domingo, 12 de maio de 2019

602 - O SEU A SEU DONO, by Maria Luísa Baião * ...


Quando lá cheguei fiquei desiludida, coisa para voltar costas a tudo e vir embora. Esperava tudo menos aquilo, enfim, esperava um qualquer artista mesmo rasca que distraísse e debitasse uns acordes. Como disse, tudo menos aquilo.

A verdade é que se lá vamos muitas vezes nem será para fazer compras, felizmente quanto a essas modas estou sempre actualizada, não é uma feira que me leva a comprar o que não preciso. Mas gosto de feiras, sempre gostei e aquela ideia de dar um ar de arraial a essa feira até não foi de desprezar. Duas coisas houve com que contei ainda antes de para lá me dirigir, encontrar amigas e amigos com quem dar dois dedos de conversa, beber qualquer coisa e, claro, ouvir um qualquer artista, mas não aquilo, tudo menos aquilo.

Maus hábitos que a gente arranja, e depois quando apanha desilusões, é o que se vê, são tudo lamentações. E eu já andava a lamentar há algum tempo o facto de, devido a preocupações me ter escapado em claro uma coisa que eu queria muito e perdi. Ter assistido, na Azaruja, ou em S. Mancos, a um concerto de Canto e Piano, pela Classe Maitrisienne de Chartres, Escola Nacional de Música e Dança de Chartres e que teve lugar na Casa do Povo. Não sei quem nos serviços culturais da nossa autarquia se lembrou desses concertos, gostaria de agradecer-lhe pessoalmente apesar de ter perdido esses eventos.

Mas voltemos à vaca fria, não ter gostado do que encontrei uma vez chegada à feira. Bem sei que me animam uns preconceitos irracionais contra aquela malta, culpa deles pois tiveram muito tempo para os desvanecer e mais ainda para os ter evitado, mas as coisas são assim e não vale a pena estar agora a pintá-las de outra cor.

Por esses meus preconceitos infundados estive mesmo vai-não-vai p'ra virar costas a tudo e todos, não o fiz, em boa hora o não fiz, graças a Deus que o não fiz. Aqui me penitencio pelo meu erro, ao ter ficado tirei fundamentos à minha falta deles, derrubei preconceitos antigos que nenhuma falta me faziam, muito embora me não pesassem nem ignorasse tê-los.

Ganhei com aquela ida à Feira do Livro, mas também o Manuel Dias e a Gertrudes Pasto** ganharam em mim uma admiradora do trabalho desenvolvido que, ao ter ficado, mesmo contrariada, dei a mim mesma uma oportunidade única para reconhecer um erro crasso e dois artistas de gabarito internacional na apresentação e desenvolvimento de formas animadas.

Para aquelas que como eu não ligavam peva à nossa Bienal de Marionetas nem aos nossos artistas, saibam que os temos de craveira internacional. Nunca até aqui me preocupara se essa Bienal era um concurso ou uma reunião de excêntricos, se ficávamos bem ou mal classificados ou vistos, mas o espectáculo que vi naquela noite em que estive para me vir embora virou os meus preconceitos e conceitos todos do avesso.

Afinal gostei do que vi, adorei o profissionalismo e o cuidado na arte cuidada, vou certamente querer ver e conhecer mais daquele trabalho. Não sei se foi inspiração repentina ou se lhes exigiu muito esforço, mas há ali certamente muito tempo investido, muito suor e lágrimas, ai isso há.

Há muitos anos tive a felicidade de ver actuar em Paris um mimo, afinal não é preciso ir tão longe para ter a felicidade de fruir momentos assim. Obrigado.


* By Maria Luísa Baião, escrito ‎a 5 de ‎junho‎ de ‎2005, pelas ‏‎08:46h e provavelmente publicado no DIÁRIO SUL, coluna KOTA DE MULHER nos dias ou semanas seguintes.