Vendem-se
cada vez mais casas em Portugal, segundo a imprensa as agências imobiliárias
movimentam milhões a cada ano que passa mas, vender cada vez mais casas e mais caras, será isso bom, ou mau ?
Versando este tema lancei há dias
numa rede social a pergunta em causa, desafio que pouca gente se dignou aceitar
e quem aceitou errou desalmadamente porque as pessoas já nem sabem pensar,
colocar o que quer que seja em questão ou ver por trás da aparente realidade
que lhes mostram. Ora eu continuava nesse desafio afirmando a quem se dignasse
responder e caso errasse que diria mais tarde de minha justiça o que sobre o
assunto pensava e penso, pedia somente uns dias e dir-lhes-ia por que não seria a
coisa boa, ou por que sim por que razão o será.
Muitas alegações poderão ser feitas
com base na questão, umas mais ligeiras outras mais aprofundadas, eu faço-as
remontando aos anos do PREC e seguintes, aos anos em que a falta de coragem para
tomar medidas ou forjar soluções se começou fazendo sentir, hesitações das quais hoje, neste
como em muitos outros aspectos sofremos os nefastos efeitos.
Mui justamente uma das palavras de
ordem do 25 de Abril, “pão, paz, habitação” em especial no que à habitação
concerne, um dos problemas que ora estamos a sofrer, teve o seu corolário com a
ocupação ilegal de casas devolutas, as designadas ocupações selvagens feitas a torto e a direito, submetendo a sociedade a enorme pressão que antiga e justa sede de justiça, sede de democracia, sede de habitar uma casa e a necessidade que estas premissas se cumprissem ditou,
sem que contudo o estado se tivesse debruçado sobre o problema e muito menos
legislado em conformidade.
A virtude do equilíbrio entre a procura e a oferta
foi deste justo modo violentamente alterada e mais o foi ainda quando
retornaram à metrópole quinhentos mil portugueses fugidos das ex colónias
ultramarinas, o desequilíbrio foi tão gritante, a falta de habitação tão
pungente que o prato da gigantesca procura elevou o da exígua oferta de tal
modo que as rendas subiram astronomicamente, respondendo naturalmente à
exorbitante falta de habitações sentida e ao desalvorado nível que a procura
alcançou, tornando a habitação um achado precioso...
Neste contexto o estado foi, pela pressão das circunstâncias
obrigado a legislar, mas fê-lo da pior maneira possível, congelando as rendas,
mantendo-as obrigatória e artificialmente baixas, agravando um problema que já
era sério e viria nas décadas futuras a codilhar-nos a todos. Com as rendas
congeladas quem investiria na habitação ? Quem retiraria delas, habitações, rendimentos para a manutenção das existentes ou um pé-de-meia para futuras construções ? Ninguém, o estado que resolvesse
o problema, o que ele estado fez, mal e porcamente como se diz por aqui,
através sobretudo da habitação cooperativa de custos controlados e da oferta de
casas de rendas sociais. Duas boas medidas, excelentissímas, caso não tivessem pecado por
insuficiência.
A situação chegou a atingir o caos, o
desastre, e só não redundou em desgraça maior dado o elevado custo dos novos arrendamentos,
já então elevadíssimos, facto que tornou compensador ou preferível comprar uma
casa com recurso ao crédito bancário, não tendo a ninguém ocorrido que
estávamos uma vez mais saindo da lama para nos metermos num atasqueiro. Começara
por essa época o triste hábito de não pensar o país, não o pensar a longo
prazo, nem a médio nem sequer a curto prazo, como não analisar quer a montante
quer a jusante o efeito das leis que iam sendo elaboradas. Com o fascismo, que
caía, erguia-se a democracia mas também o improviso, o imediatismo, a irresponsabilidade e a
ignorância.
Para fazer face ao afluxo de
solicitações de crédito a banca nacional foi lá fora endividar-se, “ignorando”
(?) que esse endividamento só a longo prazo seria amortizado, “ignorando” estar o crédito sendo afectado sobremaneira ao sector da construção, “ignorando”
outras áreas do sector produtivo quiçá mais proveitosas de desenvolver que a
simples construção civil. Cegamente passou a medir-se o crescimento do país
pelo número de habitações licenciadas e pela tonelagem de cimento produzido,
esquecendo a economia a fulcral área dos bens transaccionáveis e passiveis de
exportação. Donde e quando foram exportadas habitações ? E quantas ?
Desregulada a economia, passámos de um
deficit de 700 mil casas em 1977 para um superavit d’outras 700 mil em 2016,
mas estranhamente este desequilíbrio não afectou o mercado imobiliário, devia
ter afectado mas inexplicavelmente não afectou, nem as rendas desceram nem o preço
das casas caiu. Portugal mantém assim a sua velhíssima peculiaridade de estar
blindado contra os altos e baixos do mercado, não é só a gasolina que sobe
sempre e apesar do custo da matéria-prima baixar nos mercados internacionais.
E por falar em petróleo, gasolina, automóveis,
direi também que a prática generalizada da opção pela compra de casas ao invés
da criação dum verdadeiro mercado de arrendamento, naturalmente forçou os senhorios a optar por construir para vender. Dizia eu que essa opção pela compra minou
duas coisas, a primeira foi retirar dinheiro dos bolsos dos casais recém-formados
que dessa forma não puderam ajudar o desenvolvimento de outras industrias por falta de
poder de compra, ganha-se para a casita, para o carrito, para comer e pouco mais, chapa ganha
chapa gasta, a segunda foi a morte da mobilidade do operariado, que impede hoje
que trabalhadores do sul, “amarrados” aos seus contratos de compra e venda, às
suas casinhas, não possam deslocar-se livremente para o norte a fim de
preencheram vagas de emprego ali surgidas e vice – versa. A menos que vendam a
sua casita de um dia para o outro e com a riqueza e mais-valias efectuadas consigam passar férias em Bali, comprar um Ferrari, ou dois, e uma outra casita no lugar para onde irão… Só lirismos...
Entretanto a banca, engordada e endividada lá fora, com uma
divida colossal amortizável a trinta anos, ao primeiro sinal de crise e de
desemprego abarbata a casa aos desgraçados que ficaram sem ele, ele trabalho,
inocentes a favor de quem ninguém na AR se ergueu a defender. Fizeram-no
agora somente em relação às penhoras do fisco. Na democrática Holanda enquanto estiver
desempregado o estado assume os encargos com o pagamento de rendas ou a
prestação da casa e do carro, sim é solidariedade, por cá é o estado que lha
tira e persegue o desgraçado com ameaças fiscais até muito depois de ter ficado
sem a casinha se por acaso o IMI ficou por pagar. Ora a juventude, que não é
parva de todo pura e simplesmente foge deste país de agiotas que contudo e
tratando-se deles mesmos se abotoa, como vimos há dias na AR em relação ao
financiamento dos partidos.
O que a maltinha não sabe é que para
Salazar, o tal bandido das costas largas, a casa era sagrada, embora eu deva recordar aqui uma das máximas salazaristas, "a politica é para os politicos" dogma que automáticamente autorizava a PIDE a entrar a quaisquer horas na casa de quem não pertencesse ao bom povo trabalhador. Fora este nada despiciendo pormenor a casa, a habitação familiar, era lugar sagrado e quer inquilino
ou comprador quer senhorio ou banco, tinham direitos e deveres que nenhum se
atrevia a pôr em causa porque a casinha era mesmo sagrada, relembremos "Deus, Pátria, Familia" e nem a banca a tiraria, se
não quisesse correr riscos não tivesse concedido crédito. Nem o banco nem as finanças
dispunham de leis que lhes permitissem abrir mão dos desaforos e criar os
dramas que esta democracia tem permitido, porém ai de quem incumprisse pois se havia direitos também havia obrigações, havia direitos sim,
muitos mais direitos que hoje, e deveres, deveres, coisa que hoje ninguém
parece saber que seja, nem querer saber. Hoje nem há deveres nem há vergonha,
nem responsabilidade, nem competência, tema para um outro texto.
As imobiliárias prestam um serviço,
são necessárias, não tantas quantas há mas são necessárias, quem venderia os
milhares de imoveis que a banca financiou e tirou aos portugueses ? Quem
promoveria a justiça e a injustiça ? Sim porque por trás de cada casa penhorada
há um drama, e por cada casa vendida barata em leilões ao desbarato existe uma boa
oportunidade de compra, ou um oportunista. Empobrecem-se uns para enriquecer
outros. Quantos pobres são necessários para fazer um rico ? *
As imobiliárias são necessárias, intermedeiam,
prestam um serviço, mas não esqueçam, não produzem um caralho, nem um tijolo,
uma janela, uma porta, as Caldas da Rainha ao menos produzem-nos, e outra
loiça, a AutoEuropa produz carros, as adegas vinhos, mas as imobiliárias mexem
em dinheiro, de uns para outros, nada se cria, nada se acrescenta, nada produzem,
apenas aproximam interessados em vender de interessados em comprar, são um
elemento imprescindível e funcional do mercado, mas não façamos confusões, nem
Sócrates o melhor comissionista da história conseguiria aguentar um país à base
de comissões.
Vivemos num mundo de faz de conta, de
ilusão, em que a banca, asfixiada com o crédito mal parado e as chamadas imparidades
mais parece um presidente de câmara lançando comissões, derramas, taxas e
taxinhas sobre tudo e sobre nada, quem casa quer casinha, mas parece-me que
quem quer casar primeiro desanda daqui, emigra, vende a casinha se a tem, ou se ainda a tem ou
nem chega a comprá-la, e que mal faz ? A banca agora nem é nossa já, nem nada é
nosso já, não demora que nem precisemos de emigrar, seremos emigrantes e
explorados na nossa própria terra e tudo isto deles, dos outros…
Vendem-se cada vez mais casas em Portugal, é bom, ou mau ? Cada um de vós que ajuize por si mesmo ...
* Frase atribuída a Mia
Couto.