Lembra somente os bons momentos dizes-me
tu, mas todas as histórias de amor são no final também de dor. Comprazo-me com
a dor das saudades que lhe tenho e castigo-me, como se suportando esta dor cauterizasse
a ferida deixada aberta pela sua perda.
Sim, suplicío-me com as saudades de ti,
com a dor que em herança me deixaste, esta chaga onde, dia sim dia não, quando
não dia sim dia sim, escarafuncho em busca da catarse que me libertará da tua
imagem, da tua lembrança, das memórias de ti, deste amor que há muito te erigi
e não se apaga.
Sofrer é amar-te, dar a mim mesmo testemunho
e fé do meu amor por ti, amar-te é sentir-me feliz por esta dor já que nada
mais ficou de ti, no teu lugar, digo ocupando o teu espaço, o espaço que era
teu.
Chaga, dor, memórias, lembranças de ti que,
por melhores que sejam me não aliviam, antes crestam as horas de insónia em que
mergulho recordando-te na vã esperança de esquecer-te. Debalde passo e repasso em
revista situações e momentos passados, inesquecíveis e irrepetíveis, inda que
procurando iludir-me a mim mesmo, como se essas memórias pudessem substituir a
dor lancinante da tua perda ou preencher o vazio que a saudade cava fundo no
meu peito, fazendo-me reagir a todos quantos me cercam como um animal ferido, sempre
assustando e afugentando quem ouse aproximar-se ou condoer-se ignorando o
quanto me compraz esta dor por ser o que me resta de ti, dor que protejo e acarinho
com a mesma fé que um devoto dedica à sua crença, e crente de que enquanto esta
chaga pontificar em mim és tu quem nela vive fazendo de mim morada, fazendo de
mim sacrário.
Talvez por te trazer no peito, qual
relicário, me toquem tão fundo as alusões a ti e me firam como um estilete quaisquer
frases, quaisquer músicas das que ambos tantas vezes ouvimos, por mais pequenas
que sejam, quaisquer ditongos, nomes, pronomes, sílabas, substantivos ou
adjectivos, até os que de modo meramente fugaz ou casualmente me tolham, de
frente ou de través, directamente ou de soslaio, despertando em mim reflexo, reacção e defesa na protecção do teu nome, do espaço que ocupas em mim.
Fica meu amor fica no meu peito e em
minha memória, nunca te sintas constrangida, faz de mim a tua casa, tua guarita,
não serei digno de ti mas sussurrai-me uma só palavra e minha alma será salva
deste tormento tamanho, desta agonia sem fim.