Olhos
vermelhos, carregados, inchados, e só o cansaço te foi visível ? E o
peso acumulado de sonhos desfeitos ? Ou traídos ? De frustrações assumidas ? O
cansaço de tantos fardos carregados não lograste alcançar ? E os meus olhos ? Mais
é o que escondem que aquilo que mostram não é ? Mas tu não sabes e por eles
tentas descortinar-me a idade ? Olhando-os ? Medindo o grau e a cor que
carregam como quem numa feira esquadrinha cautelosamente os dentes de uma mula à
venda por qualquer cigano ?
E eu
feliz, escondido nestas olheiras mas feliz, rindo do mundo, desse mundo que
aprendi a não tomar a sério mas para o qual me faço parecer ou não me
perdoariam a ousadia. Sei-o, não me perdoarão o desprendimento das coisas
terrenas, o alheamento aos pormenores comezinhos que prendem, prendem ?
Sim
prendem as vidas vulgares, fúteis, cheias de nada, impantes de vazio !
Eu sorrio
para mim mesmo apesar das desilusões. Também as tenho, mas sempre saboreando a
vida ainda que esta tenha duas faces como qualquer moeda, sabendo que sem uma a
outra nada vale, é falsa, por isso sei dar valor a cada momento, a cada minuto,
como se único, e fruí-lo porque será pago, ser-me-á cobrado como tudo na vida,
o reverso, a outra face, e só quem está para se dar receberá, apesar dos
custos, da cobrança na hora do acerto. Por isso este coração enorme,
devastado, devassado, ferido, cicatrizado, contudo cada vez maior, cada vez
mais dado, oferecido, e quanto mais oferecido e dado mais se agiganta, feliz,
contente, jamais saciado mas permanentemente em paz, em dádiva, em oferenda.
E é
pelos olhos que me perscrutas ?
Que
coisa mais tola, abre-me antes o peito, olha-me o coração, vê como sou, ficarás
maravilhada, assombrada, talvez siderada. Não presa, não estupefacta por bater
ainda certo, ritmado, mas surpreendida com a sua grandeza,
generosidade, porque apesar dos remendos, o seu acolhimento e magnanimidade, a
sua invariável batida, o modo repentino como bateu acelerado ao teu olhar, ao
teu toque, à tua observação.
E
crê-me, fora as marcas que observaste não recordo já os maus momentos, nem jamais
esquecerei os bons por um segundo que seja. E vivo sem tormentos, uma vida
plena, feliz, cheia, preenchida, uma vida !
Eu
tenho uma vida sabes ?
E
adoro-a, e adoro-me, e uma desmesurada confiança, este amor-próprio, esta
auto-estima, e o ego inflado quanto baste, e nem um bar a mais, e nem um grama
a mais, e tanto que me falta, e tanto que não tenho, porém nem invejo, nem
procuro.
Espartano
no ter, estóico no ser, vivo feliz, saciado, tenho uma vida sabes ? Vivo ! E
não me chega o tempo, e sobra-me disponibilidade, como o Cristo-Rei, braços
abertos, sim, sou eu ! Verdade que sempre cicatrizando feridas, verdade que
sempre sorrindo à vida, e os olhos ? Ah ! Os olhos ! São tudo para ti os olhos ?
Mas nada mais para mim que não espelho opaco desta alma em permanente agitação.
Vivo de agitação, vivo para a agitação, não consigo viver sem ela ! Sabias ?
E
nada viste ? Ao menos a cor ? A pupila dilatada ? Retraída ? E nada mais viste ?
Que pena, que lamento, que ironia estas janelas do mundo fecharem-se quando as
olhas ! Mas viste o cansaço ? Notaste o cansaço ? Bastou-te ?
E
então ? São para mim estes ovos ? Ficas contente c'a oferenda ? Feliz ? Basta-te
este gesto ? E que conclusões esperas ? Posso sabê-las ? E os ovos ? Obrigado,
mas já agora, são crus ou cozidos ? Não tem nada a ver uma coisa com a outra ? Mas
tem tudo a ver.
Parecendo
aparentemente uma questão despicienda não o é, e é mesmo muito importante saber
essa diferença se cozidos se crus. Se crus remeterá para os primórdios da
história, diria mesmo que nos remete para antes da pré-história e para o bom
senso que permitiu ao homem aguentar-se contra todas as adversidades, sobreviver. A oferta
de alimento, óbvia e naturalmente cru representará uma dádiva da natureza
expressando a preocupação com a terra, a Pangeia, o ambiente, mas sobretudo com
a sobrevivência e continuidade do clã, um por todos todos por um, primeiro
sobreviver.
Se esta
oferta é de ovos cozidos a história é outra, a história e o tempo, já nos
remetem para o pós aparecimento do fogo que como toda a gente sabe permitiu
assar ou grelhar digamos que cozinhar os alimentos, livrá-los de bactérias, torná-los
mais digeríveis, mais calorias, portanto mais alimento e melhor aproveitado pelo estômago tendo
levado ao crescimento do cérebro e à evolução deste, a um pensamento mais
estruturado. Se cozidos eu diria que não é já e somente uma questão de boa
vizinhança ou de amizade entre nós, antes uma preocupação muito para além do
sobreviver estando em causa coisa mais profunda que isso, consideração, é como
dizer se te candidatares votarei em ti, ou se pensares liderar a tribo estarei
do teu lado. A propósito, em Olhão ou em Paço de Arcos há tótemes ? Pelourinhos
não valem, são resquícios d'outro tempo d'outra mentalidade d'outra história.
Ao
comê-los saberei quanto fiquei perto ou longe da verdade, saberei quão afastada
estás de mim e da roda da vida…
Ah !
E que dizes da sobriedade ? Do tino ? Do tino e do tinto ! E já agora deste
juízo ? E de tantas merdas, juízos de valor e preconceitos com que durante anos
te encheram a cabeça ! E mantenho a minha, aposto nada viste nos meus olhos
pois não ?
Ah!
Ah ! Ah ! Isso ? Há quantos anos alijei eu essa carga !
Crê em mim, só então o sol ! A luz ! A claridade ! A plenitude !
A vida !
Crê em mim, só então o sol ! A luz ! A claridade ! A plenitude !
A vida !
Encaminhei-me,
dei-me, não estou p'ra arrendar, entreguei-me !