sexta-feira, 12 de abril de 2024

813 - MARIA CASTILHO, UM BALUARTE SÓLIDO

 




Ligou-me ontem á tarde a minha amiga Maria.

Sim a Maria, mas não uma Maria qualquer, a Maria Castilho, uma Maria que nunca foi com as outras, uma senhora, um potentado de energia, competência e sabedoria.

 

A minha amiga Maria era workaholic, poderia ter-se reformado há uma boa dúzia de anos mas não o fez, a fábrica química que erguera desde a 1ª pedra, ali para o Seixal, era a sua verdadeira paixão e, marcou o ponto até há cerca de um mês ou quase, para ser mais exacto até ao dia em que em casa deu uma queda, grave, e da qual nunca recuperou satisfatoriamente.

 

Desde que há cerca de três anos ou quatro levara a vacina que a sua sólida saúde se deteriorara a olhos vistos, o traumatismo da queda não veio ajudar, antes pelo contrário, tudo se complicou, todos os tratamentos apresentavam contrariedades, dificultando toda e qualquer recuperação. Nem os melhores médicos nem os melhores hospitais conseguiram acertar-lhe um relógio que há cerca de oitenta anos trabalhava certeiramente.

 

Muito culta e instruída, tanto quanto viajada, desde a morte de um filho, e posteriormente do marido, há uns anos largos, que se dedicara ao trabalho como forma de sublimação emocional, aspecto em que contudo nunca deu mostras de instabilidade ou fraqueza. Que fique claro, não era emocionalmente instável nem bipolar. Era um baluarte de bom senso e racionalidade.

 

Falávamos muito, nunca julguei até que me tivesse em tão boa conta, julgo agora acertadamente ter sido para ela um bom amigo e confidente, muito conversámos, sobre tudo, acerca de tudo, da política à metafisica, era uma conversadora encantadora e identificávamo-nos numa enorme ou em grande percentagem das opiniões a que chegávamos. Tiremos a carga sexual à coisa e bem podia falar-se dum caso de sapiosexualidade bilateral.

 

Ligou-me ontem à tarde, para se despedir de mim, naturalmente dá-se conta do mau período que atravessa, do provável fim ou rumo que as coisas tomarão e, mulher prevenida, sempre o foi, quererá ir-se com os assuntos para ela mais relevantes arrumados, daí que com enternecedor carinho me tenha surpreendido, e sensibilizado com o seu cuidado, com a sua doce e armabilíssima despedida.

 

Fiquei sem palavras, eu, que sou um homem talhado para as coisas mais difíceis da vida escondi de mim mesmo uma lágrima que a custo sustive, eu que sou avesso a despedidas e que há bem pouco sofri uma da qual ainda me não recompus, gaguejei, balbuciei algo a propósito de fé e esperança sem tão pouco acreditar no que dizia, há tempestades que só o tempo sossega e não qualquer bonança.

 

Como calcularão estou desolado, desolado e desfeito, há coisas, realidades, factos, que nos caem em cima de rompante e é o que sabemos …..  Ou, como diria  José Verismar*, há choques para os quais nunca estaremos preparados….

 


   O CHOQUE    *


A realidade

É um trem desgovernado

Em sentido contrário

Aos nossos sonhos.

 

O sonhador

É o caminhante desatento

Que será, sempre, colhido

Pela realidade.

 

O choque

Quase sempre

Mata o sonhador

 

Os sonhos

Sempre …

 

by José Verismar

 

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