* A story by Maria Luísa Baião |
Morreu, pensei sobre a última estrela
recebida e, lépida, crendo que se sumisse com ela todo o aziago dos tempos,
enterrei-a com denodo e um cuidado apressado num local bem escuso e regado ao
fundo da hortinha do avô, no campo silvestre banhado pela ribeira grande,
precisamente naquele lugar onde, um estrangulamento faz o fio das águas
ressaltar ao sol, espalhando reflexos dessa outra, prometedora e fulgurante
estrela, a quem esperançada me encomendo quando o regato canta.
Ali a guardei, bem fundo e como quem dela tem
medo, em sítio a não esquecer, no emaranhado de raízes junto aos pé do choupo
grande do riacho... Num buraco pequeno, onde repousa mas de onde agora em
noites de negrura uma luz intensamente branca jorra, para que eu lhe saiba
sempre o lugar e, acredito, em álacre esforço, ou aposta, p’ra que jamais
esqueça ter sido esta mais uma das muitas e luminosas estrelinhas que ao longo
do tempo me tens enviado.
Sim, essas estrelas cadentes preenchem os
meus dias como bolas de sabão em mãos ariscas de criança, por elas sei novas de
ti, me chega a esperança e a magia com que enfrento os dias. Algumas vivem em
mim mais que aquele breve instante do destino transformando-se, em pássaros ou
borboletas, outras em sonhos, muitas em desejos ou miragens, regressando a ti
com recados meus, sussurros, beijos, como cartas levadas pelo vento e, outras
ainda pegam-se à minha imensa saudade e morrem de tristeza !
Eu aviso-as, como posso e sei, que não devem
ficar ou demorar-se, mas elas, tal qual tu nesse outro tempo, que não, que não
vão embora, que não querem ver-me só, e então, maravilha das maravilhas,
quedam-se nos meus olhos, enchem-se daquela luz esverdeada que banha a
esperança e vão morrendo, como dádiva, ágape, nas gotas redondas que os
pássaros vêm beber...
E eu fico mais triste sem elas...
E, porque me conheces e me sabes, e o tudo e
o nada não são para ti segredo ou mistério, pela calada da noite continuas
enviando-me estrelas, acendendo em mim constelações, e, mau grado nos termos
perdido há tantas vidas, de novo despertas em mim recordações e desejos, até
que, cansada e vencida me interrogue, que amor é este, que me ama e me ignora
ao mesmo tempo, que alegra o meu ser e entristece a minha alma, que se recusa a
que enfrentemos juntos o mundo, e me pergunto, onde estará a razão de tudo
quanto me acontece e de tudo que perdi !...
Uma nuvem começa a dissipar-se, começo a ver
claro, eu, ninguém, eu sem importância, eu lixo, e agora vejo e noto o tamanho
do mundo, a minha pequenez, formiga em formigueiro apinhado de outras formigas,
uma entre milhões, foi então que vi uma estrela a norte, talvez a Polar, e me
lembrei que sou una, que sou eu, que sou gente, um pedaço de Deus, grão no
universo, mas me mereço, valho, sou, tenho nome e existência !
Não, não dependo de nada nem de ninguém !
E resistirei !
E afirmar-me-ei !
E assumir-me-ei !
Estou aqui para durar !
Estou aqui para vencer !
Porque tenho escolhas a fazer !
Não para sofrer, não mais obedecer nem à
cegueira de mim mesma !
Obrigado !
Sou !
Existo !
E agora lembro que, entre outras razões,
porque também amizades são estrelas que nos iluminam o caminho !
* By
Maria Luísa Baião, escrito num domingo de Dezembro de 1999 não havendo contudo a
certeza da sua publicação no Diário Do Sul, coluna “Kota de Mulher”, como vinha
sendo usual.