sábado, 25 de abril de 2015

TEMOS CIGANOS * por Maria Luísa Baião ................

                                                                                                                                                                   

            É madrugada. Acordei cedo e bem disposta. Os últimos tempos têm-me sido favoráveis. O meu “astral” anda alto, e horóscopos que nunca consultei são unânimes em predizer-me dias felizes, muita saúde e amor. Nada mau como perspectivas.

Uma cigana bonita tentara ler-me a sina na palma da mão, fechada, com que disfarçara o valor das moedas que lhe colocara no regaço. Contudo lá foi atirando mais que uma vez ser eu descendente da realeza, uma mulher com alma, que encontraria a fortuna e a quem não faltariam homens na vida, ricos e carinhosos, inteligentes e formosos. A magana abotoara-se com as moedas e ainda gozava! Valeu-me não me ter rogado uma praga, ou atirado para os braços de homens menos recomendáveis. Devia portanto estar-lhe agradecida.

Retomando o fio à meada. É madrugada, acordei cedo e bem disposta. Ligo a música e sento-me à secretária, o amigo Madeira Piçarra não me perdoaria se faltasse à pontualidade e à constância com que lhe remeto estes escritos, estou em cima da hora, devo, tenho que enviar-lhos ainda esta manhã. Estou portanto ouvindo música. Clarinetes, trombones, pianos, violinos, lançam odores a uma Primavera ainda longínqua no meu espírito. Espirais de sons enovelam-me os sentidos. Busco Vivaldi e “As Quatro Estações”, assim não sairei do carreiro, vou mete-las todas no mesmo saco para não trair a sina, já que ainda mal começou o Outono.   

Vivaldi, esse virtuoso, filho de um barbeiro violinista e talentoso. O mesmo Vivaldi que virou padre e a quem não sei porquê chamaram “o Padre Vermelho”. Adorava crianças e há quem diga terem sido elas a inspirá-lo. Embora nascido no séc XVII, só na segunda metade do séc XX viria a ser descoberto. Morreu pobre, vendeu baratas milhares de obras por si compostas para sobreviver. Tão virtuoso era, (foi o percursor do romantismo na música), que compunha uma melodia mais rápido que um copista demorava a copiá-la.   

Uma caixinha de CD’s que há muito o meu marido me oferecera faz-me as delícias destes momentos. Conhecem aquela estória de uma senhora que em toda a sua vida nunca comprou, em segunda mão, um carro que a não tivesse satisfeito plenamente enquanto lhe durava ? E parece que ao longo da vida muitos comprou e nenhum a desiludiu ! O segredo ? Não percebia nada de mecânica, mas sentava-se neles, ia ligando os respectivos rádios, e o que encontrasse sintonizado numa estação de música clássica era o que escolhia. Consta que nunca falhou ! Dá para pensar não dá ? O sistema não terá aplicação na hora de escolher um homem ? Calhando todo aquele que víssemos numa festa de amigas de avental ao peito daria pelo menos jeito !

Uma aura divina parece rodear a imagem do compositor, em destaque na capa do CD, eu sinto-me no céu. Volto a lembrar a cigana e interrogo-me sobre que fazer com o meu homem já que a julgar pelas palavras dela irei ter muitos, ricos e formosos. Não me preocupo, o futuro a Deus pertence e os horóscopos predizem-me dias felizes, saúde e amor. O dinheiro é com a cigana. Nada de razões para me preocupar. Cada português devia ter uma cigana à perna, talvez a auto-estima nacional se elevasse.

            Não temos ciganas mas temos ciganos, o mundo está cheio deles, não têm pátria, a sua pátria é o dinheiro, ou melhor, a sobrevivência com os tachos, a qualquer custo. Outros arranjam louça estalada, guarda-chuvas de varetas partidas ou fechos emperrados, enfim, sobrevivem trabalhando.

Temos ciganos, ainda há poucos dias passou um na minha rua. Dei por ele ao longe, fazia-se anunciar com alarido, de tal modo que ninguém no bairro poderá dizer em consciência que não o ouviu, que não deu por ele. A minha gata, a Shamira, curiosa, saltou do sofá e correu para a janela. Aquilo era novo para ela, o som, o pregão, e ali ficou até perdê-lo de vista.   

O assobio da sua flauta, aquele assobio, há quantos anos o não ouvia ! E como faz bem à alma ! Um amola-tesouras ! Há quanto tempo o (s) não ouvem ? Pensava ser espécie já sumida da terra, como o lince da Malcata. Que alegria foi ouvi-lo de novo. E não foi que dias depois choveu ? Sempre me disseram que eles adivinhavam chuva ! Procurei tesouras e facas por amolar e nada ! Tudo é novo ou quase na cozinha. Ciganos, está visto, à minha custa não sobrevivem. Mas sobrevivem ciganas, o que vai dar no mesmo.
  
Oxalá a cigana não se engane quanto ao dinheiro ! Bom jeito me daria ! Homens já me chegam os que tenho. Tal pai tal filho, estão iguaizinhos em tudo ! A música parece agora subir enorme escadaria, vai em crescendo. No fim uma grinalda de cores projecta raios fulminantes de arco-íris em todas as direcções.
  
Vivaldi enche-me a manhã de harmonia. Já sei ir passar o dia cantarolando-o, e como não sou egoísta aqui vos deixo a sugestão de que o ouçam, alto e bom som, acredito piamente que igualmente alegrará o vosso dia. Remato ouvindo Strauss e “Wine, Woman and Song”, como sempre radiosa e intrigante. Quanto daria para conhecer a história desta belíssima composição !

Cesso, como tantas vezes acontece, ao som de “Voices of Spring”, do mesmo compositor, e acabo atirando os papéis ao ar, qual bailarina, o pijama virando lindo vestido de organza, rodopiando pela sala e saindo, pois tenho que ir trabalhar !

* Escrito em Évora a 30 de Outubro de 2006 por Maria Luísa Baião e publicado por esses
  dias no Diário do Sul, coluna Kota de Mulher.





     

                                    

sexta-feira, 24 de abril de 2015

234 - BAZANDO O DESGOSTO...................................


BAZANDO O DESGOSTO

Levaste-me a sorrir
Correr e saltar
Cabeça no ar
Esquecendo passado
Programando porvir
Puxar do devir
P’ra no finalizado
Ser tudo sonhado.

Tudo fora desejo
Imaginação minha
Não passara de ensejo
Bloqueio no coração
Paixão por priminha
Fora recordação
Que me acudiu à pinha
Quando apaixonado passeava no brejo.

Quedei combalido
Ferido de paixão
Puxei do violão
P’ra ficar distraído
E, no meio do desgosto
Troquei meu posto
Por um mais a gosto
E saí redimido rindo a contragosto.

Agó vou passeá até ao Brasi
No é bari ?????????????????????

humberto baião Évora 2015-05-03


                   





quarta-feira, 22 de abril de 2015

233 - HELENOS NA HÉLADE .....................................


               Acolheu-se sob o seu braço reconfortante, o mar azul e o sol chispando tornariam inesquecível aquela manhã. Não era a primeira vez, porém naquele dia tinha um significado especial, sorriu quando lhe sentiu a mão deslizando-lhe sob a túnica numa caricia que tão bem conhecia.

Recostou a cabeça e entreabriu as pernas, antevendo o gozo, habitualmente extremado, sem imaginar que outros motivos surgiriam para que jamais esquecesse aquele momento.

Ter arrancado as melhores notas na Academia antecipava-lhe um futuro radioso e brilhante, de cujo orgulho desfrutava já por antecipação. Com esse pensamento deixou que aquelas mãos lhe percorressem o corpo, numa provocadora carícia que lhe causava vera estranheza, como se a carícia fosse mais desejada, ou se tivesse tornado repentinamente mais perturbadora. Era uma sensação nova e agradável multiplicando por mil todas quantas sentira até ali.

 Aqueles dedos deslizando suavemente causavam-lhe agora arrepios, olhava os braços, tisnados do sol, mais ásperos que pele de galinha. Contudo abandonou-se numa concupiscência consentida e repartida, que lhe causou um estremeção sentidas que foram as mãos abrindo-lhe as pernas, e uma boca libidinosa de hálito quente sugando com urgente avidez a essência do seu ser.

A voracidade daquela boca impenitente fez com que se sentisse crescer, e um fogo subindo-lhe das entranhas tomou conta da situação até que o horizonte e a razão se toldaram. Primeiro um rubor nas faces, depois um tremor de mãos dadas com calafrios, desaguando num turbilhão incontrolável, o corpo aos sacões, tal qual olhasse de frente o sol ígneo. Algo algures no fundo de si eclodiu num jorro irreprimível, misto de luz e prazeres tais que só a graça dos deuses poderia igualar, foi como se tivesse sido derramada sobre todo o Peloponeso uma chuva de estrelas cadentes. 

Debaixo do sol e do céu, vindo de bem fundo de si e das suas entranhas, algo irrompeu em erupção contorcendo-lhe o corpo, algo que jorrou repentinamente, num relâmpago, deixando-lhe o corpo prostrado, desfalecido, sorriso rasgando-lhe a cara, provando a lânguida felicidade experimentada e vivida.

A fácies do mestre denunciava igualmente a enorme gratidão devida aos deuses inundando-lhe a alma. Cuspiu numa bacia sob a tarimba que lhes servira de leito o leite, ainda aguado, que tanto o deliciara, limpou-se a um pano branco de algodão do Egipto, procurou e beberricou uma taça de vinho quando, batendo solenemente com a mão na testa:

- Raios e coriscos Heitor ! Esqueci-me e profanei o jejum, que os deuses me perdoem.

Heitor sorriu ruidosamente lembrando-se que, a ser verdade ter o mestre compilado uma lista, era inegável ocupar o topo, não tinha sido alvo da sua atenção e acabado de testemunhar quanto era amado ? E que seria aquela sensação nova e avassaladora que minutos antes experimentara e sentira ?

- Já és um homem Heitor, acabaste de mo provar, não demorará que sejas chamado para a tua aprendizagem guerreira, o quê ? Isso que acabaste de experimentar ? A ejaculação ? Somente uma prova de que já não és menino, a infância foi-se, entraste na juventude, goza-a, quando findar terás metade da tua vida vivida. Agora vai, os teus pais esperar-te-ão, já é tarde, conta-lhes o sucedido hoje, antevejo-os felizes e orgulhosos do seu adónis.

Heitor atirou sobre o ombro à tiracolo a guita que amarrava os papiros e, apressando o passo rumou ao treino de triatlo, a hora tardava e queria desesperadamente passar por casa e relatar aos pais aquela maravilhosa manhã.

Abraçou o mestre, pensando para si mesmo estar explicado o acne que desde a última maratona vista lhe bexigava a cara. Confessou-lho e este prometeu levá-lo, interceder por ele e inscrevê-lo na cidade de Maratona, cuja prova para o ano que se aproximava exigia que começasse já intensa preparação. Teria tempo para treinar e completar os catorze anos, exigência mínima daquela prova.

Uma vez mais Heitor sentiu-se agradecido, apertando mais o abraço, naquele momento julgou serem eles as duas criaturas mais felizes do Pireu, em simultâneo notou no mestre uma ligeira mas notória excitação e, buscando-lhe uma abertura na túnica, subtilmente procurou-o e tomou-o na mão.

O mestre acusou o toque e, brincando, fez com que caíssem os dois sobre o leito modesto que a tarimba era. Respeitosamente percorreu-o com os dedos, primeiro numa ousada e propositada carícia, depois, num desafio, pegando-lhe com vigor e, sem deixar de o olhar nos olhos, masturbou-o com carinho e ternura.

Não demorou que ambos se imaginassem no Olimpo, com um esgar seguido de longo sorriso o mestre deixou-se adormecer.

Heitor tapou-o com uma manta leve, colorida, e fez-se à estrada cantarolando, feliz.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

232 - EUROPA QUERIDA EUROPA * ........................


     O continente europeu e em especial os europeus ocidentais têm assistido ultimamente a um confinamento geoestratégico que, se ainda não os submeteu nem os pressiona, no mínimo lhes tira o dormir.

No seu interior o crescimento da extrema-direita, a leste a Crimeia primeiro e a Ucrânia depois, a sul o avanço do estado islâmico, são realidades, não somente aparências e constituem factos e presenças amplificadoras da ameaça terrorista que lhe morde os calos. É isto que a actual Europa tem hoje para nos oferecer, para além do espaço Schengen claro, e de uma moeda e política comum que cada vez mais são fontes de dissensões e dissabores. Não há uma estratégia comum, nem um exército comum, e quando chegar a altura e a necessidade também não haverá táctica comum que lhes valha… Nem gentes comuns dispostas a fazê-lo….

Nem vale a pena carpir mágoas, nem tudo será negativo ainda que ecluda o pior cenário. Apesar de tudo a Europa ainda é o continente com a mais favorável distribuição de riqueza, (existe porém enorme disparidade entre os países da UE) quer no que concerne à riqueza oriunda dos rendimentos do trabalho ou de rendimentos de capital ou de propriedade, digo apesar de tudo pois igualdade nunca houve e está mesmo a crescer de novo entre nós, lenta mas inexoravelmente, a desigualdade.

Causa maior desta apesar de tudo tao benfazeja, ou proclamada igualdade que a Europa actual goza, foi o período que englobou as duas grandes guerras. Havia, antes da destruição de nível mundial que elas provocaram, uma desigualdade muito maior no mundo, e entre nós. Benditas guerras que, mau grado os inconvenientes que induziram e o caos a que nos arrastaram, também nos legaram méritos que fruímos longo tempo mas estamos a esquecer, tais como liberdade, fraternidade, igualdade e solidariedade, pormenores não de somenos importância e reflectidos em coisas simples como o emprego, o crescimento, o bem-estar e a comodidade. Todavia com o passar do tempo todas estas “facilities” que 60 milhões de mortos nos legaram só nos tornaram mais cínicos, mais egoístas e mais individualistas.

Dantes era um por todos, todos por um, agora é cada um por si.

E não pensem que ironizo ou brinco, basta olhar para os estudos sobre o “Capital” que Thomas Piketty ** desenvolveu e felizmmente para nós muito fácilmente acessíveis na net em http://piketty.pse.ens.fr/fr/ e muito simpática e especialmente em http://piketty.pse.ens.fr/files/capital21c/en/Piketty2014FiguresTablesLinks.pdf para confirmarem a verdade das asserções que atrás fiz.

Cresce a desigualdade, cresce o desemprego, cresce a falta de solidariedade, cresce a pobreza, são variáveis muito perigosas de manipular se as não levarmos a sério, contudo não levamos, andamos a brincar com o fogo. **

Mas como ia dizendo, não desesperemos. Outra guerra só nos iria fazer bem, em primeiro lugar alguém, finalmente, criaria uma verdadeira politica virada para a juventude e de um dia para o outro, ao invés de agora que andam há meses, senão anos, para parirem politicas como o VEM, para os mais jovens, no caso emigrantes. No aperto seria o VEM E VEM JÁ !

... e ai de quem não viesse, portanto não é falta de atenção à juventude, é falta de motivação para perder tempo com ela. Imagino que todos os destinos do Erasmus passariam em exclusivo para as fronteiras nos Urais ou no Mediterrâneo e o recrutamento seria mais que certo ….

Uma das iminentes vantagens seria que se perderia nos jovens a atracção pela aventura e a sua partida incógnita para a Síria e para o Iraque. Um mundo de oportunidades se lhes abriria a leste, ali, de certeza haveria campo para demonstrarem e aplicarem a sua coragem, a sua heroicidade, a sua entrega a uma causa, o seu desprendimento das coisas terrenas e ou mundanas. Com a vantagem de se escoarem stocks e abrilhantarem o uso e comprovado sucesso das armas em armazém e em estudo ou desenvolvimento, sem que tal representasse para eles, jovens, um custo acrescido.

Muitos deles e delas encontrariam no seio das forças armadas e pela primeira vez uma família funcional, um lugar seu, uma cama, lençóis banho, aquecimento, roupa lavada e quiçá refeições quentes todos os dias, não esqueçamos que se trata de três ramos diferenciados portanto diversificados, e cabalmente capazes de acolherem as mais variadas vocações, atentem que vos falo de ramos sem aperto orçamental. Não duvido que todos esses e essas jovens saberiam gerir e prolongar a guerra, fazer-se ou tornar-se necessários, incontornáveis mesmo. Um bom planeador ou programador e já agora mobilizador, líder, mandaria fazer atempadamente centenas e centenas de condecorações e cruzes de guerra apropriadas.

O problema da ligação das linhas de caminho-de-ferro entre nós e a Europa seria solucionado em três tempos, mais rápido que de imediato, e aposto que o óbice da bitola nem sequer se colocaria.

O desemprego jovem baixaria como que por magia e a juventude encontraria finalmente uma razão de vida, uma ocupação digna, nobre mesmo, sendo que os mais empenhados saberiam começar a construir logo ali uma carreira profissional, um futuro, dando corpo a uma vocação, o que pela primeira vez em quarenta anos seria um desígnio vero, levado a sério e prosseguido com coerência neste país. Relembro os tais três ramos sem controle orçamental… absorvem muita coisa…

Meia dúzia de bombas a sério em meia dúzia de cidades mudariam de imediato a Europa. Então, e só então, seria vê-la a fazer em cima do joelho tudo o que não fez com tempo, a mobilizar-se mobilizando tudo e todos no interesse comum, a entregar / distribuir tarefas e planos definindo prazos e objectivos a cada país, navios de guerra na Lisnave e submarinos em Viana do Castelo, tanques de guerra na Krupp AG alemã e aviões aos franceses da Dassault-Breguet, destróieres aos estaleiros italianos Fincantieri, armas químicas na Unidade Experimental de Defesa Química em Porton Down, Wiltshire, Inglaterra e aos holandeses, belgas e luxemburgueses, espoletas.

Leis refinadas, justas e calibradas cairiam em cima de quem iludisse o fisco, e toda a organização europeia seria canalizada, à vez, para o esforço de guerra: Finalmente veríamos em três meses a tomada de medidas conjuntas que a CEE ou EU nunca bolsou em vinte anos e o futuro sorriria a todos nós por muito tempo, calcula-se que dada a capacidade técnica actual a reconstrução de uma Europa arrasada nos garantisse, a todos, (de novo a todos) a todos os que sobrassem vivos claro que dos mortos não reza a história, bons empregos por mais de cinquenta anos, além que aos mortos poderíamos ficar com as heranças, as namoradas, os empregos, as contas bancárias, as casas, (as que tivessem ficado de pé) as jóias, os PPR, os certificados de aforro, as acções e participações….

Enfim, uma indeterminada e extensa amálgama de facilidades, proventos e oportunidades que esta paz podre nunca saberá proporcionar-nos nem que dure cem ou duzentos anos. Estará, em especial nas mãos de Putin, resolver os seus problemas e os nossos, os seus de coesão da grande mãe Rússia, os nossos, mais comezinhos e somente uma catrefa de contradições e estrangulamentos em que o excesso de democracia e o politicamente correcto nos enredaram. Estamos enleados em necessidades que urgem e falta de coragem para as suprir, nunca se tornou tão difícil levar reformas adiante, todos querem tudo mudado desde que tudo fique na mesma, uma guerra aplanava o terreno para a aceitação de reformas que de outro modo jamais alguém se atreverá a efectuar, quem contesta mudanças ou o que quer seja depois de um país arrasado pelo destino ?

Uma guerra pode ser uma bênção, pode ser o princípio da redenção, uma boa calamidade tudo permite e tudo fundamenta, autoriza, aprova, já há trezentos anos Thomas Malthus,*** o pai da demografia, ao debruçar-se sobre os factores que nos iam equilibrando a fomeca meteu as guerras ao lado de medidas automáticas de harmonização deste mundo, ao lado do que ele chamou medidas higiénicas, que permitiriam garantir que os bens alimentares chegariam sempre para aguentar a população deste planeta, tais como febres, cóleras, pestes, há portanto males que vêm por bem…

 Benditas guerras repito, e se Thomas Malthus *** não as recomendou ou aceitou, pelo menos no-las explicou convenientemente, e de facto elas são motores de evolução, na tecnologia, na medicina, na biologia, na finança, ou vocês não sabem quanto elas mudaram o mundo ?

E pra melhor….





quinta-feira, 26 de março de 2015

231 - IMPONDERÁVEIS................................................

                             
A crescente proximidade da Páscoa alegrava-o, as perspectivas meteorológicas prometiam bom tempo e o sorriso de Heidi, de quem pedira a mão, tornava-lhe ansiosa a passagem dos dias até essas férias.

Como sempre fizera desde rapaz, com tanto empenho quanto orgulho, escalaria o Maciço dos 3 Bispos, desta vez Heidi acompanhá-lo-ia, o que tornava essa escalada ainda mais desafiadora que todas as outras.

Assoberbava-o a ideia feliz dessa conquista, tinha sido dificílimo mas conseguira impor-se a si mesmo e dominá-la mau grado todos os escolhos da escalada, de si para si diria que se superara. Frequentava as montanhas desde a infância e do tempo dos escuteiros, a aposta em Heidi era mais recente, remontava apenas ao tempo dos estudos secundários.

Escalar aquele monte pela primeira vez custara-lhe menos que conquistar Heidi, além disso contara com a experiencia do pai, velho alpinista de moral prussiana que colocava empenho e cumprimento de objectivos acima da honra.

Várias vezes esse pai austero o repudiara pendendo de cordas, ganchos e mosquetões a cem metros de altura numa qualquer escarpa com vozes de incentivo e encorajamento:

- Agora desenrasca-te meu maricas e aprende que só contigo podes contar, “dos fracos não reza a história”.

Fizera-se homem, conquistara todas as escarpas que se lhe atravessaram no caminho, conquistara o respeito e a admiração do pai, conquistara Heidi, sentia-se extrema e invulgarmente confiante e realizado.

Ultimamente (não andava bem) recordava a mãezinha com uma frequência regular. Não eram saudades mas a sua perda estava difícil de aceitar. Era linda a mãezinha. Há muito esquecera os castigos em que o metera encerrado na cave tardes inteiras, às vezes dias inteiros, sem almoço sem lanche sem brinquedos, por vezes devido a coisas tão simples como não saber a tabuada dos noves, ou hesitar na identificação de Hanna Reitsch ou Amelia Earhart, ou não saber na ponta da língua quanto devemos ao chanceler  Otto Von Bismarck.

Muito lhe custara mas tudo perdoara à mãezinha, era impossível não lhe ter perdoado, era a sua mãezinha linda, até os castigos com orelhas de burro, que ela trazia da escola com o argumento de ele não ser mais (ou menos?) que as outras crianças lhe desculpara. Sorte a daqueles meninos terem a mãezinha como professora. Jurara-lhe mesmo ambicionar ser de aço como o chanceler e voar como Amelia e Hanna quando fosse grande.

Jurara mesmo nunca aceitar que quem quer que fosse se lhe atravessasse na frente ou o dobrasse, a mãezinha teria tanto orgulho nele como o paizinho, prezava ser ariano e honraria a sua ascendência, só por cima do seu cadáver o contrariariam e, conhecendo-o, a mãezinha decorou-lhe o quartinho com aviões e modelos primeiro e anos mais tarde inscreveu-o num clube de voo planado.  

Foi o céu na terra, nada contrariava o seu destino, pais e padrinhos conjugavam esforços para que ao menino Andreas nada atrapalhasse o devir até ao êxito, até ao sucesso absoluto, o céu era o limite, e como que caindo do céu tudo lhe ia parar às mãos.

Adorava planar, sobretudo se com nuvens. Ultimamente refugiava-se nelas tanto tempo quanto quaisquer térmicas favoráveis lhe permitissem, para o que aproveitava a oportunidade do mais pequeno voo de colina e até que atingisse uma onda estacionária. Ali se refugiava da intransigência independentista de Heidi, uma independência que cada vez mais lhe parecia insolência, coisa inaudita numa mulher, jamais vira ou sequer pressentira ou notara tal traço de rebeldia na mãezinha, aquilo contrariava-o, e atormentava-o, o exigente treino de voo dinâmico poupava-o a estes pensamentos.

A ser verdade o que dizem, e ela ter ido embora para Espanha, abandonando-o sem sequer lhe ter dado uma satisfação é causa para explicar muita coisa. Andreas é o tipo de pessoa que lida muito mal com a rejeição.

Olhe lá tem isso ligado ? Importa-se de colocar em OF ?

Em record nada mais tenho dizer. OK está bem, adianto-lhe que Andreas foi meu aluno até aos dezassete dezoito anos, um dos melhores, não falhava uma, e quando falhava temia a reprimenda do pai ou o afastamento da mãe e penalizava-se a ele mesmo, quantas pessoas assim opiniosas ante um falhanço, por mínimo que seja você encontra ? Uma em mil ! Ou em cem mil ! São alunos que vão parar inpreterívelmente a medicina, casualmente a engenharias, a gestão, a economia, e irrevogavelmente à politica, são casos anormais, são almas anormais, quer que lhe diga mais ? 
Não me admira nada disto.  

Como ouvi a alguém «a procura de seres perfeitos para qualquer lugar só pode levar a eleger os mais treinados na representação dessa perfeição» …