sábado, 25 de junho de 2011

61 - COMO DA PRIMEIRA VEZ...................................


               
              Como da primeira vez, ainda ambos adoramos esse ritual que, volta não volta, quase tornado brincadeira já, nos coloca em papéis e posições que diariamente estamos longe de assumir.

Compreensivelmente, nem ela é sedutora ou manipuladora, nem eu o dominador possessivo que aliás nunca fui.

Ela percebe-me, adivinha-me o pensamento, e de tal modo assume os meus desejos que, langorosa avança, rebocando-me atrás de si, olhando-me deleitadamente e impedindo que, à última hora me arrependa ou mude de intenções. Ambos adoramos, como da primeira vez, esse ritual carinhoso e em simultâneo purificador.

Enquanto eu apalpo a água até que a sua tepidez se torne agradável, ela senta-se sobre as pernas, nunca deixando de me olhar com aqueles olhos lindos, de gata, numa expressão de prazer adivinhado a que eu nunca soube resistir. Um olhar dela e a qualquer hora, em qualquer lugar, me apresso a satisfazer-lhe rapidamente os desejos e os caprichos que de uma forma clara exprime tão solene quanto encarecidamente.

Tantas e tantas vezes apenas um olhar basta, tal a cumplicidade que entre nós se gerou.

Estás sentada sobre as pernas, cabeça levemente inclinada para trás, olhos semicerrados, enquanto te apoio as costas e seguro a ponta do chuveiro buscando não te deitar água nos olhos, sei que o detestas, tanto quanto eu adoro dar-te banho.

E, enquanto lânguida respondes aos meus gestos, te espalho o champô pelo corpo, suave, suavemente, sem brusquidão, a mão passando levemente por ti, afagando-te o peito, descendo para o ventre, também eu apreciando o doce tacto dos teus pelos sedosos e macios que a água morna amoleceu.

Não insinuas um gesto, ali ficas, estática, gozando o prazer do momento, adivinhando o próximo, em que, nos braços te tomando, num cobertor felpudo e quente te embrulharei com carinho, com amor, resguardando-te do frio, embalando-te num sono que se tornou hábito e que durará até que, seca, emirjas bocejando como bebé libertando-se da placenta.

E sim, como sempre ali estive, ali estou, esperando o teu despertar, que ocupes o meu colo, que deites a cabeça no meu braço, que o ritual se cumpra do início ao fim, sem alterações, como gostas, como os hábitos, quais direitos adquiridos, exigem agora.

Estendo-me ao comprido e a teu lado no sofá, também eu sem sono mas gozando esse momento único, beijo-te a nuca, mordisco-te a orelha, enlaço-te com os meus braços longos e fortes e aperto-te até libertares o habitual suspiro, sinal de que basta, um pouco mais e deixarás de achar graça à brincadeira.

Ali ficamos, uma vezes minutos, outras horas, é sábado, ninguém nos virá desta incomodar, os olhos pesam-me, o teu calor amolece-me, a sesta chama-me, sinto as pálpebras fecharem-se-me num abandono que amparo, dormimos e sonhamos.

Uma vez mais como habitualmente te libertas sorrateira, sem que dê por tal senão quando pulas repentinamente para o chão, me olhas com carinho e com desdém e, altiva, o rabo que nem antena de automóvel, no passinho miudinho e gracioso que sempre foi o teu desde que em minha casa te acolhi, buscas a tigela do granulado, sempre recheada, ou o leite para gatinhos que tanto aprecias.

E eu, que a ninguém confesso quanto amo a minha gata nem quanto ela me ama a mim, fico vendo-te esperares-me, pois há muito sei não comeres sem a minha presença e o velho afago no dorso. 

                     És o meu amor Shamira !

És o lindo amor do dono !