A hora era tardia mas seria antes a escuridão
precoce a tornar a tarde fria. Vi-a na saída
do híper, triste, bonita, os cabelos lindos, bem tratados,
contrastando com a tristeza espelhada, cavada no rosto de bronze, como quem
carrega dentro as culpas de um mundo tão feio quanto o podemos saber, chorosa,
ou quase, mas emanando candura, meiguice e doçura impares.
Ameaçava
chover e ela ter vindo de longe, talvez trazida pelo vento que, mesmo brando,
soprava sempre no Outono.
Perguntei-me o
que levaria no coração e quedei-me, imaginando-a, forçando a sua mente,
tentando adivinhá-la e senti ter vindo de longe, de muito longe.
- Sim, é
verdade amigo, comigo, uma oração, uma prece carregada desde o fim do mundo, desde
essa longínqua partida até hoje, até aqui.
Busco, já não
resignada ou magoada porque, dentro de mim outra dimensão, do tamanho do mar,
outra largura de horizontes, paisagens, praias, rios, ares. Resisto e medito,
mais que minhas forças consentem.
Sonho um país
encantado, venho de longe, de muito longe.
Aprendi que
não se pode ter o mundo, não se pode ter tudo, não se pode ter nada. Somente
persigo a esperança, a esperança !
Levanto-me e
caio, levanto-me e caio, e levanto-me sempre, como a Lua, como a Lua, que pena,
que pena.
Quando chegará
a minha vez, quando chegará ? Quando será ? Quando será ? Quando chegará a
Primavera ? Sim ! Busco a
Primavera !
A minha vida é
um iô-iô ! Subindo e descendo, indo e vindo, sim !
Cuidado !
Minha vida é um iô-iô !
Vim em busca
da Primavera iô-iô ! Embrulhada em bandeira ! Ao alto hasteada e jamais
arriada, como numa janela sempre aberta, juramentada, fiel bandeirante de mim
mesma.
Venho de
longe, tenho esperança, trago esperança, cor, calor, o odor de outra
rosa-dos-ventos, coisas trazidas no coração bem embrulhadas e protegidas desta
tão grande ilusão. Qual escapulário das únicas relíquias que me permitem ser
consentidas.
Não, já não
quero palavras, já não me iludem, nem contentam nem confortam as palavras, sou
senhora de mim, de meus sentimentos e desejos.
Sou assim,
pouco quero e menos espero.
Quando chegará
a minha vez? Quando será? Qual será a minha bandeira ?
Não recordo
de todo se chuviscava ou não, pareceu-me vê-la ir pela rua, chorando lágrimas
de ouro, nem lembro o que na minha imaginação e mente se confundiu de todo, se
pingos de chuva, se lágrimas choradas ou brotando das pedras da calçada.
E tanto que
desejava meter música neste texto e não alvitro como !
Dedicar-lhe
uma valsa, um bolero, um tango !
E que a
pudéssemos ver caminhar entre duas alas de uma orquestra, em que trombones,
clarinetes, clarins, saxofones, erguessem em sua homenagem um hino, um cântico !
E estalassem
foguetes ! Miríades de luminosas cores a cobrissem como se de flores se
tratasse ! E ela pudesse pisar pétalas de milhares de rosas vermelhas !
E
repentinamente também eu me senti de longe, muito longe, sozinho com os meus
pensamentos, e naquele mesmo momento, eu, que nem dançar sei, apeteceu-me
convidá-la para dançar !
Ali mesmo!
Um corridinho,
um fandango, um vira do Minho !
Vê-la sorrir !
Pegar-lhe nas
mãos, enlaçá-la, e, qual violão, vê-la feliz !
Dançar ali
mesmo, esquecendo as caras surpreendidas das gentes !
Fugazmente
julguei divisar em ti um sorriso, e eras linda !
Nem sei para
quê nem porque pensei avançar sabido que a minha condição e timidez me
travariam o ímpeto.
Por isso ali
fiquei especado, vendo-te caminhar, abalar-me.
Procuravas nos
bolsos do blusão talvez um telemóvel, umas chaves, e eu, quedei-me aturdido,
agitado e já saudoso, apiedado de mim, jamais esquecido de ti.