quinta-feira, 13 de agosto de 2015

266 - O QUE DISSE MOLERO *.................................

              

             
Todo o mistério se resumia a um pequeno raminho de hortelã encontrado sobre o banco traseiro da W Kombi dos biscates. A história tem destas peculiaridades, tão aparentemente insignificantes quanto inofensivas ou desinteressantes, contudo todavia mas porém, são elas muitas vezes a ponta do fio que se enrola ou desenrola como um novelo por toda a meada.

À excepção de um insuspeito, ou suspeito raminho de hortelã entalado entre as costas e o banco corrido da W Kombi e que Molero não sabia justificar, nada mais havia a acrescentar, assim terminava o relatório.

Tinha sido arquivado claro, determinara-se após cuidada averiguação, conforme consta nos autos, que o arguido não passava de um pobre diabo, um gato-pingado, eu seria mais preciso e afirmaria tratar-se dum fura-vidas. Concluíra-se dessas mesmas averiguações ser pacífico que o arguido comummente vociferara contra o Estado, todavia menorizaram-se essas ilicitudes criminais em virtude (eu teria antes apelado à falta dela), da ausência de amor-próprio e patriotismo, já que contudo o sujeito em questão nos autos de averiguação;

Um; não possuía cadastro, cousa decididamente abonatória em seu favor e muito valorizada na sociedade corporativa em construção

Dois; vociferava por hábito e permanentemente contra tudo e contra todos, pior que aquilo só mascando tacaco

Três; sobrevivia de pequenos trabalhos ou ganchos, vulgo biscates, que a vizinhança com condescendência lhe atribuía, sendo que o café onde a atitude anómala se verificara e assinalado na denúncia era a única morada que se lhe conhecia, de resto incerta, constituindo aquele lugar poiso certo conhecido, tendo alguns dos indivíduos que lhe entregaram trabalhos a realizar confirmado terem pago os mesmos com notas de vinte escudos, não ficando todavia determinado se novas se usadas dado ter passado já algum tempo sobre o assalto ao Banco de Portugal e também sobre o dito e referido pagamento ao sujeito nomeado Molero, cuidando-se ser essa a razão pela qual pagaria diariamente as bicas com um nota de vinte escudos, inusual, concedemos, contudo em flagrante contraste com as afirmações constantes nas denúncias anónimas e que relacionam o individuo em questão com os acontecimentos ocorridos na agência do B.P. na Figueira da Foz em 17 - 5- 67.

Quatro; na completíssima inspecção e analise à citada camioneta dos biscates, veiculo registado na DGV sob o nº de matricula CE-56-02, de marca Volkswagen, modelo Type II flatbed, nada foi encontrado que permita intuir ou estabelecer qualquer ligação com base em prova legal, e juridicamente aceite , ou quaisquer outras razões que permitam ligar os factos ocorridos e que culminaram na sua apreensão,  como tal foi o dito e citado veiculo devolvido ao seu legal e comprovado proprietário, já que em momento algum era passível estabelecer-se uma relação de causa efeito entre o dito cujo raminho de hortelã e a discrepância de factos verificada. O veiculo estivera parado ou saíra no dia do assalto á dependência do banco de Portugal na Figueira da Foz ?

Esse era o busílis da questão, e os inspectores detestavam ser comidos por parvos, que é como quem diz, que lhes comessem as papas na cabeça. O citado Molero puxando de notas de vinte escudos todos os dias quando até ali mendigava a bica dia sim dia não e protelava o pagamento da mesma para depois do almoço ou logo ao jantar ? Ali havia gato. Que o deixassem ir mas mantivessem sorrateiramente aquele fura-vidas debaixo de olho, tanto mais que o facto de ele ter deixado de apresentar as vintenas para pagar as bicas desde que os interrogatórios destinados aos autos de averiguações tinham tido início, era a prova provada de que ele era culpado.

O inspector Bonifácio, inspector de terceira classe há quinze e chefe de brigada perfazendo vinte e dois anos no activo franziu o senho e ordenou:

- Dêem-lhe tempo, tempo e espaço, mas não lhe tirem os olhos de cima, esse bardamerda anda a gozar connosco e eu gozar só na cama e com mulheres mais novas que ele, a esperteza desse merdas vai ser a morte dele, pela boca morre o peixe. Há-de falar, ou eu não me chame Bonifácio.

Todavia, contudo, fiquem porém registadas as afirmações do que disse o arguido Molero quando mui exactamente afirmou não ter sido usado o referido veiculo na última semana, o que é contraditado pela prova nº 1, o tal raminho de hortelã, fresco, viçoso, isto é colhido há menos de um dia, que foi por nós encontrado (e citado atrás nos autos) entre as costas e os bancos corridos da viatura, o que contraria as alegações do suspeito, inda que não passe de uma prova circunstancial e como tal passível de ser rebatida por qualquer advogado de meia tigela ou até mesmo ignorada por qualquer douto e excelentíssimo juiz em quaisquer tribunais, portanto esta inspecção limitou-se a registar a prova, a qual no futuro poderá ou não vir a tornar-se importante e necessariamente utilizada, o que será consensual, quer como acusação quer como prova.

Nada mais havendo por agora, sublinho por agora, a acrescentar, aos dezassete de Junho do ano da graça de mil novecentos e sessenta e sete, pelas 22:30h é encerrada esta averiguação e inspecção e delas passados estes autos que vão superiormente assinados por mim, chefe de brigada da PIDE e inspector de terceira classe.

A marosca montada em segredo e em redor de Molero nem demorou duas semanas que não surtisse efeito. Um sujeito engomadinho, moreno, porte atlético, cabelo curto à escovinha, à rufia, e cujos modos diga-se de passagem contradiziam o fato e gravata esmerados, apareceu um dia no café, segredou qualquer coisa ao ouvido do Molero e este, sem largar um pio, passou-lhe as chaves da Kombi para as mãos. Evidentemente o nosso engravatadinho engomadinho não mais deixou de ser seguido.

Vimo-lo entrar e abalar aos solavancos de embraiagem debaixo do telheiro de onde o Molero afirmara a carripana nunca sair, parou demasiado tempo na bomba de gasolina e no café anexo à mesma, pelo que mal partiu um de nós foi averiguar enquanto os outros se lhe mantinham no encalço sem o perder de vista.

Metera dez litros de gasolina, (refira-se que de acordo com os catálogos do modelo Volkswagen, Type II flatbed teriam ficado com autonomia pra muito mais de cem quilómetros mesmo em circulação urbana) e fizera um telefonema (um nosso homem ficou encarregado de posterior visita aos CTT afim de averiguar o nº marcado e o destinatário, bem como a localização deste último), e tomara uma bica, totalizando a despesa vinte e dois escudos e cinquenta centavos, importância que quitara com uma nota de quinhentos escudos, pois o balconista lembra-se bem da dificuldade para lhe arranjar troco, UMA NOTA DE QUINHENTOS ESCUDOS ????????? Mas esta investigação só lida com notas demasiado grandes e demasiado novas para as despesas que pagam ?

O Asdrúbal ligou para a central, para o inspector de terceira classe e seu chefe de brigada a dar conta dessa estranha e peculiar ocorrência tendo ouvido de resposta:

- Eu sabia ! Eu tinha razão ! Não os percam de vista a esses dois ! Ali há gato ! Eu não me chame Bonifácio caralho !

O quê ? Que diz você Asdrúbal ? Repita lá isso homem !

- É como lhe disse senhor inspector, achei estranho apenas, o nosso homem levar colocado sobre a orelha direita, quero dizer entalado na aba da orelha um raminho de hortelã, ao principio ainda julguei que fosse manjerico embora não seja o tempo deles mas… A gente habitua-se a ver de tudo não é senhor inspector ? Depois quando me aproximei dele p’ra ver se bispava o nº que discara (ele tapou-se com as costas) cheirou-me a hortelã, olhei bem e lá estava um raminho fresquinho todo catita por cima da orelha do bicho, quero dizer do dito cujo sujeito engomadinho.

- Siga-o sem que ele dê por si Asdrúbal !

Chefe, eu fiquei a pé no café para lhe telefonar, quem o seguiu foi o agente novo, o Camilo, aquele agente novo do norte, acho que de Mortágua, ele e o Resende a dirigir as operações.

- Ah ! O Resende está com ele ? Está bem, temi que a sua juventude e inexperiência pudessem trair todo o trabalho que temos tido. Ok, vou já mandar alguém buscá-lo aí, onde é que você disse que estava ? Café Frango Assado  ? Samouco ? Ok vai já alguém, espere e tome qualquer coisa, hoje pago eu.

O engomadinho foi seguido, parou à saída de Alcochete pra deixar entrar uma engomadeira com barraca montada no mercado do Montijo, dirigiu-se à reserva natural do estuário do Tejo, como quem se mete a caminho de Samora Correia tendo a meio caminho metido pelo silvedo, o que fizeram exactamente às 18:37h, e onde permaneceram exactamente até às 19:42h.

O regresso executaram-no pelo inverso da ida. O nosso carro marcava exactamente 87 quilómetros percorridos, ida e volta, passando agora à enumeração de vários factores a assinalar neste relatório e de supino interesse para a investigação em curso.

Um; Ao observarmos a carrinha depois de novamente arrumada no telhal jazia sobre o tablier um viçoso e aromático raminho de hortelã.

Dois; Foram encontrados debaixo do banco traseiro vários lenços de papel e bocados de papel higiénico, recente e com resquícios de sémen, bem como um preservativo usado (bem cheio) de marca Durex, tamanho grande (juntámos a carteirinha prateada do dito às provas), e alguns outros marca Control,  já ressequidos indubitavelmente de encontros anteriores, provas que recolhemos num saco higienizado e foram entregues nos serviços de laboratório desta polícia, com o nº do processo apenso para posterior analise averiguação e identificação.

Três; A dita senhora, que mantém banca de engomadeira no Mercado do Montijo é a D. Clarinda Veiga Pires, Terá à volta de 45 a 50 anos, e vive maritalmente há mais de vinte com o senhor Herminio Palma Inácio, aproximadamente da mesma idade e com talho na rua de Cima, no Cacém.

Quatro; Conforme instruções recebidas nenhum dos intervenientes neste relatório foi detido ou travado nas suas actividades diárias.

Cinco; Toda a equipa está ciente que, quando da sua detenção para interrogatório deve ser evitado todo e qualquer contacto entre eles e enclausurados em celas separadas. Para além dos já nomeados foram detidos igualmente; Emídio Guerreiro, Camilo Mortágua, José Augusto Seabra, António Barracosa e Luís Benvindo, todos suspeitos de ligação e pertença à LUAR, Liga de Unidade e Acção Revolucionária.

Passaram-se alguns dias, triangulações, observações, após os quais as detenções permitiram em pouquissímo tempo esclarecer os factos, recuperar as quase trinta mil mocas e deter todos os intervenientes a fim de serem alvo de acusação, posterior julgamento e prisão.

 Esta brigada orgulha-se do seu laborioso sucesso em prol da Nação, eu, pessoalmente, dirigi todas as diligências que culminaram em mais um espectacular sucesso da PIDE. “ Tudo pela Nação, nada contra a Nação” !

Chiado, 16 de Agosto de 1967
Bonifácio António Maria Cardoso
Inspector, Chefe de Brigada

* todos os factos e nomes são veridicos e podem ser confirmados, existem actas, relatórios, processos, e, sendo mais cómodo o Google, introduza os factos, ou os nomes e dentro do contexto, confirme-os. Obrigado.
            




terça-feira, 11 de agosto de 2015

265 - PEÇA EM 3 ACTOS … Paulo & Esperança ...

                               

ACTO 1 Fala 1 em desespero

- Não há outro modo de lidar com aquela malta, só à bruta, não vão lá com paninhos quentes, para eles tudo é luta, tudo é acção, atitude, politica, até o respirar, nada conseguirás com pedidos, solicitações, boas maneiras. Só reconhecem a força, só temem a força.


Fala 2 com a calma que só o poder concede

- Então tens que lhes atirar com um exemplo de força se os quiseres dominar, senão nunca os terás na mão quanto mais virem-te comer à mão, foi o que eu fiz com os agricultores do regolfo, e foi remédio santo.


Fala 1 de novo e num modo lancinante 

- Já os conheço, e a alguns até conheço bem demais, como saberão, há ali um reviralho, não me parece que consiga levá-los com a força, aquilo cheira mais a coisa premeditada, a contestação silenciosa…           


Fala 3 à laia de quem manda bitates

- Nunca foi uma questão de força pá, estás enganado, é uma questão de votos, afinal em quem é que os eleitores votaram ? Afinal a quem é que o processo, ou a lei, entregou a autoridade ?


Fala 4 num tom de quem domina o hábito de mandar

- Pois, vocês falam muito bem e reconheço-vos razão, mas o senhor no seu departamento também tem problemas, não por acaso os mesmos problemas. Às vezes tenho pena de ser mulher, e não me ficaria bem tomar certas atitudes mas o senhor arquitecto e o senhor presidente sem darem dois murros na mesa e atirarem uns tantos às feras não irão lá.


Fala 5 com maneirismos, como se desenhasse algo no ar

- Ó minha cara amiga são funcionários públicos ! Não podem ser despedidos, além disso tem que se lhes levantar um inquérito, ter testemunhas e provas, e se arranjamos uma coisa já não arranjamos a outra, tapam-se uns aos outros !


Fala 6 com  a barriga e autoridade que só o poder concede

- Não podem. Não podem … Não podem é um modo de dizer, já passei por um ministério onde meti uma dúzia deles na rua e todo o ministério acalmou, acalmou é maneira de dizer, baixou a crista. É certo que mais tarde foram reintegrados, mas um ano e tal de susto e carência foi o melhor exemplo p’ra acalmá-los todos, desculpem-me a linguagem mas vocês dois não têm é tomates para os pegar pelos cornos, essa é que é essa, é aí que reside a questão. Amansavam logo ! Oh se amansavam ! Lá no ministério ficaram que nem cordeirinhos !


Fala 1 nova e tristemente

- Por mim já decidi, é deixar andar o barco, aquilo é um mar ingovernável, deixa andar ao sabor das ondas, ou isso ou uma guerra aberta e permanente e eu não estou p’ra isso. A gente dá-lhe uma ordem directa e ficam a olhar para nós como quem não entendeu, depois viram as costas e vão-se embora rindo, e não cumprem nem se incomodam tão pouco a fingir que irão cumprir. É demais, ando esgotado.

Fala 6 de novo com ar de quem repreende 

- Vocês dois têm que ter calma, calma e autoridade, vocês foram eleitos, não eles, por mim posso garantir-vos o apoio e cobertura da AG, o resto terá que ser convosco.


Fala 4 outra vez já bufando

- Metam na rua cada um que levante cabelo, e façam-no logo, de imediato, nem lhes dêem tempo, tal como disse o senhor presidente da AG, ai se eu não fosse mulher, haviam de ver como elas lhes mordiam… E esse arquitecto tem que aprender ! Esse e todos ! Têm que levar uma lição.


Fala 1 irritado, melhor, encolerizado

- E é que não fazem nada de nada ! Não mexem uma palha ! Passam os dias a conspirar e a fazer politica, a manobrar, a pensar em manobrismos, a pensarem como hão-de lixar cá o parceiro… E não lhes poderemos levantar processos por não fazerem nada ?


Fala 2 cauteloso

- Isso não ! Isso nunca ! Era coisa que acabaria por se virar contra nós, afinal todos precisamos de uma retaguarda, e com uma lebre dessas levantada deixaria de haver delegações, institutos, instituições, direcções gerais, regionais e locais, politécnicos e universidades que nos acolhessem, ficariam expostas ao receberem-nos quando não estamos exercendo cargos… Isso não, é melhor nem pensar ir por aí…

ACTO 2  Fala 7 impondo a ordem que o tempo esgotava-se


- Ok ! Ok ! Já chega por hoje ! Iremos acompanhando os casos. Que isto não fique em acta, se ninguém tem mais nada a dizer passemos então à ordem de trabalhos.

ACTO 3 
Fala o narrador, rindo da falta de visão e preparação dos personagens

            Constou-me, uns anos mais tarde, ter sido a peça levada à cena por mais duas vezes antes de se ter cerrado de vez o pano sobre ela, mas por essa altura já eu tinha abandonado o grupo de teatro, surpreendido e enojado com as práticas, os encenadores, os aderecistas e os guionistas. Tudo aquilo cheirava a ranço e a pré-cozinhado, ora o estômago fora sempre o meu ponto fraco... Eu inscrevera-me numa formação que me permitiria ser um ladrão honesto, pareceu-me ser profissão com futuro. 


                                      by    Luiza Caetano - Pintora e Escritora

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

264 - GANIMEDES E A CULTURA ...........................

                                 
Está em pleno a pré campanha, nas televisões, nos jornais, nas redes sociais, e inda que o verão e as férias mal tenham começado, cada palrador já encontrou ou preparou o seu registo de molde a impressionar-nos (como se fossemos uma chapa do negativo de uma foto à la minute), ou pelo menos a captar a nossa atenção, quiçá o nosso interesse, este último coisa cada vez mais discutível de obter. Cada um de nós criará uma imagem estereotipada de cada personagem, eu faço-o, pois facilita-me a sua arrumação em prateleiras mentais e sobretudo influi determinantemente na disponibilidade que concederei a cada uma dessas pseudo carismáticas figuras.

A alguns só tem a gente a ganhar nem os ouvindo, há partidos vivendo há quarenta anos em contradição, outros terão um piadão, pelo que a minha atenção oscilará como uma bolha de nível num nível (ri-me de mim mesmo com esta redundância). Mal as investidas se iniciaram e deu para ver de tudo, pelo que fiquei curioso quanto ao que espero ainda rir. O país está mal, muito mal, mas agora está muito melhor segundo uns, ou um tanto ou quanto pior, segundo outros. Quem assuma a trampa que fez e nos colocou na difícil situação em que nos encontramos é que não o admite nem aparece, com a agravante de, muitos dos que a este buracão nos trouxeram estarem aí de novo, prontos a dar-nos a mão e a salvação, como se nada do que se passou fosse com eles. Há partidos que com a sua inanidade e insanidade, em doze anos são capazes de atrasar uma cidade vinte e quatro.

Um destes dias até sonhei que Mussolini ressuscitara e se candidatava de novo a conduzir a nação à glória plena, e antevi nele o mesmo espírito de corpo, o corporativismo que tantos anos nos alimentou os dias e as vidas, “tudo pela nação, nada contra a nação”. O mesmo porte garboso apesar de ressuscitado, o mesmo ar descomprometido dos kosovares, esses sim, nada têm que ver com a fossa onde nos encontramos, o mesmo ar desinibido do tempo em que as vacas eram gordas e sorriam, a mesma desfaçatez que tão bem demonstrada foi por Bernardo Bertolucci no filme “1900, ou Novecento”, cujo link directo para o Youtube vos ofereço no fim do texto. (Mussolini morreu a 28 de Abril de 1945 às mãos do povo, juntamente com a amante Claretta Petacci na vila de Giulino di Mezzegra no Norte da Itália, fuzilados dois dias antes do suicídio de Hitler).

O meu amigo Ganimedes é que não concorda de todo comigo e está sempre:

- Não sejas parvalhão Baião… Deixa a politica para os políticos… Ainda não reparaste que por cada vez que tenhas razão perdes um amigo meu parvalhão ? …

O que me irrita é o seu ar de sabichão e as reticências, porque conhecendo-o como eu conheço sei o que implicitamente escondem, e ainda que ele se iniba numa mesa onde estamos meia dúzia, senão mais, adivinho-lhe a aspereza da observação e da crítica que implicitamente as reticências ocultam.

Involuntariamente vou observando os movimentos políticos dos personagens e das massas, já não involuntariamente vou anotando, catalogando, classificando, escrutinando, desde há uma dezena de anos a esta parte, a fim de mais tarde dar à estampa um estudo sociológico sobre movimentos de massas e personagens críticos ou cruciais, diria determinantes em cada caso, e faço-o criteriosamente, para ser mais preciso e explícito, desde o “movimento cultural” que arregimentou populações sob uma causa comum dirigida contra a única pessoa que parece não ter percebido a questão. 

            Pessoa que aliás nunca terá percebido nada de nada a não ser que um especifico e peculiar tubo com 20 cm de comprimento estaria coberto e submetido às agruras de um processo degenerativo de oxidação, vulgo ferrugem. Para ser franco, no estudo que elaboro e que pretendo submeter à apreciação dos sábios num futuro mestrado em Sociologia, e que me propus levar avante na nossa universidade, adianto várias pistas, ou hipóteses, todas viáveis, entre elas uma manifestada incompreensão pelo apoio do partido proponente, que reiterada e continuadamente apostou nessa figura, claramente deslocada do seu meio, incompreensivelmente incapaz de se assumir, de se relacionar com as massas, irrevogavelmente sem a mínima tendência ou capacidade de gestão de recursos, entre os quais os humanos, e de quem a história nem virá sequer a lembrar-se. Curiosamente lembrou-se Cavaco e Silva, desse e de um outro a quem são devidos trinta ou mais anos de imobilismo e obscurantismo.

Mas enfim, c’est la vie, parece que certas figuras por mais que se esforcem nunca farão história e rapidamente caiem no esquecimento, e antes que a vaca esfrie continuemos, onde íamos nós ? Na tese de mestrado e nos “movimentos culturais”, coisa que eu vi logo não ser o que parecia, até por, na história, jamais um movimento cultural ter conseguido o que queria, em Évora sim mas só o conseguiu nas suas reivindicações menos claras, quer porque não tivemos a nossa revolução cultural, (tivéramos simplesmente saneamentos), nessa época longínqua, como hoje, já éramos avessos à cultura, incluindo a cultura da tolerância, da aceitação, do respeito, do convívio e da partilha (ficou a da conivência, que como todos sabemos tem trazido imensas excursões a Évora), quer porque por cá a cultura enobrece mas dá de comer a poucos, coisa que Putin sabe melhor do que ninguém, pelo que lamentará não se ter insurgido mais cedo contra o revanchismo acoitado debaixo da perestroika e da glasnost que estraçalharam a mãe Rússia, levando-a a entregar as suas riquezas de mão beijada a uma direita oligopolista com a qual Putin agora se vê a braços.

Foi a fome, e não a cultura, quem despoletou a revolução russa de 1917, ainda que gente maledicente a atribua a uma monumental bebedeira que o exército popular, chamemos-lhe assim, terá apanhado nas caves do Palácio de Inverno em S. Petersburgo, cuja conquista significou um marco oficial na revolução. Bebedeira dizem, sem a qual não teriam sido capazes de quebrar as correntes culturais, cá está a cultura (da submissão) que os ligava à burguesia nobre a quem em estado normal seriam incapazes de desobedecer, tendo sido unicamente debaixo do efeito inebriante dos vinhos franceses e italianos, recheando as ditas caves, que ganharam coragem para fazer à realeza e seus muchachos o que nós deveríamos fazer à troika e seus acólitos. Isto da cultura tem muito que se lhe diga e serve para muita coisa, também na China fora a fome uma vez mais, não a cultura, que despoletou a revolução e a Grande Marcha, inda que mais tarde não tenham desdenhado e baptizado de “Revolução Cultural” tempos de vingança e inveja que ficarão eternamente escritos a negro na sua história. Revoluções culturais só me ocorrem a escrita e o Iluminismo.

Mas encontro-me em condições de garantir-vos, em Évora temos precisa e exactamente 372 pessoas cultas, trezentas e setenta e duas, ou 744, setecentas e quarenta e quatro se contarmos os pés e dividirmos por dois. Não me incluo a mim nestes números, eu era o que estava em cima do cavalo e confesso ter-me esquecido de mim próprio, até por nem ver razão para me incluir no universo em questão. Como disse tenho feito as minhas observações, anotações, catalogações e classificações, num escrutínio que já leva anos, a fim de não colocar em causa a exactidão dos números. Sim, contei-as e bem contadas. Trezentas e setenta e duas pessoas que possamos conotar à cultura tem a minha terra, demorei mas consegui ou penso ter conseguido, foram anos de trabalho de campo activo e exaustivo, anos em que uma completa e extensa metodologia empírica foi posta em prática e elevada à última potência toda a subjectividade permitida pela indução das mais rigorosas classificações e deduções, observadas a partir da enorme variedade que as amostragens obtidas em cada uma das múltiplas categorias analisadas consentiu.

Não me poupei, como seria lícito em minha defesa advogar, nem a esforços nem às premissas exigidas durante o dilatado período decorrido, em que examinei e diagnostiquei com honestidade o objecto desse trabalho, que curiosamente nem envolve , engloba será mais correcto, 80%, oitenta ou mais por cento dos que engrossaram os movimentos de massas “pela cultura” a que o trabalho alude. (será então caso para nos perguntarmos que estariam lá fazendo ?)

O meu amigo Ganimedes sabe-lo, por isso me diz reiteradamente que me cinja ao estudo e à tese, mais que isso é comprar inimigos gratuitamente, e di-lo-á certamente com alguma razão. Muitas vezes é ele quem por mim recolhe os dados, formula até hipóteses que posteriormente procuramos comprovar ou comparar com situações idênticas para aferirmos da sua validade, como é dele também, devemos fazer-lhe justiça, a hipótese de o 25 de Abril não ter resultado de um movimento cultural e sim de uma preocupação com o pré ($$$ para os mais novos e ignorantes), sendo que a prova de que nem sabiam o que faziam ou no que se estariam metendo é este resultado à vista de todos e que nem toda a cultura do mundo evitou nem resolverá nos próximos cinquenta anos.

Pena que não tenhamos alguém com a craveira de Putin, que restaure o orgulho pátrio como ele está restaurando o orgulho da mãe Rússia, sim, mesmo ordenando o esmagamento de todos os alimentos importados evitando a colonização da Federação russa pelas empresas imperialistas de fast food. Sim, por vezes é preciso que alguém pise forte inclusive a cultura, para que se possa acorrer a mais graves contingências. Ou era isso ou (assistir como nós), ao atrofiar e definhar da agricultura russa. Até porque não era o russo médio ou médio baixo quem tinha acesso a esses bens nas caras lojas e supermercados das grandes cidades, o russo de que falo e de quem Putin assumiu a defesa intransigente está condenado a uma dieta de batatas e até isso somente quando a neve e o gelo não o impedirem de esgaravatar o chão para as desenterrar.

Lá deixará de ser como aqui, em que tudo chega de fora pelo paquete como diria Eça, populista ou não Putin sabe haver só um caminho, e esse caminho é a cultura, na cultura é que reside a salvação, a cultura dos próprios bens de consumo em doses industriais, a agricultura. Era isso ou a fome, por cá escolhemos a fome.

Em relação ao trabalho em causa adiantarei somente que dos louros que me sejam devidos, somente aceitarei os que exclusiva e comprovadamente sejam fruto do resultado da metodologia usada, e claro, deverão ser-me igualmente creditados os provenientes da originalidade propiciada pela interdisciplinaridade das várias ciências envolvidas e de que me socorri. Tão poucos cultos, pensarão vocês, e estarão a cair no mesmíssimo e errado plano de observação de que ao princípio inquinei.

Lembrai pois a natureza subjectiva mas unívoca do que estava em observação.

         Obrigado parvalhões.



Sinopse:
O filme faz uma retrospectiva histórica da Itália desde o início do século XX até o término da Segunda Guerra Mundial, com base na vida de Olmo, filho bastardo de camponeses, e Alfredo, herdeiro de uma rica família de latifundiários. Apesar da amizade desde a infância, a origem social fala mais alto e os coloca em pólos política e ideologicamente antagónicos. Através da vida de Olmo e Alfredo, o filme retrata o intenso cenário político que marcou a Itália e o mundo nas primeiras décadas desse século, representado pelo fortalecimento das lutas trabalhistas ligadas ao socialismo em oposição à ascensão do fascismo. "Novecento" tornou-se um épico aclamado no mundo inteiro, sendo considerado pela crítica internacional como uma das principais obras do grande cineasta italiano Bernardo Bertolucci.


terça-feira, 4 de agosto de 2015

263 - MUROS .................................................................

MUROS ...
I
A brincar alguém ergueu em 1907 um muro de 2.000 quilómetros
Que quase quase de uma ponta à outra da Austrália se estendeu
Por causa da cegueira, do sexo imparável, da reprodução inimaginável
Porém outros muros vieram a erguer-se e bem piores que este
Diria Catroga em seu português venal; Coelhos, mera pentelhice afinal…
                                                                         II
Em muros a sério pensaram Maginot e Siegfried
Porque primeiro foram as valas e só depois outras valas...
E o arame farpado, enovelado, quase quase 1.400 quilómetros contados
Depois destas graças os famosos ninhos de metralhadoras
Que duraram e duraram
Inté se chegar aos automatismos mal fadados
                                                                        III
Então, como se aqueles muros não bastassem
Chegara a hora bendita e desdita da economia
E propagando baixá-las se ergueram por todo lado barreiras monetárias
Cercando as economias galopantes, arbitrárias
Protegendo-as dos furores cegos das forças libertárias
                                                                       IV
Foi então que outro muro intransponível se ergueu
Mas cautela, credo ! Desta vez felizmente em louvor a Deus
Faz lá ao menos uma tentativa… sim, foi aí, foi na Palestina
Como se a sorte fosse uma casa de meninas e
Forçada a dita a rodar de mão em mão, sorte canina
                                                                       V
E por entre o tráfego e o tráfico do México
Demos por ela entalada entre infortúnio e outro muro
Cedo mudou de poiso, abandonou  Tijuana e Conchita
Ora sendo o mal uma firma de investimento em comandita
Cercaram-lhes de redes Ceuta & Melilla, coitaditas
                                                                       VI
P’ra proxenetar uma hungarazita magiar desnataram
Travando a paixão a sírios e a sérvios que, afinal
Para que siervem os siervos dos sérvios ?
P’ra nada servem no final, nem prestam, que desandem…
                                                                     VII
E assim chegámos a Calais, via Lampedusa
Que isto das muertes é destino, e musa
É o espanto de quem tira sortes
É o esperanto a quem sorriu a morte
                                                                     VIII
E, antes c’o horror se espalhe p’los países do norte
Mais muros, mais novelos, mais arames
Estão ameaçados o turismo, os vinhos, os salames
Está apavorada a Europa da temperança
Da idolatria, da idiotia, da tia…
                                                                     IX
Os sobrinhos  Schäuble, Juncker, Dijsselbloem,
Gaspares, Moedas, Marias, Maçães…
Largando caganitas por Portas e travessas não,
Fechai-me esse mar agora ! Fechai-o já !
Virá de imediato, e sem demora a BlackWater de triste memória
Para nos salvar ,   ra ta ta      ra ta ta      ra ta ta      ra ta ta      ra ta ta 
                                                                      X
Que deixem metade deles viva
A esses sortudos deixai ir embora
Levarão choque & terror aos que lá estão
Pregá-los-ão ao mesmo chão que os devora
O medo guarda a vinha, nunca ouviste, e então ?
                                                                     XI
Agora sim, descansa que não dormiste
Aqui não entram drones, nem mirones…
Aqui a história será igualzinha aos nossos informes…
- - - não, à civil, fato de banho, sem uniformes, fim de transmissão, stop- - -

Évora, Humberto Baião, em 04-08-2015
   
                         

sexta-feira, 31 de julho de 2015

262 - THE DECAMERON .............................................

                        

            A linguagem tirou o homem da pré historia, quero dizer, da barbárie, passámos de grunhidos e monossílabos a um pensamento estruturado, passámos a comunicar uns aos outros necessidades, estados de alma, estratégias e tácticas, passámos a comer melhor, mais carne, mais proteínas, mais vitaminas e sais minerais.

Passámos a expressar tudo e mais alguma coisa, a expressar e a dar corpo, a corporizar os sentimentos, quero dizer a amar e a sussurrar-lhes aos ouvidos ao mesmo tempo. Hoje todos entendemos mais ou menos isso, mais ou menos o alcance e a comodidade da linguagem, seja ela conotativa seja denotativa, seja directo ou indirecto o discurso, inda que eu tenha demorado séculos a entender por que razão a Hermengarda ruborizava e se desfazia em risinhos quando no palheiro da quinta do Menino de Oiro eu lhe segredava ao ouvido,

- Ai filha não sei porquê mas enlouqueces-me minha querida santa.

Loucuras de jovens, a verdade é que durante uma hora ou duas regressávamos ao passado como alguns mergulham no futuro, e quem nos ouvisse ouviria os neandertais grunhindo e afogando-se em monossílabos.

Não é presente a que queira regressar, mas não era mau de todo e deixou gratas recordações. A alergia ao pó da palha é que nunca mais me passou e ainda hoje me despoleta a asma, quase me sufocando por vezes.

Não, felizmente ou infelizmente nunca tivemos filhos, ela sim, um lindo casal que o Aurélio lhe deu, por sinal padrinho do meu mais novo e um dos meus melhores amigos embora em termos políticos estejamos nos antípodas, ele na última era glaciar e eu já em Marte… A Hermengarda sim, é fixe, e foi a primeira convidar-me há muitos anos para padrinho da, agora mais velha, a Milinha, que muito me orgulha pois tirou uma licenciatura em Físico-química, um mestrado em Biologia, concorreu a uma bolsa de estudo para fazer nos states um doutoramento em Bioquímica e preparava-se para ganhar um concurso a que concorrera, ela e mais dezassete mil e quinhentos eborenses, aqui em Évora, para vendedora balconista da rede de padarias da Panificadora Eborense, quando me remeteu um sms muito estranho:

- Padrinho ! Eu não disse sempre que Évora seria o meu futuro ? Está garantido ! Não caibo em mim de contente temos que falar !

Já o Aurélio e a Milinha, muito excitados, me tinham telefonado quase de seguida para eu aparecer lá em casa, pois a minha afilhada estaria com um super dilema, acabara de ganhar um concurso para balconista, recebera um e-mail esquisito e agora hesitava entre uma padaria e a NASA…

E falámos todos, do e-mail que ela sem esperanças enviara com o currículo, anexando uma solicitação de concurso à vaga para o doutoramento em Bioquímica, e da mirabolante volta que o correio lhe trouxera. A realidade é que a Milinha recebera em menos de dois dias uma resposta de espantar, era convidada a trabalhar no Astrophysics Research Projects of NASA, sendo-lhe em simultâneo concedido tempo para efectuar o doutoramento. Alegando modéstia ofereciam-lhe ainda um vencimento de 12.500 dólares, sujeito a contestação ou a discussão. Mas a surpresa das surpresas surgiu quando passadas horas e devido a uma melhor tradução da Katia reparou que o vencimento era mensal e não anual como ela inicialmente pensara. Benditos 26 aninhos….

Contudo, todavia, mas porém a minha retórica de hoje vem a propósito de amigas e amigos and familiares que tenho espalhados por essa Europa fora, Londres, Suíça, Suécia, Noruega e Allgarve, e because as palavras, sempre a palavras. A linguagem, ainda que sem palavras pode perder-nos, como aconteceu há dias com o jogador Nuno Silva ao chegar ao Jaén Futrebol Real Clube que o contratara, todo orgulhoso e envergando uma camisola onde estava estampada toda a sua ignorância, quero dizer a carinha laroca del caudillo Francisco Franco, figura senão odiada pelo menos abominada em toda a Espanha. Estes percalços são fruto da estupidez, não basta a um jogador de topo saber dar chutos numa bola, um pouco de cultura, um mínimo de história ter-lhe-ia evitado o infeliz deslize e a assumpção televisionada de uma ignorância maior que o número que calça…

E já que vem à baila a Tv direi eu também não basta aos nossos políticos abrir a boca ou tomar atitudes que lhes denunciam essa tal de ignorância com maior clamor que os sinos do Carmo e da Trindade, e o mesmo poderemos dizer de David Cameron, sobre quem recai a agravante de ser Prime Minister e ter supostamente sido educado nos melhores colégios protestantes e nas melhores universidades laicas. O modo como se expressou em relação aos emigrantes foi o mesmo com que Hitler anos atrás começara a sua saga contra os judeus, e todos sabemos como essa coisa acabou…

Doravante todo o grupelho neonazi ou nacionalista por essa Europa fora sentir-se-á moralmente autorizado a malhar nos emigrantes, muitos verão as suas casas, barracas, rulotes ou contentores incendiados, muitos serão simplesmente linchados por hordas de fanáticos, todos se sentirão perseguidos e até algum policia mais confiante e ortodoxo, encorajado pelo pensamento liberal de Cameron nem pensará duas vezes antes de enfiar uns balázios ou fazer cair o cacete sobre o crânio desprotegido de um qualquer desgraçado cuja culpa não é maior que os pecados que também esta Europa tem deixado pelo mundo.

Por este andar não demorará muito que regressemos aos monossílabos e aos grunhidos e arrastemos as Hermengardas pelos cabelos para que possamos fazê-las nossas, a qualquer preço enquanto a Europa há mais de dez anos que se atasca em contradições, não resolve problema nenhum mas todos os dias nos arranja novos…