quinta-feira, 7 de julho de 2011

65 - ESTRELA DO NORTE, ESTRELA POLAR ... *

* A story by Maria Luísa Baião


Morreu, pensei sobre a última estrela recebida e, lépida, crendo que se sumisse com ela todo o aziago dos tempos, enterrei-a com denodo e um cuidado apressado num local bem escuso e regado ao fundo da hortinha do avô, no campo silvestre banhado pela ribeira grande, precisamente naquele lugar onde, um estrangulamento faz o fio das águas ressaltar ao sol, espalhando reflexos dessa outra, prometedora e fulgurante estrela, a quem esperançada me encomendo quando o regato canta.

Ali a guardei, bem fundo e como quem dela tem medo, em sítio a não esquecer, no emaranhado de raízes junto aos pé do choupo grande do riacho... Num buraco pequeno, onde repousa mas de onde agora em noites de negrura uma luz intensamente branca jorra, para que eu lhe saiba sempre o lugar e, acredito, em álacre esforço, ou aposta, p’ra que jamais esqueça ter sido esta mais uma das muitas e luminosas estrelinhas que ao longo do tempo me tens enviado.

Sim, essas estrelas cadentes preenchem os meus dias como bolas de sabão em mãos ariscas de criança, por elas sei novas de ti, me chega a esperança e a magia com que enfrento os dias. Algumas vivem em mim mais que aquele breve instante do destino transformando-se, em pássaros ou borboletas, outras em sonhos, muitas em desejos ou miragens, regressando a ti com recados meus, sussurros, beijos, como cartas levadas pelo vento e, outras ainda pegam-se à minha imensa saudade e morrem de tristeza !

Eu aviso-as, como posso e sei, que não devem ficar ou demorar-se, mas elas, tal qual tu nesse outro tempo, que não, que não vão embora, que não querem ver-me só, e então, maravilha das maravilhas, quedam-se nos meus olhos, enchem-se daquela luz esverdeada que banha a esperança e vão morrendo, como dádiva, ágape, nas gotas redondas que os pássaros vêm beber...

E eu fico mais triste sem elas...

E, porque me conheces e me sabes, e o tudo e o nada não são para ti segredo ou mistério, pela calada da noite continuas enviando-me estrelas, acendendo em mim constelações, e, mau grado nos termos perdido há tantas vidas, de novo despertas em mim recordações e desejos, até que, cansada e vencida me interrogue, que amor é este, que me ama e me ignora ao mesmo tempo, que alegra o meu ser e entristece a minha alma, que se recusa a que enfrentemos juntos o mundo, e me pergunto, onde estará a razão de tudo quanto me acontece e de tudo que perdi !...

Uma nuvem começa a dissipar-se, começo a ver claro, eu, ninguém, eu sem importância, eu lixo, e agora vejo e noto o tamanho do mundo, a minha pequenez, formiga em formigueiro apinhado de outras formigas, uma entre milhões, foi então que vi uma estrela a norte, talvez a Polar, e me lembrei que sou una, que sou eu, que sou gente, um pedaço de Deus, grão no universo, mas me mereço, valho, sou, tenho nome e existência !

Não, não dependo de nada nem de ninguém !

E resistirei !

E afirmar-me-ei !

E assumir-me-ei !

Estou aqui para durar !

Estou aqui para vencer !

Porque tenho escolhas a fazer !

Não para sofrer, não mais obedecer nem à cegueira de mim mesma !

Obrigado !

Sou !

Existo !

E agora lembro que, entre outras razões, porque também amizades são estrelas que nos iluminam o caminho !


 * By Maria Luísa Baião, escrito num domingo de Dezembro de 1999 não havendo contudo a certeza da sua publicação no Diário Do Sul, coluna “Kota de Mulher”, como vinha sendo usual. 


sábado, 2 de julho de 2011

64 - COMO UM BALÃO FURADO?...

Fingi que não, mas na verdade apurei o ouvido.
Decididamente ele estava ébrio, logo mais valia nem o ouvir, até porque, apercebendo-se, poderia meter-me em chatices, quando é sabido até pagar para não as ter e nem de borla as aceitar !
A história, hilariante, conta-se em poucas palavras.
Deduzi-o ressentido ou ressabiado com as mulheres, mais propriamente com a mulher, de que se separara há pouco por motivos que somente mais adiante na noite percebi.
Curioso como todos os homens se julgam bons, os melhores, infalíveis e insubstituíveis quanto no que ao sexo oposto toca.
Mas a graça nem estava nisso, esses predicados são tão velhos como o pecado e jamais vi um desses pecadores emendar-se ou assumir as suas limitações.
Verdade que uma amiga me ensinou uma vez um velho provérbio feminino, africano, que rezava mais valer dormir com uma vara curta que sozinha.
O significado é evidentemente dúbio, atendendo a que o sonho de todas as mulheres poderá ser o de contrair matrimónio, e que para além disso, as africanas, poderão pretender providenciar meios de afugentar as feras que durante a noite as acossem…
Todavia parece ter sido essa a causa da desavença matrimonial do nosso amigo, não consegui perceber se por causa da vara curta, se por falta dela, se devido a feras a mais ou a menos.
Na dor, fragilidade e vergonha do abandono, é facto assente ter sido trocado por um jovem, e daqui em diante já sou eu fazendo deduções,...
Terá querido demonstrar não ser pau para deitar fora, ou ter mais onde se amparar, pois ter-se-á apressado a substituir a galdéria (palavras dele) atendendo a que, segundo o que ouvi com estes dois que a terra comerá, não ter demorado a sentir o orgulho numa nova conquista, (talvez a primeira que lhe apareceu diante), e, ufano e soberbo, recuperada que estava a dignidade ferida, inflava o peito e engrossava a voz. 
Acabam aqui as minhas deduções.
Entrecortada pelos borcos chafurdando na gamela do petisco, e as cervejas escorrendo garganta abaixo, a retórica prosseguia agora num rumo estético com o Madeira, pintor de uns quadros manhosos nas horas vagas e com os quais enrola os turistas, com tanta incapacidade para a perspectiva quanta para a estética, e não é ao acaso que a estética para aqui é chamada, sabido ser que a senhora eleita terá pelo menos mais meia dúzia de anos que o nosso personagem, e a quem, segundo o mesmo jurou, ama verdadeiramente e com quem pretende contrair pressurosamente matrimónio.
Que não, que ele não é homem para deitar fora, e a outra cabra ainda um dia se arrependerá, balbuciou entre dentes.
Pela descrição a senhora em causa até será um borrachinho, e boa como o milho, pelo menos assim a pintava ao Madeira, coisa em que acreditei piamente, pois nessas coisas um homem nunca se engana, julgava eu…
A minha surpresa começou aí, quando ele, endireitando-se repentinamente e estendendo os braços delineou no ar, com as mãos, o perfil de um violão!
Uau ! O Madeira até assobiou ! Revirou os olhos como que deslumbrado com a beleza da deusa descrita e aproveitou para emborcar mais uma!
- É pá! Não há fome que não dê em fartura!
- Olha que não perdeste em esperar pela demora! ... Disse.
- Esboçou um gesto obsceno e descendente com o braço, como quem o enfia numa manga de casaco, e calou-se imaginativo, passando a língua pelos lábios e a mão pelos cabelos.
- Pois… sabes, já lhe disse que era uma beldade, aquilo com umas plásticas ficava um mimo! O peitinho um nadinha subido, a zona do pescoço um tudo-nada esticada, uma operação dessas que fazem para sugar a celulite com uma seringa!
- É pá ficava mesmo nos conformes!
- Com umas marchas o rabinho havia de ficar que nem o de uma menina!
Eu continha-me para não me rir, antevendo a impressão causada na desditosa senhora, cuja pele ficaria tão esticada que ao rir levantaria um pé, mas sobretudo pelo efeito desmoralizador de tais propostas no seu amor-próprio, pois me parecia que seria mais fácil ao nosso personagem arranjar uma com as medidas e idade ideais, que submeter pessoa tão amada a tão desprestigiantes quão degradantes soluções.
Felizmente não tive que pensar muito nos aborrecimentos que todas aquelas sugestões teriam sobre a dita senhora.
O Madeira, rindo, arrotou duas vezes e saiu-se com esta;
- Pois pá!
- Tou a ver!
- E daqui a cinco ou seis anos "trocava-za" por outra!
- Mas para já ficava como aquelas bonecas insufláveis todas torneadas ao milímetro!
- O pior é que um dia tiravas-lhe o dedo do pipo e ela assobiava, dava-te duas voltas pelo quarto e saía disparada pela janela despejando-se que nem um balão!
Sustive o riso, surpreendido com o sentido estético e o humor do Madeira, deixo-vos simplesmente sem mais comentários!

quinta-feira, 30 de junho de 2011

63 - MINHA IRMÃ FRIDA…..................

Pintura; MONSARAZ, de Ana Rita Janeiro, ou "Carlota".


Quem atravessa as ancestrais terras d’el-rei em direcção ao grande lago, não raramente, depara-se com uma paisagem inolvidável.

Uma dúzia de quilómetros à nossa frente, pairando sobre um manto de nuvens ou nelas acoitada, a visão encantadora de Monsaraz, a vila medieval onde nasci.

Humberto me chamaram, porque nos idos de trinta, um aventureiro dos biplanos, ou triplanos, por arbítrio do mágico nevoeiro, trágico fim encontrou ao despenhar-se de encontro à torre de menagem do castelo, cousa que fatalmente muito consternou a populaça, antepassados meus incluídos, tanto que no baptizado do meu padrinho lhe mudaram o nome de Benvindo para Humberto, numa solene e compungida homenagem ao louco da máquina voadora, acabado de perecer no exacto momento em que o tão desejado Benvindo ao mundo vinha.


Humberto ele, Humberto eu anos mais tarde e por sua inteira vontade, tradição que mantive ao dar, por minha vez, o mesmo nome ao meu primeiro e único filho. Luís Humberto.

Mau grado estes recuerdos, a vila fica na raia Espanhola com o Guadiana de permeio (embora agora naveguemos nas mesmissímas águas turvas europeias), recuerdos que tento não olvidar apesar de tristes, pois retenho dessa vila e da minha criancice gratas imagens e muitas vezes me revejo largado à solta num castelo a que mais parecia somente poder aceder-se trepando um feijoeiro gigante, tal e qual como nos contos de fadas.

Não há contudo estória sem o seu senão… e o meu é a saudosa lembrança de minha irmã Frida, que vagamente recordo pois cedo foi roubada ao meu convívio, mas que contudo viria a ter na minha vida uma influência crucial, e superior à que quaisquer outros entes vivos sobre mim tivessem tido.

Não choro quando a recordo, para ser franco até muito mal a recordo, dada a tenra idade com que foi arrancada ao meu convívio, apesar dos emplastros de papas de linhaça com que porfiaram acudir-lhe. Sem qualquer resultado já se terão apercebido.

Nessa época a tuberculose ceifava às cegas, e os ditos emplastros a tudo acudiam, aplicados bem quentes e rigorosamente substituídos mal arrefecessem. 

Junto ao coração para males de amor, na testa para febres funestas, no peito para gripadas e outros males sezões, na cabeça se contra o mau olhado a inveja ou os esconjuros, caso em que se devia acompanhar a mezinha de um relicário colocado sob o colchão da paciente, ou de um escapulário pendurado em permanência do pescoço da protegida durante toda a cura, e, no caso, contendo rabos vivos de lagartixa verde, unhas de osgas e asas de morcegos, tarefa de que minha avó Inácia me incumbia a mim sempre que necessária, alegando que a ela, tocar em aves e bichos lhe dava voltas ao estômago e até galos lhe haviam já cantado nos intestinos.

Nunca chorei, como vos disse, a morte de minha irmã Frida, todavia bastas vezes as lágrimas me acudiram aos olhos se calha contemplar-me, eu, a mim, que sou obra dela e a ela devo tanto e muito do que sou, quem sou e como sou.

Já na grande cidade para onde ainda na infância me mudaram, achei, quando rebuscava não lembro o motivo as gavetas de meu pai, um livro cuja ilustração de capa aqui vos deixo, livro que despertou a minha curiosidade infantil pelas cores exóticas e apelativas que encerrava e em simultâneo mostrava, mas sobretudo pelo nome nele inscrito, “ Frida “.

Foi assim, quase como um livro proibido que uns anos mais tarde o li. Essa foi somente a primeira biografia da minha vida, acredito ter lido quase cem antes dos vinte seis e perto de duzentas até ao presente.

Deste modo insólito soube da morte de Frida, a tal que dera o nome à minha saudosa e tristemente falecida irmãzinha. 

Mais tarde, juntei dois mais dois e de meu pai entendi a admiração pela pintora que, como ele, viveu engajada numa doutrina que então guiava o mundo mas que anos antes de meu paizinho falecer lhe deixaria a tristeza estampada no rosto, tristeza que hoje culpo por mais cedo me ter roubado a sua companhia.

Fiz-me homem lendo, mor das vezes verões inteiros, debaixo de um fresco e frondoso chorão no jardim público da minha cidade, rés do lago onde plácidos cisnes ainda navegam, biografias e outras obras que a Biblioteca Pública para ali acarretava nas tardes de estio.

Comecei assim, guiado por minha irmã Frida leituras que me levaram, qual príncipe, de menino a homem, sendo hoje rei de mim mesmo e do mundo que me cerca porque acredito piamente que a alma da minha irmãzinha me conduz e protege os passos os caminhos e os destinos, pois no amor há muito que de mim cuidam com o mesmo desvelo por mim aprendido e, de tão amado, sinto insuflar-se-me o coração, e por sua vez ele um castelo, de muitas janelas e mais entradas ainda que o de um príncipe encantado.

A ti irmãzinha do coração e que sempre por mim velaste, o meu eterno amor e emocionado apreço, o meu reconhecido agradecimento.

A ti confesso quanto lamento quem, como eu, não teve alguma vez nem que por um instante só, uma irmãzinha como tu.

Descansa em paz meu amor.










                          minha mãe :) 





terça-feira, 28 de junho de 2011

62 - Esse teu olhar...



Esse teu jeito de olhar...


Através ou por sobre os óculos
Invisível, indescritível
Que fala e se cala
Se oculta e revela
Que desvenda e desnuda
Encanta e desencanta
Dissimulado, indefinido...


Esse...é o olhar do meu amor.

Ah, que olhar!
De suave armadilha
Que apalpa e acaricia.


Ousa e abusa
olhar de festa e magia
Insinua, inquieta
É uma melodia na minha vida.


É o olhar do meu amor...

Será que seus olhos são grandes

ou arredondados?


Pequenos ou semi-cerrados
Amendoados ou arregalados
Castanho, verde ou azul ?


De que forma, brilho ou cor
Nuance, matiz ou.... multicolorido?


Violáceos, vermelhos...não... entretanto,
Combinam com seus cabelos brancos?


Ai, ai! Esse olhar do meu amor...

Como será o teu olhar?
Apoteótico ou hipnótico?
brilhante ou fascinante,
Magnético ou metafísico,
Intenso ou matreiro
Como de um arguto leopardo
Ou de um cachorro abandonado,
De um gato esfomeado
Ou de um peixe morto?


sim.. são os olhos do meu amor...

Olhar mundano, volúvel
Que revela monólogos infinitos,
Feito de pequenas continhas
Pequenas estrelas
Pequenos faróis na noite
Que se iluminam ao som de Brel e Elis,
São olhos que me fazem feliz.


Ah! Os olhos do meu amor...

Se soubesse...ah !

se eu soubesse...


Devem ser vivos, de puro desejo
Deixar-me-ia seduzir por sua luz
Neles me arrebataria e repousaria
Acastelar-me-ia em seus sonhos
Nas sombras e beleza das flores,
E nesse olhar amanhecido
entregaria a minha paz.



É... o olhar do meu amor...  

Em, 12/08/2009 - Nilza Rouquentin 


sábado, 25 de junho de 2011

61 - COMO DA PRIMEIRA VEZ...................................


               
              Como da primeira vez, ainda ambos adoramos esse ritual que, volta não volta, quase tornado brincadeira já, nos coloca em papéis e posições que diariamente estamos longe de assumir.

Compreensivelmente, nem ela é sedutora ou manipuladora, nem eu o dominador possessivo que aliás nunca fui.

Ela percebe-me, adivinha-me o pensamento, e de tal modo assume os meus desejos que, langorosa avança, rebocando-me atrás de si, olhando-me deleitadamente e impedindo que, à última hora me arrependa ou mude de intenções. Ambos adoramos, como da primeira vez, esse ritual carinhoso e em simultâneo purificador.

Enquanto eu apalpo a água até que a sua tepidez se torne agradável, ela senta-se sobre as pernas, nunca deixando de me olhar com aqueles olhos lindos, de gata, numa expressão de prazer adivinhado a que eu nunca soube resistir. Um olhar dela e a qualquer hora, em qualquer lugar, me apresso a satisfazer-lhe rapidamente os desejos e os caprichos que de uma forma clara exprime tão solene quanto encarecidamente.

Tantas e tantas vezes apenas um olhar basta, tal a cumplicidade que entre nós se gerou.

Estás sentada sobre as pernas, cabeça levemente inclinada para trás, olhos semicerrados, enquanto te apoio as costas e seguro a ponta do chuveiro buscando não te deitar água nos olhos, sei que o detestas, tanto quanto eu adoro dar-te banho.

E, enquanto lânguida respondes aos meus gestos, te espalho o champô pelo corpo, suave, suavemente, sem brusquidão, a mão passando levemente por ti, afagando-te o peito, descendo para o ventre, também eu apreciando o doce tacto dos teus pelos sedosos e macios que a água morna amoleceu.

Não insinuas um gesto, ali ficas, estática, gozando o prazer do momento, adivinhando o próximo, em que, nos braços te tomando, num cobertor felpudo e quente te embrulharei com carinho, com amor, resguardando-te do frio, embalando-te num sono que se tornou hábito e que durará até que, seca, emirjas bocejando como bebé libertando-se da placenta.

E sim, como sempre ali estive, ali estou, esperando o teu despertar, que ocupes o meu colo, que deites a cabeça no meu braço, que o ritual se cumpra do início ao fim, sem alterações, como gostas, como os hábitos, quais direitos adquiridos, exigem agora.

Estendo-me ao comprido e a teu lado no sofá, também eu sem sono mas gozando esse momento único, beijo-te a nuca, mordisco-te a orelha, enlaço-te com os meus braços longos e fortes e aperto-te até libertares o habitual suspiro, sinal de que basta, um pouco mais e deixarás de achar graça à brincadeira.

Ali ficamos, uma vezes minutos, outras horas, é sábado, ninguém nos virá desta incomodar, os olhos pesam-me, o teu calor amolece-me, a sesta chama-me, sinto as pálpebras fecharem-se-me num abandono que amparo, dormimos e sonhamos.

Uma vez mais como habitualmente te libertas sorrateira, sem que dê por tal senão quando pulas repentinamente para o chão, me olhas com carinho e com desdém e, altiva, o rabo que nem antena de automóvel, no passinho miudinho e gracioso que sempre foi o teu desde que em minha casa te acolhi, buscas a tigela do granulado, sempre recheada, ou o leite para gatinhos que tanto aprecias.

E eu, que a ninguém confesso quanto amo a minha gata nem quanto ela me ama a mim, fico vendo-te esperares-me, pois há muito sei não comeres sem a minha presença e o velho afago no dorso. 

                     És o meu amor Shamira !

És o lindo amor do dono !