Olha em
frente….
Que vês no
espelho que não a inocência e ingenuidade de um anjo ?
Diz-me, que
vês nesse espelho ?
Esse rigor
auto-imposto fica-te mal, exagerado.
Onde iria o
mundo com a bitola de um rigor assim ?
Quanta gente
condenarias aos infernos ?
Quanta com
pecados bem maiores ? Mas qual o teu ?
Que pecado
afinal que não entendo ?
Que exagero
não achas ?
Que sabes da
vida ?
De tentativas e
erros ?
Que moral em
ti que te condena dessa forma ?
Experiências
não são erros, são dores de crescimento, são partos de maturidade. Não te
pergunto se boas ou más, apenas digo que erros desses são os rebites da mulher
em construção, em assumpção.
Deus
distraiu-se um momento, foi isso e apenas isso, e enquanto tal o teu anjo
salvador caminhava neste mundo deslumbrado c’o pecado de que te devia
resguardar.
Apenas isso
crê.
Dir-te-ei
seres louca por assim pensares, que serás mesmo muito louca. Porque não
pensares em ser feliz ?
E, isso sim,
chamares louco a quem te vê assim ?
Assume esses
pecados que o não são, liberta essa alma cativa de conceitos, que te marcam o
peito, maltratam o coração, não sejas tola, isso nem é pecado nem segredo, é
retrato a branco e preto, nem mata nem consola, importante é não seres vencida,
condenada ao degredo, esquece, foi feitiço, foi encanto, foi pedra no caminho,
foi instante, que as tuas escolhas não sejam distraídas, que nenhum homem te
olhe com indiferença, e, jamais esqueças, vive-se mais quando se sente.
Não te
condenes a uma vida sossegada, sem sentimentos, sentido, foge do que não
sentires, foge de não existires, e não queiras, como essa gente, estar morta
sem o saberes, ou viva sem dares por isso.
Cura essa
chaga que abriste c’a inocência que brandiste quando o coração, ébrio, em
alvoroço no teu peito se batia.
Esquece, nem
saudades nem ciúmes, esquece, porque é assim que as cicatrizes se vão, aos
poucos, sem que marcas deixem, que desapareçam, e pronto, o que foi passado
passou-se, o futuro há-de chegar, trazendo o amor, sonhos correndo como rio
impetuoso, cavado em leito entre vales, varrendo à sua passagem pesadelos e
desgostos, culpas sem fundo, pecados imaginados, vinganças inflamadas e lágrimas
desperdiçadas.
Ressurgirás
pura e inocente como sempre foste, aos dias suceder-se-ão as noites, e, como
sempre, sol e lua brincarão de novo perseguindo-se através de continentes
oceanos e, no entretanto, os teus prantos já esquecidos.
Teu coração
arderá de novo, de novo largará chamas que alimentarão esperanças e estrelas, e
tu, mulher, soltarás um sorriso irónico, e, prenhe de consciência, concordarás
que na vida não há coincidências e na milagrosa e elíptica espiral que é, por
vezes nos apanha desprevenidos e, nem que apenas por um momento seja, ai de nós
se esquecemos amor, meiguice, carinho, doçura, paixão, no fundo tudo que dá
sentido e cor a esse furacão, tudo que preenche desde a paleta à tela em que o
nosso destino desde muito cedo é esboçado.
Estás de
partida, a meninice já foi, na estação azulejos, neles um anjo e um querubim,
não sabes, como ninguém sabe ainda, qual o caminho, sabes apenas, como cada um
de nós, que terás que ir até ao fim, que o destino se cumpra.
Haverá quem te
ame, e ame tanto que te achará a mais linda, sorrirás de novo, chorarás de
alegria, borrarás o rímel, então por um momento tão pequeno que só tu
entenderás, só tu perceberás, olharás o infinito soltando um sorriso,
concordando que na vida não há coincidências, e que por algum motivo nos
encontrámos numa das encruzilhadas que o fado cantou, canta e cantará, sempre.
Então, só
então, te darás conta do quanto vale um amigo assim.