E quando a mente se queria libertar do pensamento que
me oprime e tolda, eis que o dia surge baço, triste e chuvoso, quebrando-me a
vontade de pelas estradas desvairar sem hora nem destino
Não quero pensar, custa-me pensar, dói-me pensar, por
isso a tal me furto na vã ilusão de o conseguir
Não consigo
Pudera eu, mas não consigo
As ideias assaltam-me em catadupa entrechocando-se,
cada uma exigindo primazia atenção e dedicação exclusivas, e não consigo
debruçar-me sobre absolutamente nada, sobre nenhuma delas, furtando-me às
soluções que procuro e não alcanço, a sobressaltos nesta vidinha álacre mas
rotineira, a esta alegre paz dos mortos que há tanto cultivo como se
necessária, útil, essencial à vida, e não é
Não é, é erro e engano, viver não pode ser isto,
decerto não é isto, pelo que, consciente da minha inconsciência e recusa de
atenção aos tantos problemas e questões que em simultâneo me assaltam, sorrio,
pela primeira vez sorrio e deixo andar, deixo para trás, o tempo que resolva
esta minha impossibilidade, reservo-me gozar o momento e lembrar-te, a ti, cuja
ausência me grita e me inquieta, tu, sim tu, a quem dei asas, aguardei
planasses, por quem agora olho temerariamente os céus na incerteza do regresso, feliz por finalmente voares só, quebrados receios que não lembrara,
antecipara, acautelara, como se o centro do mundo eu, e não sou, nunca fui,
mas me julguei, tal o apreço que me votaste
Tomei então consciência da força em ti e da tua
vontade
E quedei-me cônscio que tu és tu e eu sou eu, e
jamais fomos ou seremos um só
Então, pela primeira vez lamentei não ter tido o que
jamais pedira e tanto acabara desejando, quanto lamentei ter perdido o que vez
nenhuma me pertencera e já dera como meu
Sim, o que jamais pedira ou vez alguma desejara, e se
transmutara indelevelmente em algo que muito ambicionei e jamais tive, apesar assim o ter considerado, mas ao qual por direito algum que conscientemente
possa arvorar a favor poderei por uma vez chamar ou dizer meu
E assim a saudade o desejo e a tua ausência em
simultâneo evoluem num sonho lindo que alimento, mais acordado que dormindo, e
me trazem encantado há tanto tempo, esquecido de tudo e de todos, e de mim, que
me não penso, já que somente nesse sonho vertido em esperanças inverosímeis me
é possível acalentar-te
Tão inverosímeis quanto o futuro que nos aguarda,
quais castelos de nuvens engalanados de boas intenções e suspiros, e ais, e tu,
e eu, em posições tais que o melhor é esquecer, não lembrar mas esquecer
simplesmente que não podemos sequer augurar, sorrir, sorrir desta ironia que
nos juntou sem juntar e contudo durante tanto tempo logrou enganar estas mentes
ávidas, carentes, iludidas, sofridas, alienadas de si por vontade própria,
agora cônscias de que contudo, todavia, valeu a pena esta impossibilidade…
...