sexta-feira, 15 de abril de 2016

334 - CÁ SE FAZEM CÁ SE PAGAM ……...........…...



Quando o Kiko chegou reparei logo pelo seu andar que trazia uns sapatos novos, o que ele confirmou ao reparar em mim mirando-os, focado na lustrosa pele de cobra e no barulho do tacão batendo o chão. Arregaçou então a perna da calça, para que os visse bem, enquanto agitava os pulsos frente aos meus olhos fazendo-me ouvir o tinir das pulseiras de oiro.

- Invejinha ! A vida nunca correu tão bem cá ao nino Kiko m’ermão !

O resto era o habitual nele, a camisa branca impecável, desabotoada apesar do frio do dia e expondo o peito aberto, e um fio, não um qualquer fiozinho mas antes uma grossa corrente também de oiro, reluzindo sobre os cabelos negros do peito musculado. Olhando por cima do meu guarda-chuva para as duas faixas negras encimando a entrada, perguntou sem esperar a minha confirmação se era aquele, e era, pelo que ao vê-lo entrar sem o mínimo receio tive a certeza de que me trazia a encomenda. Sem isso nem se atreveria a aproximar-se sequer do lugar, pelo que entrámos, ele mirando tudo em redor como que para confirmar o pedido que lhe fizera, estranho em mim, e escolheu um lugar central sentando-se sem hesitar e puxando uma cadeira cá p’ró rapaz.

Perguntei-lhe pelo meu irmão e fi-lo sorrir.

- A ele se devem os nossos últimos êxitos m’ermão ! As letras daquelas canções deram-nos dois discos de platina em dois anos ! O teu mano tá uma mánika !

Não será bem assim como o Kiko disse, a banda* tem somado êxitos é certo, mas tal se deverá certamente a todos, em especial à sua voz e ao seu flamenco, claro que a música é importante e o mérito será de todos eles. Fiquei satisfeito e mandei um abraço ao mano que não vejo há mais de dez anos, mais precisamente desde aquela noite fatídica em que numa luta e em legítima defesa foi obrigado a mergulhar uma pequena navalha na barriga de um desgraçado, que por um daqueles azares impensáveis viria a falecer quando a ambulância que lhe acudia, de pirilampo aceso e em marcha urgente chocou com uma procissão, virando-se e incendiando-se. Complicações, até Deus foi acusado de tantas mortes, e no meio dessa confusão, m’ermão temendo a confusão da nossa justiça, pôs-se a milhas pois nunca tivera nem tem contas em offshores.

Enquanto bebíamos café o Kiko abria uma garrafa de Pedro Domec, tirada do casaco como quem tira um coelho da cartola e fomos bebendo brindando e olhando o lugar que era deveras antipático e não por acaso, havia ali intenção subtil mas declarada de disfarçar aos demais uma hostilidade latente e preconceituosa, efectivamente bastava reparar com atenção na cor base da decoração, estava presente um apelo à espiritualidade, à intuição, portanto, uma cor metafísica, nada concreta, a cor da alquimia e da magia, uma cor mística, e que tanto pode simbolizar respeito como piedade, é uma cor dúbia, demonstrativa, já que, não sendo carne nem peixe, era todavia de uma tonalidade conotada com o misticismo, o mistério, o espiritismo, tudo auras que invocam e apelam aos sacrifícios e à morte. Quem quer que fosse que tivesse dois dedos de testa não deixaria de ver naquela decoração uns laivos de lembranças ou de memórias passadas e de miséria. Há três ou quatro décadas ainda se usavam colchões de palha de folha de milho revestidos com um tecido barato, pobre, que tinha contudo a particularidade de apresentar os mesmos padrões e disposição de cores, senão exactamente aquela mesma cor. Mas, dúvidas havendo, lá estava, e está, bem visível a quem entre, e em cima do balcão o inefável sapo de loiça, o expediente vulgarmente usado para afastar ciganos, é xenófobo e racista, e não raro convoca discursos ou atitudes violentas, atrai maus agoiros, joga com as superstições desse povo espantando os ciganos e confirmando os preconceitos que as cores da decoração interior deixam perceber, antever. Mesmo ao lado uma imitação barata de um castiçal tentando salvar as aparências, eu sugerira já a utilização de um pratinho ou de um pires com água benta para molhar a ponta dos dedos antes da persignação. Portanto não há ali uma descuidada casualidade, antes uma premeditada e propositada causalidade no sentido da discriminação de uma minoria étnica claramente identificada. Torcendo o nariz Kiko deu-me razão,
- São mesmo preconceituosos m’ermão, mas contra juízos de valor deste quilate o mano Kiko traz-te aqui uma mézinha milagrosa.

E puxando um envelope do bolso interior do casaco como quem puxa de uma dose de heroína ou cocaína, passou-mo sorrateira e disfarçadamente para as mãos, fazendo notar que desde a România até ali tinha sido despendido um esforço enorme por uma catrefa de gente solidária, e que eu não devia esquecer ao espalhar como um alquimista os pozinhos milagrosos, guardados naquele envelope melhor que os segredos dos deuses na Arca da Aliança, de proferir em simultâneo a ladainha à Cigana Rainha do Oriente, recomendando-me vivamente que praguejasse baixinho pois não seria a gritaria a surtir efeito mas a fé e a devoção com que entregasse as minhas rezas a Santa Sara Kali.

Dir-me-ão que nos preparávamos para atacar um preconceito com outro preconceito, a verdade é que aquela mistura, uma mistura calibrada de pó de osga seca e moída, sementes de erva-do-diabo q.b. e merda de morcego das cavernas a que se junta a dose certa de rabos de lagartixas apanhados vivos estava há muito provada e comprovada e, se fosse espalhada de acordo com a tradição faria por si só com que todos gradualmente fossem tentados a desviar-se e a evitar aquela casa, fossem ciganos ou não.

A morte do lugar estava assim anunciada, depois disto vamos ver quanto tempo as portas ainda se aguentam abertas, mas mesmo antes de estar já o estava, sobre a entrada duas agoirentas faixas negras estendiam-se de um lado ao outro do estabelecimento, nelas estivera em tempos inscrito o seu nome, que não foi renovado, e o que não se renova morre. É a lei da natureza, é uma questão de tempo, até a cor interior invoca os ritos da paixão e da morte, basta esperar que a feitiçaria se volte contra o feiticeiro.

Cá se fazem cá se pagam… 

sábado, 9 de abril de 2016

333 - ANA BOLERO, 1955 – 1995 - R.I.P. :( :( :( :( ((((


Se dissesse que não notava a atenção desmesurada que ela atribuía aos cactos estaria a mentir-vos. Mas não a todos os cactos, aliás somente àqueles bem raros por estas paragens e aos quais ela dedicava uma admiração inusitada, aos altos, cactos altos, ante os quais pasmava. Eu reparava e entendia, fazia-me despercebido pois não queria entrar em pormenores com um nada pequeno pormenor que fingia nem ver, nem perceber, nem notar, porque me recusava a entender-me a mim mesmo.

Nem sei bem como a coisa começara, nem me lembro sequer como foi que me deixei arrastar. Para ser sincero nem posso dizer que tenha sido arrastado, já teria uns dezasseis ou dezassete anos, e hoje admito-o, não sabia nada, aliás não sabia nada de nada, mas com essa idade quem não se julga um sabichão das dúzias ? Ela rondava os vinte, portanto muito mais velha e mais sabida do que eu que, embora tivesse sido beneficiado com a aprendizagem proporcionada pelas minhas primas, ao pé dela e em certas coisas era um leigo. Contudo não fui arrastado, as hormonas falaram mais alto e ainda que não lembre bem o que lhe atirei como provocação, a resposta dela ecoa no meu espírito como se tivesse sido dada ontem;

- E o que têm as outras que eu não tenha, dizes-me ?

Haja honestidade, porque em boa verdade tinha, realmente tinha, nem demorámos a tirar quaisquer dúvidas. Foi um período empolgante, em especial quando passou a olhar-me com a mesma admiração com que mirava os cactos mais altos, que olhava meditativa, com reverência. Eu não me sentia um cacto, mas sentia-me um gigante, grande, enorme, alto, o maior. Era já espigadote, desde muito cedo fui alto, mas a questão não era essa, era o meu ego, percebi isso muito depois, quero dizer, quando já era tarde, tarde demais para mudar fosse o que fosse. Tive que admitir que a Ana me manobrara, bem, manobrara não teria sido, eu também fui culpado, eu também gostava da coisa, eu também queria, assumir que ela me manobrou é esquecer que também a procurei, a desejei, a fiz minha. Outros dirão que ela me fez seu, pontos de vista, opiniões, não contesto.

Não sou um salta-pocinhas, não sou um pinga amor, prova disso é estar prestes a comemorar trinta anos de casado sem um sobressalto, e conheci a Luisinha logo após o desaparecimento da Ana, sou um tipo estável, fiável, com carácter, com personalidade, bom pai, e aqueles tempos de delírio com a Ana foram excepção, eu andava enfeitiçado, e aquela tatuagem dela no ombro direito, para ser honesto não foi só a tatuagem a culpada, toda ela era um bibelot, como diríamos agora, uma Barbie, uma boneca, e como eu lhe dizia brincando, não era uma viola nem um violão, era uma violinha, um cavaquinho. Foram tempos inesquecíveis, muito eu aprendi com ela e alguma coisa lhe devo ter ensinado.

Foram meses muito curtos mas intensos, sim porque acho que nem um ano andámos juntos, foram dias extremamente intensos, foi um tempo em que para além de tudo que vos conto eu me debatia com os preconceitos, e nem sabia que os tinha, depois, repentinamente, eles a barrarem-me o caminho, eu num dilema, eu querendo avançar e eles reprovando-me a conduta, tempos terríveis esses, como se ultrapassa um preconceito ?                                  
                             

Muitos dirão que com amor, é o amor sentenciarão outros, e realmente o amor preenchia-nos os dias, todos os dias, todo o dia, a bem dizer o problema nem foi esse, não foi a rotina, nem sequer o facto de, por causa dela eu ter feito tudo para atrasar a minha incorporação, a tropa que esperasse. Não, minto, foi antes, foi pelo S. João quando da vinda do Circo Cardinal, onde ela fez novos amigos do pé para a mão e quase me esqueceu de um dia para o outro. Não digo que a rotina não tenha tido a sua quota-parte, mas foi sobretudo o circo quem nos afastou. Nunca soube onde desenterrara ela os dotes que depois tive que reconhecer-lhe, montava uma bicicleta de uma roda só melhor que eu uma de duas ! Fazia-o mesmo que o assento estivesse a três metros do chão ou dos pedais ! Uma coisa impressionante e que, a somar ao vestido de lentejoulas com que passou a actuar a enlouqueciam completamente.

Entre as matinés e as soirées, por vezes enquanto treinava novos números com a sua trupe de ciclistas brincava comigo, que ali ficava especado adorando-a, quero dizer reinava comigo, gozava-me pegando em meia dúzia de ovos ou pequenas bolas que atirava em arco pelo ar e de uma mão para a outra, mudando-as de mão para mão sem deixar cair nenhuma ! Mas, uma vez em que pretendeu mostrar-me que passara a artista pirofágica chamuscou-me as pestanas, ia-me incendiando os cabelos e as coisas azedaram. Quero dizer, eu já andava fartinho da cena do circo e mortinho de amores pela Luisinha e, aquela cuspidela ardente veio mesmo a calhar.

Se quiser ser franco devo admitir que já andava a ficar farto percebem ? Sim, era verdade que eu devia muito à Ana, ensinara-me a conter-me, a fazer durar, a aguentar e só depois explodir, com violência, com intensidade, um relâmpago, breve mas intenso, ou de modo a ir devagar, com um fulgor menos marcante mas mais duradoiro. Então era assim, intenso e explosivo nos dias especiais e em que matávamos saudades ou precisávamos de dormir bem, calmo e demorado, saindo em fiozinho, não em jorro ou jacto, para os dias normais, o que era menos exigente e até menos cansativo. Mas não era fácil fazê-lo com uma anã percebem ? Se a beijava na boca não coiso, percebem ?  Se a coisava não conseguia beijá-la na boca entendem ? Se tentava as duas coisas dava cabo das costas, ainda hoje tenho um sério problema numa das vértebras designadas dorsal baixa, a L2, depois, como se tudo isso não bastasse vinham os problemas de consciência, o emergir dos preconceitos, evitávamos os amigos para que não fossemos criticados ou gozados, era uma situação penosa para ambos e o circo acabou por ser mais que uma desculpa, foi uma sorte, conjugados os prós e os contras, e somando a rotina que nos estava a matar, aquele amor estava condenado.

Ainda guardo dela uma foto que os anos amareleceram, parece sépia, e nas últimas semanas recebi vários pedidos de amizade na minha página duma rede social que me pareceram perfis falsos, todavia todos apresentavam uma curiosa particularidade, fotos de cactos gigantes. Redobrei de atenção e meti-me à coca, metade deles já os apaguei, eram de gentinha que quase nos mostrando as mamas vai impingindo-nos propostas de créditos tal qual as moscas cagam no écrans dos monitores, porém os restantes não eram dela. Nenhum era dela, de quem de repente me recordei e me merecia toda a consideração deste mundo. Meti-me em campo, fiz telefonemas, visitas, perguntas, montei-me na mota e desloquei-me à aldeia da família mas há muitos anos que deixara de ali viver.

- “Précure” em Estremoz, nas Quintinhas ! 

           Alguém me aconselhou e bem, porque foi lá que dei com uns ciganos que cantam e fazem malabarismos* e que por sorte se lembravam dela, que era meio cigana. Uma velha cartomante aproveitou o ensejo para me extorquir umas moedas lendo-me o passado,

- Morreu no ano em que Guterrez festejou a primeira vitória eleitoral senhor. Morreu bonita, morreu feliz, foi de repente e nunca o esqueceu meu senhor.

Jesus ! Há mais de vinte anos ! Nem acreditei.

- Se não acredita vá ver os registos, morreu aqui mesmo nesta terra de pedras brancas senhor. Um acidente numa pedreira meu senhor.

Era tarde, voltei no dia seguinte, e depois de uma manhã inteira consultando o velho arquivo de um velho jornal lá dei com a noticia, e a foto, bastante esbatida, de uma grua retirando de um lago formado numa profunda e antiga pedreira o carro cor de mármore em que ela numa noite fatídica caíra à agua. 

              Era curta, nunca se ajeitara com os pedais dos carros aquela Ana.

Paz à sua alma. 




quinta-feira, 7 de abril de 2016

332 - A GUERRA É A GUERRA ..................................


Um destes dias o meu amigo Pacheco alegrou-me a manhã. Dantes era a Rádio Comercial e as suas manhãs musicais a fazê-lo, desta foi ele, um adorador do sol, da praia, da paz e do bem-estar.

Chamava-me ele numa mensagem matutina a atenção para o que dizia ser a minha fixação pela guerra, ora só posso deduzir que o ingénuo seja um admirador do sol. Verdade que muitas vezes a refiro, não que a defenda ou a aprecie, porém, e dado que ela se impõe desde que há homens neste planeta não enterro a cabeça na areia.

Já na pré-história o homem resolvia muitos dos seus problemas à traulitada, caso do Otzi*, do homem de Grauballe*, do de Lindow*, e até hoje foi só aperfeiçoar as técnicas e estratégias. A guerra sempre foi vista como um recurso, por vezes o único, por vezes o primeiro, outras vezes o último. É um assunto tão sério que se considera a extensão natural da diplomacia, isto é, se não vai a bem vai a mal, mas irá, e um assunto tão sério, tão fulcral, tão importante que a partir de Georges Clémenceau e Carl von Clausewitz* deixou de ser deixado em exclusivo nas mãos dos militares, passou para as dos políticos, o que, a julgar pelo que sabemos, não nos deve deixar nem mais descansados nem mais confiantes.

Há várias considerações a considerar, ou, para não cair em redundâncias, vários assuntos a ter em conta, ou vários aspectos, raras nações terá havido ou haverá que não tenham nascido da guerra, e Portugal não foi excepção, D. Afonso Henriques guerreou a mãe, é sabido e é dos livros. A liberdade sempre foi conquistada por meios guerreiros, a revolução francesa não foi um piquenique, nem o nascimento da América, digo dos USA, primeiro contra o domínio colonial inglês e depois contra a escravidão do homem. 

             A este último propósito e dada a imoralidade que neste mundo se tornou epidémica e transversal, talvez esteja na altura de outra guerra libertadora, tal qual a revolução russa de 1917 o foi, andamos perdendo demasiado tempo com o acessório e estamos a descurar o essencial, ninguém imagina o que era a vida do povo russo antes dessa revolta de Outubro, os abusos, a desconsideração, a fome, a miséria, a iniquidade, a desigualdade obscena, um pouco à imagem de hoje, poucos com muito, com demasiado, e muitos sem nada, espoliados até nos direitos que nessa época nem sequer eram um sonho, embora tenha sido aí que esse e outros sonhos começaram.

Ninguém dá nada de mão beijada a ninguém, a guerra é uma constante na história do homem e do mundo. Curiosamente durante séculos e séculos foi sobretudo aos guerreiros que se abriram os caminhos da glória e todos os outros. Aos melhores, na Grécia e em Roma tornaram-nos chefes, presidentes, imperadores, não quero cansar-vos mas vejam um dos últimos casos conhecido, o que aconteceu com Eisenhower*, com Churchill*, aliás com Churchill há uma história curiosa que muita gente desconhece. Durante a I Grande Guerra fora ele o estratega da tomada dos Dardanelos, operação conhecida como a Campanha de Galípoli, um épico falhanço das forças armadas vitorianas que Churchill assumiu como seu, dado ser ele o Primeiro Lorde do Almirantado, qualquer coisa como Ministro da Marinha, ou Comandante do Estado-maior da Armada, derrota que todavia se deveu à incompetência de generais e almirantes do British Army e da Royal Navy.

Muitos lhe vaticinaram então o fim da carreira politica e militar, o caso era sério e ele sabia não ser para menos, muitos navios afundados, muitas centenas de homens dizimados, todo o seu prestígio estava em causa, demitiu-se de imediato e antes que a sua cabeça fosse exigida numa bandeja, e que fez ele depois de se demitir ? Recolheu-se no conforto material do Parlamento ? Refugiou-se na rectaguarda confortável de uma qualquer universidade ? Nada disso, alistou-se na guerra e pediu que o enviassem para a linha da frente.

Podendo abusar de subterfúgios não meteu cunha nenhuma para que o inscrevessem nem na logística nem nos abastecimentos, ele sabia ser na guerra e à sua frente (da guerra) que o homem sempre se superou, superar de superação, no sentido moral, ético, filosófico, ontológico. Claro que sabemos não ter morrido apesar dos muitos riscos que correu, e até conhecemos o fim dessa história, ganhou-a porque mereceu a confiança dos ingleses de novo e, surpresa das surpresas, quando Neville Chamberlain* fazendo a triste figura que fez colapsou (cá batemos palmas ao Passos Coelho e ao Costa), foi a ele que o povo inglês entregou a difícil tarefa de enfrentar o nazismo, Guterres e Barroso deviam ter estudado bem esta parte da biografia de Churchill…

Uma constante da historia é que aos artistas e literatos, e aos sábios, raramente honram com mais que a velha coroa de louros que os gregos instituíram há mais de três mil anos como o mais alto louvor, contudo aos guerreiros sempre foram concedidos os maiores encómios e para eles guardados os melhores lugares, olhe-se para a história de Israel, para não irmos mais longe, e veja-se como os lugares de presidente e de primeiro-ministro têm sido preenchidos, e por quem. 

            Relembremos o caso de C. De Gaulle*, de Kadhafi, de Saddam, e, já que a imprensa não tem largado a luta de Luaty Beirão e Angola, repare-se como toda aquela macacada assumiu o poder depois da independência, nem um general sabe ler, nem um conhece uma letra, mas treparam às arvores durante os treze anos de guerras coloniais e mais trinta de guerra civil. Hoje têm as estrelas e detêm o poder, e não são caso único, é o costume, é a praxe em todo mundo, o saque dos despojos, o poder na ponta das espingardas, as fidelidades e os sacrifícios têm que ser recompensados… 

             Por falar em macacadas a quem demos ouvidos, quem ouvimos nós a seguir ao 25 de Abril ? Os poetas ? Os escritores ? Os pintores ? Músicos, arquitectos ? Ouvimos os Generais Spínola, Costa Gomes, Silvério Marques, Vasco Gonçalves, Galvão de Melo, Soares Carneiro, os almirantes Rosa Coutinho e Pinheiro de Azevedo, foram estes que ouvimos, estes e outros canastrões do género, e como se isso não nos bastasse de seguida demos guia de marcha aos ordenanças, depois ainda se admiram de termos chegado aqui, ou de como foi possível termos chegado onde chegámos…

 Na outra face da moeda cientistas, escritores e etc. eram ignorados, até que, pela mão de Alfred Nobel* se arranjaram uns dinheirinhos para os parabenizar e honrar. Mas como foi que Nobel arranjou a bagalhoça para tão altruisticamente assim esbanjar ? Cabum ! Com o poder de violentíssimas explosões !  Com material explosivo claro ! Até ali manusear nitroglicerina era assunto sério que anualmente ceifava imensas vidas. Alfred Nobel descobriu uma forma de a estabilizar sem lhe retirar a força destruidora. Criou a dinamite, foi o céu na terra ! Doravante só se morreria, ou mataria, calculadamente e não mais aleatória ou inadvertidamente. 

            Caricato este caso, contudo, todavia mas porém, de entre todos os nobelizados têm sido mais distinguidos e mais considerados os que surgem ligados a maior força ou capacidade destrutiva, Einstein e a bomba atómica, Edward Teller e Hans Albrecht Bethe e a bomba de hidrogénio*, cinquenta vezes mais potente que a anterior, e na generalidade todos os sábios nos ramos da física, da química, da matemática e da física nuclear. Atrás desses heróis e guerreiros os Nobel da Paz, da Medicina, da Literatura, da concórdia, da felicidade e do turismo e lazer.

O meu amigo Pacheco só tem desculpa porque deve ter passado tempo demais na fábrica da “bolêta” cujos ares e olores lhe plasmaram na cabecinha a bondade, o altruísmo, a educação, os bons modos, a misericórdia, a dádiva, a entrega, o perdão, o amor, a devoção, a dedicação, a atenção, a deferência, a moral, a ética, enfim, princípios que igualmente partilho mas que nunca moveram o mundo. Há dois mil anos um tipo apostou em todas essas coisas, e que ganhou com isso ? Nada, népia, nadinha.

Foi crucificado…

quarta-feira, 6 de abril de 2016

331 - PELA PAZ SOCIAL PAX PAX PAX PAX PAX


A minha amiga Generosa andava há duas semanas com a mesma camisola. Quando lhe chamaram tontinha e finalmente percebeu que CHE não tinha nada que ver com Cooperativas de Habitação Económica, nem era uma qualquer marca como a Mango ou a Zara, só não a despiu de imediato penso eu, por ser generosa de peito e temer que o sutiã não a resguardasse o suficiente.

Não havia necessidade, o facto de andar enganada não se devia nem à camisola nem à imagem nela estampada, não eram motivos para atirar com ela ao chão já que o problema era a ignorância, e essa é bem mais difícil de sacudir. Porém, há por aí tanta gente tola falando do que não sabe e contradizendo-se, que nem se compara à Generosa que é uma moça solidária inda que ingénua e que por isso, tal como um petiz merece toda a nossa compreensão.

Deve andar próximo dos cinquenta a Generosa e é do tempo em que existiam causas, valores, ética, moral e sobretudo exemplos. Não sendo muito letrada é porventura bem-intencionada e, prefiro-a mil vezes a muita gente sabida que me embala com cânticos de sereia ou se me senta no colo. É uma pessoa bem generosa a Generosa, e descontando alguma ignorância que a desfeita é solidária, é fixe, e jamais a ouviram proferir o nome de Deus em vão.

Falávamos a propósito do Che, do Ernesto, e do facto do Presidente Obama ter reconhecido há dias, na Argentina, não terem os States procedido sempre, ao longo da sua história, da maneira mais correcta. Pois não, a gente já sabia mas dá um certo conforto ouvi-lo da boca certa. Claro que depois da Generosa enfiar um ponche pelos ombros e outro pela goela abaixo a conversa na mesa continuou. O Iraque, as primaveras árabes, Israel, Palestina, Líbano, Líbia, até pararmos na Síria. Bem, e depois da Síria continuámos até Paris e Bruxelas, foi um pulinho pelos Balcãs, mar Egeu, Turquia Grécia, Macedónia, ou o Mediterrâneo, Ceuta e Melila, onde há décadas os africanos famintos tentam galgar as altas vedações de rede e arame farpado que os separam da Europa rica, e onde tantos já morreram às mãos da brutalidade da policia, um outro levou uma bastonada que o deixou paraplégico, ou tetraplégico acudiu a Generosa, ao que dei o meu assentimento por me lembrar da noticia e das imagens do desgraçado e dos cães danados que o perseguiram.

A conversa foi aos poucos derivando naturalmente para as caravanas passando enquanto os cães ladravam, e da nossa perplexidade por entre os causadores dos atentados de Paris e Bruxelas não constar nenhum refugiado, apesar de tão maus nomes que lhes têm atirado acima e de lhes terem atiçado os turcos às canelas, quero dizer aos calcanhares. Com os turcos a tratar dos desgraçados a Europa poderá finalmente dedicar-se a dar continuidade ao “Diálogo Norte-Sul” que há tantos anos interrompeu, a cabeça precisa ter descanso para pensar né ? Na altura que o Diálogo Norte-Sul foi abandonado ninguém se lembrou que nem só de pão vive o homem, que também precisa de esperança e que se construam espaços dinâmicos que fomentem o bem-estar e a coesão social, e que quebrem o isolamento, mas, ao invés disso a Europa fechou o diálogo e isolou-se na sua aparente riqueza, a riqueza que os famintos agora cobiçam, poderemos por isso atirar-lhes a primeira pedra ?

Pasma agora com o que está acontecer a Europa, mas por cá também temos alminhas igualmente pasmadas e igualmente parvinhas. O melhor que as organizações sociais da Europa fazem é atiçar-lhes os cães, metê-los em guetos em Calais, correr com eles de Calais, obrigá-los a engolir o que vomitaram e a voltar para donde vieram. Esta Europa está vendida (e rendida) a organizações caducas, inoperantes, burocratizadas, que a paralisam e parasitam, incluindo a igreja, a qual, dentro das organizações sociais deveria ser o exemplo supremo. Ouçam o Papa Francisco, ouçam-no.  

Neste caldo de cultura algumas alminhas mais tontinhas que a Generosa ainda se interrogam como é possível acontecer o que acontece, quando ao mesmo tempo advogam a condenação e a repressão mediatizada até à exaustão dos protestos contra as acções de terror, isto é combater o terror físico com o terror psicológico, ao invés de lhe analisarem a génese, as causas, sabido que é ser o homem lobo do próprio homem… Esqueceu há muito a parábola do bom Samaritano esta Europa, e não é senão ela que tolhe ao “homem” os próprios sonhos. Ao homem actual este país e esta Europa, esta fortaleza contra os fracos e em simultâneo fraca com os fortes, garantem o desemprego, a emigração, o desterro ou repatriamento, esquecendo que a culpa radica nas suas politicas e que os verdadeiros culpados são os nossos e os seus políticos, as nossas e as suas lideranças, que há décadas abandonaram as doutrinas inclusivas, da coerência e da consequência, são falsos, aldrabões, oportunistas e incoerentes. Quem se atreverá a caçar com cães destes ? Quer as politicas quer os políticos de hoje são uma salada russa de conveniências e oportunismos vários.

Por isso aquilo a que hoje mais assistimos são lágrimas de crocodilo, os actos de terrorismo são ameaças, ameaçam-nos, mas mais que ameaças são consequências, são sintomas. Paulatinamente a Europa tem-se dedicado a destruir propositada e conscientemente o “Contrato Social” do qual advinha a harmonia e a paz, criando um clima de insegurança e incerteza fruto da decadência económica, politica e moral em que se deixou cair, a Europa clama e reclama agora “aqui d’El-Rei que o rei vai nu”, mas não criou em tempo útil comunidades saudáveis que evitassem o lumpemproletariado onde se gera a base de revolta e recrutamento daqueles a quem não é dado alimento nem para o corpo nem para o espirito. Esta Europa paga aos seus Judas, pagou à Turquia a desgraça dos povos que ela também acossou e agora escuda-se em contractos dúbios com gente pouquíssimo recomendável. Por volta do início dos anos 80 as salas de cinema passaram um filme excepcionalmente bem conseguido, premiado com vários óscares e intitulado “O Expresso da Meia Noite” (1), retratando o pesadelo que era a Turquia. Pois bem, a Turquia ainda é, ou é agora um pesadelo maior. Deixei-vos sobre esta matéria vários links no fim do texto.

Recentrando a questão em Portugal, pergunte-se quem terá traído a ingenuidade e a inocência, os sonhos e o futuro dos nossos jovens ? É o voluntarismo que os leva a abandonar o país ? Quem os leva a mergulhar no mundo virtual das redes sociais, incapazes de suportar o mundo absurdamente irrealista em que os nossos políticos transformaram no país a vida real ? Quem delineou as politicas desastrosas que nos conduziram ao buraco em que nos encontramos ? Quem lá estava ? Quem as votou ?

É preciso não ter vergonha na cara para vir para os jornais clamar por paz social quando nada se fez por ela, ou chorar a catástrofe em que se transformou a desertificação do interior, temos um país mergulhado num labirinto abismal e pejado de contradições, que valores e que modelo social foi defendido na A.R. pelos nossos deputados e ex-deputados ? Como devemos interpretar o seu trabalho num país em que a desigualdade e a pobreza nunca foram tão gritantes ? Um país onde os rendimentos dos mais novos nos últimos vinte anos decaiu para níveis inaceitáveis e que jamais lhes garantirão a possibilidade de constituir família reduzidos que foram à exploração desenfreada, à precariedade, ao desemprego, à instabilidade ?  Quem traiu a juventude ? Quem traiu o presente e o futuro de nós todos ? Os kosovares ou os nossos deputados ?

Quem nos atirou para cima com uma montanha de dividas que pessoalmente nunca contraímos ? Quem nos hipotecou o futuro ? Quem nos condenou à emigração ? Quem nos coarctou todas as expectativas ? QUEM ??? Eu digo-vos, foi este estado falhado, foi este país disfuncional onde os deputados e ex-deputados bem instalados, depois de deixarem todos os outros atolados em trampa até ao pescoço ainda se acham no direito e no dever de nos virem atirar moralismos para cima.

Só lamento que os jovens se acomodem e não façam como os franceses que depois de obrigarem Maria Antonieta a engolir os brioches lhe cortaram o pescoço. Foi assim que nasceu a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a fraternidade e a democracia moderna.

Correndo o risco de contrariar o meu amigo Pacheco, direi alto e bom som que aqui, mudanças, só depois de uma Revolução Francesa à moda caseira … 


  




segunda-feira, 4 de abril de 2016

330 - UNIVERSIDADE DE ÉVORA, O IMPACTO !!!


Muito senhora do seu nariz, virou-nos as costas e desandou, aliás, como sempre faz se as coisas lhe não agradam, é de gancho esta Marília, bastou o Amadeu picá-la foi-se, grunhindo disse ele, que se esforça amiúde por lhe ser simpático. Tudo por dá cá aquela palha, perguntara-lhe qual o quadro de professores e de funcionários da U.E., coisa naturalíssima atendendo a que ela é lá funcionária do quadro superior, mas ela, para quem a universidade é o Delta e o Ómega (diz o Amadeu), como habitualmente não sabia nada de nada e muito menos do que quer que tivesse que ver com a preclara instituição onde trabalha, mal mas julgou estar ele a gozá-la, pelo que lhe respondeu como faria com o marido (que morreu às sua mãos, afirma o Amadeu);

- Mas que merda tem o café e os relógios a ver com a porra da conversa ? Estás-me a gozar ou o quê ó parvalhão ?

Na minha tertúlia é assim, e a semana que passou não acabou nada bem, um deles vira ou ouvira em qualquer lado quaisquer observações sobre o impacto causado pela Universidade (U.E.) na região e foi o suficiente para que quinta e sexta-feira se tivesse desencadeado um tufão à mesa. A questão deixou-nos todos com os neurónios ligados e a ferver, teria esquecido o assunto não fosse dois deles terem voltado à carga com emails que me enviaram. A coisa é capaz de mexer com a pacatez habitual do burgo, que mexeu com a minha roda de amigos lá isso mexeu.

Foram dois dias de intensos e acalorados debates, monopolizámos as conversas do café e, antes que me esqueça ou que alguém mais assoberbado me dê com a mesa na cabeça e o balanço se me varra do disco duro vou passar para o papel as impressões finais, as que me ficaram gravadas na massa encefálica.

Em primeiro lugar, e foi opinião unânime, é muito difícil ao comum dos mortais avaliar em consciência ou com alguma exactidão esse tipo de impacto, desde logo porque a própria academia propositadamente se fecha sobre si mesma, o que já é um mau sinal, um mau indicativo ou mau sintoma. Poucos canais são por ela abertos que excedam a informação burocrato/institucional, e se o excedem é para o fazer de modo muito conciso, muito propagandístico, muito laudatório e sempre restrito. Poucos ou pouquíssimos departamentos se publicitam e ao trabalho que desenvolvem ou aos resultados obtidos, os seus mestres, os seus sábios, mantêm-se generalizada e propositadamente na sombra.

Na tertúlia foram contudo reconhecidas duas excepções, seja-lhe pois feita justiça, uma delas o Prof. António, outra o Prof. C. C. qualquer deles de vez em quando exprimem o seu saber e opinião nas páginas do Diário do Sul, a outra o Prof. José Alberto que, além de opinar diariamente sobre diferentes temas, nos brinda de vez em quando com um texto de sua autoria, sempre sobre algum assunto candente na sua página do Facebook. É pouco, mas o pouco que fazem fazem-no a título individual, pessoal, e privado, não esclarece nem compromete a academia, portanto por pouco que seja é muito, porém nada nos diz sobre o que dela irradia.   

Diz-se, deduz-se, intui-se, supõe-se que a academia terá algum impacto sobre a região, e certamente terá, qual a sua dimensão ou qualidade é segredo que ela esconde como coisa que a envergonhe. Através dos seus sábios pouco ou nada se sabe, nem tão pouco o que pensam sobre a civitas que os acolhe, donde, à mesa do café extrapolámos o seguinte pensamento; “não vivem para a civitas, vivem da civitas”, tendo sido deduzido entre nós ser o seu impacto real muito inferior ao que o vulgo lhe atribui, o que, e ninguém o negou, constituía para todos uma vera preocupação.

Quantos professores albergará ?  Em que categorias ? E quanto a funcionários ? E o seu Orçamento Anual onde poderá ser consultado ? E o Plano de Actividades ? E o Balanço e Prestação de Contas ? E na esteira destas interrogações àquela mesa de café foram gizadas, ao longo dos últimos dois dias da semana, outras tantas para as quais não se arranjou resposta nem me recordo de que alguma vez alguém as tenha dado.

A questão levantada e que a todos tanto envolveu, a de avaliar o impacto da academia na cidade e na região, há muito deveria ter-nos colocado a todos nós arquitectando perguntas, para que não fique pedra sobre pedra, ou antes dúvida sobre dúvida. Mas no entanto também aceitámos pacificamente ser muito difícil o povo desta cidade desatar a clamar por respostas quando nem sequer o ensinaram a formular as perguntas. Os meios de comunicação da urbe, da urbe e da região, por norma, por receio ou submissão, ou talvez devido a distorcidos conceitos de educação e de deferência, ou de reverência, nunca questionaram o paquiderme, nunca ousaram interrogá-lo (1) e muito menos se atrevem a colocá-lo em causa, o paquiderme paira assim majestático sobre todos, mas o problema é que o paquiderme além de pesado tem um apetite voraz e para o trazer bem tratado andamos todos cada vez mais famintos, mais pobres. Na India as vacas são sagradas, por cá são os elefantes, em especial os de cor branca.

Evidentemente todos na mesa se interrogaram; Que farão ? Que produzirão de positivo tantos departamentos e tanta gente que os contribuintes sustentam ? É que na ausência de informação cabal e insuspeita quaisquer teorias da conspiração nos acodem ao espírito, como foi quando do caso da atribuição do Doutoramento Honoris Causa ao senhor comendador Rui Nabeiro, um must na ligação entre o tecido empresarial e a academia, perdão, entre uma empresa regional exemplar, quase única e uma academia a precisar de milhões como de pão para a boca. Sabe-se que Évora terá, por alto, em época de aulas e graças à população flutuante, os estudantes, um pouco mais que cinquenta mil habitantes. Porém, mau grado a frenética vida nocturna, que a eles é dedicada e por eles economicamente animada e suportada, é uma cidade apagada, cara, sem vida para além destes focos juvenis, uma cidade sem industrias que não pontuais, com um comércio debilitado, moribundo, uma cidade sobrevivendo sobretudo dos serviços. Assim sendo não admira que a faculdade surja como o sustentáculo maior de uma economia paralela, subterrânea ou informal bem estruturada e medindo meças a qualquer outro sector ou mister na cidade. Quartos, quartinhos, corredores, vãos de escada, garagens e logradouros, tudo serve para alugar a estudantes, sem recibo claro, que o governo é um sovina. Arrendamentos clandestinos e uma rede de bares, casas de pasto, tascas e tasquinhas imbricadas, entretecidas nas vielas estreitas, medievas, e a sua exploração a qualquer preço são o único contributo visível da faculdade para o enriquecimento da urbe, tudo o mais não passará jamais de boas intenções e loas académicas.

E neste item volto à carga com a falta de informação séria, e carrego na falta de informação, porque o comum do cidadão não tem net, não navega, procura retirar as dúvidas que tem através dos jornais locais, das rádios locais, daí a importância de que se reveste o canal de comunicação que a U.E. deva utilizar pois dele dependerá o público-alvo atingido, que não deve ser a reduzida elite beneficiária mas a maioria pagante, para quem o pessoal da U.E. continua a discutir o sexo dos anjos ou a entreter-se ainda com a velha questão de quantos anjos podem dançar ou dançam mesmo e em simultâneo na cabeça de um alfinete (2). Esta foi a abordagem crucial do último dia do nosso debate e que ia provocando a queda da mesa do café, a percepção que a população em geral tem da U.E. e do trabalho que esta desenvolve, e quem diz desta diz dos seus sábios, população para quem a vida está cada vez mais difícil e que, ao olhar as estatísticas que jornais e televisões diariamente apresentam nada mais vê do que Portugal consecutivamente no fim de qualquer tabela, e a descer, e atrás dele, ou nele, o Alentejo como região mais pobre no seio da pobreza. Observando os números sérios que estatísticas e estudos ou sondagens várias nos proporcionam, forçoso se torna concluir que a academia não tem tido impacto nenhum no desenvolvimento da região, que a ter será mesmo negativo, pois a dor de um povo que sofre e cuja sina não medra não se compadece com o alheamento a que o votam, a ele que tudo paga, quando uma academia inteira pelo seu alheamento e estilo de vida mais parece estar instalada no vale do Ródano.

É doloroso admiti-lo, mas se com a U.E. não podemos contemporizar, também não podemos esgrimir a nosso favor argumentos que pequem por falta de exactidão, estamos lidando com gente que por tudo e por nada puxa do método cientifico e dispara, portanto meus senhores, sabem ser as conclusões desta tertúlia evidências certas e facilmente comprováveis, Portugal e o Alentejo têm vindo a perder gentes, riqueza, oportunidades e futuro na razão directa do tempo que a academia leva aberta entre nós, o que por este andar significa terem que a fechar depressa ou estaremos todos condenados a morrer à fome… O que provocou tudo isto foi o facto de a U.E. pretender manter-nos parcialmente informados, como quem diz atirem-lhes com umas coisitas de prestígio que eles “calarar-se-ão” e irão pagando, do que resultaram as conclusões que acabei de vos apresentar, todavia o problema não está no pretenso controlo ou descontrolo da informação por parte da U.E. que já por várias vezes meteu os pés pelas mãos, contudo avante que o assunto não é a opacidade mas sim a transparência da U.E. e qual o impacto na cidade e na região da acção de tantos excelsos e magníficos reitores, porém devemos aceitar que na prática a teoria é outra, e por mais académicos que a academia encerre pouco se sabe ou conhece da parte que a cada um cabe no sucesso total da instituição, pelo que me pergunto muito legitimamente quantas patentes a U.E. registou nos últimos trinta ou quarenta anos, a quantas empresas se ligou, quantas formou de raiz, e quantas vezes a U.E. fez ouvir a sua voz aconselhando, corrigindo, reclamando ou sugerindo uma estratégia de curto ou longo prazo para a região em que se insere e que cada vez mais ocupa o fundo da tabela, de todas as tabelas.

Como sempre andam todos, andamos todos de costas voltadas uns para os outros, a U.E. nunca se intrometeu nos assuntos da urbe, e a urbe nunca o fez nos assuntos da U.E., assim chegámos, quarenta anos depois de Abril onde chegámos. Todos gostaríamos de saber onde, em que região arranjam colocação se é que arranjam, os licenciados por Évora, e atendendo aos milhares que têm emigrado nos últimos anos, perguntámo-nos também naquela tertúlia se não estaremos nós eborenses a “dar” licenciados a outras regiões e ao estrangeiro, posto isto, e para além do impacto negativo que as praxes não deixam de acarretar é hora de perguntar, alto e bom som, sem medo;

- Que fez ou faz afinal a U.E. por Évora ou pela região ?

e não me venham com a desculpa do prestígio ou com o facto de dar emprego a 671 professores e 377 funcionários (dados de 2015, poucos funcionários e com muitos edifícios ! assim me foram cedidos, com observação, exclamação e tudo!), porque o problema não são esses mil e poucos, o problema são os largos, larguíssimos milhares desempregados em toda a região e a quem o prestigio nem mata a fome nem as aspirações, o problema  não é quanto custam esses mil e poucos à comunidade, o problema é que o contribuinte que somos todos tem que alimentar esses, mais os milhares que foram arrastados para o desemprego porque ninguém se lembrou deles, nunca se lembraram deles pois cada um só pensa em si, na sua carreira, no fim do mês, nas diuturnidades, nos seus escalões de vencimento, porque esqueceram que o cidadão contribuinte lhes paga, e bem, mas para que devolvam à comunidade a dobrar, a triplicar ou a decuplicar  o favor que assim lhes prestamos.

E já que estamos em maré de avaliação de impactos, deixem-me dizer-vos que o resumo daquela minha tertúlia foi muito negativo, foi concluído naquela mesa redonda que os impactos não têm sido fundamentais nem na fixação de pessoas, nem de talentos, nem no desenvolvimento de quaisquer projectos ou na atractividade local ou regional, porque se o tivessem sido nem o Alentejo se despovoava nem o desemprego cavalgava as estatísticas do modo que o faz. Mais concluímos, que nem a investigação foi de molde a sentir-se proveitosa, ou produtiva, replicando os custos, nem se deu conta de qualquer transferência de tecnologia para empresas regionais ou nacionais, antes pelo contrário, empresas de tecnologia de ponta que se estão instalando arrastam atras de si tecnologias novas, pelo que concluímos, e julgo que bem, andar a U.E. beneficiando há anos e anos do marasmo português e alentejano, vogando ao sabor dos acontecimentos, sem uma visão para o futuro nem do futuro, esperar que respondam às necessidades que o país e a região atravessam será para ela como tentar mudar de lugar um petroleiro soprando-lhe as velas…

Todavia é um bom lugar, dá bons empregos, poucas chatices, haverá sempre pessoal que lhe queira preencher os quadros embora o caminho seja negro e os alunos venham a faltar, afinal neste país para quê estudar ? Qualquer emprego manual promete mais futuro e não obriga à espera de mudanças políticas nem de parcerias regionais, nacionais, transfronteiriças ou internacionais que, se não se concretizaram em quarenta anos de paz e democracia daqui em diante se tornam cada vez mais impossíveis de alcançar. 

1-     A não ser em casos pontuais a professores isolados, representando e respondendo por eles somente ou quando muito pelos seus departamentos.