quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

14 - ESPELHO, ESPELHO MEU............


Olha em frente….
Que vês no espelho que não a inocência e ingenuidade de um anjo ?
Diz-me, que vês nesse espelho ?

Esse rigor auto-imposto fica-te mal, exagerado.
Onde iria o mundo com a bitola de um rigor assim ?
Quanta gente condenarias aos infernos ?
Quanta com pecados bem maiores ? Mas qual o teu ?
Que pecado afinal que não entendo ?
Que exagero não achas ?
Que sabes da vida ?
De tentativas e erros ?
Que moral em ti que te condena dessa forma ?

Experiências não são erros, são dores de crescimento, são partos de maturidade. Não te pergunto se boas ou más, apenas digo que erros desses são os rebites da mulher em construção, em assumpção.

Deus distraiu-se um momento, foi isso e apenas isso, e enquanto tal o teu anjo salvador caminhava neste mundo deslumbrado c’o pecado de que te devia resguardar.

Apenas isso crê.

Dir-te-ei seres louca por assim pensares, que serás mesmo muito louca. Porque não pensares em ser feliz ?

E, isso sim, chamares louco a quem te vê assim ?

Assume esses pecados que o não são, liberta essa alma cativa de conceitos, que te marcam o peito, maltratam o coração, não sejas tola, isso nem é pecado nem segredo, é retrato a branco e preto, nem mata nem consola, importante é não seres vencida, condenada ao degredo, esquece, foi feitiço, foi encanto, foi pedra no caminho, foi instante, que as tuas escolhas não sejam distraídas, que nenhum homem te olhe com indiferença, e, jamais esqueças, vive-se mais quando se sente.

Não te condenes a uma vida sossegada, sem sentimentos, sentido, foge do que não sentires, foge de não existires, e não queiras, como essa gente, estar morta sem o saberes, ou viva sem dares por isso.

Cura essa chaga que abriste c’a inocência que brandiste quando o coração, ébrio, em alvoroço no teu peito se batia.

Esquece, nem saudades nem ciúmes, esquece, porque é assim que as cicatrizes se vão, aos poucos, sem que marcas deixem, que desapareçam, e pronto, o que foi passado passou-se, o futuro há-de chegar, trazendo o amor, sonhos correndo como rio impetuoso, cavado em leito entre vales, varrendo à sua passagem pesadelos e desgostos, culpas sem fundo, pecados imaginados, vinganças inflamadas e lágrimas desperdiçadas.

Ressurgirás pura e inocente como sempre foste, aos dias suceder-se-ão as noites, e, como sempre, sol e lua brincarão de novo perseguindo-se através de continentes oceanos e, no entretanto, os teus prantos já esquecidos.

Teu coração arderá de novo, de novo largará chamas que alimentarão esperanças e estrelas, e tu, mulher, soltarás um sorriso irónico, e, prenhe de consciência, concordarás que na vida não há coincidências e na milagrosa e elíptica espiral que é, por vezes nos apanha desprevenidos e, nem que apenas por um momento seja, ai de nós se esquecemos amor, meiguice, carinho, doçura, paixão, no fundo tudo que dá sentido e cor a esse furacão, tudo que preenche desde a paleta à tela em que o nosso destino desde muito cedo é esboçado.

Estás de partida, a meninice já foi, na estação azulejos, neles um anjo e um querubim, não sabes, como ninguém sabe ainda, qual o caminho, sabes apenas, como cada um de nós, que terás que ir até ao fim, que o destino se cumpra.

Haverá quem te ame, e ame tanto que te achará a mais linda, sorrirás de novo, chorarás de alegria, borrarás o rímel, então por um momento tão pequeno que só tu entenderás, só tu perceberás, olharás o infinito soltando um sorriso, concordando que na vida não há coincidências, e que por algum motivo nos encontrámos numa das encruzilhadas que o fado cantou, canta e cantará, sempre.


Então, só então, te darás conta do quanto vale um amigo assim.



terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

13 - FICÇÃO, É TUDO FICÇÃO...




Ainda hoje a lembro. 

Como não lembrar se corporiza um dos meus momentos felizes, mas também uma das minhas, e muitas, compreensíveis frustrações e arrependimentos. E tantos são que nada mesmo ganho em relembrar. Mas lembro, já que não esqueço, feliz ou infelizmente lembro, com saudade pois que dela ainda gosto.

A estória conta-se em poucas penadas. Já vos estou a ver palpitantes de curiosidade, espreitando avidamente este íntimo e este passado recheados de desilusões, frustrações e arrependimentos, vos garanto. E de erros, tantos erros que quaisquer de vós com a minha idade não somará nem metade, mas não eu que errei, erro e hei-de continuar errando. 

Quem não desconfiou já do meu ar seguro ?

Da minha faceta extrovertida ?

Do meu carácter prá-frentex ?

É tudo fingimento !


Tudo para esconder insuficiências, incapacidades, anos de erros acumulados, de arrependimentos sentidos, desilusões que são chagas, frustrações que me revoltam e põem de mal comigo mesmo. Nunca o confesso, nunca o confessei, e jamais o admitirei, muito menos aqui que esta merda é mais pública que julgamos e tem montes de gente somente espreitando, gente que nunca dá sinal de si, não comenta, não contesta, cobardemente resguardada por consciências comezinhas e que, se tivessem a ponta de um corno de vergonha, já se tinham apagado a si mesmas e hellas ! Do próprio mundo e da vida ! Pois nem farão a mínima falta nem consta que façam algo que interesse minimamente. Ornitorrincos lhes costumo chamar, isto porque posso ser um falhado mas sou respeitador, quando não, imaginem só a desgraça ou praga que lhes rogaria.

A Net tem realmente uma fauna muito “sui generis” cujo estudo empírico ando desenvolvendo há algum tempo e de que vos darei conta na altura certa. Em boa verdade alguns personagens nem direito têm a ser designados fauna, antes os incluiria na categoria de flora, concluído e provado estar para mim haver couves com um QI muito superior ! 

Mas ia eu dizendo, já vos estou vendo escorrer baba de curiosidade, no mínimo tanta quanto do cão de Pavlov, e não arrisco mais não venha a levar por descuido alguma dentada de impaciência. 

Chamava-se Cecília.

Eu era por essa época professor numa escola secundária da cidade, sempre dado ao progressismo e à esquerda, os mesmos movimentos que agora tanto abomino porquanto vanguarda das nossas cabeças mais estúpidas. Guardara desde o 25 de Abril um espólio desse movimento de idealistas cretinos, espólio de que me orgulhava e me servira anos a fio para, em cada escola e em cada efeméride, promover exposições sobre esse arroto histórico. Gradualmente fui-me vendo despojado dessas memórias, em cada um dos eventos não terá faltado cabrão ou filha de puta de esquerdista de merda que me não tivesse roubado um cartaz ou qualquer outro exemplar desse rico e único conjunto, a ponto de me ver quase sem nada. 

Acudiu-me à ideia nesse ano remoto, solicitar a colaboração do Centro de Recursos (nessa altura a designação era menos prosaica, como arquivo por exemplo) de um partido cá do burgo. Diga-se também que nessa altura ainda eu não tinha nada contra esses partidários, nem eles contra mim, já que com o tempo nos incompatibilizámos, ainda que não por causa da Cecília. Uma vez que era ela quem estava à frente desse departamento, logo me prometera colaboração desmedida e quanta eu necessitasse;

                      - Primeiro está o 25 de Abril camarada !

estou a contar-vos tal qual ela o afirmou ! Fiquei banzado ! Não tanto pela inusitada disponibilidade e colaboração da Cecília mas pela sua beleza, pormenor que nem o seu permanente ar meditativo lograva esconder. Um cabelo liso e negro de azeviche que só visto, aliás toda ela sempre de negro, um rosto oval, lindo, por baixo de uma franja parecendo o pano subido de um cenário, sorriso daqueles que nos derretem, encavalitado nuns lábios carnudos, sequiosos, suscitando desejos, olhos fundos de amêndoa, escuros, rasgados e pestanudos, que mais que uma vez me fizeram vacilar as pernas já que não aguentava olhá-los se pestanejassem duas vezes seguidas. 

                     Todos estes atributos tinham como base um peito farto, (e confesso-vos, mais uma fraqueza minha, sempre adorei mamas grandes, não me perguntem porquê) peito que me cambalhotava as órbitas se o calhava fixar, montado numas pernas altas, monumentais, em que por tudo e por nada, até por dá cá aquela palha, em sonhos ou acordado me via envolvido, apertado, submergido ou enlaçado. 

Nem sei por que não me converti à sua doutrina de imediato e perante tais argumentos, ou sei, pois por essa época nada mais recordava nem via que a Cecília, toda irreverente e sorridente no seu blusão de cabedal preto e cheio de fivelas, imagem de marca que nunca abandonava. Concedo que sou bonito, e há quase vinte anos ainda o era mais, (perdoem-me a modéstia), a Cecília também não deve ter resistido à minha beleza, tanto que se eu suspirava por ela, ela suspirava por mim, e, claro, acabámos várias vezes por nos encontrarmos bebendo umas bejecas e comendo uns caracóis, delirando e suspirando com a presença um do outro.

Era de Almada, separada, eu já casado há um ror de anos. Nem ela me sugeriu ir para Almada nem eu que ficasse em Évora. Víamo-nos quando calhava, até calhar quase todos os dias. 

Lembrem-se, eu era prof nessa altura, o mesmo é dizer que não fazia nada, trabalhava poucas horas por semana, não ganhava mal, entrava tarde e saía cedo, daí compreender a actual luta dos meus ex-colegas, com a qual me solidarizo. O “ser humano” não foi feito para trabalhar mas para se dedicar à contemplação, à retórica, à oratória, à filosofia, e ao sexo oposto, esta deve ser a verdade. 

Um belo dia, eu e a Cecília, já fartos de chupar os dentes por neles se terem metido os nossos olhares gulosos, mas também de repartir o mesmo caracol, combinámos sair, o que fizemos numa calma noite de verão. Escolhemos um recanto abrigado do luar por baixo de um sobreiro e ali ficámos falando de nós e da vida umas boas horas. Eu, não querendo ser malcriado, atrevido ou alarve, e, embora com toda a vontade de a amar e tomar toda ali mesmo sem deixar uma migalha que fosse, fui ficando quieto. Ela, ou por pudor ou porque esperasse um meu avanço, ia-se ficando sem me dar o mínimo sinal de abertura, consentimento ou encorajamento. 

E eu népia, só conversa, e ela mais conversa. 

Ficámos conversados ! 

Talvez a minha incapacidade para um momento de infidelidade tivesse contado, não sei, não posso jurar, o que sei é que nunca fui infiel até hoje nem penso sê-lo, o que terá pesado na minha hesitação e reflectido na atitude dela. Não sei se a Cecília me terá julgado ou ficado chamando maricas, a verdade é que aquela noite foi uma frustração para ambos e o facto de não termos voltado a ver-nos é um indicativo dessa desilusão. É com os erros que infelizmente tantas e tantas vezes aprendemos. 

Nunca aquela noite devia ter acontecido. 
Uma coisa aprendi, nunca mais voltou a acontecer-me.
Por quê ? 
Por que nunca mais saí com uma mulher ? 
Por que deixei de ser inexperiente ? 
Por outra qualquer razão ?

Conhecendo-vos como penso conhecer, prefiro deixar esse critério às vossas mórbidas curiosidade e especulação, crente que uma dissecação destas incógnitas nunca será despiciente para ninguém, até porque de outra forma qualquer dia saberiam mais da minha vida que eu próprio, o que não me posso dar ao luxo de permitir.



segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

12 - SONHOS DESFEITOS...



Durante meses voguei em bem-aventurança por mares e oceanos.
Ventos felizes e arcanjos perspicazes uniram-se para, em harmónica simbiose darem corpo ás linhas que, na palma da minha mão, desde a nascença, nelas marcavam um rumo que, durante anos se mostrara para mim e para toda agente, incógnita insondável.
O mistério ter-me-ia sido desvendado quase cinquenta anos depois e, quando numa noite de insónia, me senti levado por prazenteiros sonhos, em canoa aparentemente imprópria para tão inesperadas viagens mas, à qual incompreensivelmente os Deuses concederam os desígnios com que, há séculos teriam prendado Ulisses.
Desta forma inesperada e peculiar marinhei incólume pelo mar da fantasia e p’lo oceano mágico do encantamento, sem que uma vaga sequer, ou um salpico ao menos, me tivesse marcado o rosto tisnado por tanta felicidade que recebi e aceitei mais incrédulo que extasiado por tão inusitada prebenda.
E foram meses atento ás vagas, ás correntes, aos sóis e ás luas de cada noite, numa perdição completa de mim mesmo e numa entrega messiânica e devotada a tão feliz sorte e incontável felicidade.
Jamais teria acreditado no que me sucedia não tivessem sido os cânticos por mim ouvidos, oriundos da beleza indizível de uma sereia baixinha que, por artes mágicas me foi atraindo e chamando a si.
Alucinado por este belo sonho me quedei em ilha mirífica onde o tempo não tinha fim nem principio, o espaço nem alto nem baixo, direita ou esquerda, e cada dia mais cônscio ser ali que desejaria viver e morrer, ainda que os dias não tivessem fim, apesar de recordar auroras indizíveis a oriente e um pôr-do-sol permanente e risonho a ocidente.
Foram tempos imemoráveis que nem sei a que devo a razão de não esquecer mas crer vivamente irrepetíveis, tal a felicidade fruída e que, por insuspeitas razões julguei eterna.
O inimaginável infinito é contudo prenhe de mistérios que o homem não desvendará nunca e, quando tudo julgava perene e imortal ilusão, senti levantar-se um vento medonho vindo das profundezas da minha alma já entregue e devotada, o céu escurecer por arte de negras e ameaçadoras montanhas de carregadas nuvens, as vagas erguerem-se em castelos terríficos que me agitaram o corpo e o ser numa inusitada cadeia de emoções a que os sentidos se mostraram incapazes de responder.
Exausto, vencido, quedei-me petrificado de terror no fundo da singela canoa, não compreendendo por que pecado estaria condenado, visto nem a mínima indulgencia me ser concedida, e, interrogando-me perante tão desgraçada quão breve morte a que a fúria dos elementos parecia destinar-me, já que mais que numa serena canoa, me parecia navegar em montanha-russa, atirado e batido, a cada vaga mais perto do fim, até que outra vaga maior ainda me acometesse, ora boiando num esquife malfadado que ao Adamastor tivesse tido a impertinência de acordar.
Incrédulo, cansado e assustado com a minha sorte e previsível morte, adormeci ou perdi os sentidos ante aquele terror mais vero que imaginado.
Recuperei os sentidos noite alta, mar chão, iluminado pelo que me pareceu o Cruzeiro do Sul que apreendi como sinal maligno de um fim próximo.
Uma vez mais me enganaria, tão depressa se fez dia que, vendo nos céus monstros de papel e aves plásticas sob várias formas e cores, me mirei duvidando da vida em mim, coberto de um suor frio, pingando em gotículas que os raios de sol transformavam em miríades de cores, tão admiráveis quanto as que a bela sereia reflectia quando, na praia maravilhosa para que me arrastara, as suas escamas sob o astro aquecia.
Então tomei consciência de que a minha hora ainda não chegara, pois aquilo mais não podia ser que um presságio benigno dos venturosos dias vividos, cuja lembrança me acalmou a par da bonança instalada, como que para recordar o valor prodigioso da felicidade gozada, pelo que por uma vez acreditei não ter sido em vão tanta meiguice, tanta doçura e ternura, tanto amor e ventura.
Sendo um indiscutível truísmo que só depois de perdidas as coisas nos mostram o seu verdadeiro valor e o alcance da perda, logo ali acreditei que tamanho susto mais não era que uma partida dos Deuses, para que jamais esquecesse a fortuna dos dias vividos ou a quem a devia.
Acordei em sobressalto, entre a noite alta e a madrugada.
Curiosamente chorava, contudo jamais saberei por quê.
Pelo sonho? Pelo susto? Pela perda?

11 - NÃO FUJAS DE TI...


Carregas sobre ti um céu demasiado pesado ?

Talvez, mas por certo carregas também a esperança.

Atenta ficas aos dias perdidos, passados, parecendo-te terem sido sempre iguais, eternos, símbolos de uma vida frustrada ? E, no centro dessa frustração, os teus anseios, eles sim a mais linda promessa de amor, vogando num mar de temores e incertezas, qual céu cujos horizontes te parecem inacessíveis ? Pois vê-te a ti como num espelho mágico e, verás que essas cores tisnadas, essa cara, o sorriso alegre e perene, não simbolizarão esse temor que carregas, crê.

Os julgas como fruto da frustração que alimentas ?

Não creio, antes os vejo como um convite a que a sensualidade que te é própria nos cative e envolva, nos prometa carícias, meiguices e ternuras sem fim, até que te sonhe, encostando ao teu o meu rosto, e o meu coração palpitando, se excite ao mínimo pestanejar desses olhos que, na tua cara, sempre sorridentes, me enleiam os sentidos, despoletam emoções e confundem o espírito.

Braços abertos, buscando, tacteando a libertação ? Não és livre ?
Mas se ninguém é !

Não temas, esquece as cores apesar de tudo carregadas desses traumas, dessas frustrações. Foi esse pormenor, a tristeza, o motivo de tão grande perturbação em ti ? Mas se a liberdade mais não é que um estado de espírito ! Alguma vez ponderaste ser a tua mente a culpada dos teus próprios medos ? Por que acumulas então em ti mesma, conscienciosa e deliberadamente esses receios ? Vejo em ti tudo quanto te recusas a mostrar, és de uma transparência impensável, e desnudada te vejo, e vejo, claramente, recalcados nesse íntimo, os teus temores e os teus traumas, agigantando-se para fora desse subconsciente que, sem que o saibas, diz mais sobre ti que um cartaz gigante à beira-mar plantado ! Cuidas tu que te resguardas ? Talvez, talvez creias que sim, mas não de mim, para quem o maior de todos os perigos para ti mesma és tu.

E de que te podes acusar ? Desse casamento estiolado ?

Dos teus sonhos frustrados ?

Que exijas dedicação, mimos há tanto esquecidos que só a mente já tos permita obter não é novidade para mim, não, nunca foi, mos contou gritando o teu silêncio, esse mesmo silêncio que te engana quando te diz que os anos já pesam, que a tua vez já foi, que as oportunidades te estão vedadas. Então, nada me admira que te fiques sonhando, entregue a ti mesma, sonhando novelas, almejando outras vidas que gostarias viver ou ter vivido. Garante-me que não é essa a razão pela qual, ansiosa aqui vens, aqui estás, espreitando o único mundo a que podes aceder para fugir dessa prisão em que te encerraste. Sedenta de atenção te vejo e, crê, terás que libertar-te desse refúgio dessa recusa de ti mesma.

Procura a esperança, faz com que as rugas, o peso e o corpo, os medos e receios, tu, acreditem que ainda existe vida e esperança. Não temas a tentação, o sonho, a ilusão, o amor, a paixão, a entrega, a dádiva ! Deita ao chão as barreiras que ergueste em teu redor, em tua mente, liberta-te desse mundo que temes, e o será cada vez mais se não ousares, e no qual inadvertidamente te fechaste, ou deixaste te fechassem. E não sabes agora como derrubar essas grades, esses traumas e temores? Desaprendeste de viver, viver de novo, viver, tão enleada nos teus medos ficaste ?

Leio em ti, sempre li, tudo quanto tentas esconder. Quanto mais escondes mais transparente te tornas. Acredita, não imaginas, nem sonhas, quanta tralha vejo recalcada no teu íntimo, rodeada de teias de aranha e ferrugem, como antigas peças espalhadas pelo chão terroso de um qualquer antiquário, cujos passados adquire para vender como futuros, futuros de que nem te apercebes mas não serão teus, nunca serão, o futuro faz-se, não se compra, por isso vês o teu como se um peso, um estorvo, uma impossibilidade e, tentas nesse mercado de velharias encontrar outro, mais promissor, mais liberto, mais conforme, mais teu, mais tu. Todavia, ainda que não creias, foste tu a obreira da prisão contra a qual agora te debates, e eu, sim, dar-te-ei a mão, ajudar-te-ei a saltar. Quem pretendes enganar quando comigo falas ? A ti certamente.

A verdade é que não encontras modo de te libertar não é ?

Não és única, quem me dera aí, em cada momento, ter ocasião de abraçar-te, envolver-te em meus braços, beijar-te ardentemente, longamente, e, porque não, amar-te aí mesmo, amar-te não com a violência que em mim provocas, mas devagar, somente com esta vontade que em mim encerra a urgência de desejos reprimidos, calados, contidos, num delírio que nos elevasse bem mais alto que os sonhos que partilhamos. Provar-te que te quero, te desejo, que és mulher, que és bonita e gostosa. Que são no caso os tantas e tantas diferenças e obstáculos que nos separam ? Como não lembrar-te se te desejo ?


E é grande o desejo, agora que pressenti o lacrimejar dos teus olhos, que neles me enleei, que por eles perdi os sentidos, a noção de espaço e de tempo, recolhe-te nestes braços abertos, para ti, vê a esperança, a liberdade, poderás ser de novo livre, de novo senhora de ti, não temas, vem a mim, afasta para longe traumas e receios, isto não é um sonho, nem ilusão, é a minha resposta aos teus medos, vem, deixa que te ame, deixa que te abrace, ainda é possível, tem coragem, crê.



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

10 - O QUE AS MULHERES NÃO SABEM.................


Voltei a encontrá-la passados muitos anos. Tantos que eu era outro e não o mesmo que então claudicara perante o seu ar de jovial ingenuidade, extrema e irradiante simpatia, que difundia a partir de um rosto espelhando meiguice em catadupas tais que me submergiram e em simultâneo calaram.

Revi-a agora, passados tantos anos, e em mim voltei a calar, apesar da mesma ingenuidade, da mesma simpatia e meiguice, o que calei então. Não que me sinta outro, apesar de o ser, nem que me sinta o mesmo, que o não sou, todavia os anos ensinaram-me a cultivar uma humildade que nessa época nem era uma marca minha nem estava perto de alcançar. Contudo, agora, a mesma contenção de outrora, porque o cavalheirismo, a educação, o civismo, mas sobretudo as convenções ou conveniências assim o exigiam e exigem. Calei ontem como hoje o que tive vontade de gritar, mau grado a dor, mau grado a vontade e o desejo, mau grado o ensejo.

Revi-a agora, e como então, a lembrança da sua passagem, imagem e odor que não olvido, a graça do andar, a altivez honesta do porte, a simplicidade da presença, o sorriso, o mesmo sorriso, simples, sincero, leal, franco, autêntico e afectuoso que julgo ostentará sempre, porque há coisas que não mudam com a beleza, ou com a idade, mas sobretudo porque há coisas que algumas mulheres não sabem, como a vitalidade e capacidade inata de nos transmitirem, mesmo que o não sintam, mesmo que o não saibam, o poder de conquistar o mundo por elas e para elas.

Lembrem D. Pedro e Inês de Castro, Napoleão e Josefina, César e Cleópatra, Heloísa e Abelardo, Romeu e Julieta, Hitler e Eva Braun, para que vejam a força construtiva ou destrutiva que a influência de uma mulher poderá ter na vida de um homem, pois como disse há coisas que algumas mulheres não sabem, como seja a vitalidade e capacidade inata de nos transmitirem, mesmo que o não sintam, mesmo que o não saibam, o poder de conquistar o mundo por elas e para elas.

Por isso voltei a calar, o que calei então.

Compreender-me-ão, o mundo não me perdoaria o avanço, ou a sinceridade, a mágoa ou o amor.

Perdoar-me-ia ela?
Mereceria eu esse perdão?

Melhor calar de novo o que então calei, melhor conformar-me agora como então me conformei.

E é isto a vida, é esta complexidade que em nosso redor criamos, é nesta complexidade que soçobramos, incapazes, todos, de libertar o que nos vai na alma mas capazes de infligir a nós mesmos e aos outros, a imposição e continuidade, pela força, do desígnio, das convenções que nos tolhem e agrilhoam, como se a vida não fosse uma só, não fosse nossa, e acredito que não seja, por isso digo para mim e a toda a gente que, embora tarde, descobri da pior forma como a vida é curta.

E como será ela agora ? Agora que a jovialidade se foi, ainda que a ingenuidade se mantenha? Agora que a rotina dos dias sempre iguais lhe terão desfeito os sonhos dos dias felizes que a agnosia nos permite ? Calará, como todos fazemos, os sonhos que em segredo vamos acalentando mas a que, para mal dos nossos pecados, jamais daremos corpo ? Por certo calará, como eu calo, o que a alma grita, e, como eu, talvez um dia, demasiado tarde, descubra, como descobri, que apesar dos dias longos e rotineiros, a vida é curta, tão curta, demasiado curta. 

                  E agora, quando ela passa, como então, tenho a certeza do turbilhão calado e contido que provoca, sem que se dê conta, como com tantas mulheres acontece, elas como nós, gizando um mundo tão distante da realidade quanto da ficção em que vivemos, porque a tal nos condenamos, porque para tal contribuímos, e, calados, calamos o que nos vai na alma, o que só não fez uma única mulher que eu saiba, Isabel Allende, ao escrever “Inês da Minha Alma” ou Gabriel Garcia Marquez com “O Amor em Tempo de Cólera”.

Quem porventura tenha lido estas obras compreender-me-à melhor que ninguém. 

Quem não leu só terá a ganhar se o fizer.