É Natal e como sempre faço um balanço do ano que termina. No que a ti toca notei desvanecendo-se entre nós uma amizade que prometia, as tuas notícias são agora mais espaçadas e mais raras, como de quem já nada espera deste lado e pensará, muito justamente,
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Isto foi chão que já deu uvas.
Tu
tens razão. Eu tenho culpas.
Dá
voltas e voltas a vida e, quando pensava dar uma à minha, quando me preparava
para monopolizar o teu sorriso permanentemente alegre e contagioso, quando
contava com a tua eterna simpatia, empatia, e meiguice, quando sonhava pentear
com os dedos os teus lindos cabelos em perene desalinho, abraçar-te, pousar o
queixo no teu ombro, meter as mãos por baixo dos teus braços e sentir nelas o um
coração batendo tanto quanto o meu, quando os dois, olhar fixo no horizonte sobre
as ameias do castelo, colado a ti, a minha face na tua, tu aninhada num abraço sem
fim protegendo-te do vento, do frio e dos olhares enquanto sonhava ver-nos flutuando
sobre o espelho de água do Alqueva, até aprendermos a voar juntos, a flutuar
juntos, uma, duas e muitas vezes, sempre. Todavia contive-me, para que não
viesses a julgar-me oportunista, aproveitador, sacana ou traidor.
Eu
lembrando uma manhã azarada e cumprindo palavra e promessa dadas ao Gouveia,
morrendo no meu colo clamando p’la mãe, chorando a Fátima, forçando-me a juras
que demorei quase cinquenta anos a cumprir, não esquecendo ter nessa mesma
tarde tido a minha sorte ou o meu azar e quase o acompanhar. Não fora ela e
hoje não estaria aqui sonhando-te, rangendo os dentes de raiva por o destino se
ter atravessado no meu caminho quando menos esperava e p’ra ti já apontando,
nada mais me restando que lembrar-te com carinho, o mesmo carinho que em ti
encontrara, que de ti esperava e cuja perda me deixou em desespero.
Com
inusitada frequência olho as tuas fotos, para que se não esfume em mim a imagem
de alegria eterna que em ti vive e de ti guardo na memória pois dizem que na
velhice é dela que nos alimentamos, de algum café, e pouca coisa mais… Deus te
guarde assim alegre até ao fim, apesar das desilusões, dores e padecimentos que
certamente também terás sofrido. Como daríamos valor aos bons momentos se não
pudéssemos compará-los com os piores ? Na sua infinita sabedoria Deus deu-nos
tudo, para que tudo possamos valorar e apreciar, comparar, e discernir.
Guardo
comigo um lenço grande, comprido e colorido o qual por vezes bem apertado enrolo
ao pescoço, como se alguém me abraçasse e, enquanto a caldeirada esfria, fecho
os olhos e abandono-me absorvendo o seu odor. E sonho.
Há
sonhos lindos. Há sonhos que podiam ter sido lindos.
Nunca esquecerei.