quinta-feira, 22 de novembro de 2018

549 - CARROSSEL MÁGICO, by Luísa Baião * ........

  
Para que o dia fosse um daqueles dias de encantar só faltava mesmo aquela coisa que logo pela manhã vi no ar. Um homem, sim, um homem passeando um carrossel que com uma guita segurava pela mão. Girafas, zebras, cavalos, grilos, golfinhos, serpentes, peixes, tantos peixes que o dia num repente ficou mais que parecido com um aquário. Tudo girava em montão, tudo tomara asas tal como um balão, fugidio caso lhe largassem a guita.

Eu marchava pela praça vogando ao sabor dos pensamentos quando quase esbarrou comigo um elefante azul e orelhudo. Tamanhas orelhas fizeram-me recordar uma entrevista dada vai já talvez para três anos a José Faustino, da Rádio Diana. Engraçado que, nessa entrevista, lembro-o tão bem, eu era só orelhas e cuidados. Engraçado como não aproveitei as oportunidades que cada pergunta encerrava.

Senti-me empurrada, parecendo que alguém algo queria arrancar de mim ou arrancar-me dali, tal foi a sensação quando uma mastodôntica baleia branca, perseguida por uma orca malhada, quase me atirou passeio fora.

Então, pouco à vontade na política, então, pouco à vontade no protagonismo obtido com a vitória numa freguesia tão difícil, remeti-me, qual caracol, para dentro de uma concha protectora, o que hoje considero ter sido exagerado.

Olha! Lá vai uma andorinha ! É primavera já ? Sabem dizer-se serem elas mensageiras de Deus ?

Que me perdoe o José Faustino se aquela entrevista lhe não rendeu o esperado, temi que procurasse sangue e burilei as respostas tanto quanto pude. Tanto que, ouvida hoje, até me pareceria não ter sido eu a estar sentada frente a ele e àquele microfone.

Céus! Isto hoje está impossível ! Vejam-me só quantos cavalos-marinhos aqui na praça !

Mas creio que apesar de tudo não estive mal e penso que, melhor que eu, os governos tidos ao longo desse período responderam a muitas das interrogações (provocações?) que o José Faustino me atirou acima e que, qual nora emperrada, tentava tirar de mim com uma fateixa.

Essa zebra deve ter pensado que a não vejo, ela que se cuide, já por aí vi tigres de Benguela, ops ! Que tropeção bolas ! Que mar encapelado, só mesmo aos leões-marinhos apetece brincar ! Larguem-me os pés seus malandros, por favor !

 

Uma questão teimada andava à volta da diferença entre ser de esquerda ou de direita, fugi-lhe um pouco à resposta claro. Um leão da savana olha-me intimidativo, parece o José Faustino conduzindo o interrogatório. Hoje já não se é de esquerda nem de direita, foi o que pensei para comigo, é a verdade e em concomitância lhe respondi furtando-me a uma resposta directa.

Olha que lindo cavalo branco ! E que crina bem cuidada ! 

          Hoje não teria fugido a essa pergunta como então o fiz, ter-lhe-ia dito frontalmente que não me inscrevo nessas marcas, que estou acima delas e sou pelas pessoas, pelo social, pelo progresso, pelo bem-estar, pela qualidade de vida e que, se alguma diferença existe entre forças políticas essa diferença está no fazer, exacto, no fazer.

Um pinguim avança para mim aos tropeções, só mesmo a ele achamos graça se aos tropeções.

Portugal, Évora, o país, a região, precisam de acção, precisam que por eles se faça alguma coisa, tudo. Lá aparecerá quem faça, como apareceu quem não tivesse feito.

Que lindos estes peixes, confundem-me com uma das deles por me verem soltando bolhinhas da boca !

Parecemos todas ou somos todos bons treinadores de bancada. Não há nenhuma, nenhuma de nós que não saiba o que deve ser feito para que isto se endireite. Pois façamos. É só fazer. Não é tão difícil como parecerá à primeira vista, é só fazer, é só ter vontade, é só compreender, é só arranjar motivação, de sobra, para os amigos também. E fazer. E sorrir. E dar despacho. E procurar a resposta. E achar a solução. E voltar a sorrir satisfeita com mais um problema resolvido, um obstáculo ultrapassado. É dar o exemplo. É exigir o exemplo. É exigir o exemplo. É exigir o exemplo.

Crocodilos do pântano levitam por cima de mim, corri para o homem da guita, quis comprar-lhe um bilhete para o carrossel, não mo negou, apenas me impediu por ser adulta. Mas foi simpático, atirou-me um sorriso de tamanho paquidérmico, com tal força que me desarmou. Mas não me quebrou o sonho, nem me atirou um não à primeira, disse-me que sim, mas…

- “Gostaria muito, teria até muito prazer nisso, mas a senhora veja, é já crescida, os animais não aguentam”

- Retruquei-lhe com a lábia mais sabida que tinha à mão, disparei-lhe um dos meus sorrisos/gargalhada, uma palmada nas costas, como fazem os homens, bebemos uma bejeca e ali mesmo lhe paguei todos os balões do carrossel, que distribui pelas crianças correndo mais doidas que eu com aquele zoo inesperado.

E foi belo, enquanto as cervejolas frescas gorgolejavam goela abaixo, era ver a miudagem circulando, contornando árvores e nuvens, subindo e descendo, até que o contentamento os fazia voar céleres direitinhos a casa.

Que cheiro a bolacha americana ! Onde ? Que desejo de matar saudades !

Os vendedores de balões nunca me desiludiram. Desculpa lá Faustino se nesse dia te troquei as voltas, é que não estava à vontade com uma joaninha que me tinha calhado em sorte.

 Abraços.


* Publicado por Maria Luísa Baião‎ em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, ‎ escrito numa quinta-feira, ‎10‎ de ‎Novembro‎ de ‎2005, ‏‎pelas 10:44h



sábado, 17 de novembro de 2018

548 - ONTEM AMIGA TUA NO CAFÉ ....................




ONTEM AMIGA TUA

Aportou à minha mesa no café,
depositou docemente duas
não mais que três palavras de conforto,
entre elas o teu nome,
e foi quanto bastou para,
num soluço incontrolável,
se me ter desatado o pranto,
o que não me envergonhou por,
por seres tu quem ainda estou chorando,
todos os dias,
sempre.

Sem almejar estancar a dor,
meter travões ou solução no que,
quão menos espero me tenta e embaraça,
que enfrento com estoicismo,
qual heroísmo,
grato por te lembrar,
por me lembrares quanto perdi e,
jamais esquecer-te,
e perdoar-me, perdoar-te.

Só agora me arrependo
de me não ter arrependido antes,
nesses instantes,
de coisas mil,
bagatelas baratas,
pechisbeque sem importância,
tolices irredutíveis,
agora risíveis,.

É que só agora que não posso
o teu perdão busco, rogo,
e lembro arrependido a clemência que não tive.

Sobrava-me arrogância, parvoíce, tolice,
vaidade tosca,
por isso peço e concedo,
agora, tarde,
o perdão que não mereci,
perdoa.

Não te esqueço, nunca esquecerei,
duvido que alguma vez te esqueça meu amor.


by Humberto Baião – Évora, 15-11-2018, 16:36h

547 - RECORDO AINDA ESSA SURPRESA ........

      

RECORDO AINDA A SURPRESA

Recordo ainda a surpresa, o espanto,
o sobressalto,
a perturbação do instante, o medo,
no momento.

Miravas-me, medindo-me,
e nesse preciso e instantâneo espaço
impressionaram-me os teus olhos,
olhos de boi apontando a mim,
olhos de batráquio
medonhos, anfíbios,
enormes.

Sonhos nunca abandonados,
sonhos meus sonhos sonhados, 
neles sonhado envolvido,
embrulhado com um laço,
banhado em morna placenta,
olhos grandes, lindos, ventre,
conforto, ternura, promessa.

Ai quanto adoro olhos piscando,
farol golfando vitais sinais,
por lagos, mares e oceanos,
onde me perco,
onde me perdi desde que os vi,
febril instante mágico,
um flash, um momento.

Há sempre primeira vez,
vez primeva,
hipnotismo magnético,
refeita a surpresa,
levantado, olhos esbugalhados,
olhei de novo  e,
esfregando-os, 

Medusa

Eu petrificado, imobilizado,
enleado nos cabelos revoltos,
tropeçando em angelical rosto,
sonhando,
qual encantador de serpentes.

Fantasiando.

Enfiando neles dedos pente,
acariciando-te a nuca,
beijando-te o pescoço,
roçando na tua a minha face,
deixando-me vogar,
perdendo-me.

Quão desejava eu perder-me em ti,
para assim finalmente me encontrar…


by Humbberto Baião – Évora, 15-11-2018, 15:46h






terça-feira, 13 de novembro de 2018

546 - ANJINHO MAGENTA, FÚXIA, VIOLETA, ROXO, PÚRPURA, LILÁS OU FÚCSIA…


"bairro Magenta, Milão, Itália"
                                                        O SEXO DOS ANJOS

A que aspiras tu anjinho,
tu que deverias ter abandonado
os sonhos de menino,
e desta vida nunca andares alheado.

Alheado, acabrunhado, amargurado,
tu, que tão longe vês, alcanças,
com entrega e de ar apaixonado,
do universo, mistérios e mudanças.

Daria a vida espreitando-te as esperanças,
os sonhos, tudo quão acalentas,
pudera eu guardar essa lembrança,
repartir contigo essas imagens violentas.

Aligeirar-te a imaginação magenta,
da tristeza, da melancolia roubar-te o fardo,
romper-te a purpúrea placenta,
olhar-te, e ver em ti um felizardo.

Sacode mistérios cósmicos vivos em ti,
tu que chispas espiritualidades mil
olha só quanto contigo eu aprendi,
a inspiração metafisica, o azul do mar anil.

Pudesse eu as cores agarrar,
segurar em meus braços num abraço,
saber que poema acarinhar
sem o deixar cair com estardalhaço.

Soubesse eu como
beber da tua cor purificada,
sacudir este medo monocromo,
saciar minha alma tão cansada. 

                        by Humberto Ventura Palma Baião – Évora, 13-11-2018, 05:59h
Pintura de João Magalhães.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

545 - AMAR-TE COMO AMO O AZUL DO MAR ... *

Pintura de João Magalhães.

Tentei amá-la sempre mais e mais, por muito que ela me amasse a mim pois há vinte anos sabia que, mais dia menos dia este amor acabaria assim. Assim como um inesperado sobressalto apesar de há muito ser coisa sabida e, nem o saber isso me minguou o pesar ou diminuiu em mim a perda perdida, nem esta dor sentida e muda.

Dor que dói, dor que corta, me acelera o coração e, nele, fervendo como numa retorta, esta raiva enraivecida contra nem sei quem dirigida e me alimenta, sustem e projecta contra tudo e todos como boca de fornalha, essa coisa que me queima até a alma e não se cala, ruge, arranha-me e consome-me todo, tudo, as noites, os dias, o mais íntimo de mim e todos culpo, até a Ele porque mesmo quando menos o esperava te perdi.

Deambulo por aí perdido eu por ter-te perdido a ti, vogando erradamente entre o sul e o norte desta vida agora sem sentido e, o pica, comedido, temendo o raiar vermelho dos meus olhos, este olhar luciferino, diz-me a medo:

- Subiu na linha errada, vai em sentido contrário, irei ignorar a sua confusão, mas terá que mudar de comboio na próxima estação, lá chegaremos dentro de momentos.

E eu, confuso, confundido, viro e reviro entre os dedos este bilhete com que, fugindo, julgava achar-te quando me encontrasse e finalmente o destino se condoesse e nos juntasse.

Com a mão sobre os olhos desço no Porto mas busco-te em Portimão, perdido, encandeado, olhando mas não vendo, procurando, buscando e não encontrando, não te sabendo onde, se em Leça da Palmeira se em Vila do Conde, se em Albufeira, se em Quarteira ou na foz do Arade, o fogo avançando, este calor queimando seja noite, manhã ou tarde, protegendo os olhos, ardendo, sufocado por esta saudade que me dobra e consome, tudo em meu redor enegrecido, tudo é nada, tudo arde.

Perdido e esperançado salto enlouquecido de fornalha em fornalha e em todas elas palha, nada, zero, nem uma agulha entre as cinzas deste palheiro que agora sou, cheio, grande, atafulhado de alto a baixo duma raiva enfardada, atada, contida com o pranto que abafo, pelo grito que calo, mas que ameaça rebentar-me no peito, saltando em enxurrada todo este amor que inda te tenho, incêndio que combato sem sucesso e com o mesmo ímpeto com que o alimento porque te amo muito, porque te amei e amarei sempre.

Não me calarei enquanto amor e dor de mãos dadas me arrastarem, nem quando ao soluços me abafarem a voz com que te busco ou me caiam as lágrimas e teimem correr onde as não consinto e contudo atrevem-se, teimam, toldando-me o juízo, quebrando-me a visão, o caminho, o horizonte deste oceano em que vogo perdido desesperadamente agarrando-me a ti, tudo me parecendo real e sem sentido agora que, despido das cores que me vestias, navego empurrado por um vento gélido que me enregela os ossos, faz bater o dente, temer o devir e o presente.

Amo-te mais agora que te não encontro que terei amado alguma vez no passado, a que me agarro como náufrago esperançado numa ilha a que aportar, minado por miragens de embalar, levado pelo canto de sereias para esse mar em que te creio e onde, para te encontrar quero afogar-me, nele entrando de rompante, submergir, abraçar-te como dantes e, ali ficar terna e eternamente amando-te apesar da noite de breu que sobre nós se abateu.

Apertando-te egoisticamente contra mim, protegendo-te, defendendo-te dessa sina ameaçadora pairando sobre nós, nuvem escura, polvo, monstro em fuga ante o meu grito, aqui neste mar de tristeza mando eu, eu e tu meu amor a quem cegamente amo, e sabendo isto o mostrengo picou até ao fundo do mar para no momento seguinte se erguer voando à nossa volta, revoando três vezes, chiando revoou três vezes, três vezes à nossa roda rodou esse mostrengo rodopiando e dizendo:

- Quem sois que haveis ousado entrar nos meus domínios, nestas profundezas, quem sois que vos não desvendo, quem sois que vos amais no fundo do meu mar, do mar mais negro do mundo?

E abraçando-te com maior ardor, eu que ia no leme tremi e disse:

- Eu a quem o amor tira todo o medo !

E por três vezes do leme as mãos ergui, e três vezes ao leme as reprendi.

E disse no fim de tremer três vezes:

- Aqui ao leme sou mais do que eu, sou amor sem fim que quer o mar que é teu, e mais que tu mostrengo que minh’alma teme e que rodas nas trevas do fim do mundo, manda esta vontade que me ata ao leme, um amor sem fim, um amor sem fundo que quer o mar que é teu, e este amor que é meu e o maior do mundo. **


** NOTA: O final do texto foi adaptado do poema O MOSTRENGO de Fernando Pessoa. 

Pintura de João Magalhães.
** https://www.youtube.com/watch?v=qGI8MP0ipsc