sábado, 16 de abril de 2011

40 - QUE SE QUEBRE O ESPELHO...


 A hora era tardia mas seria antes a escuridão precoce a tornar a tarde fria. Vi-a na saída do híper, triste, bonita, os cabelos lindos, bem tratados, contrastando com a tristeza espelhada, cavada no rosto de bronze, como quem carrega dentro as culpas de um mundo tão feio quanto o podemos saber, chorosa, ou quase, mas emanando candura, meiguice e doçura impares.

Ameaçava chover e ela ter vindo de longe, talvez trazida pelo vento que, mesmo brando, soprava sempre no Outono.

Perguntei-me o que levaria no coração e quedei-me, imaginando-a, forçando a sua mente, tentando adivinhá-la e senti ter vindo de longe, de muito longe.

- Sim, é verdade amigo, comigo, uma oração, uma prece carregada desde o fim do mundo, desde essa longínqua partida até hoje, até aqui.

Busco, já não resignada ou magoada porque, dentro de mim outra dimensão, do tamanho do mar, outra largura de horizontes, paisagens, praias, rios, ares. Resisto e medito, mais que minhas forças consentem.

Sonho um país encantado, venho de longe, de muito longe.

Aprendi que não se pode ter o mundo, não se pode ter tudo, não se pode ter nada. Somente persigo a esperança, a esperança !

Levanto-me e caio, levanto-me e caio, e levanto-me sempre, como a Lua, como a Lua, que pena, que pena.

Quando chegará a minha vez, quando chegará ? Quando será ? Quando será ? Quando chegará a Primavera ? Sim ! Busco a Primavera !

A minha vida é um iô-iô ! Subindo e descendo, indo e vindo, sim !

Cuidado ! Minha vida é um iô-iô !

Vim em busca da Primavera iô-iô ! Embrulhada em bandeira ! Ao alto hasteada e jamais arriada, como numa janela sempre aberta, juramentada, fiel bandeirante de mim mesma.

Venho de longe, tenho esperança, trago esperança, cor, calor, o odor de outra rosa-dos-ventos, coisas trazidas no coração bem embrulhadas e protegidas desta tão grande ilusão. Qual escapulário das únicas relíquias que me permitem ser consentidas.

Não, já não quero palavras, já não me iludem, nem contentam nem confortam as palavras, sou senhora de mim, de meus sentimentos e desejos.
Sou assim, pouco quero e menos espero.

Quando chegará a minha vez? Quando será? Qual será a minha bandeira ?

Não recordo de todo se chuviscava ou não, pareceu-me vê-la ir pela rua, chorando lágrimas de ouro, nem lembro o que na minha imaginação e mente se confundiu de todo, se pingos de chuva, se lágrimas choradas ou brotando das pedras da calçada.

E tanto que desejava meter música neste texto e não alvitro como !
Dedicar-lhe uma valsa, um bolero, um tango !

E que a pudéssemos ver caminhar entre duas alas de uma orquestra, em que trombones, clarinetes, clarins, saxofones, erguessem em sua homenagem um hino, um cântico !

E estalassem foguetes ! Miríades de luminosas cores a cobrissem como se de flores se tratasse ! E ela pudesse pisar pétalas de milhares de rosas vermelhas !

E repentinamente também eu me senti de longe, muito longe, sozinho com os meus pensamentos, e naquele mesmo momento, eu, que nem dançar sei, apeteceu-me convidá-la para dançar !

Ali mesmo!
Um corridinho, um fandango, um vira do Minho !
Vê-la sorrir !
Pegar-lhe nas mãos, enlaçá-la, e, qual violão, vê-la feliz !
Dançar ali mesmo, esquecendo as caras surpreendidas das gentes !
Fugazmente julguei divisar em ti um sorriso, e eras linda !

Nem sei para quê nem porque pensei avançar sabido que a minha condição e timidez me travariam o ímpeto.

Por isso ali fiquei especado, vendo-te caminhar, abalar-me.

Procuravas nos bolsos do blusão talvez um telemóvel, umas chaves, e eu, quedei-me aturdido, agitado e já saudoso, apiedado de mim, jamais esquecido de ti.



quinta-feira, 14 de abril de 2011

39 - ANJINHOS..............................................................


E vejam lá se não é verdade que, na generalidade, todos os romances, novelas e filmes acabam moralmente, ou acabam geralmente com um fim feliz, casados para sempre, sempre felizes.

O casamento como meta, como um fim em si e que quer homens quer mulheres perseguem avidamente, é, ou parece ser tudo que ambicionam. Na realidade era e continua sendo tudo que nos dizem, como se a nossa felicidade dependesse sobremaneira de tal facto e esse estado civil representasse, na nossa sociedade, senão o mínimo que deveremos ambicionar, pelo menos muito ou quase tudo.

Realmente a sociedade confina-nos, constrange-nos e educa-nos essencialmente nesse artifício, socializa-nos, molda-nos enquanto seus filhos e ninguém, nem ao menos os nossos pais nos alertam para diferentes e igualmente possíveis opções, diferentes é certo, mas com tantas vantagens e desvantagens quantas as que o casamento acarreta. Na verdade ninguém nos diz, ou disse alguma vez, poder ser tudo uma farsa enorme e institucionalizada a nível mundial ! Nem sequer tal hipótese nos é colocada e então, jovens e incautos… embarcamos com o rebanho na mesmíssima maneira de pensar, na adopção dos mesmíssimos valores, e, claro, na sujeição aos mesmos problemas, mas sejamos justos também nas mesmíssimas vantagens se as houver, ou se as houvesse.

Não recordo a Editora e como há um ano ou dois dei todos os livros, toda a biblioteca com estantes e tudo, é tarde para citações, mas procurem na net ou nos livreiros, a “História Do Casamento”, prometo-vos que encontrarão um livro super interessante, com a história do casamento desde os seus primórdios pré históricos, em que as mulheres se encarregavam de manter o fogo perene que afugentava as feras e grelhava os nacos de carne arrancados às carcaças de diversos animais, enquanto em simultâneo, como mães faziam pelos seus rebentos e pelos do clã, num maternalismo cooperativo e comum. E ainda arrebanhavam lenha e se ocupavam de outros pormenores. Era o tempo, ou foi o tempo das sociedades matriarcais, enquanto o homem caçava, agricultava, construía, desde instrumentos para a caça e pesca às rudimentares habitações e utensílios.

O sexo era mais livre por esses tempos que foi nas décadas de sessenta e setenta, a promiscuidade era uma questão de sobrevivência, os ciúmes ainda não tinham sido inventados nem causavam a catrefa de mal entendidos e desaguisados a que hoje estamos habituados. Todos eram filhos de todos, pais de todos, mães de todos, e, a crer na história viveriam relativamente felizes. Mas o aumento da população e do número de filhos de todos acarretou duvidas e questões novas, às quais havia que dar resposta, pelo que mais ou menos em meados ou finais da Idade Média, a Igreja, a única instituição com força, para não dizer a única de pé após as trevas originadas pela queda do Império Romano, e a única disseminada por todo o mundo ocidental, já então a parte do mundo que contava para alguma coisa pois o resto era selvajaria, falo do nosso ponto de vista claro.

            A Igreja ia eu dizendo, lembrou-se então de pôr mão e ordem na feliz rebaldaria vigente e daí até os padres e respectivas paróquias terem começado a efectuar um registo de quem era filho de quem e quem casado com quem foi um ar que lhes deu, e do púlpito, a pregação começou a ser outra, ameaçando com a ira de Deus quem não cumprisse, obrigando o rebanho a manter-se ordeiro no novo redil então construído, criado ou inventado. Foi assim mesmo, sem salamaleques nem paninhos quentes. Entre a plebe foi o acto do casamento institucionalizado pela igreja (acreditem, isto é história, não são tretas) pois já ninguém sabia de quem eram tantos filhos, tantos pais e tantas mães, tendo ao longo de séculos sido as populações instrumentalizadas, mentalizadas para esse estado civil superior, o dito casório, e do qual já quase ninguém hoje lembra ou conhece as origens.

Sim, as populações plebeias, nós os plebeus, aceitemos que o casamento enquanto tal era já anteriormente vivido ou praticado, mas somente entre as classes superiores, as ditas classes possidentes, realezas e senhores feudais, coroas e dinastias, por causa das heranças, fortunas, terras, e mesmo assim só o primogénito se safava com a herança, as mulheres seriam felizes se tivessem a sorte de casar bem, com linhagem, e era-lhes imprescindível levarem um bom dote ou não valiam nadinha, os filhos segundos iam para cardeais ou bispos ou membros da corte, com tenças e lugares importantes, bem pagos, com terras dadas pelo rei, os condados, e daí foi um passo até aos duques, barões e merdas do género (foge cão que te fazem barão, para onde ? se me fazem conde...). Olha hoje… 

Nunca o Zé-Povinho tinha sido tão feliz ! Até que o lixaram com o casamento, com a mulher única e a responsabilidade conjugal, com as ameaças de não ir para o paraíso, com a excomunhão e o tanas, enquanto os pregadores, de Monges a Cardeais e até Papas, se abotoavam com os melhores pedaços de mulherio que podiam, desde freiras a beatas !

até com as criancinhas quando calhava….

Tudo isto enquanto os mais exigentes mais intolerantes e moralistas mantinham amantes e rameiras, alcoviteiras e barregãs !

Tinham que viver a vidinha deles não era ?

E agora digam-me, para além do mito do amor e uma cabana, se os vossos papás e mamãs vos alertaram para alguns inconvenientes do casamento ?

Ou apenas vos quiseram longe de casa ?

Ver-se livres de vós ?

Falaram-vos de alguém mercê disso vos vir a esfolar vivos ?

Vos vir a tornar escravos ?

Escravos de uma casa, de um carro, de um qualquer ignóbil patrão, de um qualquer homem ou mulher menos dotado (a) de inteligência ? Dos filhos ?

Aposto que até vos pediram netinhos e netinhas !

Falaram-vos do desemprego? Da desvalorização da moeda? Da inflação ? Do lay off ? Do fim dos sonhos e das paixões ? Dos tachos padrinhos e cunhas ? Das crises permanentes ? Da água, da luz, do telefone, do gás ?

Da saúde ? Da educação ? Da justiça ? Da desigualdade ? Falaram-vos da prisão ? Da rotina ? Da quebra da novidade ? Da tentação ?

Aposto que não meus anjinhos, aposto que não ! 

Deus vos acuda….. !



segunda-feira, 11 de abril de 2011

38 - A SAUDADE, O DESEJO E A TUA AUSÊNCIA...




E quando a mente se queria libertar do pensamento que me oprime e tolda, eis que o dia surge baço, triste e chuvoso, quebrando-me a vontade de pelas estradas desvairar sem hora nem destino

Não quero pensar, custa-me pensar, dói-me pensar, por isso a tal me furto na vã ilusão de o conseguir

Não consigo

Pudera eu, mas não consigo

As ideias assaltam-me em catadupa entrechocando-se, cada uma exigindo primazia  atenção e dedicação exclusivas, e não consigo debruçar-me sobre absolutamente nada, sobre nenhuma delas, furtando-me às soluções que procuro e não alcanço, a sobressaltos nesta vidinha álacre mas rotineira, a esta alegre paz dos mortos que há tanto cultivo como se necessária, útil, essencial à vida, e não é

Não é, é erro e engano, viver não pode ser isto, decerto não é isto, pelo que, consciente da minha inconsciência e recusa de atenção aos tantos problemas e questões que em simultâneo me assaltam, sorrio, pela primeira vez sorrio e deixo andar, deixo para trás, o tempo que resolva esta minha impossibilidade, reservo-me gozar o momento e lembrar-te, a ti, cuja ausência me grita e me inquieta, tu, sim tu, a quem dei asas, aguardei planasses, por quem agora olho temerariamente os céus na incerteza do regresso, feliz por finalmente voares só, quebrados receios que não lembrara, antecipara, acautelara, como se o centro do mundo eu, e não sou, nunca fui, mas me julguei, tal o apreço que me votaste

Tomei então consciência da força em ti e da tua vontade

E quedei-me cônscio que tu és tu e eu sou eu, e jamais fomos ou seremos um só

Então, pela primeira vez lamentei não ter tido o que jamais pedira e tanto acabara desejando, quanto lamentei ter perdido o que vez nenhuma me pertencera e já dera como meu

Sim, o que jamais pedira ou vez alguma desejara, e se transmutara indelevelmente em algo que muito ambicionei e jamais tive, apesar assim o ter considerado, mas ao qual por direito algum que conscientemente possa arvorar a favor poderei por uma vez chamar ou dizer meu

E assim a saudade o desejo e a tua ausência em simultâneo evoluem num sonho lindo que alimento, mais acordado que dormindo, e me trazem encantado há tanto tempo, esquecido de tudo e de todos, e de mim, que me não penso, já que somente nesse sonho vertido em esperanças inverosímeis me é possível acalentar-te

Tão inverosímeis quanto o futuro que nos aguarda, quais castelos de nuvens engalanados de boas intenções e suspiros, e ais, e tu, e eu, em posições tais que o melhor é esquecer, não lembrar mas esquecer simplesmente que não podemos sequer augurar, sorrir, sorrir desta ironia que nos juntou sem juntar e contudo durante tanto tempo logrou enganar estas mentes ávidas, carentes, iludidas, sofridas, alienadas de si por vontade própria, agora cônscias de que contudo, todavia, valeu a pena esta impossibilidade…

...

terça-feira, 5 de abril de 2011

37 - DESCULPEM, TOMEM LÁ UM MANGUITO!!!


E agora que me cansei de aturar idiotas, tachistas, oportunistas, mentecaptos, sindicalistas, políticos e toda a tralha de inúteis que durante mais de trinta anos alimentei querem eleições ?
Agora que me tiraram os sonhos, a força e a vontade de fazer algo por pequeno que seja querem eleições ?
Desculpem mas tomem lá um manguito !
E os mesmos que me travaram e contiveram o ímpeto, os mesmos que, quais colaboracionistas se deram de braço dado aos mesmos que me tramaram a esperança, que me confundiram e usaram, agora querem eleições ?
E querem eleições os mesmos que me coarctaram direitos e ambições ? 
Que me deram uma Europa para que soubesse o tempo que faz em Kiev, Praga, Varsóvia, como se a Europa fosse isso e somente isso ?
Como se me revisse nessa Europa que os engordou enquanto em mim emulou os dias, os anos, toda uma vida ?
Não ! Desta vez não me enganarão !
Como há anos não me enganam mais, cansado de vós agiotas !
Agora sou livre !
E tornei-me aquilo que mais detestais !
Um corporativista, um fascista, um salazarista !
E espero ardentemente que um dia apareça um homem providencial, daqueles que ditosas pátrias só de cem em cem anos conhecem, para que o aplauda, para que o exalte, para que o sirva, para que seja o seu braço direito e faça por ele o que ele não puder, onde ele não chegar, porque sempre terá que haver mandantes e executores, e aí lhe provarei as minhas capacidades, o meu mérito, do que sou capaz, e por ele vos encostarei a uma parede, a muitas paredes, a milhares de paredes, e darei a ordem, e darei as ordens que vos metam finalmente na ordem, e faremos disto de novo uma nação, um só corpo, uma só vontade, e livrai-vos de recordar o vosso nome, o vosso rosto, porque farei listas, e vos mandarei buscar a casa, e nenhum de vós escapará, nenhum que tenha tido com a politica dos últimos trinta e oito anos alguma coisa por pequena que seja, e sereis de novo cordeirinhos, e sereis de novo bem mandados, e pensareis de novo antes de actuardes, e vereis de novo entre vós o mérito, e haverá empregos para todos e não só para alguns !
E teremos de novo uma frota pesqueira que nos orgulhe, uma agricultura que nos alimente, uma economia que a todos sirva e aguente, uma saúde preventiva e não este atamancar de soluções sem solução, e uma educação com gente que saiba, professores que saibam, e não esta tropa fandanga que nos enche escolas e ministérios e se aboleta que nem porcos em quartéis !
E seremos de novo um povo orgulhoso dos seus feitos e das suas contas pagas a tempo e horas, das suas famílias numerosas e felizes, e não veremos miséria, nem fome, nem fartar a uns o que faz falta a outros, e a solidariedade será uma palavra honrada, mesmo que para isso, valas e valas tenham que ser cheias e tapadas, balas desperdiçadas, cordas em árvores dependuradas, cabeças cortadas, o mal cortado pela raiz.
Meditai, meditai e dizei-me o que pensais, e acompanhai-me, ajudai-me, ajudemo-nos a alijar esta canga que nos puseram em cima, com que nos submetem e cavalgam, submissos e envergonhados.
Levantai-vos portugueses !!!!
Levantai-vos heróis do mar !
Levantai-vos nação valente e imortal !!!!!
Erguei-vos de novo minha gente e pisai com força a cabeça á serpente !

segunda-feira, 28 de março de 2011

36 - PROJECTOS DE VIDA, SONHOS...


Caminhávamos e falávamos em surdina, ombro a ombro.
 - Tu sonhas-te, mas não te sonhas envolta na tristeza dos dias que te maceraram o espírito inquietando-te o futuro. Sei que não. 
Sonhas-te uma dádiva de entrega e partilha. Aprendeste há muito, como eu aprendi, que o mundo não é de cada um de nós, que o mundo é grande, que o mundo somos todos. 
Apraz-me saber que a dor que te crestou o passado não te diminuiu a esperança, sim, a esperança, essa ultima meta que desejamos atingir sem que nunca percamos de vista e que mesmo após cumprida, queremos sempre mais longe e à qual tornamos a cada dia a fasquia mais alta, para que nunca se perca, para que jamais deixemos de a ter como fim, como meta, como alvo, como uma razão de vida, e, nisso já serás mestra.
 - Tens razão sim, sei que sim. - A dor e o sofrimento passados não te roubaram a esperança, deram-te alento, o alento do qual todos deveríamos fazer uma bandeira, um estandarte de luta pelo cumprimento de nós, dos ideais que nos animam, de projectos e até de ilusões.
Ah ! Ilusões ! 
Quantas sofrestes e te marcaram os dias ou inquietaram as noites ?
 - E quem não as tem ou não teve ? 
A arte é sobreviver-lhes, aprender com elas, usá-las em proveito próprio para que os ensinamentos delas retirados nos fortaleçam. Aprender custa, e nem sempre somente tempo ou dinheiro. As maiores lições das nossas vidas, quantas vezes não são pagas com lágrimas e sangue ? 
Frustrações, desilusões, sonhos desfeitos ? 
E o mundo não pára, trucida e nunca pára, não nos deixemos soçobrar, façamos com que o que nos não mata nos torne mais fortes. Resistamos, seguremos com esperança a esperança, quantas vezes ela a única mão amiga que nos resta e à qual nos agarramos, não com o desespero que nos tomba mas com o ímpeto que impele à vida, ao futuro, à superação.
 – Exacto ! Palavra-chave essa, superação, da dor, do sofrimento, das mágoas e traumas com que os desaires da vida e desilusões nos confrontam. Ergamo-nos a cada queda, esperançosas, lancemos mão de novo vigor e atitude perante as experiências com que a vida nos confronta.
 – Tal e qual, acreditemos que há sempre algo ou alguém que partilhou vivências idênticas, dores mesmas, e estará disposto e precisado igualmente de mão amiga, compreensão no sofrimento e entreajuda na empatia tão exigida como imperiosa para o levantar do chão e fazer frente à vida rumo a novos ideais.
 – Adoro-te, ao ouvir-te acredito que nunca estamos sós, nunca estaremos tão sós como quando numa concha pseudo protectora nos isolarmos do mundo que nos rodeia, dos demais.
 - Afinal entendes-me, não por acaso o “homem” é um animal social, cujo ideal de convivência é o clã, as interligações pessoais, não fora assim e há muito a humanidade se extinguira, de tédio, na incapacidade de juntos construirmos o devir, teria sucumbido no confronto ás adversidades sempre presentes e sempre constantes, ou, em último grau, num manifesto desinteresse na reprodução da espécie. 
Abraçados caminhámos sem rumo nem tempo, e, sem sabermos como nos vimos, nesse entardecer de fim de verão, passeando neste bosque que, do Convento dos frades cartuxos leva ao cabeço de S, Gens, local e mirante de onde a vista abarca toda a cidade. Subimos a encosta de mãos dadas, sorrindo, gracejando, amparando-nos mutuamente como se toda a vida estivesse à nossa frente e dependente deste apoio, destes sorrisos e graças. Do cimo contemplámos as luzes da cidade que, alternadamente, se iam acendendo nos vários bairros visíveis, como estrelas coloridas numa noite de fogachos de artifício.
Lembro que, no alto, ao lusco-fusco do entardecer, uma brisa soprava indolente, e tu, que somente envergavas leve blusa plissada, sentiste o ar frio roçar-te a pele sedosa como quem te afaga levemente, e, aproveitando os meus braços estendidos, tentando abarcar toda a cidade visível, terna e meiga neles te acolheste, pareceu-me assim desejares ficar eternamente.
Senti em ti o tremor frio que te arrepiava os braços nus, o calor das coxas que contra mim comprimias na busca da excitação do meu corpo, que somente o rubor no rosto denunciava, mas que, mordido pela sombra do anoitecer, eu escondia.
Docemente, levado pelo odor que de ti emanava, mordisquei-te a orelha, rocei na maciez da tua face a minha face e, quando já nem ouvia os murmúrios exalados pelos teus lábios vermelhos de cor e tensão, aceitei a boca que me oferecias procurando com a língua a tua língua cuja ânsia e avidez denunciavam quanta estabilidade paz e amor sonhavas.
Na tontura do mesmo abraço senti hirtos os bicos dos teus seios, e, não sabendo se do frio se de tanta ternura derramada nessa noite de ilusão, contra mim te apertei e acariciei até que, os caracóis dourados do teu cabelo, que a noite entretanto derramada transformara em véu de odalisca, na minha barba há muito escanhoada se prenderam.
No tempo suspenso do infinito nos quedámos e, sob a protecção da miríade de estrelas com que o universo nessa noite nos prendou, um no outro nos acolhemos até que, as ilusões de ambos separar-nos se negaram, nuvem alva nos envolveu e, se numa alvorada fresca do fim do verão observarmos, ver-nos-emos decerto na aurora dos dias, sobre a névoa matinal, fugindo ao sol que desponta, nessa nuvem ténue e imperceptível em que nos acolhemos, eternizando ilusões e sonhos, a qual recusamos há séculos abandonar, recolhidos no último reduto e promessa das vidas impossíveis de cumprir neste mundo em que, lógica e racionalidade respondem por todos os pecados, atrocidades e males de que apesar da tentação nos desviamos mas onde jamais deixaremos de cair.....