Caminhávamos e falávamos em surdina, ombro a ombro.
-
Tu sonhas-te, mas não te sonhas envolta na tristeza dos dias que te maceraram o
espírito inquietando-te o futuro. Sei que não.
Sonhas-te uma dádiva de entrega
e partilha. Aprendeste há muito, como eu aprendi, que o mundo não é de cada um
de nós, que o mundo é grande, que o mundo somos todos.
Apraz-me saber que a dor
que te crestou o passado não te diminuiu a esperança, sim, a esperança, essa
ultima meta que desejamos atingir sem que nunca percamos de vista e que mesmo
após cumprida, queremos sempre mais longe e à qual tornamos a cada dia a
fasquia mais alta, para que nunca se perca, para que jamais deixemos de a ter
como fim, como meta, como alvo, como uma razão de vida, e, nisso já serás
mestra.
- Tens razão sim, sei que sim. - A dor e o sofrimento passados não te
roubaram a esperança, deram-te alento, o alento do qual todos deveríamos fazer
uma bandeira, um estandarte de luta pelo cumprimento de nós, dos ideais que nos
animam, de projectos e até de ilusões.
Ah ! Ilusões !
Quantas sofrestes e te marcaram os
dias ou inquietaram as noites ?
- E quem não as tem ou não teve ?
A arte é
sobreviver-lhes, aprender com elas, usá-las em proveito próprio para que os
ensinamentos delas retirados nos fortaleçam. Aprender custa, e nem sempre somente
tempo ou dinheiro. As maiores lições das nossas vidas, quantas vezes não são
pagas com lágrimas e sangue ?
Frustrações, desilusões, sonhos desfeitos ?
E o
mundo não pára, trucida e nunca pára, não nos deixemos soçobrar, façamos com
que o que nos não mata nos torne mais fortes. Resistamos, seguremos com
esperança a esperança, quantas vezes ela a única mão amiga que nos resta e à
qual nos agarramos, não com o desespero que nos tomba mas com o ímpeto que
impele à vida, ao futuro, à superação.
– Exacto ! Palavra-chave essa,
superação, da dor, do sofrimento, das mágoas e traumas com que os desaires da
vida e desilusões nos confrontam. Ergamo-nos a cada queda, esperançosas,
lancemos mão de novo vigor e atitude perante as experiências com que a vida nos
confronta.
– Tal e qual, acreditemos que há sempre algo ou alguém que partilhou
vivências idênticas, dores mesmas, e estará disposto e precisado igualmente de
mão amiga, compreensão no sofrimento e entreajuda na empatia tão exigida como
imperiosa para o levantar do chão e fazer frente à vida rumo a novos ideais.
–
Adoro-te, ao ouvir-te acredito que nunca estamos sós, nunca estaremos tão sós
como quando numa concha pseudo protectora nos isolarmos do mundo que nos
rodeia, dos demais.
- Afinal entendes-me, não por acaso o “homem” é um animal
social, cujo ideal de convivência é o clã, as interligações pessoais, não fora
assim e há muito a humanidade se extinguira, de tédio, na incapacidade de
juntos construirmos o devir, teria sucumbido no confronto ás adversidades
sempre presentes e sempre constantes, ou, em último grau, num manifesto
desinteresse na reprodução da espécie.
Abraçados caminhámos sem rumo nem tempo,
e, sem sabermos como nos vimos, nesse entardecer de fim de verão, passeando
neste bosque que, do Convento dos frades cartuxos leva ao cabeço de S, Gens,
local e mirante de onde a vista abarca toda a cidade. Subimos a encosta de mãos
dadas, sorrindo, gracejando, amparando-nos mutuamente como se toda a vida
estivesse à nossa frente e dependente deste apoio, destes sorrisos e graças. Do
cimo contemplámos as luzes da cidade que, alternadamente, se iam acendendo nos
vários bairros visíveis, como estrelas coloridas numa noite de fogachos de
artifício.
Lembro que, no alto, ao lusco-fusco do entardecer,
uma brisa soprava indolente, e tu, que somente envergavas leve blusa plissada,
sentiste o ar frio roçar-te a pele sedosa como quem te afaga levemente, e,
aproveitando os meus braços estendidos, tentando abarcar toda a cidade visível,
terna e meiga neles te acolheste, pareceu-me assim desejares ficar eternamente.
Senti em ti o tremor frio que te arrepiava os braços
nus, o calor das coxas que contra mim comprimias na busca da excitação do meu
corpo, que somente o rubor no rosto denunciava, mas que, mordido pela sombra do
anoitecer, eu escondia.
Docemente, levado pelo odor que de ti emanava,
mordisquei-te a orelha, rocei na maciez da tua face a minha face e, quando já
nem ouvia os murmúrios exalados pelos teus lábios vermelhos de cor e tensão,
aceitei a boca que me oferecias procurando com a língua a tua língua cuja ânsia
e avidez denunciavam quanta estabilidade paz e amor sonhavas.
Na tontura do mesmo abraço senti hirtos os bicos dos
teus seios, e, não sabendo se do frio se de tanta ternura derramada nessa noite
de ilusão, contra mim te apertei e acariciei até que, os caracóis dourados do
teu cabelo, que a noite entretanto derramada transformara em véu de odalisca,
na minha barba há muito escanhoada se prenderam.
No tempo suspenso do infinito nos quedámos e, sob a
protecção da miríade de estrelas com que o universo nessa noite nos prendou, um
no outro nos acolhemos até que, as ilusões de ambos separar-nos se negaram,
nuvem alva nos envolveu e, se numa alvorada fresca do fim do verão observarmos,
ver-nos-emos decerto na aurora dos dias, sobre a névoa matinal, fugindo ao sol
que desponta, nessa nuvem ténue e imperceptível em que nos acolhemos,
eternizando ilusões e sonhos, a qual recusamos há séculos abandonar, recolhidos
no último reduto e promessa das vidas impossíveis de cumprir neste mundo em
que, lógica e racionalidade respondem por todos os pecados, atrocidades e males
de que apesar da tentação nos desviamos mas onde jamais deixaremos de cair.....