quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

486 - PROPORÇÃO ÁUREA, DIVINA PROPORÇÃO

Reflexo, pintura de Nuno Rolo

Aproxima-se a passos largos o último dia duma inusitada exposição que algum mentecapto se lembrou de levar a efeito imaginem, num café / charcutaria / pastelaria e salão de chá. Somente me admirou o raro e insólito da ideia pois o local, o New Concept Coffe & Shop, amplo, arejado e bem iluminado veio a mostrar-se uma das melhores, mais lindas e improvisadas galerias que tive oportunidade de visitar.

Oficialmente a exposição deveria ter já encerrado, refiro-me à exposição, não ao agradável café. Inicialmente anunciada entre 2 e 22 de Janeiro inda se mantem instalada graças ao sucesso obtido. Não diria ser um sucesso estrondoso, por nem ser essa a intenção, mas embora sucesso modesto não deixo de a considerar um sucesso. Eu mesmo reparei e constatei a maior afluência de clientes, muitos deles idos ali pela primeira vez mas que têm voltado a aparecer de vez em quando. Se terão tido melhores caixas ao fim do dia é perguntar à Dora e ao Nuno as caras simpáticas por trás do balcão e donos do negócio. Não sei de ciência certa se o café tem mais freguesia, mas sei que o facto é bem e muito comentado em toda a cidade. O café e essa tão extraordinária quão inovadora experiência “galerista” pelo que creio firmemente terem sido atraídos novos clientes, como já disse vi por lá imensas e novas caras. O Nuno e a Dora merecem isso, fizeram uma aposta inequivocamente ganhadora, pelo menos o prestígio já lá canta, já ninguém lho tira. 

Pintura em caixa da EDP


Em boa hora esses dois prolongaram a exposição, foi por uma boa causa, o Nuno e a Dora estão a rifar para oferecer, dois quadros cujo pecúlio será doado a uma instituição da zona, a ASTE, uma instituição virada para a saúde mental, para os idosos, é nossa obrigação participarmos nesse "sorteio" a efectuar entre os visitantes da exposição e clientes, por cinco euros quem sabe se não terão a sorte de levar para casa um quadro de um milhão ?

Naturalmente o café não é o MoMA, o Centre Georges Pompidou ou o MAAT embora esteja ligado intimamente a este último pois um dos artistas expostos, o José da Fonseca, já com craveira nestas lides e outras exposições no curricula, trabalha como precário a recibos verdes para a EDP, como todos sabemos dona do MAAT, o tal museu novo, ultra moderno e que nós pagámos. Pinta ele a spray e recorrendo a técnicas vindas da origem dos tempos do stencil, motivos alegres nas cinzentas caixas de derivação da EDP existentes por toda a cidade e agora com um toque modernista. Pagamos mas alegramo-nos.

Se trago à baila esta história das caixas do correio, perdão da EDP, é só para que vejamos o que é a arte em Portugal, o estado da arte e a aventura dos artistas e o nível por ela atingido. Assim, e procurando dar resposta ao pensamento de Franz Rosenzweig de que “A nossa época não se pode curar da sua verdadeira doença - de que a «vontade de forma» não é senão um dos sintomas – senão conseguindo devolver o seu valor de engagement ao discurso desvalorizado dos homens.” A vontade da forma enquanto forma dada às várias artes, “pensar com artes” quer como prescrição assinalando um movimento saindo do definido, quer como proposta de tema para reflexão, um tema que não contempla o “pensar sem artes”, “Apenas se pensa com artes” pensar não é uma arte no entanto ocorre em relação com elas. Num sentido específico aquela expressão sugere que se pensa em relação com algo que se apresenta como arte, trata-se sobretudo de sugerir que pensar, não sendo uma arte, é indissociável das artes, que os termos “pensar” e “artes” são expressões que se implicam mutuamente no saber viver e na sua enigmaticidade, a do “ser justo”.               
                    Pintura de Manuel Carvalho Barão a ser sorteada em beneficio da associação ASTE

Meditava eu em tudo isto quando tive que dar pronta resposta ao Honório que é um otário, e me perguntara se “aquilo” era arte – ele que do mundo só conhece Alvalade, Benfica e os seus artistas da praxe o Bruno e o Vieira.

- Claro que é arte retorqui-lhe eu que nem do Porto sou, não são arte somente as esculturas do João Concha, um consagrado, ou as pinturas e colagens do Fonseca, já citado, mas também muitas outras obras dos restantes e ali expostas, mostradas, digo ali no café/galeria, apesar de com mais ou menos distorção estilhaçarem os cânones da fisionomia, do behaviorismo, da psicologia, da psiquiatria, da fisiologia, da ergonomia e da esquadria, fazendo com que o Horácio, ou o Honório franzisse o cenho e, entre dentes me atirasse um:

- Não pode ser arte isto – apontando para uma figura em evidência – Dez tipos olham para este quadro e cada um pensa uma coisa diferente, não pode ser arte, isto gera uma impressão diferente a cada um dos dez, só pode ser confusão !

Ora olhar e ver a arte é isso, naturalmente olhando a obra “Reflexo” do Nuno Rolo, um chinês verá um dragão, um africano um leão, um malaio um tigre da Malásia, um europeu mediano a invocação da liberdade selvagem, estilizada, ver é invocar o portfólio da experiência de vida em cada um de nós, não existe um processo automático de causa efeito ao olharmos um quadro, olhar é conectar as celulazinhas cinzentas, os neurónios e os axónios, pensar, meditar, fazer associações e ligações, porque isto anda tudo ligado, o Trump e o Twitter, a guerra nuclear e o outro anormal lá da Coreia, o mijar mais alto e mais longe, o tê-lo maior que o outro, tê-lo ao botão vermelho entendamo-nos, por isso em boa hora os promotores da exposição misturaram consagrados e amadores, porque essa coisa dos vasos comunicantes funciona na física mas também nas artes, e, como dizíamos a brincar em Angola; 

                  uuuuuuuuuu
                                        b
                                           b
                                             b
                                                b
                                                   b
                                                      OOOOOOOOOOOOO

claríssimo o puzzle, us pequeninos b descem, obedecem, ós grandes, aos Ós grandes, aos grandes e aprendem com eles, a perspectiva é essa, que com eles aprendam isso mesmo da perspectiva, ou da falta dela na pintura NAIF, que aprendam coisas esquisitas como proporção áurea ou divina proporção e aprendam a conhecer o homem Vitruviano, que a esta hora navega desde 1977 na Voyager, e vai muito para lá do cosmos. Claro que o convívio entre consagrados e amadores implicará aprender também que “Giotto” é um nome e determinado tipo de azul e não uma mera marca de lápis de cor, guaches ou aguarelas e outras coisas tais como o sfumato, tromp l’oeil e técnicas, segredos e manhas da pintura ensinadas em Belas Artes e através do convívio passadas aos leigos não eleitos.

Pintura em caixa da EDP


O universo da arte tem muitos caminhos, muitas ruelas, muitas esquinas e a cada uma que se Dobra ficamos vendo a dobrar, só por isso aquela peculiar exposição, peculiar enquanto de pintores pobrezinhos, isto é não eleitos, não consagrados, não deixa de ter o seu valor e de ser arte, de expor arte, apesar ou porque q.b. polémica, amada, criticada, polemizada, abominada, aplaudida, benquista, suscitou debates, conversas, opiniões, divergências e convergências e, nenhum de nós o ignora, ser da discussão que nasce a luz.

Eu apostaria ninguém ter perdido e todos terem ganho, enriquecido um pouco com ela, ela exposição. Quanto aos artistas convidados, consagrados e menos consagrados, espero que tenham também apreciado igualmente a iniciativa e que agora, por eles mesmos, em especial os mais crus nestas coisas, dêem corda aos sapatos e se metam em novas iniciativas, participem das que puderem, organizem outras em conjunto com outros artistas, seria ambição a mais desejar que dali saísse um Picasso reconhecido. Espero que tenham feito novos contactos e novos amigos, que entre eles troquem cada vez mais impressões, o José da Fonseca é consagrado e cursou Belas Artes, bem podia se os manos Rolo e Carvalho tiverem tempo, transmitir-lhes um pouco dos muitos e correctos modos de se pegar no pincel. Um encontrão ombro a ombro não deitará ninguém ao chão e será bom motivo para iniciar uma conversa. Então pá tu já pintas ? Eu pinto desde os treze. E como são os pelos do teu pincel ? De marta ? A Marta presta-se a tudo e tem o pelo macio, já os pelos sintéticos… Bahhhh Bem, olhem, desenrasquem-se, metam conversa como quiserem mas não deixem de meter, meter é que é bom, sempre foi.

Meter combersa claro.

Frequentem e visitem a novel Galeria 16 e a igreja de S. Vicente, lugares onde poderão dar de caras com outros espreme bisnagas como vocês e quem sabe se não acabarão espremendo bisnagas juntos, é com uns e com outros que se aprende, e com outras ainda se aprende mais. Do amigo Concha nem falo, é consagrado, pena viver numa cidade e num país de tesos, eu se fosse rico comprava-lhe aquilo tudo só para decorar o jardim do vasto quintal, piscina e arredores, mas não sou rico, sou o azar dele, desejo-lhe a sorte grande porque no caso dele só falta mesmo aparecer quem tenha dinheiro, o valor e a qualidade das obras é inquestionável. Ao Nuno e à Dora desejo que tenham muitos meninos, artistas, e que nunca me faltem com os suspiros, foram pioneiros numa forma de arte, iniciativa e inovação que só tem paralelo nas grandes cidades e na Holanda em especial, o livro de visitas e os elogios que por lá abundam decerto os deixaram satisfeitos com esta aventura que partilhámos.

E agora tenho que ir que são quase horas de jantar e já me atiraram o avental acima, sei bem o que tal significa, que me dedique às minhas artes, vou começar por descascar umas batatas e cortar umas cebolas e cenouras e meter tudo no tacho. Quando levantar fervura ligo o exaustor e atiro-me a elas com a varinha. Depois deitarei um fiozinho de azeite.

Vão dando noticias. Beijinhos.

Pintura NAIF do povo Otavalo, Equador, gentileza do camarada Rui Nascimento. 

Foto de New Concept Coffee & Shop.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

PENA DE PAVÃO EMPROADO... DEPENADO ...


PENA DE PAVÃO EMPROADO, DEPENADO

Encontrei penando, no chão,
uma pena de pavão,
pisada e repisada,
a um canto desprezada,
abandonada, envelhecida,
estragada.

Não,
não era minha conhecida,
era uma pena, em tempos colorida,
deixando ver ainda, entre mágoas,
cores iridescentes, lindas,
como quando o sol se reflecte nas águas
dos mares, águas profundas, infindas.

Mar caixão de mágoas e penas que tais,
caixão de inocentes, de penas capitais,
como esta ali caída,
num canto do café esquecida,
ignorada.

Ela que já fora colorida,
talvez temida, talvez amada,
talvez dissoluta, talvez depravada,
talvez destemida, talvez odiada,
talvez arrependida, talvez perdoada,
talvez abençoada, talvez redimida,
talvez.

Encontrei-a no café um dia destes,
estava no chão, encolhida, 
no chão, tímida,
estirada num canto, compungida,
ali estava, resignada,
dando pena, a pena.

Peguei nela,
sacudi-a,
dei-lhe vida,
meti-a na pasta,
por onde andou com os lápis,
porque há penas que dão pena,
outras doem se arrancadas.

Depois guardei-a,
entre páginas nunca lidas,
entre páginas virgens,
a que decorei o número,
a que fixei as margens,
não fosse um dia esquecer-me
de a incluir entre as bagagens,
levá-la comigo,
fazer dela minha,
o meu marcador,
entalá-la,
entre o lido e a ler,
entre o deve e o haver,
marcando o lugar,
o tempo,
o ritmo,
o presente e o futuro.

E talvez,
um dia nós dois, sós,
pisássemos o risco,
saltássemos o muro,
e, de mãos dadas,
apesar das penas,
talvez sejam penas que dão para rir,
apesar das mágoas,
dor aqui dor ali como num teclado,
perdendo teclas e algumas penas,
apesar dos anos,
apesar dos ais,
ficássemos olhando os pôr do sol no cais,
infindas madrugadas.

Certo dia um pavão picou-me,
e eu arranquei-lhe as penas quase todas,
tantas quantas lhe deixei,
pois inda escrevo com pena de penas,
de penas, e de mágoas,
mas voltando ao pavão,
agarrei-o p'lo pescoço,
digo-vos, nem molho o pavão na tinta,
obriguei-o a engolir um tinteiro,
inteiro,
hoje sou um bandoleiro,
e escrevo as minhas histórias
c’o o bico dele, e olhando o galinheiro.  


Humberto Baião, in “Chorando Penas” Janeiro, 23- 2018


domingo, 7 de janeiro de 2018

SOPINHA DE SANTAS FLORINHAS ....


SOPINHA DE SANTAS FLORINHAS

Floriu a magnólia na rotunda,
desacelero olhando-a embevecido,
o carro cheirando a pinheiro da Escandinávia,
comprado no chinês por um eurito.

Uma árvore triangular, papel pastoso,
pastoso e cheiroso, dançando pendurada,
também há de nardos, alfazema e anis,
p’ra gente orgulhosa e narizes mui subtis.

Nunca fui subtil, mas conheço, 
o Subtil, e o cunhado dele o Gentil, 
reformados de França, plantavam lavanda,
bons petizes, bons narizes.

Eu amo a sensibilidade, as violetas,
a Violeta, a Margarida, a Rosa, a Dália,
e desde gaiato tantas outras vestais,
desde os passeios entre flores de auracária,
desde quando vi tulipas em postais.

Lembro esses passeios matinais, os madrigais,
p’los campos floridos e grandes quintais, 
colhendo e cheirando os lírios,
os narcisos, as giestas, papoilas, 
os dentes de leão e as moçoilas. 

Inspirando fundo, inflando o ego, 
o Narciso crescendo em mim, 
a experiência c’os feijoeiros,
depois c’as ervilhas de Mendel,   
olhar atento à botânica, a Garcia da Horta
ao quinchoso do avô Darwin,
à flora, à fauna, às espécies,
também a Wallace e Lamarck.

Uma semente enterrada num vaso,  
o milagre no dia dos meus anos, 
o feijoeiro aos onze,
a tulipa aos doze, dum bolbo,
depois um pulo, e eu quase homem,
e aquela tipa, aquelas tipas, 
enfiando em mim borboletas vivas, 
pelas tripas,
até arrotar, até aprender a dizer
gentis senhoras, meninas, moças,
mulheres.

Existem variegadas espécies,
como os talheres, a cutelaria,
a faiança, a ourivesaria, 
mulheres d'oiro a tua tia,
respect,
respect se queres ser respeitado,
e adorado
essa é a verdade rotunda. 

Évora, por Humberto Baião aos 07 E 08 de Janeiro do ano de 2018

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terça-feira, 2 de janeiro de 2018

485 - POIS, LAMBUZEM-SE, E BOM PROVEITO...

Nuno Rolo, Nolo, pintor

           NEW CONCEPT COFFEE & SHOP INTRODUÇÃO AO ROTEIRO DA EXPOSIÇÃO



Em primeiro lugar o New Concept Coffee & Shop desejou-nos a todos um bom Ano Novo, repleto de felicidade e bem-estar. Foi nesse contexto que nos ocorreu desenvolvermos esta pequena exposição, contribuir para o bem-estar dos amigos e clientes, tornar mais agradável a sua estada neste café, mesmo que breve, e em simultâneo tornar este lugar um lugar de maior convívio, quiçá um local de tertúlias e conspirações.

Enveredámos pela escultura/pintura por termos entre amigos clientes  consagrados e amadores em ambas as áreas, e por desejarmos que o novo conceito de café com que fora inaugurado o New Concept se cumprisse. Cumprir é dar também espaço, voz e vez aos artistas locais, dá-los a conhecer tanto quanto contribuir para que sejam conhecidos e o seu valor reconhecido.

Projectada a “coisa” convidámos alguns artistas locais, o primeiro a demonstrar a sua disponibilidade e solidariedade foi o João Concha da “Rusty Place” ter um consagrado como âncora é já uma garantia de sucesso, está exposto no centro do café, p’ra deslumbrar, p’ra surpreender, mas também porque isto da consagração e da antiguidade também é um posto, é um artista conhecido e batido nestas lides, galardoado, bom tipo, terapeuta, pachorrento, bonacheirão, amigo de toda a gente, comedido quanto deve ser um artista. 

          A primeira vez que deparei com a sua obra foi há uns anos quando ao erguer os olhos a vista se me distendeu sobre a praça e vi os bonecos, os bonecos é como quem diz, as suas figuras, dei então comigo pensando quanta beleza e sentimento em cada uma, quanta paixão, quanta arte, quanta inspiração e quanto amor. Peças ali especadas, um pouco espalhadas por toda a praça, idealizadas com tanto carinho, feitas com tanta dedicação e primor. Enterneceu-me a paixão dele por elas ou jamais teriam sido feitas, comoveu-me a entrega que exigiram, o sacrifício de horas em seu redor até que completadas.

A consagração a causas nobres sempre me perturbou, e juntar grão a grão, bocadinho a bocadinho, dia a dia, semana a semana, mês a mês, ano a ano, os materiais p'ra elas é coisa que testemunha um estado de espirito que vai muito pra além da imaginação, quem assim procede é um sonhador, tem um sonho, e esse sonho ou essa causa que o move só pode ser uma enorme ânsia de evasão. Fugirá de si mesmo, incapaz de se aventurar sobre a frágil ponte do desfiladeiro da confiança, sonha, sonha e evade-se, fugindo de si próprio tornando-se por momentos outro, e é esse outro que não ele quem nos oferece de bandeja a beleza da criação, o resultado desses momentos de desvario e inspiração, o resultado dessa ocasião de libertação e grandeza porque raramente o artista cabe no corpo terreno, mortal e limitado que tende a parasitá-lo como uma crisálida.

Além dele ofereceu o peito à solidariedade o José da Fonseca, o nosso Picasso das colagens, também ele já rodado e com muitas exposições no curriculum é outro apoio sólido, como se diz agora, uma mais-valia considerável e nada despicienda, só pode ser um bom tipo, um bom rapaz, ingénuo mas sentimental, sempre desperto à novidade... encerrado na ingenuidade duma criança, olhando tudo como se fosse a primeira vez, com muito por aprender e a quem os horizontes estreitos desta terra nunca permitirão levantar voo ou sonhar mais alto que o Palácio do Barrocal ou a Igreja de S. Vicente, talvez um oitavo de página no jornal da terra e umas imagens partilhadas no Facebook entre amigos para desfastio. 

      Arregimentámos também a Helena Sousa pois merece público, exposição, a arte em certas geografias só tem becos e não auto-estradas, estes dois já o devem ter descoberto por si mesmos. É uma existencialista persistente a Helena Sousa, uma dona de casa exemplar e prendada. Cooptámos naturalmente os manos Nuno Rolo e Manuel Carvalho, em busca da celebridade e cuja história, verídica, deu azo a esta exposição * pois este é o nosso modo de meter as mãos nas tintas, nas cores, no ferro, pois não pode ser só no café, nas sandes e nos bolos, porque a vida só é bem vivida se nos lambuzarmos dela, não é o que dizem?

A coisa começou com dois carapaus disputando a pujança dentro dum grupo de “Amigos Do Pidal” que pedalam. De semana trabucam e ao fds trocam impressões, sentados aqui, na esplanada do New Concept Coffee & Shop, onde esgrimem pedaleiras, calções, carretos, equipamentos, rodados, óculos de vidrado espelhado, pisos, mas também riscos, cores, desenhos, esquiços, pinturas, quadros e visões, sonhos. Foi num destes momentos que os apanhámos, o que foi uma verdadeira revelação, aliás uma grande surpresa. Então não foi que após tantos anos vividos na mesma cidade, sem se conhecerem, as bicicletas os aproximaram? Talvez não devamos dizer aproximaram, talvez devamos dizer ligaram, já que entre eles se descobriram ambos adeptos das mesmas cores, das mesmas tendências, do mesmo gosto pelos lápis, pelo carvão, traço, risco, desenho, pintura, até se descobrirem ambos pintores, artistas da tela e do pincel, das bisnagas, dos cavaletes, tendo-se então olhado bem e descoberto a si mesmos iguais em muitas coisas, até na cor dos olhos e, de descoberta em descoberta, chegaram à conclusão que o pai de um deles assim assado mas também o pai do outro assado e assim, p’lo que apesar de demorada a coisa acabou por ser concluída, eram irmãos ! Digo meio irmãos !

Não foi mesmo uma revelação surpreendente? Ficámos admirados, espantados, pasmados com a constância e exuberância dos genes, dos cromossomas, do ADN.

Claro que depois surgiu naturalmente a pergunta; por que não contar esta linda história? Como contá-la? De que modo a contar? Arranjando uma base, um pódio onde colocar os manos em exposição e com uma pequena legenda por baixo? Vestidos de ciclistas? Nus? De pincel na mão? Como podem ver optámos por uma exposição.

A pintura da amadora Helena de Sousa, sabemo-lo hoje, foi desenvolvida sobretudo num período da sua vivência em que, para calar ou esquecer a dor se apoiou nas telas e nos pincéis como ascese, como prática e causa da meditação e devoção afinal essenciais à superação de si mesma. O produto dessa catarse com que purificou corpo e espírito encontra-se difundido por uma dezena de casas de amizades suas tendo sido possível apresentar-vos unicamente duas das suas obras.


Não diríamos que os artistas sejam poço de devaneios libertários e criativos ou arrastem na consciência recordações recalcadas de que urgem libertar-se apesar desta nossa peculiar democracia, todavia a emoção com que vivem a vida e o sentimento de amor com que à escultura ou pintura se entregam, fazem-nos intuir tratar-se de sacudir uma sofrida repressão de que só a arte os libertará. É notório nos seus trabalhos o afrontamento às dores do viver, e a busca de sensações vívidas que não arrastem padecimento, sofrimento, desgosto, mágoa, pesar, antes lhe tragam paz, bem-estar e prazer.

Optámos por esta exposição, será giro ver, observar como eles vêem o mundo e no-lo mostram. 

            Lambuzem-se, e bom proveito.



















João Concha, escultor

ESCULTURAS  - João Concha:A imagem pode conter: 1 pessoa, óculos graduados, barba e closeupA imagem pode conter: 1 pessoa, óculos graduados, barba e closeup

E6 - Mulher com flor.
E7 - Máscara
E8 - Guitarra baixo
E9 - Quadro com flor
E10 - Médico
Quanto a preços devem os interessados contactar o 962565692


 José da Fonseca, pintor                                                                        José da Fonseca, pintor

PINTURAS - José da Fonseca:

P1 – José da Fonseca – “Paraíso” 2012, acrílico, colagens e spray s/ tela – 200€
P2 - José da Fonseca  – “Almas” 2017, óleo e spray s/ tela – 200€
P3 - José da Fonseca  – “Canela Spirit” 2014, acrílico e colagens s/ madeira, 100€
P4 – José da Fonseca  – “Acção – Sangue frio” 1999, acrílico s/ tela, 300€
P5 - José da Fonseca  – “Beaux Rêves” 2015, acrílico e colagens s/ papel, 250€

QUADROS - Helena Sousa:
Helena Sousa, pintora

30T -  “ A Dor Na Flor ” - pintura a óleo (preço a combinar)
31T - “ Limpa Pincéis “ – pintura a óleo (preço a combinar)

Nuno Rolo – “Nolo” pintor

TELAS - Nuno Rolo – “Nolo”:

1T - Batalha-70/90cm 150€ 
2T - Gritos - 1000/60cm 80€
3T - Vícios - 1000/60cm 200€
4T - Usada - 68/92cm 150€
5T - Desejos - 1000 /70 cm 120€
6T - Secreto - 1036/110cm 250€
7T - Sensações - 1037/90cm 250€
8T - Deep - 1026/1000cm 300€
9T - Molhados 1040/96cm 180€
10T - Desejos Salgados 1026/1000cm 200€ 

PINTURAS - Manuel Carvalho Barão:
Manuel Carvalho Barão, pintor

16T - Salto 1000/80cm 150€
17T - EU 1080/40CM 80€
18T - ALMA 1090/54CM 400€
19T - Abraço - VENDIDO
20T - PRAZER 1080/60CM 280€
21T - Visão 1000/40cm 60€
22T - Oposto - 120€
23T - Incógnito 1020/60cm 100€
24T - Remendos 1000/80cm 250€
25T - Misteriosa 1000/60cm 300€
26T - Desejos Perdidos 1000/80cm 180€
26aT - Linha  90/60cm 80€
27T - Segredos 90/60cm 150€
28T - Acidente 1000/80cm 100€
29T - Procura 1000/1000cm 100€

Todas as pinturas foram realizadas com tinta acrílica

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

484 - QUEM CASA QUER CASINHA , QUERIA ...

                                

Vendem-se cada vez mais casas em Portugal, segundo a imprensa as agências imobiliárias movimentam milhões a cada ano que passa mas, vender cada vez mais casas e mais caras, será isso bom, ou mau ?

Versando este tema lancei há dias numa rede social a pergunta em causa, desafio que pouca gente se dignou aceitar e quem aceitou errou desalmadamente porque as pessoas já nem sabem pensar, colocar o que quer que seja em questão ou ver por trás da aparente realidade que lhes mostram. Ora eu continuava nesse desafio afirmando a quem se dignasse responder e caso errasse que diria mais tarde de minha justiça o que sobre o assunto pensava e penso, pedia somente uns dias e dir-lhes-ia por que não seria a coisa boa, ou por que sim por que razão o será.

Muitas alegações poderão ser feitas com base na questão, umas mais ligeiras outras mais aprofundadas, eu faço-as remontando aos anos do PREC e seguintes, aos anos em que a falta de coragem para tomar medidas ou forjar soluções se começou fazendo sentir, hesitações das quais hoje, neste como em muitos outros aspectos sofremos os nefastos efeitos.

Mui justamente uma das palavras de ordem do 25 de Abril, “pão, paz, habitação” em especial no que à habitação concerne, um dos problemas que ora estamos a sofrer, teve o seu corolário com a ocupação ilegal de casas devolutas, as designadas ocupações selvagens feitas a torto e a direito, submetendo a sociedade a enorme pressão que antiga e justa sede de justiça, sede de democracia, sede de habitar uma casa e a necessidade que estas premissas se cumprissem ditou, sem que contudo o estado se tivesse debruçado sobre o problema e muito menos legislado em conformidade.


A virtude do equilíbrio entre a procura e a oferta foi deste justo modo violentamente alterada e mais o foi ainda quando retornaram à metrópole quinhentos mil portugueses fugidos das ex colónias ultramarinas, o desequilíbrio foi tão gritante, a falta de habitação tão pungente que o prato da gigantesca procura elevou o da exígua oferta de tal modo que as rendas subiram astronomicamente, respondendo naturalmente à exorbitante falta de habitações sentida e ao desalvorado nível que a procura alcançou, tornando a habitação um achado precioso...

 Neste contexto o estado foi, pela pressão das circunstâncias obrigado a legislar, mas fê-lo da pior maneira possível, congelando as rendas, mantendo-as obrigatória e artificialmente baixas, agravando um problema que já era sério e viria nas décadas futuras a codilhar-nos a todos. Com as rendas congeladas quem investiria na habitação ? Quem retiraria delas, habitações, rendimentos para a manutenção das existentes ou um pé-de-meia para futuras construções ? Ninguém, o estado que resolvesse o problema, o que ele estado fez, mal e porcamente como se diz por aqui, através sobretudo da habitação cooperativa de custos controlados e da oferta de casas de rendas sociais. Duas boas medidas, excelentissímas, caso não tivessem pecado por insuficiência.

A situação chegou a atingir o caos, o desastre, e só não redundou em desgraça maior dado o elevado custo dos novos arrendamentos, já então elevadíssimos, facto que tornou compensador ou preferível comprar uma casa com recurso ao crédito bancário, não tendo a ninguém ocorrido que estávamos uma vez mais saindo da lama para nos metermos num atasqueiro. Começara por essa época o triste hábito de não pensar o país, não o pensar a longo prazo, nem a médio nem sequer a curto prazo, como não analisar quer a montante quer a jusante o efeito das leis que iam sendo elaboradas. Com o fascismo, que caía, erguia-se a democracia mas também o improviso, o imediatismo, a irresponsabilidade e a ignorância.

Para fazer face ao afluxo de solicitações de crédito a banca nacional foi lá fora endividar-se, “ignorando” (?) que esse endividamento só a longo prazo seria amortizado, “ignorando” estar o crédito sendo afectado sobremaneira ao sector da construção, “ignorando” outras áreas do sector produtivo quiçá mais proveitosas de desenvolver que a simples construção civil. Cegamente passou a medir-se o crescimento do país pelo número de habitações licenciadas e pela tonelagem de cimento produzido, esquecendo a economia a fulcral área dos bens transaccionáveis e passiveis de exportação. Donde e quando foram exportadas habitações ? E quantas ?

Desregulada a economia, passámos de um deficit de 700 mil casas em 1977 para um superavit d’outras 700 mil em 2016, mas estranhamente este desequilíbrio não afectou o mercado imobiliário, devia ter afectado mas inexplicavelmente não afectou, nem as rendas desceram nem o preço das casas caiu. Portugal mantém assim a sua velhíssima peculiaridade de estar blindado contra os altos e baixos do mercado, não é só a gasolina que sobe sempre e apesar do custo da matéria-prima baixar nos mercados internacionais.

E por falar em petróleo, gasolina, automóveis, direi também que a prática generalizada da opção pela compra de casas ao invés da criação dum verdadeiro mercado de arrendamento, naturalmente forçou os senhorios a optar por construir para vender. Dizia eu que essa opção pela compra minou duas coisas, a primeira foi retirar dinheiro dos bolsos dos casais recém-formados que dessa forma não puderam ajudar o desenvolvimento de outras industrias por falta de poder de compra, ganha-se para a casita, para o carrito, para comer e pouco mais, chapa ganha chapa gasta, a segunda foi a morte da mobilidade do operariado, que impede hoje que trabalhadores do sul, “amarrados” aos seus contratos de compra e venda, às suas casinhas, não possam deslocar-se livremente para o norte a fim de preencheram vagas de emprego ali surgidas e vice – versa. A menos que vendam a sua casita de um dia para o outro e com a riqueza e mais-valias efectuadas consigam passar férias em Bali, comprar um Ferrari, ou dois, e uma outra casita no lugar para onde irão… Só lirismos...

Entretanto a banca, engordada e endividada lá fora, com uma divida colossal amortizável a trinta anos, ao primeiro sinal de crise e de desemprego abarbata a casa aos desgraçados que ficaram sem ele, ele trabalho, inocentes a favor de quem ninguém na AR se ergueu a defender. Fizeram-no agora somente em relação às penhoras do fisco. Na democrática Holanda enquanto estiver desempregado o estado assume os encargos com o pagamento de rendas ou a prestação da casa e do carro, sim é solidariedade, por cá é o estado que lha tira e persegue o desgraçado com ameaças fiscais até muito depois de ter ficado sem a casinha se por acaso o IMI ficou por pagar. Ora a juventude, que não é parva de todo pura e simplesmente foge deste país de agiotas que contudo e tratando-se deles mesmos se abotoa, como vimos há dias na AR em relação ao financiamento dos partidos.


O que a maltinha não sabe é que para Salazar, o tal bandido das costas largas, a casa era sagrada, embora eu deva recordar aqui uma das máximas salazaristas, "a politica é para os politicos" dogma que automáticamente autorizava a PIDE a entrar a quaisquer horas na casa de quem não pertencesse ao bom povo trabalhador. Fora este nada despiciendo pormenor a casa, a habitação familiar, era lugar sagrado e quer inquilino ou comprador quer senhorio ou banco, tinham direitos e deveres que nenhum se atrevia a pôr em causa porque a casinha era mesmo sagrada, relembremos "Deus, Pátria, Familia" e nem a banca a tiraria, se não quisesse correr riscos não tivesse concedido crédito. Nem o banco nem as finanças dispunham de leis que lhes permitissem abrir mão dos desaforos e criar os dramas que esta democracia tem permitido, porém ai de quem incumprisse pois se havia direitos também havia obrigações, havia direitos sim, muitos mais direitos que hoje, e deveres, deveres, coisa que hoje ninguém parece saber que seja, nem querer saber. Hoje nem há deveres nem há vergonha, nem responsabilidade, nem competência, tema para um outro texto.

As imobiliárias prestam um serviço, são necessárias, não tantas quantas há mas são necessárias, quem venderia os milhares de imoveis que a banca financiou e tirou aos portugueses ? Quem promoveria a justiça e a injustiça ? Sim porque por trás de cada casa penhorada há um drama, e por cada casa vendida barata em leilões ao desbarato existe uma boa oportunidade de compra, ou um oportunista. Empobrecem-se uns para enriquecer outros. Quantos pobres são necessários para fazer um rico ? *

As imobiliárias são necessárias, intermedeiam, prestam um serviço, mas não esqueçam, não produzem um caralho, nem um tijolo, uma janela, uma porta, as Caldas da Rainha ao menos produzem-nos, e outra loiça, a AutoEuropa produz carros, as adegas vinhos, mas as imobiliárias mexem em dinheiro, de uns para outros, nada se cria, nada se acrescenta, nada produzem, apenas aproximam interessados em vender de interessados em comprar, são um elemento imprescindível e funcional do mercado, mas não façamos confusões, nem Sócrates o melhor comissionista da história conseguiria aguentar um país à base de comissões.

Vivemos num mundo de faz de conta, de ilusão, em que a banca, asfixiada com o crédito mal parado e as chamadas imparidades mais parece um presidente de câmara lançando comissões, derramas, taxas e taxinhas sobre tudo e sobre nada, quem casa quer casinha, mas parece-me que quem quer casar primeiro desanda daqui, emigra, vende a casinha se a tem, ou se ainda a tem ou nem chega a comprá-la, e que mal faz ? A banca agora nem é nossa já, nem nada é nosso já, não demora que nem precisemos de emigrar, seremos emigrantes e explorados na nossa própria terra e tudo isto deles, dos outros…

Vendem-se cada vez mais casas em Portugal, é bom, ou mau ? Cada um de vós que ajuize por si mesmo ...

* Frase atribuída a Mia Couto.