quarta-feira, 10 de junho de 2015

246 - PUDICÍCIA E PUNDONOR ................................

                          

          Mal me reconheceu corou. Não que lhe tivesse alguma vez dado razões para isso. Aliás nem a via vai para mais de vinte anos, muito mais. Éramos ambos muito jovens, à época ela pregava ou leccionava Religião e Moral, ou algo parecido, numa das primeiras escolas onde eu fora colocado e onde desde o primeiro momento chocámos.

Eu, já por esses tempos efusivo e extrovertido ao máximo, ela, introvertida compulsiva e sempre distante, sempre recolhida, (em recolhimento) ainda por cima uma fraca figura, (nem cu tinha), seca de carnes, olhos fundos e mortiços, uma boca sem lábios que nunca sorria, e num pregador o eterno símbolo da cruz, num broche ao peito, e num pendente de fino fio de ouro. Segurando-o eternamente nas mãos magras cujos dedos, finos, esguios, nunca se afadigavam de ir passando as contas ao rosário, um vistoso terço. Certo dia vislumbrei-lhe os brincos sob o cabelo curto, de onde pendiam naturalmente mais cruzes e com os quais brinquei, talvez por isso nunca mais os tivesse voltado a usar. Enfim, obedecia a todos os quesitos para que não se gostasse dela, parecendo até primar por isso.

Fora essas divergências, e nem eram poucas, partilhávamos o mesmo dia de anos, o mês, logo o mesmo signo, o mesmo gosto pela leitura, ela era também a responsável pela biblioteca da escola e eu conservo ainda uma Bíblia luxuosamente encadernada, oferta dela há uns trinta anos, trinta e muitos. Divergíamos solenemente num aspecto crucial, enquanto eu partilhava vera afeição pela astronomia e pela ciência, ela era dada à astrologia, às coisas de Deus e do oculto, persignando-se sempre que alguma coisa ou alguém pudessem, ainda que remotamente, inscrever-se no agrado do maligno.

A passagem do cometa Halley junto à Terra em 9 de Fevereiro de 1986 colocara em alvoroço jornais, revistas e televisões, que não largavam o caso, e foi precisamente nesse ambiente que ela me surpreendeu com a oferta de uma carta astral. Como se fosse hoje relembro-a:

- Acreditas no destino Baião ?

Mas só quando ela abriu a carta, tamanho A4, e vi o meu nome e o dela traçados a par das órbitas de Saturno, Júpiter e Marte entendi todo o alcance da pergunta, fazer-me acreditar no destino traçado na leitura do imponderável mundo da sua carta astrológica, aliás da minha, de mim, eu, que no alinhamento traçado pelos planetas era Marte e colidia inequivocamente com Vénus, cujo choque se inscreveria no abraço inexorável de Saturno, o meu ascendente, ou no de Júpiter, o dela, derivando a dúvida do facto da carta exibir uma valência de alguns dias, enquanto para deslindar se nos braços de Saturno, ou de Júpiter, haveria que efectuar mais cálculos, com projecções a um mês ou talvez mesmo mais.

- Que vamos colidir vamos, disso não me resta a mínima dúvida, se ao abrigo de Saturno ou Júpiter mais tarde o saberemos.

E sorria-me, pela primeira vez vi um sorriso naquele rosto miudinho, diria até que pela primeira vez aqueles olhos deram ares de vida, brilharam.

- Ou choque ou absorção, passa lá por casa uma destas tardes, tenho que descobrir a verdade dos astros, mirar-te bem a palma da mão.

Confesso que banzei, ou embatuquei, ela era a única pessoa com quem mal me dava, com quem chocava aliás propositadamente, nunca evitava antes procurara deliberadamente o confronto com ela, com quem não simpatizava, não engraçava, nem escondia isso a ninguém, muito menos a ela, estaria mesmo a convidar-me para ir a sua casa ?

- Ok ta bem, um dia.

Atirei-lhe a resposta automaticamente, sem a mínima intenção de cumprir, mais para a despachar, para arrumar a questão, para me desenvencilhar do incómodo que o convite me provocara com um mínimo de fair play. Com o tempo resolveria a questão, pensaria como furtar-me elegantemente a um convite desagradável sem parecer mal-educado ou detestável.

Mas não me furtei. Não me perguntem como mas além de não me ter furtado vi-me uma tarde em casa da incontornável astróloga, mão na mão, lendo as linhas na palma. Para os que não sabem a mão dominante (a que usamos para escrever) apresenta a vida presente e passada, enquanto a outra revela a vida futura. Ambas apresentam a linha do coração, a linha da inteligência, a linha da vida, longa ou curta, e a linha do destino, que nem toda a gente tem e que deve preocupar-nos se tal nos acontecer.

Depois é ver medir observar, se essas linhas se encontram muito próximo do polegar, se são mais ou menos curvilíneas, se compridas e profundas ou não, se em forma de semicírculo, se rectilíneas ou quebradas, descontínuas, se se aproximam ou não da borda da palma ou apresentam círculos tangentes ou intercalados numa linha ou em mais do que uma linha. Eu pasmava com tanto pormenor nos quais jamais havia reparado, mas reparei no toque suave da sua mão, na pele macia, perfumada, nas unhas extremamente arranjadas coloridas a fúxia, sem atentar minimamente nas frases que me atirava, meio sussurradas entre risadas e confrontando-me com os desígnios astrais.

Para minha surpresa o futuro atirava-nos para Saturno, o planeta dos anéis, pelo que, afirmava ela, tal era sinónimo de envolvimento e não valeria a pena fugir pois os astros sempre encontrariam um modo de fazer cumprir os seus ditames. Eu interrogava-me e meditava, por que raio esta minorca, que me passeava pela casa pegando-me na mão e conduzindo-me, por que raio engraçaria comigo, que nunca me esforçara por lhe ser agradável, a ela, com quem ninguém engraçava, ou achava engraçada. Mas também me perguntava a mim mesmo que me levaria a deixar-me levar que nem um cachorrinho pela trela…

Ali a cozinha, acolá a despensa, a sala já conheces, aqui o quarto, entra, não tenhas medo anda ver, e vi, uma cama larga e singela, as pagelas emolduradas na mesinha de cabeceira, o crucifixo ao centro da parede, ladeado pelo Espirito Santo sob a forma de um coração envolvido em espinhos, e do outro lado a imagem de Nossa Senhora dos Mártires. Foi quando ela, alisando com a mão a colcha vermelha e mirando-me de alto a baixo e me sorriu que verdadeiramente acordei.

- Ainda não viste nada, sou muito devota da Senhora dos Mártires, vem comigo, anda ver o meu retiro.

 Fui, fomos, quer dizer o cachorrinho lá foi, abanando a cauda ávido de curiosidade, até que ela abriu a porta de acesso à cave e uma penumbra espessa carregada de odores a igreja e onde pontificava um forte cheiro a velas queimadas incenso e jasmim tomou conta de mim. Enquanto descia e o olhar se me habituava àquela semiobscuridade pude ver os ganchos no tecto, as argolas chumbadas nas paredes, as máscaras de couro, o entrançado dos chicotes, algemas aveludadas, jogos de bolas ou esferas, um atordoador “Taser” e um vibrador “Pleasure” numa caixa luxuosa da “Bijoux Indiscrets”, uma estante com creme unguentos e pomadas misteriosas junto a uma espécie de altar coberto de flores, que posteriormente confirmei serem plásticas embora uma imitação prodigiosa das naturais.

Uma cruz gigante adossada à parede de fundo irradiava por trás luz forte que a destacava e, quando ela accionou o interruptor dessa cave uma luz estroboscópica fez surgir nas paredes e tecto frases aleatórias como “Jesus é o meu senhor”, “Deus Pai abençoai-nos”, “Só o amor alimenta a alma”, “Escrava do amor escrava do Senhor” e “ Deus é amor”, que me recorde, tantas eram elas…

Ainda não fechara a boca de estupefacção e já ela se jogara ao chão, de joelhos, numa prece que vos descrevo sussurrada, uma ladainha em que abria e fechava os braços como se oferecendo-se à cruz iluminada quando, num repente, tirou pela cabeça o camisolão que envergava e pude ver-lhe as costas, mais as costelas que as costas, os vergões, alguns ainda ensanguentados ou apresentando chagas purulentas, que me causaram um asco que ela não viu por estar agora debruçada sobre um tapete tal qual se colocaria um árabe orando na direcção de Meca e nisto, virando-se para mim e descortinando finalmente o ar nauseabundo que eu apresentava:

- Não me julgues, sobretudo não me julgues mal, sou virgem, toma-me se o desejares, quando e como desejares, mas jamais esqueças, a minha virgindade é sagrada, sou noiva do Senhor, sou mártir e escrava deste amor platónico.

Virou-se para mim com os braços cruzados sobre e escondendo o peito, e vi na sua nudez uma magreza tentadora, recheada de curvas que o incenso fazia ondular na minha mente.

De Fevereiro a Julho daquele ano posso afirmar ter vivido como um selvagem, um selvagem eremita, que, embora respeitando os cânones e os limites por ela impostos se deliciou e a deliciou sodomizando-a a desejo e a pedido, de tal modo que, como que conduzido pelo maligno, me tornei horrivelmente íntimo das mais abjectas práticas de BDSM, a ponto de, no prazo legal ter esquecido o concurso de professores e ter ficado sem concorrer nesse ano. Envergonhado, extenuado, magro que nem um cão, acedi confessar-me a um colega e amigo padre, que não só me absolveu como integrou no Colégio Salesiano onde durante três anos leccionei e esqueci a experiência absorvente daquela descida aos infernos.

Olhei-a, ela olhou-me, corada, abanámos as cabeças em simultâneo num leve cumprimento e nada dissémos um ao outro. Separámo-nos sem nos olharmos sequer. Pelas gentes que a acompanhavam pertencerá aos círculos da Cáritas, Cruz Vermelha, ou Banco Alimentar. Colega da Jonet, deixei-me sorrir involuntariamente.

O Senhor a proteja. A ela e a mim.  
  



quarta-feira, 3 de junho de 2015

245 - FA LO ...............................................................


 “ FA   LO “

Sim, será vontade de Deus

Dá-me a tua mão amor, sempre que
como agora
a tua língua me devora
e teus lábios faíscam nos meus

Dá-me a tua mão, faz-me senti-la amor

Toma-me, prende-me, agarra-me, lesta

Antes que as línguas, ubíquas,
para outra coisa nos levem, partindo desta

Juro-te, fecharei os olhos, com pudor

Fá-la deslizar amor, devagar

E dos dedos anéis, estranguladores

Agora ímpeto, impulso, e inversão

E faz que dessa contradição jorrem flores,
sementes, mil sóis, estrelas cadentes…

E, em tormento, espreme-me num momento

Em deslumbrante instante, 
que em estremecimento alucinante
me fique no coração, no pensamento
e se reduza a ti, a fé, a fervor, a devoção…

Humberto Baião, Évora 3 de Junho de 2015 – 15:24:19



terça-feira, 2 de junho de 2015

244 - CORPETE RENDADO, APERTADO ........

             
              E foi assim, uma borboleta bateu as asas  e, nos antípodas a brisa agitou-se refrescando-me as ideias, que a esturrina empastara. A esturrina ou a cerveja, porque isto de viver no inferno tem o seu preço, um homem acalorado acaba por afogar-se onde pode, mais a mais os torresmos estavam uma delicia e havia que empurrá-los goela abaixo com qualquer ajuda né ?

             Pudesse eu e até os pés enfiaria num alguidar com cervejames fresco. Os pés e a cabeça, que me estourava com os arremedos do vocalista, menos sofríveis que os arrotos dos rateres que, de vez em quando uma alma mais inebriada fazia soar no recinto.

Galhofei com os compinchas e, respaldado numa cadeira mais mole que o alcatrão da estrada libertei os olhos para que vogassem desinteressadamente pelas coisas, pelas coisas e pelas pessoas. Pelos sorrisos, pelas gargalhadas, pelas bocas prenhes de ânimo, pelos cabelos e lábios pintados,

- E pelas unhas ! Mete aí as dos pés pois também contam Madaleno !

E depois há aquela ali, trouxe-me à memória as aventuras do Tom Vitoin.

- Topa bem a personagem ó Margarido, 
sim, podes deixar ficar essas p’ra mim.

- Topem-me aquele corpete rendado, a cintura apertada…

- Apertada não sff ! Diria antes cintada, torneada pá, aquilo é uma boneca de banda desenhada, já a reconheci, das desventuras do Tom Vitoin, repara na chinela a fugir-lhe do pé, o calção acabando estrategicamente entre a canela e o joelho, em seda... A unha vermelha, não bem vermelha, antes fúxia, como diria a Soromenha.

- À nossa ! À nossa que se há quem mereça somos nós ó Margarido !

- Sim, claro, aquilo é Wonderbra com certeza ó professor !

- No, no, no, no, no, no, mil vezes no pá !!! É natural man ! 
Mas não teimo que eu já estou a ver mal e o vocalista confunde-me as ideias.

- Claro que é natural pá, não vês que rebenta pelas costuras ? Aquilo nem são formas ó miúdo, aquilo são tentações, claro que acredito em Deus, e olha que Ele é mesmo provocador não achas ?

- Olha, passa-me aí a cabeça de xara que nem sei o que me abriu o apetite.

Sim Heliodoro, eu sei que não estas nos teus dias e que a carne é fraca, mas também tens ali pasteis de bacalhau filho, eheheheheheh !!!!

Naturalmente não é de pau, duvido que haja aqui alguém ou pior já toda a gente teve a sua quedazinha, á excepção do Barnabé, coitado, esse teve uma quedazona… cai sempre… está sempre a cair.

- E já ta c’os copos claro, não demorará a cair da cadeira. Quando está assim fujam dele pois a conversa é sempre a mesma, a Fany, Deus lhe tenha a alma em descanso, e a Dora, que naturalmente não era de pau e ficou toda amolgada. Enfim, tristezas, diz-se que ele nem ia bebido, ao menos isso.

Esta malta gosta é de emoções fortes de quando em vez…

- E de vez em quando uma coisinha assim ! Que até se me acelerou o bater do coração, rematou o Hilário babando-se e que ate ali se tinha mantido um tanto ou quanto alheio à conversa.

E, repentinamente, badammmmmmmmmmm !!!!!!!!!

O Adelino, que ainda não tinha sido noticia, levantou-se, elevando a sua voz de barítono, erguendo na mão uma garrafa de Pêra Manca, balbucia duas ou três palavras ininteligíveis, rodopia tropeça no seu próprio entusiasmo e estende-se ao comprido arrastando mesas e cadeiras.

O primeiro pensamento que me ocorreu foi que, se não se tinham divorciado ontem a megera jamais lhe perdoaria aquela triste figura e divorciar-se-ia amanhã, o segundo pensamento a atravessar-me os neurónios, deveu-se ao facto decerto casual de ter anteontem feito oferta pessoalíssima duma garrafita precisamente igualzita.

E estava eu cogitando estas manigâncias quando me cai uma mosca no prato, quer-se dizer-se, um moscardo no copo da cerveja, atravessara nem sei como os destroços que o Heliodoro espalhara ao espalhar-se, pardon por cause da redundância, e avançou, caminhando como Cristo sobre as águas, ou sobre as pedras, pé ante pé, abeirando-se de mim, o único que antes durante e depois do reboliço se mantivera impávido, porém, ninguém tal adivinharia, se me levantasse mijar-me-ia…

Havia que conter-me e, saber esperar a ocasião, e depois, num relâmpago, correr para a casa de banho rezando para que estivesse desocupada. Mas quem sabia, a não ser eu, os fluidos onde já vogava ?

Como Mata Hari ela veio, condicionando o bailado, até puxar de uma cadeira e sentar-se á minha beira. Até rima, repararam ? Será sinal de bons auspícios ?

Há muito que eu andava fugindo dela, falava muito, falava muito depressa, fazia perguntas a mais, começava confundindo-me primeiro e irritando-me depois, era demasiado insistente para o meu gosto, demasiado solicita, demasiado independente e demasiado oferecida.

Nunca simpatizara com a personagem, mas hoje era dia festa e eu transbordava de cerveja, de paciência e complacência, e para ser franco, estava quase a mijar-me só para me não levantar, todavia encarei-a com placidez.  

- Admiro o esforço estudado e aplicado na irrelevância que atribuís a tudo quanto te orbita. Simulado, disse ela mirando a paz com que eu pairava sobre toda aquela rebaldaria.

- Oh ! Tu outra vez, tu e de novo essa tua dissimulada irrelevante aparência de esforço aplicado a cada coisa que fazes ou dizes, isso é uma fuga estudada pá, já te conheço de ginjeira essa aparente indiferença por tudo quanto pões na mira… vá lá saber-se porquê, vá lá a gente adivinhar, quando muito abordaremos hipóteses, e já será muito, já é dar-te muita atenção e a coisas que nem o merecem dedicar muita minucia, como dizer, colocar em demasiada evidencia coisas a que nem minudencias devíamos   dedicar, assim és tu e os assuntos que arrastas sempre atrás de ti, como os pavões o penacho.

- Enfim santa, haja quem te compreenda e te ature, e quem saiba aturar-te, aposto que nem haverá muitos, ou pelo menos nem assim tantos. Desconfiei sempre da tua irrelevância ensaiada, escondendo uma assumpção que evitas a todo o custo mostrar, camuflando os limites da coisa ignorada mas que a tua táctica descortina estrategicamente.

- Desculpa que te diga amiga, mas toda essa tua conversa mais não pretende que confundamos o género humano com o Manel Germano, é essa a tua filosofia.

Ela sorriu, e ao sorrir quis enlear-me na turbulência daqueles olhos e daqueles lábios vermelhos e carnudos (aposto que estivera a morde-los), lábios que um homem, qualquer homem, não desdenharia morder, mordiscar, para não dizer melhor.

Adorava-lhe os lábios, bem demarcados, e os seios pequenos, nem grandes nem pequenos, mais para o pequeno, a meu gosto, cheiinhos e redondinhos, nem duros nem flácidos, mesmo a meu gosto e desejo e senti, juro que senti naquele momento vontade de dizer-lho, sussurrar-lho, ao ouvido, contudo as circunstâncias ditam o destino de um homem, distraído exagerei no tempo de espera e, muito conscientemente senti a bexiga aliviar-se antes que pudesse fazer alguma coisa pelo que, bem bebido como estava, nem pudor tive para corar ao saber-me todo mijado.

- Olha querida, isto tá cheio de malta porreira, escolhe á tua volta e filosofa quanto quiseres que eu já estou como hei-de ir, a casa chegarei decerto, é só atravessar a rua, moro ali em frente. Fica bem.

Ziguezagueando entre as motas saltei o portão e airosamente entrei em casa. Meti-me debaixo do chuveiro e esqueci a água fria correndo enquanto me aliviava outra vez, mas agora por vontade própria.

- Estás a espirrar querido toma cuidado contigo !  Gritou-me a Luisinha do outo lado da porta, e eu desejando que ela não entrasse ou gritaria logo, como só raras vezes fazia; meu grande porcalhão !

- Tá bem amor OK tá bem ! Respondi.

Mas não estava nada bem, apanhara uma valente constipação que me deitou abaixo e ainda ando a tentar curar quase 15 dias depois.

Filosofias ? Só Kant, ou Schopenhauer, e em sítio resguardado. 




sexta-feira, 29 de maio de 2015

243 - CONTRA - LAVAGEM CEREBRAL III .............


Ora bem Leocádio, sei que como emigrante continuas com receios da xenofobia mas, atenta nisto pá, Umberto Eco deu há pouco tempo uma entrevista internacional onde focava o presente e a tecnologia que nos permite comunicar, falar, escrever e editar quase em tempo real e para todo o mundo, e com essa parafernália a quem demos voz em 1º lugar ?

- Aos idiotas …. Disse ele, e bem dito…

Como podes ver os idiotas falam, falam, falam, mas não dizem nada, e muita da virulência verbal que aí contestas, toda ela virada contra os migrantes como tu, muita dela é fogo fátuo… mas, nunca fiando Leocádio, observa, um olho na burra outro no cigano, acautela-te e mantem-te sempre à margem do barulho…

Quando tu nasceste corria mundo uma teoria que se apelidava “Diálogo Norte-sul”, era defendida por muitas nações e pela ONU, depois a moda passou, cansaram-se, e o mundo, em especial África e o Médio Oriente seguiram a sua vida, até aos migrantes que agora morrem no Mediterrâneo todos os dias…

Isto anda tudo ligado... O tal diálogo também morrera afogado…

É certo que o mundo árabe deu cartas há 1000 anos, em 1004 o califa al-Mamun inaugurara com pompa e circunstância a "Casa da Sabedoria" em Bagdade, que funcionou bué da time como centro de tradução de manuscritos e de reflexão científica, recuando à Grécia antiga e à China. Outra razão importante da preponderância absoluta do mundo islâmico nas ciências entre os anos, aproximadamente, 750 e 1100 da nossa era (era, espaço temporal), era (era do verbo ser) o seu carácter internacional e proletário, os muçulmanos englobaram uma grande variedade de povos e raças, e a sociedade islâmica era muito tolerante com os estrangeiros e as suas ideias… mas isto foi noutra era, you understand ?

Depois veio a religião e fodeu tudo, e claro as invasões mongóis ajudaram, Genghis Khan, que tu conheceste, ou viste quero dizer, viste aquela estátua colossal a que subiste, conquistou Bagdad e o mundo islâmico, e, embora tendo os mongóis sido mais tarde escorraçados, o mundo islâmico nunca mais ficou o mesmo, ficou aliás entregue aos "mamelucos", dividido em reinos, gozando o prazer dos sultanatos, doravante pouco se importando com a ciência mas de novo bué com os seus haréns.

Mais tarde o homem branco colonizou, possuiu e explorou todo o mundo, sempre fomos os melhores nisso, por isso desenhámos fronteiras, dividimos e reinámos neste mundo e no outro. Até termos que” pôr-nos a milhas“ asneirámos a nosso bel-prazer, não criámos estruturas, nem infra estruturas, nem presentes nem futuros e só saímos quando exacerbados nacionalismos nos obrigaram, é certo, mas deixámos-lhes um presente envenenado, deixámos-lhes de herança praticamente os nossos vícios, e no poder lacaios submissos e subservientes que ainda hoje nos compram tudo sem discutir preços…

O esplendor do poder ocidental…
 
E os amigos árabes lá voltaram de novo às preocupações com riquezas e haréns… véus vaporosos e voluptuosas danças do ventre...

Que tem hoje em dia o mundo árabe para oferecer à juventude a não ser areia, só areia e muita areia ? E para além da areia, dos camelos, das frustrações, sublimações e masturbações, que mais ? O mesmo poderia ser dito de África, que deixou lá o homem branco a não ser vícios, restos e filhos ?

É essa juventude sem futuro que procura agora os seus “pais”, porque na sua terra só tem a fome e a morte como desígnio, esperança e futuro, alguns desses jovens já estão nos países europeus há muitos anos, vieram quando das ondas de descolonização, da India para a GB, da Indochina para França, do Médio Oriente para GB e Alemanha, do norte de África para França. Esses e quase todos os restantes, que depois chamaram outros  mais outros. E, enquanto os europeus atirados com unhas e dentes ao bem-estar e de barrigas cheias fodem muito, mas não fazem filhos, a fome dessas gentes aguça-lhes o apetite sexual, fazendo filhos como coelhos (aliás um mecanismo inato da espécie humana e de outras espécies, que ameaçadas se reproduzem muito mais).

E que espécie de integração, assimilação, aceitação lhes é dada pela fraca Europa ? Quase tudo menos o essencial, autoridade, (que paradoxalmente é sinónimo de segurança para essa gente) faltam-lhe coisas nas línguas próprias, jornais revistas e tvs , editoras, etc.  etc.  São como que forçados a viver num gueto africano ou islâmico, e aí as cobras como esses  mueslins de que amiúde ouvimos falar e te queixas, pagas ou não,  pregam, largam o seu veneno… Num tal ambiente que mais sobra para fazer além de conspirar vinganças ?

Claro que esse veneno só actua em mentes fracas, mas quem passou a vida a ver areia e camelos, que nada tem e a nada pode aspirar, só pode considerar uma honra morrer mártir e ser contemplado com 72 virgens, mulheres a que de outro modo nunca teria acesso… 

Leocádio vai ver a biografia dos bombistas de Boston, ou dos que degolaram o soldadinho british, ou desses que deram cabo do Charlie em Paris, e verás que é gente de intelecto diminuto. Mas quem pouco ou nada tem, que receio tem de o perder ?  Que têm a perder ? É aí que a Europa falha, porque o homem, o ser humano precisa de algo mais que $$$, precisa realizar-se como pessoa. Depois dos currículos acabarem com as filosofias no ensino secundário que ficou sabendo o homem de hoje a não ser que é contribuinte e consumista ? E isso realiza-o ? Qual o sentido da vida ? Que sentido tem de comunidade ? Devemos viver para comer ou comer para viver ?

Isto já está tudo pensado Leocádio, matematicamente pensado, não são somente as companhias de seguros a fazer cálculos, aos benefícios e aos riscos. O capitalismo (e isto não é uma critica) precisa de gente para expandir as suas actividades e os seus negócios e as suas riquezas (é por isso que te deixam estar aí, te chamaram, te acolheram) e o capitalismo já fez as suas contas. A violência era de X, com a entrada de Y estranhos crescerá até Z, que ainda assim é um risco aceitável, continuando compensador aceitá-lo…

"TUDO TEM UM PREÇO" * lembras-te ? Mas não te distraias, mantém-te atento, para que esse ónus não recaia sobre ti…. Está tudo estudado…. Sem os migrantes os negócios suecos perderiam uma fortuna colossal anualmente, mesmo que morram alguns suecos ou mesmo que alguns ou algumas sejam violados (as) as coisas não estão descontroladas, mantêm-se dentro dos parâmetros estudados e que foram programados e aceites, todo beneficio tem uma contrapartida, ou um custo, mas é um preço baixo, e desde que o risco e os prejuízos sejam baixos as sociedades aceitam-nos ... Capice ???

“ Mas tenho andado a estudar o assunto e noto que a imigração, nomeadamente islâmica, é uma questão que vai ser mais e mais falado no futuro “ …

          - Claro, os europeus nem fazer filhos sabem, ou querem, além disso as coisas são cíclicas, secalhando vem aí o tempo áureo do islão outra vez, e lá para o séc. XXX a Europa de novo por cima, e os árabes todos estorricados com uma arma nova e milagrosa… A vida é um carrocel… A gente é que só vive cem anos, ou nem isso querido…

Deves vir a constatar no fim da leitura que não fiz futurologia, pois, é que isso da futurologia é com uma cartomante de Oeiras... Ou com a Maya que trabalha pra a SIC... Eu simplesmente observei, pensei, projectei e socorri-me tanto quanto me foi possível da psicologia de massas... Faz o mesmo, tens rudimentos de psicologia aposto, toda a gente tem, nem que seja a inata... Psicologia de massas, massas Triunfo, massas Leões, massas cotovelo, massas letrinhas, enfim, massas finas e grossas…

“ Mas um facto adquirido aqui na suécia é que a imigração tem disparado nos últimos 30 anos, e consequentemente (ou não) a criminalidade, casos reportados de violação, revoltas e etc. também têm vindo a subir “ …

Keep kalm Leocádio, está tudo estudado e pensado e dentro dos valores normais para a época .........  :D ........ACABEI, XAU XAU  Arroz xinês :D  

- Para completa informação ver texto anterior http://mentcapto.blogspot.pt/2015/05/242-sede-um-cidadao-do-mundo.html 



quarta-feira, 27 de maio de 2015

" O HOMEM PÕE E DEUS DISPÕE " ..........................



Que esperar além do nada que não a sabedoria vivida e adquirida desinteressadamente ? Que esperar além do nada que não a experiencia acumulada e vivenciada ? Que esperar além do nada que não a entrega, solta, desprendida e não engajada de quem conscientemente a abraçou e escolheu como opção ?

Que esperar então além do nada senão tudo ?

Aprendi a viver com o que tenho, aprendi a nada esperar e a dar o que posso. Não sou um estilita mas sou parcimonioso, frugal, estóico, contido, espartano, sem chegar a asceta. Creio nada acontecer por acaso e não acredito em coincidências, nem em Deus. A realidade, os factos, tudo o que sabemos aponta para o cosmos, o universo, o infinito, sendo nesse contexto que busco situar-me, ver-me e observar-me enquanto ser vivo, pensante e racional.

Não corro atras das coisas, o que há-de ser meu à minha mão virá, mas interrogo-me e procuro respostas para as minhas questões e interrogações.

Nunca foste uma questão mas foste uma hipótese. E como hipótese mirei-te e remirei-te, avaliei-te e medi-te tal qual António Gedeão fez com uma “Lágrima de preta” * No fundo não eras mais que tu e os teus ais, e isso era muito, para mim era tudo.

Sofreras na pele as arremetidas alarves do amor quando ainda nem sabias o que isso seria, portanto cresceste na sabedoria. Foste fêmea brava e mãe quando ainda nem sonhavas o quanto isso importava, comportava, e aprendeste a ser mulher.

Gritaste Ipiranga quando sentiste chegada a tua hora de dizer basta, e honraste-te quando ainda nem sabias nem sonhavas como desenvencilhar-te num mundo disfuncional, irracional, animal. Cuidaste de cuidar-te imaginando ainda que neste pequeno mundo, neste pequeno país, mérito e sabedoria contariam, porém, vivida e avisada poupaste-te a tempo de te sujeitares a mais despesa, mais trabalho e mais desilusões, que visão !

Por fim sucumbiste aos cânones da beleza e compraste uma webcam com Photoshop, daquelas que tiram verrugas, sinais, rugas e manchas que tais mas não alteram os modos, nem a linguagem, muito menos o interior, o coração, a mente, o caracter, a personalidade. No fundo o Photoshop muda tudo menos o essencial, e é bom que assim tenha sido porque foi o essencial que, essencialmente me levou a desejar conhecer a essência do que eras, e vieste correndo. Ainda me lembro.

Correndo cheia de esperança num frango de churrasco picante que nem lembras, por mim não lembro se tinha ou não tinha, mas tu tinhas, uma conversa interessante, e o mesmo sorriso que, mal passaras no carro arreganharas à janela, baixando o vidro apressada como se tivesse chegado a desejada.

 E chegara. Chegara tolerante, benevolente e carente, por isso nos despachámos, acorrendo às águas calmas de um lago onde deslizavam patinhos, e peixinhos vermelhinhos de que fugimos para a sombra de um prédio altíssimo onde, perante Ele o altíssimo nos confessámos mutuamente e, sem darmos pelo tempo decorrido debandámos para o almoço de onde derivámos tomando um rumo aleatório que nos levou à albufeira sem gente, a uma paisagem despida, escondida e, onde acoitados pela sede e coragem que nos preenchiam ousámos não sucumbir, e resistir, concordar, comungar e vencer.

Já antes guardara uma foto ou duas tuas com o carinho de um crente e a esperança de um deserdado, todavia passei a venerá-las com o fervor dum apaixonado, a fé de um devoto e a clarividência de um iludido. Nem eras bonita por aí além, nunca deves ter sido, nem era isso que buscava em ti porque o que em ti encontrei só eu sei, e só eu sinto. Bastaste-me, bastas-me, bastar-me-ás sempre, assim tu não mudes pois nada há a mudar e para pior já basta assim. Pouquíssimas pessoas encontrei na vida com quem me identificasse pronta e completamente, a primeira estou prestes a perdê-la, Deus tem contudo sido bom p'ra mim, a segunda foste tu que num irreflectido gesto te apagaste, ciosa de ti, temendo ser observada, como se eu não tivesse milhares de canais pornográficos na net e precisasse mirar-te, quando nem os outros miro, mesmo aos milhares. Quando quero ou preciso mirar-te vou olhar a tua foto, nem te vejo bem, estás de viés, mas o que vejo sossega-me. A esplanada sobre o rio, a calma na tua expressão, o nariz árabe, o enxame de cabelos onde sonhei enfiar os dedos como um pente pelo menos umas cem ou duzentas vezes.

Sem ter que ter perdido a paciência ensinando-te, aprendeste tudo que há de importante a aprender, a saber, perder-te seria perder um património inigualável, uma caixa de ressonância ou câmara de eco da minha consciência. Naquele dia, naquela tarde, não te perdi, ganhei-te, ou ganhaste-me, ganhámo-nos, não merecemos perdermo-nos e, a perder, que nos percamos um dia nos braços um do outro.

Merecemo-nos.