A minha
amiga Generosa andava há duas semanas com a mesma camisola. Quando lhe chamaram
tontinha e finalmente percebeu que CHE não tinha nada que ver com Cooperativas
de Habitação Económica, nem era uma qualquer marca como a Mango ou a Zara, só não a despiu de imediato penso eu, por ser generosa de peito e temer
que o sutiã não a resguardasse o suficiente.
Não havia
necessidade, o facto de andar enganada não se devia nem à camisola nem à imagem
nela estampada, não eram motivos para atirar com ela ao chão já que o problema era
a ignorância, e essa é bem mais difícil de sacudir. Porém, há por aí tanta
gente tola falando do que não sabe e contradizendo-se, que nem se compara à
Generosa que é uma moça solidária inda que ingénua e que por isso, tal como um
petiz merece toda a nossa compreensão.
Deve
andar próximo dos cinquenta a Generosa e é do tempo em que existiam causas,
valores, ética, moral e sobretudo exemplos. Não sendo muito letrada é
porventura bem-intencionada e, prefiro-a mil vezes a muita gente sabida que me
embala com cânticos de sereia ou se me senta no colo. É uma pessoa bem generosa
a Generosa, e descontando alguma ignorância que a desfeita é solidária, é fixe,
e jamais a ouviram proferir o nome de Deus em vão.
Falávamos
a propósito do Che, do Ernesto, e do facto do Presidente Obama ter reconhecido
há dias, na Argentina, não terem os States procedido sempre, ao longo da sua
história, da maneira mais correcta. Pois não, a gente já sabia mas dá um certo
conforto ouvi-lo da boca certa. Claro que depois da Generosa enfiar um ponche
pelos ombros e outro pela goela abaixo a conversa na mesa continuou. O Iraque,
as primaveras árabes, Israel, Palestina, Líbano, Líbia, até pararmos na Síria. Bem,
e depois da Síria continuámos até Paris e Bruxelas, foi um pulinho pelos
Balcãs, mar Egeu, Turquia Grécia, Macedónia, ou o Mediterrâneo, Ceuta e Melila,
onde há décadas os africanos famintos tentam galgar as altas vedações de rede e
arame farpado que os separam da Europa rica, e onde tantos já morreram às mãos
da brutalidade da policia, um outro levou uma bastonada que o deixou paraplégico,
ou tetraplégico acudiu a Generosa, ao que dei o meu assentimento por me lembrar
da noticia e das imagens do desgraçado e dos cães danados que o perseguiram.
A conversa
foi aos poucos derivando naturalmente para as caravanas passando enquanto os
cães ladravam, e da nossa perplexidade por entre os causadores dos atentados de
Paris e Bruxelas não constar nenhum refugiado, apesar de tão maus nomes que
lhes têm atirado acima e de lhes terem atiçado os turcos às canelas, quero
dizer aos calcanhares. Com os turcos a tratar dos desgraçados a Europa poderá
finalmente dedicar-se a dar continuidade ao “Diálogo Norte-Sul” que há tantos
anos interrompeu, a cabeça precisa ter descanso para pensar né ? Na altura que
o Diálogo Norte-Sul foi abandonado ninguém se lembrou que nem só de pão vive o homem,
que também precisa de esperança e que se construam espaços dinâmicos que
fomentem o bem-estar e a coesão social, e que quebrem o isolamento, mas, ao
invés disso a Europa fechou o diálogo e isolou-se na sua aparente riqueza, a
riqueza que os famintos agora cobiçam, poderemos por isso atirar-lhes a
primeira pedra ?
Pasma
agora com o que está acontecer a Europa, mas por cá também temos alminhas
igualmente pasmadas e igualmente parvinhas. O melhor que as organizações
sociais da Europa fazem é atiçar-lhes os cães, metê-los em guetos em Calais,
correr com eles de Calais, obrigá-los a engolir o que vomitaram e a voltar para
donde vieram. Esta Europa está vendida (e rendida) a organizações caducas,
inoperantes, burocratizadas, que a paralisam e parasitam, incluindo a igreja, a
qual, dentro das organizações sociais deveria ser o exemplo supremo. Ouçam o
Papa Francisco, ouçam-no.
Neste
caldo de cultura algumas alminhas mais tontinhas que a Generosa ainda se
interrogam como é possível acontecer o que acontece, quando ao mesmo tempo
advogam a condenação e a repressão mediatizada até à exaustão dos protestos
contra as acções de terror, isto é combater o terror físico com o terror psicológico,
ao invés de lhe analisarem a génese, as causas, sabido que é ser o homem lobo
do próprio homem… Esqueceu há muito a parábola do bom Samaritano esta Europa, e
não é senão ela que tolhe ao “homem” os próprios sonhos. Ao homem actual este
país e esta Europa, esta fortaleza contra os fracos e em simultâneo fraca com os
fortes, garantem o desemprego, a emigração, o desterro ou repatriamento,
esquecendo que a culpa radica nas suas politicas e que os verdadeiros culpados
são os nossos e os seus políticos, as nossas e as suas lideranças, que há décadas
abandonaram as doutrinas inclusivas, da coerência e da consequência, são
falsos, aldrabões, oportunistas e incoerentes. Quem se atreverá a caçar com
cães destes ? Quer as politicas quer os políticos de hoje são uma salada russa
de conveniências e oportunismos vários.
Por
isso aquilo a que hoje mais assistimos são lágrimas de crocodilo, os actos de
terrorismo são ameaças, ameaçam-nos, mas mais que ameaças são consequências,
são sintomas. Paulatinamente a Europa tem-se dedicado a destruir propositada e
conscientemente o “Contrato Social” do qual advinha a harmonia e a paz, criando
um clima de insegurança e incerteza fruto da decadência económica, politica e
moral em que se deixou cair, a Europa clama e reclama agora “aqui d’El-Rei que
o rei vai nu”, mas não criou em tempo útil comunidades saudáveis que evitassem
o lumpemproletariado onde se gera a base de revolta e recrutamento daqueles a
quem não é dado alimento nem para o corpo nem para o espirito. Esta Europa paga
aos seus Judas, pagou à Turquia a desgraça dos povos que ela também acossou e
agora escuda-se em contractos dúbios com gente pouquíssimo recomendável. Por
volta do início dos anos 80 as salas de cinema passaram um filme
excepcionalmente bem conseguido, premiado com vários óscares e intitulado “O
Expresso da Meia Noite” (1), retratando o pesadelo que era a Turquia. Pois bem,
a Turquia ainda é, ou é agora um pesadelo maior. Deixei-vos sobre esta matéria vários
links no fim do texto.
Recentrando
a questão em Portugal, pergunte-se quem terá traído a ingenuidade e a inocência,
os sonhos e o futuro dos nossos jovens ? É o voluntarismo que os leva a
abandonar o país ? Quem os leva a mergulhar no mundo virtual das redes sociais,
incapazes de suportar o mundo absurdamente irrealista em que os nossos políticos
transformaram no país a vida real ? Quem delineou as politicas desastrosas que
nos conduziram ao buraco em que nos encontramos ? Quem lá estava ? Quem as
votou ?
É preciso
não ter vergonha na cara para vir para os jornais clamar por paz social quando
nada se fez por ela, ou chorar a catástrofe em que se transformou a
desertificação do interior, temos um país mergulhado num labirinto abismal e
pejado de contradições, que valores e que modelo social foi defendido na A.R.
pelos nossos deputados e ex-deputados ? Como
devemos interpretar o seu trabalho num país em que a desigualdade e a pobreza
nunca foram tão gritantes ? Um país onde os rendimentos dos mais novos nos
últimos vinte anos decaiu para níveis inaceitáveis e que jamais lhes garantirão
a possibilidade de constituir família reduzidos que foram à exploração
desenfreada, à precariedade, ao desemprego, à instabilidade ? Quem traiu a juventude ? Quem traiu o presente
e o futuro de nós todos ? Os kosovares ou os nossos deputados ?
Quem
nos atirou para cima com uma montanha de dividas que pessoalmente nunca
contraímos ? Quem nos hipotecou o futuro ? Quem nos condenou à emigração ? Quem
nos coarctou todas as expectativas ? QUEM ??? Eu digo-vos, foi este estado
falhado, foi este país disfuncional onde os deputados e ex-deputados bem
instalados, depois de deixarem todos os outros atolados em trampa até ao
pescoço ainda se acham no direito e no dever de nos virem atirar moralismos para
cima.
Só lamento
que os jovens se acomodem e não façam como os franceses que depois de obrigarem
Maria Antonieta a engolir os brioches lhe cortaram o pescoço. Foi assim que
nasceu a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a fraternidade e a democracia
moderna.
Correndo
o risco de contrariar o meu amigo Pacheco, direi alto e bom som que aqui, mudanças, só depois de uma Revolução Francesa à moda caseira …