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- ESSA HISTÓRIA DO IMI NO CENTRO HISTÓRICO
# TEXTOS POLÍTICOS 24 #
Afivelei
um sorriso rasgado quando atirei os bons dias p’ra cima da mesa do café, mesa à
volta da qual todos conspiramos e cascamos tanto nos assuntos do dia quanto uns
nos outros e em especial em quem não está, ou mais precisamente em quem nem
está.
O
motivo da conversa do dia surpreendeu-me, pela algazarra, mas também e
sobretudo por todos quebrarem em uníssono o hábito dos últimos tempos,
calarem-se a tudo que metesse ou cheirasse a politica, porém o IMI, e as
repercussões da aplicação do coeficiente de localização, isto é a avaliação do
valor dos imóveis para efeitos de tributação, aqueceu os ânimos, ali todos eram
proprietários de habitação própria sendo alguns senhorios, daí a celeuma levantada
e as expectativas em redor da questão do IMI.
Agastado
com o tema sentei-me e nem abri boca, quedei-me para ali a ouvi-los; que o IMI
iria baixar alardeavam uns, que o IMI subiria alvitravam outros, puro
eleitoralismo chutou um terceiro, quando mexem nalguma coisa nunca é para
descer ó parvalhões, ajuizou um quarto. Alguns municípios nem o poderão descer
mesmo que queiram, por estarem submetidos a programas de recuperação financeira
como o PAEL lembrou a Anicas, enquanto me olhava como que pedindo a minha
concordância ou confirmação, colando a coxa à minha numa atitude tão
displicente quão desinteressada ou distraída, sabendo eu não dar ela ponto sem
nó, desde que há meia dúzia de anos o Albertino a deixara viúva e ela paulatinamente
recuperava os modos, o viço e a fogosidade de quando era muito mais nova (mau
grado a prótese que lhe sabíamos na anca), com resultados muito positivos
diga-se com toda a franqueza e em abono da verdade.
Fingindo
não perceber a coisa e evitando cruzar o olhar com ela, eu ia ouvindo uns e
outros enquanto cofiava a barba, quer dizer o queixo bem escanhoado, gosto da
barba feita à lâmina com a velha Gillette e de me perfumar depois p’ra ficar bem-disposto,
disposição que nem só o tema do dia logrou retirar-me, há gente que nem sabe o
que perde por não ficar calada, enfim, parvoíces.
- E
tu Baião ? Que achas desta dança do IMI. P’rá i tão calado, diz lá à gente o
que
-
Acho bem, nem poderia achar de outro modo, os que podem aos que precisam, isto
já nem é IMI, é mais uma taxa de solidariedade, pelo que vou comer e calar, até
porque é como tudo o resto, a tendência será sempre para subir e não descer,
solidariedade meu, sabes o que é ? Faz a tua parte e cala-te.
- Eu
fazer faço, faz tu a tua, e isenção de IMI no centro histórico o que dizes ? Também é coesão ? Solidariedade ?
-
Olha, em princípio digo que todos os impostos são uma violência, porém
necessária nas sociedades que se querem civilizadas contudo, a partir de determinado montante passam a ser não somente autênticas obscenidades como
acabam por desmotivar quem trabalha e quem investe, prejudicando a economia. Essa
isenção no centro histórico é mais um erro disfarçado de solidariedade para com
os desgraçadinhos. Qualquer casa localizada no centro histórico vale mais que
outra em idênticas condições fora dele. Já vale mais, já é uma mais-valia para
o seu proprietário, quer a venda quer a arrende, rende sempre mais. Por quê
isentá-la ? Porque não se isenta o outro desgraçado fora do CH ? Isentar os prédios localizados no CH não será meter os
outros desgraçados a pagar por quem já é mais beneficiado.
- És
um insensível, por acaso sabes que há velhotes que nem dinheiro têm para
recuperar as habitações que têm no CH ? E
para quem essas habitações, a pagaram IMI ou mais IMI se tornariam um encargo insuportável
? Nem conseguem arrendá-las nem ao menos repará-las…
-
Olha filho, quem não pode arreia, não tenho que ser eu nem tu nem os demais
contribuintes a patrocinar quem tem mais bens ou bens mais valiosos que nós
outros, venda a quem possa recuperar o prédio, meta o dinheirito no bolso e não
se encavalite nas nossas costas. Esse tem sido o mal deste país. Quem beneficia
é que deve pagar, e pagar mais e não menos. Desde que o que haja a pagar seja
justo claro e não o roubo habitual. Até
por que há que estar atento a campanhas de fundos europeus destinados à reconstrução
e recuperação de cidades ou zonas citadinas e candidatarmo-nos a eles, de outra
forma não vejo como possamos fazê-lo, pobre como é o país e a maioria das
autarquias. Autarquias que para guiar os idosos nesses meandros deveriam abrir
gabinetes próprios que abrangessem projectos de arquitectura, financiamento,
orçamentação e adjudicação a empresas que quisessem entrar no “negócio”.
Boas
vontades contam muito. Salvo erro foi assim que a câmara do Porto há uns anos recuperou toda a zona ribeirinha, e se não me engano também Vila Nova de Gaia.
-
Olhem a conversa deste cabrão hoje, acordaste com o cu destapado foi ? Tas
sempre mandando postas de pescada contra tudo e todos e hoje deu-te para a sobriedade e solidariedade foi ? Se fosses…
Não acabou a frase nem teria sido
necessário, percebi-o claramente e volto a dizer de mim p’ra mim não se poder
dar confiança a esta gente, a Anicas adivinhando-me o pensamento fez-me saber
estar do meu lado e, encostando mais a perna, com qual por três vezes
consecutivas fez mais pressão sobre a minha, deu-me um sinal que eu entendi
perfeitamente. Para ser sincero a vontade que me deu foi dar-lhe um leve toque
de cotovelo para que saíssemos dali deixando a canzoada a ladrar sozinha, quer
dizer falando sozinha. Vontade não me faltou, e tenho a certeza que nem à
Anicas faltaria, mas um homem tem que manter a sua honestidade e integridade,
um homem tem que saber estar e saber comportar-se, que diriam todos da nossa
dignidade ao ver-nos abalar os dois ao mesmo tempo ? Só quem não os conheça
errará a resposta, e quem os não conhecer que os compre…
Refreei-me
evitando polémicas e nem respondi ao alarve.
-
Vejam ali na Tv. a nota de rodapé que está passando alertou com urgência o
Faustino, «o desemprego mantêm-se em 9,4%…», e enquanto se mantiver alto, e
mesmo baixo que seja, se não produzirmos mais os impostos jamais descerão, IMI
incluído, o país, os ministérios e os municípios, estão pejados de funcionários
públicos aos quais é preciso pagar, e depois de se lhes pagar não sobra um
tostão nem para mandar cantar um cego, isto meus amigos, pagar impostos, é
solidariedade como disse e bem o Baião, contando que ela dará também para o que
é sumido nos bancos falidos, na divida cega, na fuga aos impostos, na corrupção
generalizada de que ninguém tem provas, nos milhões que a incompetência queima
e a irresponsabilidade some…
-
Ora, mas ao menos consomem, mantêm a economia funcionando, não é o que se diz
agora ? Que é necessário aumentar o consumo interno ? Estes consomem, ao menos
consomem, se estivessem desempregados seria duas vezes pior, repenicou a Teresa
do alto do seu poleiro e que o facto de ter sido sindicalista lhe consentia e a
obrigava.
- Ó
minha menina, naturalmente tens razão, condescendeu o Faustino já agastado,
desempregados seria duas vezes pior, então do mal o menos, e sempre seriam mais
dramas quando eles nem são culpados da trampa em que os nossos políticos nos
atolaram a todos, mas se fossem funcionários do sector privado estariam a
produzir e igualmente a consumir, estás vendo a diferença ? É que o óbice da
coisa ou das coisas é precisamente a não produção !
-
Ora essa, então não produzem ? Voltou a Teresa à carga.
-
Claro que produzem sosseguei-a eu, pouco e mal embora a culpa não seja deles,
eu diria que o funcionalismo público funciona “abaixo da capacidade instalada”,
mas sim, produzem, ou induzem, algures a montante e a jusante sempre ajudarão a
algum consumo, e a alguma produção, mas com o investimento público e o privado
quase inexistentes que têm para fazer ? Os homens ainda se podem dar ao luxo de
coçar os ditos cujos, e elas ?
Foi
demais, fui longe demais e talvez a tenha ofendido, virou-me as costas sem retrucar
e desandou…
Mas
é a verdade, não por sua culpa mas alimentamos um funcionalismo público pesado,
quantas vezes burocrata, ineficaz, que por vezes complica em vez de aclarar, e
cujo consumo, tal como o privado, não poucas vezes é canalizado para fábricas
alemãs, francesas, italianas e japonesas de automóveis e motas, material para
fotografia e reprografia, consumíveis e uma plêiade de importações que nos
afogam, é a nossa sina, a nossa solidariedade funcionando.
Contradição
? Mas se o país vive delas, está cheio delas ! Que dizer quando na Tv. nos
apresentam a recuperação do imobiliário como se de sucesso ou de construção
civil se tratasse ? São compras e vendas, na sua maioria especulações, comprar
por cinco e vender por dez, aplicar o dinheiro que foge aos juros e que no
banco não rende, ou a ser sumido nos bancos falidos e nos que irão falir, o
imobiliário é o novo colchão do aforro luso, são aplicações ou investimentos
financeiros destinados a dar segurança ao capital.
Essas aplicações de capital não
passam de subtis ou declaradas fugas à irresponsabilidade e incompetência dos
nossos políticos e gestores e, qualquer dia, nem um porquinho capitalista
meterá um tostão furado neste mealheiro à beira-mar plantado... Alguém acredita
por exemplo que o incremento na venda de automóveis, especialmente verificado
nas marcas premium seja um sinal de pujança da economia ? Contudo é assim que
nos vendem estes factos…
Anda
daí Anicas, tá na hora de almoçar e estou fartote de aturar estes palermas.
Temos
que falar…
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