quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

486 - PROPORÇÃO ÁUREA, DIVINA PROPORÇÃO

Reflexo, pintura de Nuno Rolo

Aproxima-se a passos largos o último dia duma inusitada exposição que algum mentecapto se lembrou de levar a efeito imaginem, num café / charcutaria / pastelaria e salão de chá. Somente me admirou o raro e insólito da ideia pois o local, o New Concept Coffe & Shop, amplo, arejado e bem iluminado veio a mostrar-se uma das melhores, mais lindas e improvisadas galerias que tive oportunidade de visitar.

Oficialmente a exposição deveria ter já encerrado, refiro-me à exposição, não ao agradável café. Inicialmente anunciada entre 2 e 22 de Janeiro inda se mantem instalada graças ao sucesso obtido. Não diria ser um sucesso estrondoso, por nem ser essa a intenção, mas embora sucesso modesto não deixo de a considerar um sucesso. Eu mesmo reparei e constatei a maior afluência de clientes, muitos deles idos ali pela primeira vez mas que têm voltado a aparecer de vez em quando. Se terão tido melhores caixas ao fim do dia é perguntar à Dora e ao Nuno as caras simpáticas por trás do balcão e donos do negócio. Não sei de ciência certa se o café tem mais freguesia, mas sei que o facto é bem e muito comentado em toda a cidade. O café e essa tão extraordinária quão inovadora experiência “galerista” pelo que creio firmemente terem sido atraídos novos clientes, como já disse vi por lá imensas e novas caras. O Nuno e a Dora merecem isso, fizeram uma aposta inequivocamente ganhadora, pelo menos o prestígio já lá canta, já ninguém lho tira. 

Pintura em caixa da EDP


Em boa hora esses dois prolongaram a exposição, foi por uma boa causa, o Nuno e a Dora estão a rifar para oferecer, dois quadros cujo pecúlio será doado a uma instituição da zona, a ASTE, uma instituição virada para a saúde mental, para os idosos, é nossa obrigação participarmos nesse "sorteio" a efectuar entre os visitantes da exposição e clientes, por cinco euros quem sabe se não terão a sorte de levar para casa um quadro de um milhão ?

Naturalmente o café não é o MoMA, o Centre Georges Pompidou ou o MAAT embora esteja ligado intimamente a este último pois um dos artistas expostos, o José da Fonseca, já com craveira nestas lides e outras exposições no curricula, trabalha como precário a recibos verdes para a EDP, como todos sabemos dona do MAAT, o tal museu novo, ultra moderno e que nós pagámos. Pinta ele a spray e recorrendo a técnicas vindas da origem dos tempos do stencil, motivos alegres nas cinzentas caixas de derivação da EDP existentes por toda a cidade e agora com um toque modernista. Pagamos mas alegramo-nos.

Se trago à baila esta história das caixas do correio, perdão da EDP, é só para que vejamos o que é a arte em Portugal, o estado da arte e a aventura dos artistas e o nível por ela atingido. Assim, e procurando dar resposta ao pensamento de Franz Rosenzweig de que “A nossa época não se pode curar da sua verdadeira doença - de que a «vontade de forma» não é senão um dos sintomas – senão conseguindo devolver o seu valor de engagement ao discurso desvalorizado dos homens.” A vontade da forma enquanto forma dada às várias artes, “pensar com artes” quer como prescrição assinalando um movimento saindo do definido, quer como proposta de tema para reflexão, um tema que não contempla o “pensar sem artes”, “Apenas se pensa com artes” pensar não é uma arte no entanto ocorre em relação com elas. Num sentido específico aquela expressão sugere que se pensa em relação com algo que se apresenta como arte, trata-se sobretudo de sugerir que pensar, não sendo uma arte, é indissociável das artes, que os termos “pensar” e “artes” são expressões que se implicam mutuamente no saber viver e na sua enigmaticidade, a do “ser justo”.               
                    Pintura de Manuel Carvalho Barão a ser sorteada em beneficio da associação ASTE

Meditava eu em tudo isto quando tive que dar pronta resposta ao Honório que é um otário, e me perguntara se “aquilo” era arte – ele que do mundo só conhece Alvalade, Benfica e os seus artistas da praxe o Bruno e o Vieira.

- Claro que é arte retorqui-lhe eu que nem do Porto sou, não são arte somente as esculturas do João Concha, um consagrado, ou as pinturas e colagens do Fonseca, já citado, mas também muitas outras obras dos restantes e ali expostas, mostradas, digo ali no café/galeria, apesar de com mais ou menos distorção estilhaçarem os cânones da fisionomia, do behaviorismo, da psicologia, da psiquiatria, da fisiologia, da ergonomia e da esquadria, fazendo com que o Horácio, ou o Honório franzisse o cenho e, entre dentes me atirasse um:

- Não pode ser arte isto – apontando para uma figura em evidência – Dez tipos olham para este quadro e cada um pensa uma coisa diferente, não pode ser arte, isto gera uma impressão diferente a cada um dos dez, só pode ser confusão !

Ora olhar e ver a arte é isso, naturalmente olhando a obra “Reflexo” do Nuno Rolo, um chinês verá um dragão, um africano um leão, um malaio um tigre da Malásia, um europeu mediano a invocação da liberdade selvagem, estilizada, ver é invocar o portfólio da experiência de vida em cada um de nós, não existe um processo automático de causa efeito ao olharmos um quadro, olhar é conectar as celulazinhas cinzentas, os neurónios e os axónios, pensar, meditar, fazer associações e ligações, porque isto anda tudo ligado, o Trump e o Twitter, a guerra nuclear e o outro anormal lá da Coreia, o mijar mais alto e mais longe, o tê-lo maior que o outro, tê-lo ao botão vermelho entendamo-nos, por isso em boa hora os promotores da exposição misturaram consagrados e amadores, porque essa coisa dos vasos comunicantes funciona na física mas também nas artes, e, como dizíamos a brincar em Angola; 

                  uuuuuuuuuu
                                        b
                                           b
                                             b
                                                b
                                                   b
                                                      OOOOOOOOOOOOO

claríssimo o puzzle, us pequeninos b descem, obedecem, ós grandes, aos Ós grandes, aos grandes e aprendem com eles, a perspectiva é essa, que com eles aprendam isso mesmo da perspectiva, ou da falta dela na pintura NAIF, que aprendam coisas esquisitas como proporção áurea ou divina proporção e aprendam a conhecer o homem Vitruviano, que a esta hora navega desde 1977 na Voyager, e vai muito para lá do cosmos. Claro que o convívio entre consagrados e amadores implicará aprender também que “Giotto” é um nome e determinado tipo de azul e não uma mera marca de lápis de cor, guaches ou aguarelas e outras coisas tais como o sfumato, tromp l’oeil e técnicas, segredos e manhas da pintura ensinadas em Belas Artes e através do convívio passadas aos leigos não eleitos.

Pintura em caixa da EDP


O universo da arte tem muitos caminhos, muitas ruelas, muitas esquinas e a cada uma que se Dobra ficamos vendo a dobrar, só por isso aquela peculiar exposição, peculiar enquanto de pintores pobrezinhos, isto é não eleitos, não consagrados, não deixa de ter o seu valor e de ser arte, de expor arte, apesar ou porque q.b. polémica, amada, criticada, polemizada, abominada, aplaudida, benquista, suscitou debates, conversas, opiniões, divergências e convergências e, nenhum de nós o ignora, ser da discussão que nasce a luz.

Eu apostaria ninguém ter perdido e todos terem ganho, enriquecido um pouco com ela, ela exposição. Quanto aos artistas convidados, consagrados e menos consagrados, espero que tenham também apreciado igualmente a iniciativa e que agora, por eles mesmos, em especial os mais crus nestas coisas, dêem corda aos sapatos e se metam em novas iniciativas, participem das que puderem, organizem outras em conjunto com outros artistas, seria ambição a mais desejar que dali saísse um Picasso reconhecido. Espero que tenham feito novos contactos e novos amigos, que entre eles troquem cada vez mais impressões, o José da Fonseca é consagrado e cursou Belas Artes, bem podia se os manos Rolo e Carvalho tiverem tempo, transmitir-lhes um pouco dos muitos e correctos modos de se pegar no pincel. Um encontrão ombro a ombro não deitará ninguém ao chão e será bom motivo para iniciar uma conversa. Então pá tu já pintas ? Eu pinto desde os treze. E como são os pelos do teu pincel ? De marta ? A Marta presta-se a tudo e tem o pelo macio, já os pelos sintéticos… Bahhhh Bem, olhem, desenrasquem-se, metam conversa como quiserem mas não deixem de meter, meter é que é bom, sempre foi.

Meter combersa claro.

Frequentem e visitem a novel Galeria 16 e a igreja de S. Vicente, lugares onde poderão dar de caras com outros espreme bisnagas como vocês e quem sabe se não acabarão espremendo bisnagas juntos, é com uns e com outros que se aprende, e com outras ainda se aprende mais. Do amigo Concha nem falo, é consagrado, pena viver numa cidade e num país de tesos, eu se fosse rico comprava-lhe aquilo tudo só para decorar o jardim do vasto quintal, piscina e arredores, mas não sou rico, sou o azar dele, desejo-lhe a sorte grande porque no caso dele só falta mesmo aparecer quem tenha dinheiro, o valor e a qualidade das obras é inquestionável. Ao Nuno e à Dora desejo que tenham muitos meninos, artistas, e que nunca me faltem com os suspiros, foram pioneiros numa forma de arte, iniciativa e inovação que só tem paralelo nas grandes cidades e na Holanda em especial, o livro de visitas e os elogios que por lá abundam decerto os deixaram satisfeitos com esta aventura que partilhámos.

E agora tenho que ir que são quase horas de jantar e já me atiraram o avental acima, sei bem o que tal significa, que me dedique às minhas artes, vou começar por descascar umas batatas e cortar umas cebolas e cenouras e meter tudo no tacho. Quando levantar fervura ligo o exaustor e atiro-me a elas com a varinha. Depois deitarei um fiozinho de azeite.

Vão dando noticias. Beijinhos.

Pintura NAIF do povo Otavalo, Equador, gentileza do camarada Rui Nascimento. 

Foto de New Concept Coffee & Shop.