Em abono da verdade o meu casamento
não terminou agora.
Terá acabado algures em finais da
década de oitenta quando, na véspera de uma viagem que a afastaria de casa por
uns dias, colocava-mos a “escrita em dia” e ela, compenetrada da solenidade e
importância do momento, olhos fixos no tecto enquanto eu numa arrancada final
me esforçava por atingir as cem elevações por minuto e num sussurro extasiante vindo dela, um murmúrio, me alertava para o facto de não poder esquecer os
saldos do StockMarket …
Jamais tive duvidas de que terá sido
esse o exacto momento em que a rotina se instalou insidiosa, e aquele em que a
partir do qual aleatoriamente fui aceitando o que se me oferecia, e descobrindo
que a riqueza da diversidade era infinita como Darwin apostrofara séculos
atrás, momento a partir do qual por mais que mo jurassem não acreditaria haver
duas mulheres iguais.
E não há, como posteriormente tive
oportunidade de confirmar.
Mesmo estiolado o rotineiro casamento
aguentou-se por mais uma década, responsabilidades para com filhos e sua
formação e emancipação, outras dificuldades logísticas e práticas, o meu
comodismo quanto a cama mesa e roupa lavada, só entendi então quanto todos
somos comodistas e conservadores, até nos hábitos mais comezinhos… mas também o
meu sentido ético diga-se… se um homem se mete nelas é para as aguentar até ao
fim, a honra assim o exige !
Mesmo que não tenha casado por igreja
nem pronunciado alguma vez o fatídico “até que a morte nos separe”.
Uma ou outra vez fui apanhado em
falso, sublinho em falso, com pretensas conquistas, não o eram, e como tal nada houve que o provasse. Tratara-se apenas de amizades que nem convenceram nem floresceram mas causaram
agitação na família, eu diria que uma pitada de pimenta no nariz de um defunto
que, descontados os espirros do momento, logo voltaria à sua rotineira
letargia.
Mas com isso aprendi, aprendi quanto
fui e ainda hoje sou torto, já que irritado pelas carecas descobertas, jurei a
mim mesmo que se eu não me podia gozar das prebendas da natureza, também
ninguém se gozaria das minhas, tendo dado início a uma exemplar vida de eremita
e abstinente que nem o melhor padre vez alguma cumpriria…
Armado em paternalista (sempre o fui,
sempre me fodi com isso e nem mesmo assim aprendi a lição) fiz varias
tentativas para sair de casa e deixar todo o espólio material dos anos
partilhados.
Quanto menos tivermos mais fácil se
tornará a mobilidade e jamais voltarei a cair no erro de juntar mais que meia
dúzia de livros, de CD’s, pares de meias cuecas camisas e calças.
Tudo que não caiba na bagageira de um
carro é excesso, e cada vez mais me convenço disso, pelo que com o tempo fui
abandonando um natural cariz materialista que a todos mais ou menos domina e me
fui tornando tão espartano de hábitos e exigências, quão estóico na capacidade
de sobreviver com meios limitados e em condições adversas.
Sair de casa era portanto a solução…
Procurei saídas, mas uma delas, num
segundo andar da periferia e sem elevador não augurava nada de bom para mim, já ultrapassados os quarentas, ainda se ela fosse enfermeira... mas não era.
Outra não tive a menor duvida quanto
a uma boa localização e centralidade, contudo a inexistência de uma garagem
deitou por terra todas as minhas aspirações, não podia dar-me ao luxo de deixar
a moto na rua, e onde guardar os capacetes e os fatos de cabedal ?
Uma terceira era, ou teria sido o
paraíso, uma quinta no campo, espaços verdes, ambiente natural, ar puro,
comunhão com a natureza, enfim, o único senão era o acesso, que obrigava a
percorrer perto de dois ou três quilómetros numa estrada de terra recheada de
covas e buracos, terríveis para mim que não tenho um jeep 4x4 mas sim um
baixíssimo convertível, tão baixo como qualquer outro desportivo.
Ela recusou-se a dar trato à estrada
e eu recusei juntar os trapinhos, um homem tem que acautelar determinadas
situações, à primeira cai qualquer um, à segunda só cai quem quer né ?
Posto isto ainda estou com o dilema
por resolver, e, como dizem, passando por um mau bocado, e precisando de um
tempo… Uma situação complicada...
Percebem não percebem ? …