quinta-feira, 30 de junho de 2011

63 - MINHA IRMÃ FRIDA…..................

Pintura; MONSARAZ, de Ana Rita Janeiro, ou "Carlota".


Quem atravessa as ancestrais terras d’el-rei em direcção ao grande lago, não raramente, depara-se com uma paisagem inolvidável.

Uma dúzia de quilómetros à nossa frente, pairando sobre um manto de nuvens ou nelas acoitada, a visão encantadora de Monsaraz, a vila medieval onde nasci.

Humberto me chamaram, porque nos idos de trinta, um aventureiro dos biplanos, ou triplanos, por arbítrio do mágico nevoeiro, trágico fim encontrou ao despenhar-se de encontro à torre de menagem do castelo, cousa que fatalmente muito consternou a populaça, antepassados meus incluídos, tanto que no baptizado do meu padrinho lhe mudaram o nome de Benvindo para Humberto, numa solene e compungida homenagem ao louco da máquina voadora, acabado de perecer no exacto momento em que o tão desejado Benvindo ao mundo vinha.


Humberto ele, Humberto eu anos mais tarde e por sua inteira vontade, tradição que mantive ao dar, por minha vez, o mesmo nome ao meu primeiro e único filho. Luís Humberto.

Mau grado estes recuerdos, a vila fica na raia Espanhola com o Guadiana de permeio (embora agora naveguemos nas mesmissímas águas turvas europeias), recuerdos que tento não olvidar apesar de tristes, pois retenho dessa vila e da minha criancice gratas imagens e muitas vezes me revejo largado à solta num castelo a que mais parecia somente poder aceder-se trepando um feijoeiro gigante, tal e qual como nos contos de fadas.

Não há contudo estória sem o seu senão… e o meu é a saudosa lembrança de minha irmã Frida, que vagamente recordo pois cedo foi roubada ao meu convívio, mas que contudo viria a ter na minha vida uma influência crucial, e superior à que quaisquer outros entes vivos sobre mim tivessem tido.

Não choro quando a recordo, para ser franco até muito mal a recordo, dada a tenra idade com que foi arrancada ao meu convívio, apesar dos emplastros de papas de linhaça com que porfiaram acudir-lhe. Sem qualquer resultado já se terão apercebido.

Nessa época a tuberculose ceifava às cegas, e os ditos emplastros a tudo acudiam, aplicados bem quentes e rigorosamente substituídos mal arrefecessem. 

Junto ao coração para males de amor, na testa para febres funestas, no peito para gripadas e outros males sezões, na cabeça se contra o mau olhado a inveja ou os esconjuros, caso em que se devia acompanhar a mezinha de um relicário colocado sob o colchão da paciente, ou de um escapulário pendurado em permanência do pescoço da protegida durante toda a cura, e, no caso, contendo rabos vivos de lagartixa verde, unhas de osgas e asas de morcegos, tarefa de que minha avó Inácia me incumbia a mim sempre que necessária, alegando que a ela, tocar em aves e bichos lhe dava voltas ao estômago e até galos lhe haviam já cantado nos intestinos.

Nunca chorei, como vos disse, a morte de minha irmã Frida, todavia bastas vezes as lágrimas me acudiram aos olhos se calha contemplar-me, eu, a mim, que sou obra dela e a ela devo tanto e muito do que sou, quem sou e como sou.

Já na grande cidade para onde ainda na infância me mudaram, achei, quando rebuscava não lembro o motivo as gavetas de meu pai, um livro cuja ilustração de capa aqui vos deixo, livro que despertou a minha curiosidade infantil pelas cores exóticas e apelativas que encerrava e em simultâneo mostrava, mas sobretudo pelo nome nele inscrito, “ Frida “.

Foi assim, quase como um livro proibido que uns anos mais tarde o li. Essa foi somente a primeira biografia da minha vida, acredito ter lido quase cem antes dos vinte seis e perto de duzentas até ao presente.

Deste modo insólito soube da morte de Frida, a tal que dera o nome à minha saudosa e tristemente falecida irmãzinha. 

Mais tarde, juntei dois mais dois e de meu pai entendi a admiração pela pintora que, como ele, viveu engajada numa doutrina que então guiava o mundo mas que anos antes de meu paizinho falecer lhe deixaria a tristeza estampada no rosto, tristeza que hoje culpo por mais cedo me ter roubado a sua companhia.

Fiz-me homem lendo, mor das vezes verões inteiros, debaixo de um fresco e frondoso chorão no jardim público da minha cidade, rés do lago onde plácidos cisnes ainda navegam, biografias e outras obras que a Biblioteca Pública para ali acarretava nas tardes de estio.

Comecei assim, guiado por minha irmã Frida leituras que me levaram, qual príncipe, de menino a homem, sendo hoje rei de mim mesmo e do mundo que me cerca porque acredito piamente que a alma da minha irmãzinha me conduz e protege os passos os caminhos e os destinos, pois no amor há muito que de mim cuidam com o mesmo desvelo por mim aprendido e, de tão amado, sinto insuflar-se-me o coração, e por sua vez ele um castelo, de muitas janelas e mais entradas ainda que o de um príncipe encantado.

A ti irmãzinha do coração e que sempre por mim velaste, o meu eterno amor e emocionado apreço, o meu reconhecido agradecimento.

A ti confesso quanto lamento quem, como eu, não teve alguma vez nem que por um instante só, uma irmãzinha como tu.

Descansa em paz meu amor.










                          minha mãe :) 





terça-feira, 28 de junho de 2011

62 - Esse teu olhar...



Esse teu jeito de olhar...


Através ou por sobre os óculos
Invisível, indescritível
Que fala e se cala
Se oculta e revela
Que desvenda e desnuda
Encanta e desencanta
Dissimulado, indefinido...


Esse...é o olhar do meu amor.

Ah, que olhar!
De suave armadilha
Que apalpa e acaricia.


Ousa e abusa
olhar de festa e magia
Insinua, inquieta
É uma melodia na minha vida.


É o olhar do meu amor...

Será que seus olhos são grandes

ou arredondados?


Pequenos ou semi-cerrados
Amendoados ou arregalados
Castanho, verde ou azul ?


De que forma, brilho ou cor
Nuance, matiz ou.... multicolorido?


Violáceos, vermelhos...não... entretanto,
Combinam com seus cabelos brancos?


Ai, ai! Esse olhar do meu amor...

Como será o teu olhar?
Apoteótico ou hipnótico?
brilhante ou fascinante,
Magnético ou metafísico,
Intenso ou matreiro
Como de um arguto leopardo
Ou de um cachorro abandonado,
De um gato esfomeado
Ou de um peixe morto?


sim.. são os olhos do meu amor...

Olhar mundano, volúvel
Que revela monólogos infinitos,
Feito de pequenas continhas
Pequenas estrelas
Pequenos faróis na noite
Que se iluminam ao som de Brel e Elis,
São olhos que me fazem feliz.


Ah! Os olhos do meu amor...

Se soubesse...ah !

se eu soubesse...


Devem ser vivos, de puro desejo
Deixar-me-ia seduzir por sua luz
Neles me arrebataria e repousaria
Acastelar-me-ia em seus sonhos
Nas sombras e beleza das flores,
E nesse olhar amanhecido
entregaria a minha paz.



É... o olhar do meu amor...  

Em, 12/08/2009 - Nilza Rouquentin 


sábado, 25 de junho de 2011

61 - COMO DA PRIMEIRA VEZ...................................


               
              Como da primeira vez, ainda ambos adoramos esse ritual que, volta não volta, quase tornado brincadeira já, nos coloca em papéis e posições que diariamente estamos longe de assumir.

Compreensivelmente, nem ela é sedutora ou manipuladora, nem eu o dominador possessivo que aliás nunca fui.

Ela percebe-me, adivinha-me o pensamento, e de tal modo assume os meus desejos que, langorosa avança, rebocando-me atrás de si, olhando-me deleitadamente e impedindo que, à última hora me arrependa ou mude de intenções. Ambos adoramos, como da primeira vez, esse ritual carinhoso e em simultâneo purificador.

Enquanto eu apalpo a água até que a sua tepidez se torne agradável, ela senta-se sobre as pernas, nunca deixando de me olhar com aqueles olhos lindos, de gata, numa expressão de prazer adivinhado a que eu nunca soube resistir. Um olhar dela e a qualquer hora, em qualquer lugar, me apresso a satisfazer-lhe rapidamente os desejos e os caprichos que de uma forma clara exprime tão solene quanto encarecidamente.

Tantas e tantas vezes apenas um olhar basta, tal a cumplicidade que entre nós se gerou.

Estás sentada sobre as pernas, cabeça levemente inclinada para trás, olhos semicerrados, enquanto te apoio as costas e seguro a ponta do chuveiro buscando não te deitar água nos olhos, sei que o detestas, tanto quanto eu adoro dar-te banho.

E, enquanto lânguida respondes aos meus gestos, te espalho o champô pelo corpo, suave, suavemente, sem brusquidão, a mão passando levemente por ti, afagando-te o peito, descendo para o ventre, também eu apreciando o doce tacto dos teus pelos sedosos e macios que a água morna amoleceu.

Não insinuas um gesto, ali ficas, estática, gozando o prazer do momento, adivinhando o próximo, em que, nos braços te tomando, num cobertor felpudo e quente te embrulharei com carinho, com amor, resguardando-te do frio, embalando-te num sono que se tornou hábito e que durará até que, seca, emirjas bocejando como bebé libertando-se da placenta.

E sim, como sempre ali estive, ali estou, esperando o teu despertar, que ocupes o meu colo, que deites a cabeça no meu braço, que o ritual se cumpra do início ao fim, sem alterações, como gostas, como os hábitos, quais direitos adquiridos, exigem agora.

Estendo-me ao comprido e a teu lado no sofá, também eu sem sono mas gozando esse momento único, beijo-te a nuca, mordisco-te a orelha, enlaço-te com os meus braços longos e fortes e aperto-te até libertares o habitual suspiro, sinal de que basta, um pouco mais e deixarás de achar graça à brincadeira.

Ali ficamos, uma vezes minutos, outras horas, é sábado, ninguém nos virá desta incomodar, os olhos pesam-me, o teu calor amolece-me, a sesta chama-me, sinto as pálpebras fecharem-se-me num abandono que amparo, dormimos e sonhamos.

Uma vez mais como habitualmente te libertas sorrateira, sem que dê por tal senão quando pulas repentinamente para o chão, me olhas com carinho e com desdém e, altiva, o rabo que nem antena de automóvel, no passinho miudinho e gracioso que sempre foi o teu desde que em minha casa te acolhi, buscas a tigela do granulado, sempre recheada, ou o leite para gatinhos que tanto aprecias.

E eu, que a ninguém confesso quanto amo a minha gata nem quanto ela me ama a mim, fico vendo-te esperares-me, pois há muito sei não comeres sem a minha presença e o velho afago no dorso. 

                     És o meu amor Shamira !

És o lindo amor do dono !

                





MANITAS DE PLATA ...............................................


O mote para aquela conversa macabra às duas da manhã foi a Vitorinha, amiga comum, costureira em Limoges durante muitos anos e mais tarde dona feliz de um ateliê próprio de corte e costura em Bordéus, depois de haute coture, e posteriormente de moda, um mérito seu, dela, e que explorava paredes meias com um “bistrot” também orientado por si mesma, com petiscos e comida exclusivamente portuguesa, e cujo desempenho media meças à alta-costura ou aos caros restaurantes gourmet. Dois negócios de sucesso que a tornaram conhecida em Bordéus e todo o sudoeste de França, pela originalidade da sua costura, motivos, traço, corte e cores, e claro pela inimitável gastronomia, coisas que a deixaram podre de rica e para as quais tinha um sexto sentido e mãos de fada, agora ali jazia e a ela dedicávamos as nossas memórias e uma última e sentida homenagem.

Para ser franco mãos de fada foi a primeira coisa que, muitos anos antes a tornara conhecida entre nós que depressa a baptizáramos de “manitas de plata”, um ápodo malicioso fruto da nossa irreverente juventude. O melhor será contar-vos a história desde o princípio pois de outro modo correrei o risco de não me fazer entender e vocês leitoras e leitores ficarem com uma ideia deturpada da figura magnânima que foi a minha amiga Vitorinha. Tão rica ficou que comprou uma residencial no Algarve, que explorava com mestria e para onde durante mais de vinte anos me convidou a passar férias, completamente gratuitas, as quais somente recusei quando as filhas, já crescidas e talvez estranhando a devoção da mãe, me passaram a chamar Lázaro e a citar por tudo e por nada passagens do Evangelho segundo S. Lucas*… (16:19-31) tempo e vezes suficientes para que eu tivesse entendido a alusão ao leproso e, desaparecido de vez da vista delas…

Mas a vera história começa assim, era uma vez eu há muitos muitos anos, basta lembrarmo-nos que passei há pouco dos cinquentas e tais, a mesma ocasião em que a Vitorinha comemorara os sessenta e tantos. Eram tempos em que não havia “ERASMUS”, o que todavia não obstou a que houvesse intercâmbio de jovens, nessa altura era a igreja católica através da JOC, Juventude Operária Católica, organização inserida na rede de redistribuição da riqueza pelos cristãos, quem patrocinava a troca, a permuta, o estabelecimento de relações recíprocas de ordem cultural, comercial e social entre nações ou instituições. 

Foi assim que muitos de nós conhecemos Paris, Bruxelas, Roma, Liége, e, nesse ano memorável os Pirenéus e o Santuário de Lourdes, férias cujo final decorreu no lacustre vilarejo de Lanuza, província de Huesca, já nos Pirenéus Espanhóis, vivenciando o Festival Pirenéus Sur** que hoje sim é famosíssimo, ainda que tenha perdido o glamour desses dias em que a acção católica, o voluntariado, a nossa juventude e irreverência tenham enriquecido de modo especial e inesquecível a experiência e a vivência dessa vertente missionária da formação, a qual posteriormente viria inclusive a condicionar alguns aspectos da minha vida, das minhas relações e amizades, quiçá do meu futuro, embora à época eu estivesse longe de prever a amplitude ou dimensão de que a coisa se revestiria.

Eram tempos de camaradagem, solidariedade, entrega e dádiva e cuja prática e formação buscavam inculcar em nós hábitos de protagonismo católico na perspectiva de nos alimentarem a fé e conduzir à aceitação da submissão a todos os dogmas cristãos e aos caminhos da devoção, no fundo a matéria de que se revestia a ortodoxia a cuja lavagem ao cérebro era suposto submetermo-nos.

Era tudo muito bonito mas na prática a teoria era outra, como toda a gente sabe e muito bem nos fazia entender a subversiva Vitorinha que, com mais meia dúzia de anos que a maioria de nós, facilmente impusera o seu estilo peculiar de liderança, até por recorrer a argumentos discutíveis mas que nenhum de nós ousou contestar, nenhum não será bem verdade, existia o Cláudio, a quem desde pequeno reconhecíamos os traços de mariconço que mais tarde o levariam às manifestações do dia do orgulho gay e que nunca se deu bem com ela apesar da Vitorinha ser bastante tolerante, aqueles dois sempre foram aliás como o cão e o gato, coisas que já lá vão e o melhor é esquecermo-nos delas, porém eu não digo o mesmo porque a Vitorinha punha e dispunha de nós a seu bel prazer e apesar disso conseguiu agradar a todos, e se não a todos pelo menos à maioria, menos ao paneleirão do Cláudio, hoje com mais direitos legais mas com menos amigos verdadeiros pois a verdade verdadinha é que não somos todos iguais e entre as mãos dele e as manitas de plata da Vitorinha imagino uma distancia colossal, que nunca vi nem quero ver mas creio firmemente seria abissal.

Católica praticante, desde muito cedo Vitorinha nos fez saber, a todos à vez e a cada um em particular, que nem sonhássemos com certos excessos, queria casar de vestido branco, com véu e tudo, e sobretudo virgem, e casou mesmo virgem ! Ao mesmo tempo que nos fazia revirar os olhos afirmava com doçura ter umas mãozinhas e uns dedinhos de fada, uns dedinhos de bradar aos céus, e não é que tinha !

Muita da experiência sexual que adquiri entre os meus quinze e os dezasseis ou dezassete anos agradeço-a à igreja e a esse “ERASMUS” cheio de misticismo que ela patrocinava. A própria imagem da mulher foi para mim ganhando uma expressão sagrada na exacta medida em que me tornava homem e, se até aí vira as mulheres como iguais, todas iguais, a partir de Vitorinha passei a conhecê-las, observá-las, admirá-las e apreciá-las pelo que cada uma tem de particular, de específico, e nalguns casos de sobrenatural.

Assim fiquei devendo imenso à Didinha, a quem dava gosto ouvir falar pois tinha uma boquinha de sonho, a quem nunca mais vi mas acredito tenha vindo a ser professora como ela tanto desejava e acredito-a boa oradora em seminários, workshops etc., onde, com a ternura que lhe conheci, divulgará junto dos desafortunados da sorte e dos pobres de espirito a palavra de Deus, tal qual nessa altura fazia ao prender-me às suas prédicas e práticas sem a mínima objecção, antes agradado e agradecido por ser o escolhido a sentir-me no céu, quando não a ver estrelas. 

Ou então, como esquecer uma enorme divida de gratidão para com a Cilinha ? A minha grande devoção pela Cilinha foi outro exemplo de fé, de perseverança, de entrega, magrinha, delgadinha, violinha, um corpo santo, perdão, um corpo são e uma mente sã, de entre todas aquela que indiscutivelmente e em qualquer aspecto se assemelhava, (benditos filhos e marido que tal mãe e mulher têm) e assemelha, no perfil, no cândido rosto e pureza da alma, a uma santa e de cujo leito um homem se erguia como que saindo da ressurreição e pronto a combater todos os pecados do mundo.

Beleza era o silício com que essa santa me subjugava, numa dominação que não só lhe consentia mas que eu procurava, porque o céu era ela e a redenção estava ali, bastava para tanto comer o fruto da árvore proibida, da árvore da vida e da alegria, e juro-vos, nunca uma maçã me soubera tão bem, ou outro pomo eu vira ou veria na vida mais bonito que o seu, quero dizer que o dela, o qual me tentava tal qual a serpente tentou Adão no Paraíso e, como ele, eu cedi, cedi à tentação e não morri, fui bafejado pela sorte, fui abençoado, fui iluminado, e então, precisamente quando o PREC tentava fazer com a Acção Cristã o que a República fizera com o clero meio século atrás, eu comemorei o meu vigésimo aniversário, cresci, ela a santa igualmente, e todos nós nos obrigámos a um recolhimento pragmático como os cristãos se haviam recolhido às catacumbas dois mil anos passados.

Mas juro-vos, juro não estar esquecido da fé que nos animava e que a minha devoção continua, intacta, disponível e mais forte que nunca pois se a palavra de Deus tem o dom de nos tocar, a sua divina vontade faz-nos ver estrelas, ver a luz, 

é isso, FIAT LUX !!!!


https://youtu.be/Eex1aqbfP08

Panorâmicas de Lanuza, em várias fotos pode ver-se o cenário e o palco onde decorreu e decorre anualmente o " Festival Musical Pireneos Sur " : https://www.google.pt/search?q=lanuza&espv=2&biw=1024&bih=643&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwivwKuNxtbJAhVJvhQKHRinD5oQ_AUIBigB



                        * Lugar de Lanuza (Pirenéus, Huesca, Espanha)





quarta-feira, 22 de junho de 2011

60 - MINHA AMIGA TERRÍVEL E LOUCA ...............



              Engatou aquele sorriso irónico que se lhe adivinha nas fotos e senti-a disparar-me um;

– Porque és parvo, e só o és porque queres, que tens ganho com isso, já tens idade para ter juízo.

E calou-se, deixando-me com o menino nos braços. A mim, o pretenso e apurado equilibrado ajuizado, o parvo.

Falava-me de uma forma despretensiosa, alheada de uma realidade que nem era dela, nem na interrogativa nem na afirmativa, diria antes que o fazia de um modo sarcástico, mas verdadeiro, custando-me engolir-lhe as palavras, palavras que de bom grado faria engolir a qualquer um outro boca abaixo, com dentes e tudo à mistura.

Mas não a ela, não aos amigos, esses têm carta de alforria para tudo que lhes apetece dizer-nos.

E se não a eles, a quem ?

Curiosa a paciência com que tudo lhe aturo, lhe suporto. Curioso o modo como nos conhecemos, nos descobrimos, e sobretudo como, nesta selva estéril, fizemos da nossa amizade um exemplo de respeito, tolerância, confidência e confiança. A amizade é um prodígio, se alimentada grassa com a força das ervas daninhas mesmo no terreno mais árido. 

Surpreendeu-me a possibilidade tornada veredicto. Bastou querer, tão simples como isto ! Ainda hoje me surpreendo, e alimento essa amizade, falo-lhe mesmo, como soa dever fazer-se com os animais e as plantas. Ao principio de um modo exuberante e em simultâneo duvidoso, ou desconfiado, agora com uma placidez que insufla paz às almas, numa reverencia castradora dos mais ignóbeis motivos, como que numa solicitude de leproso perante a promessa ou o anunciado milagre de uma cura. 

E descobri-me a mim nela, e em mim ela se descobriu, como se duas nebulosas no firmamento, jamais concebendo que fenómeno idêntico pairando na galáxia, se tivessem tocado de raspão e, qual beleza do universo, rodopiando como um par de braço dado, nos estivéssemos transformando numa unidade só, um só pensamento, uma só identidade, e, quem sabe se daqui a uns séculos seremos lembrados como Andrómeda, Magalhães ou outro qualquer nome assim simpático, e não já a nebulosa em que inicialmente nos envolvemos, tornámos e fomos, sempre alimentando esta amizade com a mesma arte e destreza com que no espaço em que vogamos evitamos os buracos negros e a sua incrível força de atracção, que tudo suga na sua proximidade, tal qual como nesta terra, indiferença e vitupérios ostracizam ou arrastam na lama os mais crédulos e fracos.

Amo a louca à minha maneira, num amor nem carnal nem espiritual, antes um amor figadal (fui ver ao dicionário, profundo, intenso, íntimo), mais emanescente de uma identificação mútua e daquilo a que chamamos a nossa cara-metade da amizade, que dos pecadilhos confessados ou das intenções que a isso nem chegam.

Só por isso, na sua inocente ingenuidade de menina má, a escuto com a atenção que qualquer louco me merece, ou não soubesse eu como se disfarça e onde se esconde a loucura, apenas que não em mim, e não nela, mas até nas personalidades mais bizarras e nos caracteres mais sombrios, como aqueles que apenas podemos imaginar, vislumbrar, suspeitar ou com alguma sorte descortinar nos “curriculuns” mais extensos, exuberantes, pormenorizados ou pesados, que esta coisa de uma pretensa existência e posição tem os seus quês e porquês, e nem o peso é critério despiciendo, por isso aqui deixo o meu testemunho do quanto prezo a minha amiga louca e a sua loucura, ciente de que nem ela nem eu estamos loucos, antes amigos, ligados por uma amizade que só a loucura do mundo aproximou e alimentou, pelo que grato estou, e nem imaginam quanto, a tanta e tanta individualidade séria, sóbria e culta que me rodeia ainda que nem dê por isso, e, duvide até, que alguma dessa gente esteja ou seja viva, mais crente estando que vivam sem se dar conta de tal ou, no pior dos casos, tenham morrido sem dar por isso. 

Beijinho amiga.