posso dar ao luxo de permitir.



segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

12 - SONHOS DESFEITOS...



Durante meses voguei em bem-aventurança por mares e oceanos.
Ventos felizes e arcanjos perspicazes uniram-se para, em harmónica simbiose darem corpo ás linhas que, na palma da minha mão, desde a nascença, nelas marcavam um rumo que, durante anos se mostrara para mim e para toda agente, incógnita insondável.
O mistério ter-me-ia sido desvendado quase cinquenta anos depois e, quando numa noite de insónia, me senti levado por prazenteiros sonhos, em canoa aparentemente imprópria para tão inesperadas viagens mas, à qual incompreensivelmente os Deuses concederam os desígnios com que, há séculos teriam prendado Ulisses.
Desta forma inesperada e peculiar marinhei incólume pelo mar da fantasia e p’lo oceano mágico do encantamento, sem que uma vaga sequer, ou um salpico ao menos, me tivesse marcado o rosto tisnado por tanta felicidade que recebi e aceitei mais incrédulo que extasiado por tão inusitada prebenda.
E foram meses atento ás vagas, ás correntes, aos sóis e ás luas de cada noite, numa perdição completa de mim mesmo e numa entrega messiânica e devotada a tão feliz sorte e incontável felicidade.
Jamais teria acreditado no que me sucedia não tivessem sido os cânticos por mim ouvidos, oriundos da beleza indizível de uma sereia baixinha que, por artes mágicas me foi atraindo e chamando a si.
Alucinado por este belo sonho me quedei em ilha mirífica onde o tempo não tinha fim nem principio, o espaço nem alto nem baixo, direita ou esquerda, e cada dia mais cônscio ser ali que desejaria viver e morrer, ainda que os dias não tivessem fim, apesar de recordar auroras indizíveis a oriente e um pôr-do-sol permanente e risonho a ocidente.
Foram tempos imemoráveis que nem sei a que devo a razão de não esquecer mas crer vivamente irrepetíveis, tal a felicidade fruída e que, por insuspeitas razões julguei eterna.
O inimaginável infinito é contudo prenhe de mistérios que o homem não desvendará nunca e, quando tudo julgava perene e imortal ilusão, senti levantar-se um vento medonho vindo das profundezas da minha alma já entregue e devotada, o céu escurecer por arte de negras e ameaçadoras montanhas de carregadas nuvens, as vagas erguerem-se em castelos terríficos que me agitaram o corpo e o ser numa inusitada cadeia de emoções a que os sentidos se mostraram incapazes de responder.
Exausto, vencido, quedei-me petrificado de terror no fundo da singela canoa, não compreendendo por que pecado estaria condenado, visto nem a mínima indulgencia me ser concedida, e, interrogando-me perante tão desgraçada quão breve morte a que a fúria dos elementos parecia destinar-me, já que mais que numa serena canoa, me parecia navegar em montanha-russa, atirado e batido, a cada vaga mais perto do fim, até que outra vaga maior ainda me acometesse, ora boiando num esquife malfadado que ao Adamastor tivesse tido a impertinência de acordar.
Incrédulo, cansado e assustado com a minha sorte e previsível morte, adormeci ou perdi os sentidos ante aquele terror mais vero que imaginado.
Recuperei os sentidos noite alta, mar chão, iluminado pelo que me pareceu o Cruzeiro do Sul que apreendi como sinal maligno de um fim próximo.
Uma vez mais me enganaria, tão depressa se fez dia que, vendo nos céus monstros de papel e aves plásticas sob várias formas e cores, me mirei duvidando da vida em mim, coberto de um suor frio, pingando em gotículas que os raios de sol transformavam em miríades de cores, tão admiráveis quanto as que a bela sereia reflectia quando, na praia maravilhosa para que me arrastara, as suas escamas sob o astro aquecia.
Então tomei consciência de que a minha hora ainda não chegara, pois aquilo mais não podia ser que um presságio benigno dos venturosos dias vividos, cuja lembrança me acalmou a par da bonança instalada, como que para recordar o valor prodigioso da felicidade gozada, pelo que por uma vez acreditei não ter sido em vão tanta meiguice, tanta doçura e ternura, tanto amor e ventura.
Sendo um indiscutível truísmo que só depois de perdidas as coisas nos mostram o seu verdadeiro valor e o alcance da perda, logo ali acreditei que tamanho susto mais não era que uma partida dos Deuses, para que jamais esquecesse a fortuna dos dias vividos ou a quem a devia.
Acordei em sobressalto, entre a noite alta e a madrugada.
Curiosamente chorava, contudo jamais saberei por quê.
Pelo sonho? Pelo susto? Pela perda?