sexta-feira, 3 de junho de 2011

54 - AQUELA LINDA PEDRADA . . .




Que noite esta de estrelas suaves e suave amanhecer…

Em que desfraldo estandartes largo foguetes, grinaldas…
Que sonho este meu Deus!

Violas, luzes, caleidoscópios, astrolábios, que céu meu Deus esta noite!

E que colorido está!
Só me apetece cantar!
Eu sou aquele voando !!!! Eu sou este aqui sonhando!!!!!

Sou doidão famoso adejando como pena sobre nuvens de marijuana...

Singra-me a alma os oceanos, enfunam-se-me as velas de desejos recalcados, me sussurram os ventos aos ouvidos que este sonhado mar é pr’abraçar e nele me extraviar envolto em espuma brilhante, porque tem nas suas águas, saudades dos dias passados, um berço de prata e ouro, alento de me e te querer, pois numa guitarra eu te ouço, teu nome ela me cicia e grita, sibila e chora em expiação...

Que festa!
Chama-me querido, guapo!
Ai que me escapo e te trinco!

Maria juana mari juana, p'ra libertar-me e pensar, p’ra me enamorar outra vez!

Porque hoje não caibo em mim!

E como atleta corro, corro a milha e só então em mim reparo, aberta a braguilha!

Ah! Que falta de decoro e de atenção!

Noite de suspiros e ais, logo abotoo-o... o coração, perco a saudade esquecida, tomo nas mãos esta guitarra, dedilho brisa suave, de amor e de chamamento, por baixo da noite estrelada percebendo nesta pedrada com que Orfeu me inspirou, uma madrugada feita e a garganta a arranhar de tanto que te cantei até teu mar me inundar.

E só de mim olvidado, solto, nesta sangria me banho, e invento uma anedota dando por mim em pelota... kkkkkkkkkkkkkk !!!!

Tira-me agora o retrato que estou sem nenhum fato olhando as águas do mar e, como sempre quando sonho, és tu que vejo a meu lado, e já não desesperado, inventando o que Abril esqueceu, crio tal impulso e volúpia, vindos do fundo de ti, que não crendo estar neste mundo e por muito que o não queira, esqueço o refrão de entrudos!

Um dó li tá! Quem está livre livre está!
Salto à corda, brinco à cabra cega, ai!
Meu Deus que sensação!
Isto não tem princípio nem fim!

Não quero cavalo nem haxe, quero um toco de mari juana, quero voar outra vez, quero sonhar-te de novo, quero ir p’ra diante morena, com pica me mortifico, morena de chocolate, coisa doce que me tentas…

Ah! Segura-me e agarra-me! Que lindo bolero me cantas!
Mari juana mari juana!

E corro para a praia exausto, para comprar gelado mágico, de arco-íris, e Osíris, de Oruz, Ramsés e Cleópatra, e em sanha, afogueado, pelas avenidas corro, assustando desvairando miúdas desprevenidas, mas nada, nada do glacial sorvete, sendo então que, estarrecido, como um cão atrás da lua, deliro, vogo no ar, não sabendo que dizer…

Cheguei ou estou a abalando?

Somente fúrias não sinto, e só lembro teres prometido que serias minha um dia, e eu aqui, enublado, sem achar-te a ti nem num fado!

Então, sinto-me claramente, tão claramente embevecido, ir ao fim do mundo e voltar!

Tudo apenas num segundo!

É de pasmar!

E, coisa que nunca vi, já não entendo o que aprendi, nem os feitiços da lua, atónitos pendões da alma, mas, milagre dos milagres, vejo o medo a fugir célere, correndo…..  

E eu álacre sorrindo!

E p’ra mais nada me dá, que lembrar-te a ti viola, violinha, violão, e o meu corpo em alvoroço, e o meu amar não se acalma!

Que noite de estrelas suaves e suave amanhecer…

Que sonho este meu Deus!
Aqui voando e sonhando!

Uma coisa sei ao certo não saber, por que não estás aqui perto, e que esta dor não se me acalma, e logo hoje que minha alma se soltou…

Ai meu Deus!
Hoje é que estava escrito meu Deus!
Ai meu amor se assim fosse!
Agarrava-te, abraçava-te, Ai meu amor se assim fosse!
Ai! Meu Deus que noite esta!

Conquistado, apaixonado, seduzido, nesta noitada perdido, que me abraces docemente, me segredes insolentes baboseiras, e, sedutora, faz-me bobo, torna obsceno e um alegre sileno, pois que, petulante e bem alto voando, não é que vejo, insolente, toda a cidade em sobressalto!

Ave César! Ave Fausto !

Torna-me a alma á terra de mansinho, e num remanso de cansaço, torno a mim e a ti abraço, c’a noite, o sonho e o delírio chegando ao fim, nesse amplexo...  


                         

terça-feira, 31 de maio de 2011

53 - CHEIRAR A RIO, OU A MAR…




Por isso a sonhei percebes?

Certo, desta vez não me bateu com os punhos fechados no peito como quando zangada sempre fazia.

Então, segurava-a até que acalmada  a enlaçava pela cintura e, porque leve, depositava-a naquele colchão de praia já velhinho, como se de oferenda a uma divindade se tratasse.

Ela, como uma pena, pendurava-se-me do pescoço e sorria-me com um ar matreiro de menina má, fingindo ignorar o que se seguiria e se tornara já mais que um hábito, uma dependência mútua, um vício.

Quando jovem, muitas vezes acompanhei meu “afô” Nuno em pescarias na ribeira do Guadiana.

Nesse tempo, e muito cedo apesar de verão, por cima das águas uma neblina leve e fina que me inebriava, pois nela latente o cheiro a rio, inexplicavelmente um cheiro a mar, uma névoa humedecendo-me as roupas, que se me colavam ao corpo como se hoje, no velho colchão, da primeira vez com ela, e em que eu, qual criança entretida com brinquedo novo, visivelmente excitado, suava abundantemente o prazer que nos colava os corpos e de cujo som quando nos libertavamos ríamos.

Vem desde aí a história do pedestal percebes-me ?

O amá-la como viciado percebes ?

Era cativante, metia-lhe os dedos em pente pelo cabelo macio, e vibrava com isso, ela e eu, mordiscando-lhe a nuca, segurando-a pelos peitos hirtos que me enchiam as mãos e a mente de remoinhos junto aos quais gostava de pescar, porque na confluência das águas estreitando para a azenha se juntavam cardumes como atraídos por íman gigante.

Vinha da pesca como vinha do colchão, cansado mas eufórico, realizado mas sedento, perguntando a cada minuto ao “afô” Nuno quando voltaríamos, se num dos muitos e pródigos feriados que ela, à força, arrancava à vida.
Ainda recordo a primeira vez que a vi e me estendeu as mãos macias como pele de pêssego, era um dia de sol, um dia em que, embora a esperasse, me encontrava imbuído de uma melancolia inconformada em que nunca me vira, nem tão ansioso nem tão iludido e, talvez por isso não tivesse sido, ou melhor conseguido, e me rendi à evidência de que até nos momentos de maior glória a ansiedade nos molda e inibe, nos tolda e confunde, nos marca e melindra.

São estórias do que devia ter sido e não foi, pois que embora os corações batendo em uníssono, ficámos tão atrapalhados quão insatisfeitos e eu, até aí tão confiante, jamais acreditei nos baralhos de cartas nem nos seixos dos rios, nas borras do café ou na leitura dos búzios, ciente de me enganar a mim mesmo e estar a fazê-lo, p’lo que nunca mais aconteceu um revés assim e, tão sofrida ela ficou que nem reparou no meu destino, escondido nas palmas destas mãos fechadas e lisas, e me perdoou o desaire que não se repetiu e me deixou rendido à sua bondade e beleza.

Neste caso, quisemos nós voltar a repetir uma e outra vez e tantas quantas estrelas tem o céu, pelo que o saldo está ainda por apurar e nós a haver o que de melhor cada um tem para o outro e que jamais se acabará nesta vida ou nas futuras, pois ambos sabemos não ser deste mundo este imenso querer irreverente e louco que, por muito que tentemos, saberá sempre a tão pouco.

Por isso a sonhei percebes ?

Verdade que não cerrou os punhos e me bateu no peito como quando zangada me fazia, verdade que ainda não fugiu entendes-me ?

Mas virá o dia em que não mais que sonhos, não mais que impossíveis e eu, que julgara nesse dia realizar pescaria pródiga, assistirei ao passar lancinante dos minutos, das horas, dilacerado p’la desilusão, toldado por uma frustração que nunca digerirei...  deixando meu “afô” Nuno carregar-me as canas e as mágoas, ciente de que só eu contava num mundo que nunca achei justo.

Aprendia a ser, a ter, e a perder o que de mais raro existe e do qual a ideia de posse é tão imprecisa quanto as distancias calculadas a olho, os sentimentos a peso, as dores ao metro ou o bem-querer ao litro.

Há muito meu “afô” Nuno me deixou, com amor o recordo, e com pena o lembro.
E recordo quanto me ensinou sobre o ser e não ser e o quanto hoje sou, graças a ele.
Lembro quanto me ditou sobre o ter e não ter, o que é nosso e não é, o quanto devemos dar e podemos exigir.
A ele devo este coração enorme que me anima, esta tolerância que cultivo, tanta placidez quanta conheceis em mim.

É por isso que, tu, menina má de cabelos macios, pele de pêssego e beleza infinda, sabei que és um sonho sonhado e repetido que de tanto o ser me foi, é, e será sempre mui querido...


sexta-feira, 27 de maio de 2011

52 - VERDADE OU CONSEQUÊNCIA?


Em abono da verdade o meu casamento não terminou agora.

Terá acabado algures em finais da década de oitenta quando, na véspera de uma viagem que a afastaria de casa por uns dias, colocava-mos a “escrita em dia” e ela, compenetrada da solenidade e importância do momento, olhos fixos no tecto enquanto eu numa arrancada final me esforçava por atingir as cem elevações por minuto e num sussurro extasiante vindo dela, um murmúrio, me alertava para o facto de não poder esquecer os saldos do StockMarket …

Jamais tive duvidas de que terá sido esse o exacto momento em que a rotina se instalou insidiosa, e aquele em que a partir do qual aleatoriamente fui aceitando o que se me oferecia, e descobrindo que a riqueza da diversidade era infinita como Darwin apostrofara séculos atrás, momento a partir do qual por mais que mo jurassem não acreditaria haver duas mulheres iguais.

E não há, como posteriormente tive oportunidade de confirmar.

Mesmo estiolado o rotineiro casamento aguentou-se por mais uma década, responsabilidades para com filhos e sua formação e emancipação, outras dificuldades logísticas e práticas, o meu comodismo quanto a cama mesa e roupa lavada, só entendi então quanto todos somos comodistas e conservadores, até nos hábitos mais comezinhos… mas também o meu sentido ético diga-se… se um homem se mete nelas é para as aguentar até ao fim, a honra assim o exige !

Mesmo que não tenha casado por igreja nem pronunciado alguma vez o fatídico “até que a morte nos separe”.

Uma ou outra vez fui apanhado em falso, sublinho em falso, com pretensas conquistas, não o eram, e como tal nada houve que o provasse. Tratara-se apenas de amizades que nem convenceram nem floresceram mas causaram agitação na família, eu diria que uma pitada de pimenta no nariz de um defunto que, descontados os espirros do momento, logo voltaria à sua rotineira letargia.

Mas com isso aprendi, aprendi quanto fui e ainda hoje sou torto, já que irritado pelas carecas descobertas, jurei a mim mesmo que se eu não me podia gozar das prebendas da natureza, também ninguém se gozaria das minhas, tendo dado início a uma exemplar vida de eremita e abstinente que nem o melhor padre vez alguma cumpriria…

Armado em paternalista (sempre o fui, sempre me fodi com isso e nem mesmo assim aprendi a lição) fiz varias tentativas para sair de casa e deixar todo o espólio material dos anos partilhados.

Quanto menos tivermos mais fácil se tornará a mobilidade e jamais voltarei a cair no erro de juntar mais que meia dúzia de livros, de CD’s, pares de meias cuecas camisas e calças.

Tudo que não caiba na bagageira de um carro é excesso, e cada vez mais me convenço disso, pelo que com o tempo fui abandonando um natural cariz materialista que a todos mais ou menos domina e me fui tornando tão espartano de hábitos e exigências, quão estóico na capacidade de sobreviver com meios limitados e em condições adversas.

Sair de casa era portanto a solução…

Procurei saídas, mas uma delas, num segundo andar da periferia e sem elevador não augurava nada de bom para mim, já ultrapassados os quarentas, ainda se ela fosse enfermeira... mas não era.

Outra não tive a menor duvida quanto a uma boa localização e centralidade, contudo a inexistência de uma garagem deitou por terra todas as minhas aspirações, não podia dar-me ao luxo de deixar a moto na rua, e onde guardar os capacetes e os fatos de cabedal ?

Uma terceira era, ou teria sido o paraíso, uma quinta no campo, espaços verdes, ambiente natural, ar puro, comunhão com a natureza, enfim, o único senão era o acesso, que obrigava a percorrer perto de dois ou três quilómetros numa estrada de terra recheada de covas e buracos, terríveis para mim que não tenho um jeep 4x4 mas sim um baixíssimo convertível, tão baixo como qualquer outro desportivo.

Ela recusou-se a dar trato à estrada e eu recusei juntar os trapinhos, um homem tem que acautelar determinadas situações, à primeira cai qualquer um, à segunda só cai quem quer né ?

Posto isto ainda estou com o dilema por resolver, e, como dizem, passando por um mau bocado, e precisando de um tempo… Uma situação complicada... 

                     Percebem não percebem ? …

segunda-feira, 23 de maio de 2011

51 – MONSARAZ, UM HOMEM E UMA MULHER...



Com ou sem razão, verão como a ela devo tanta da felicidade de que hoje desfruto, mau grado a avalanche de problemas com que, como qualquer de vós me deparo, uma coisa não faço, acumular, arranjar ou tornar problema qualquer coisa que racionalmente possa ser resolvida. Razão tinha uma ciganita que há cinquenta e alguns anos me leu a sina;

 

- Deixa lá, o que interessa está para vir, não te aconteceu ainda, não te preocupes pois com o que foi, não tem qualquer importância, repara nesta linha da tua mão, vida e amor a perder de vista !


Sortudo !

Passa para cá não uma mas duas moedas !

E vai contente !

O futuro é contigo  !

 

Tudo que agora rememoro começou com uma subida que um dia, há muito muito tempo me levou ao varandil, como ainda hoje é chamado aquele lugar encantado que cobre a cisterna de Monsaraz, terra onde nasci e onde vivi estórias prenhes de ventura. Meditando acudiram-me à memória esses tempos de adolescente, em que, nesse terraço mas num outro mundo diria, tive a minha maravilhosa experiência de iniciação.

 

Daquela aldeia/vila sou natural, ali passei nesse tempo e num mundo encantado muitas férias estivais quando rapaz, ali deixei gravadas no xisto rude das pedras, paixões e recordações vividas em dias de festa, ou não, a que junto as lembranças de umas quantas gasosas e outros tantos pirolitos. Nas noites de luar e frescas todo o mundo buscava o varandil, dali se avistavam, e avistam, terras de Espanha e Portugal. Badajoz e Elvas, contam-se entre elas e todas as que a nossa vista dali consegue alcançar, agora com a moldura enriquecida pelo espelho das águas reflectidas do lago de Alqueva me lembram um conto de fadas.

 

Pensando numa dessas noites encantadas senti recuar no tempo até aos meus doze, treze ou quinze anos. Entre muitas outras, grata me é a recordação de uma boneca loura, de tranças até à cintura, e por mor de quem aprendi toda a catequese. Por mor dela ganhei também, a paciência e o coração que tenho hoje, grande, enorme, capaz de albergar toda a gente. Tudo porque a ela devo ter-me aberto os olhos para a amizade, o amor, a dádiva, a entrega, a solidariedade, a comunhão, coisas em que pacientemente me iniciou, ela, que a menarca tornara mulher de um dia para o outro, a mim, adolescente imberbe e tímido, confesso devedor eterno da sua sabedoria.

 

Com ela tudo que havia a aprender aprendi, a suavidade no trato e nos gestos, postura e compostura, o comedimento nas palavras, a diplomacia do contacto, o cavalheirismo, a etiqueta para com o sexo oposto, pois que, como me dizia, os géneros eram três, a saber; masculino, feminino, e as mulheres, pelo que havia que ter sempre em conta que essa coisa que ainda hoje dá pelo nome de gramática, era manifestamente insuficiente para regular as relações entre as espécies. Hoje tudo isto parece inconcebível, hoje, que tantos advogam o contrário daquilo em que formei carácter e personalidade, enquanto levianamente confundem especificidades e géneros.

 

Feministas ferrenhas fazem por ser tão rudes quanto os homens de barba rija, e estes, maioritariamente se entretêm cultivando modos efeminados, quando não um marialvismo mais ibérico que latino, ou um machismo que os poderá levar a Hollywood mas dificilmente ajudará a conquistar um coração tão especial e sensível como o que qualquer mulher guarda que nem tesouro.

 

Certas gentes não entenderão pois que, passados tantos anos e tão arreigado aos hábitos, eu os mantenha, inda que aparentemente fora de moda, num tempo em que para mim já nada contam esses fantasiosos pormenores, tão enleado me encontro de problemas mais prementes, questões mais candentes e assuntos mais importantes a que dedicar atenção e energias, pelo que, correndo embora o risco de um epíteto desqualificativo por antiquado, cá vá fazendo rodar rodas da minha nora para que os alcatruzes não assomem vazios, mas sempre cheios de amizade, alegria, jovialidade, esperança, amor, graça, deleite, gáudio, e um espírito sempre em festa, disseminando-o por onde passo.

 

Contudo e mau grado de quando em vez esqueço estes ensinamentos sábios e erro, como qualquer mortal, pelo que desculpa peço já a quem tenha melindrado. Não sou pretensioso, mas extrovertido, dono de auto-estima e segurança em excesso, factores que  aliados em muitas ocasiões contribuem para que me julguem mal.

 

Porém, entre um pirolito e outro, coisa que muita gente nunca viu nem saberá o que é, ou foi, lembro ainda essa minha amiga a quem tanto devo e que nunca mais voltei a ver senão nos tempos do PREC. Com ou sem razão, a ela devo tanta da felicidade de que hoje desfruto, mau grado a avalanche de problemas com que, como qualquer de vós me deparo, uma coisa não faço, acumular, arranjar ou tornar problema qualquer coisa que racionalmente possa ser resolvida. Razão tinha uma ciganita que há muitos anos me leu a sina;

 

- Deixa lá, o que interessa está para vir, não te aconteceu ainda, não te preocupes pois com o que foi, não tem qualquer importância, repara nesta linha da tua mão, vida e amor a perder de vista !

 

Sortudo !

Passa para cá não uma mas duas moedas !

E vai contente !

O futuro é contigo  !

 

O PREC, Processo Revolucionário Em Curso, que de novo nos juntou e fez com que nos tivessem esquecido, também nos separou e, advogados poderosos, já depois de toda a sua família resguardada no Brasil, recuperaram-lhes as herdades perdidas que rapidamente venderam aos espanhóis, tendo sido a primeira transacção do género, hoje tão contestado, de que tive conhecimento.

 

Mas enquanto nos esqueciam, preocupados com greves, manifestações e ocupações de terras, nós vivíamos olhos nos olhos, saciando a saudade, a vontade sempre espicaçando a nossa sede de redescoberta, de tal forma que nas suas mãos me fiz homem maduro, e dela fiz mulher a sério, coisa que muito nos honrou e a ela devo, uma dívida de gratidão inesquecível e imperecível. Quantas vezes, com quanta saudade e desejo volto a recordá-la só eu sei, já nem lembro bem a sua fácies, meio século se passou, mas a beleza que irradiava, a doçura que exalava, tocaram-me de forma tão profunda que, em cada mulher a revejo, em cada mulher a considero, em cada mulher a venero e lhe agradeço o tanto que lhe fiquei devendo.

 

Será que a ciganita tinha razão e eu andei e ando por vezes perdendo tempo com problemas que o não são ?



domingo, 22 de maio de 2011

50 - QUE NOITE AQUELA !!!!! ..........




Não me lembro de nos ver a cada um agarrado a uma perna de galinha, isso não, mas ainda recordo a mesa farta, a enorme profusão de garrafas e canecas, o fumo denso pairando no ar e traindo todas as disposições deste país de loucos.

A Sandra parecia uma papoila, alegrou a coisa, não largou o Florentino nem a Beatriz, filha de ambos segundo a Cédula Pessoal e o que os dois garantem a pés juntos.

Foi a festa mais informal em que já me vi, mas em que toda a gente, até eu, nela entrei com esmero e saí direito, ainda que de mistura com as despedidas não tivesse havido amigo e convidado que não tivesse contemplado com solidário encontrão, pois que aquela hora tardia já me custava bastante andar direito nos degraus que o chão não tinha.

A Luisinha, como costume não me largou da mão, adoro levá-la àquelas festas, ela que nunca quer sair e me deixa com a consciência pesada quando o faço, mas que adora ver-se metida nestes convívios até à raiz dos cabelos !

A tarde de sábado tinha-se apagado como se apagam os dias tristes em que vai chover mas não chove, tomara banho, mudara de roupa e rumara àquele antro de amizades e segredos, de tertúlia e de degredos, carregado com a minha parte no repasto, mais não que dúzia e meia de garrafas de tinto alentejano da herdade da Chaminé, que aliás pouco duraram e foram as primeiras a esgotar-se.

Tal qual como quando era miúdo, e as chapeleiras dos carros eram adornadas com um cãozinho de loiça que, c’os solavancos abanava a cabeça, assim a Dádinha se mantinha, num tente não caias constante e prodígio ou maravilha do poder da mente sobre a vontade do corpo.

Foi uma noite de sábado e de revivalismo, ou saudosismo, pois jamais me passara pela cabeça que cada uma das madamas presentes tivesse honrado a mesa com receitas que me lembraram os tempos de menino e neto, em que os meus pratos preferidos me acudiram à mente tortuosa com uma autenticidade e um rigor que as delícias na mesa não desmentiam e me fizeram regressar à meninice.

O Miguel, fazendo jus ao seu carácter esponjoso, aviava copo atrás de copo como quem não era com ele e mais parecia taberneiro servindo os outros.

Como sempre, para ele, foi o mesmo que beber nada.

A Bella ficou de aparecer mas cortou-se, acho que num dos dedos dos pés quando aparava as unhas, pelo que ficou a promessa de na próxima se deixar levar por uma limusine ás suas ordens.

Era uma mesa sedutora a que me conteve até ás tantas no seio de toda aquela gente tão desbragada quanto eu, portanto gente irrepreensível que, propositada ou inadvertidamente provocou em mim um regresso ao passado, esse tempo vivido sobre uma infância ingénua e inocente a que jamais algum mortal logrou voltar.

Prometendo dietas ficou a Laurinda a noite inteira, como se a consciência lhe não perdoasse o excesso, ou como se aquele fosse o primeiro dos muitos que habitualmente condena. 

ehehehehe !!!!!!!!!!!!!!

Por isso aquela imagem, as amizades e a mesa que rodeávamos, mais que memórias, foram para mim legendas dos pratos de torresmos da minha infância, do café com brasa dentro, e feito de cevada no lume brando de uma chaminé descomunal, onde o pingo das linguiças no fumeiro prantava de quando em vez nódoas nos incautos e os gatos sopravam, se, por descuido alguém o rabo lhes pisava.

O Tozé desta calou-se que nem um rato, nem imagino o porquê, logo ele que vulgarmente fala pelos cotovelos mais parecendo um actor de teatro, que não é mas com os quais fala! 

ehehehe !!!!!!!!!!!!!!!!!

A seu lado, e numa de solidariedade, a Laurinha aparava-lhe o jogo e as boquinhas, toda ela simpatia, toda ela sorrisos, aliás, como sempre !

Bem, depois foi todo um desfilar de recordações que, iniciadas nas azeitonas, na rechina (ou rexina) e nos torresmos, contornou pelos dois lados os anos de primária, os brinquedos de lata pintada, cortantes e tóxicos até mais não, estendendo-se aos incipientes namoricos e paixões de rapazolas, às primeiras fotos de mulheres nuas que, se comparadas com as de hoje mereciam uma medalha pela ousadia, às matinés e aos filmes, às vidas de cada um dos comensais e aos seus fios condutores, numa recuperação de acontecimentos de que toda a gente riu pelo ridículo das coisas, pelo valor nelas colocado e hoje de todo desmesurado.

Bem… o máximo foi mesmo o Máximo ! Cujo nome não engana ninguém e tem uma auto-confiança de fazer inveja ao mais seguro de si, que por acaso não estava, tinha saído para a caça ! 

ahahaha !!!!!!! (*)

Sempre pensei que o convite deste sábado tivesse uma razão, e tinha, embora não a que imaginasse, antes a de playar entre nós, viver e recordar, vitórias, derrotas, ansiedades e exaltações de nossas vidas, vidas tão humanas e simultaneamente sem sentido ou significado, ou pelo menos o que na altura atribuímos aos trabalhos e aos prazeres pelos quais éramos passados como churrasco no braseiro.

O César fez as honras da casa e de anfitrião, queimou a merda dos frangos mas preparou uma óptima salada e teremos que lhe perdoar ou para a próxima não há convívio.

Sorte a dele o sacaninha !

Tempos em que todos sem excepção nos sobrepusemos aos medos e receios que cultiváramos, para nos encontrarmos ali, nessa noite, em que embora não fizesse parte do reportório o mesmo acabou recordando as nossas audácias, talentos, convicções, contradições e manias, manias que alguns de nós ainda alimentamos como parte intrínseca da nossa individualidade e carácter, um carácter capaz de rir dos idiotas que fomos e das parvoíces pintadas no decurso de vidas mais instintivas que programadas e, que agora, nesta noite, se encontraram para se reverem na coragem feliz e possidónia de cada um, e cada uma, a que a travessia da vida nos conduziu, hoje ostensivos amigos entre todos mas, e coisa incrível e quase inacreditável, assíduos amigos uns dos outros e dos folguedos mais inverosímeis que imaginar possamos.

A Mariazinha tornou-se tão leve, tão leve e tão fina que mais pareceu ter-se evaporado embora toda a gente saiba que muito do que correu bem a ela se deveu.

Havia mais uma dúzia de gente cuja cara ou nome nem consigo lembrar do Wilson à Violeta, mas estavam adoráveis e irrepreensíveis, quem não veio que se arrependa e medite o quanto perdemos com a sua falta, e que não falte portanto para a próxima, traga um cesto recheado de iguarias, pois por muitos que tivessem sido os queijos naquela mesa não chegaram nem para as primeiras quatro horas, pelo que urge que mais gente de boa vontade se inicie naquelas lides, e que, para não se envergonhar, participe com um cestinho bem recheado das especiarias que mais gosta, ciente de que serão os outros quem primeiro as comerão e valorizarão !

Apesar de tudo, quero mais ! Ufa !

Este sábado está passado, bolas e com que sacrifício !


(*) - o amigo Caifás :)