Que esperar além do nada que não a sabedoria vivida e adquirida desinteressadamente ? Que esperar além do nada que não a experiencia acumulada e
vivenciada ? Que esperar além do nada que não a entrega, solta, desprendida e
não engajada de quem conscientemente a abraçou e escolheu como opção ?
Que esperar então além do nada senão tudo ?
Aprendi a viver com o que tenho, aprendi a nada esperar e a
dar o que posso. Não sou um estilita mas sou parcimonioso, frugal, estóico,
contido, espartano, sem chegar a asceta. Creio nada acontecer por acaso e não
acredito em coincidências, nem em Deus. A realidade, os factos, tudo o que sabemos
aponta para o cosmos, o universo, o infinito, sendo nesse contexto que busco
situar-me, ver-me e observar-me enquanto ser vivo, pensante e racional.
Não corro atras das coisas, o que há-de ser meu à minha mão
virá, mas interrogo-me e procuro respostas para as minhas questões e
interrogações.
Nunca foste uma questão mas foste uma hipótese. E como
hipótese mirei-te e remirei-te, avaliei-te e medi-te tal qual António Gedeão fez
com uma “Lágrima de preta” * No fundo não eras mais que tu e os teus ais, e
isso era muito, para mim era tudo.
Sofreras na pele as arremetidas alarves do amor quando ainda
nem sabias o que isso seria, portanto cresceste na sabedoria. Foste fêmea brava
e mãe quando ainda nem sonhavas o quanto isso importava, comportava, e aprendeste
a ser mulher.
Gritaste Ipiranga quando sentiste chegada a tua hora de
dizer basta, e honraste-te quando ainda nem sabias nem sonhavas como
desenvencilhar-te num mundo disfuncional, irracional, animal. Cuidaste de
cuidar-te imaginando ainda que neste pequeno mundo, neste pequeno país, mérito
e sabedoria contariam, porém, vivida e avisada poupaste-te a tempo de te
sujeitares a mais despesa, mais trabalho e mais desilusões, que visão !
Por fim sucumbiste aos cânones da beleza e compraste uma
webcam com Photoshop, daquelas que tiram verrugas, sinais, rugas e manchas que
tais mas não alteram os modos, nem a linguagem, muito menos o interior, o
coração, a mente, o caracter, a personalidade. No fundo o Photoshop muda tudo
menos o essencial, e é bom que assim tenha sido porque foi o essencial que,
essencialmente me levou a desejar conhecer a essência do que eras, e vieste
correndo. Ainda me lembro.
Correndo cheia de esperança num frango de churrasco picante
que nem lembras, por mim não lembro se tinha ou não tinha, mas tu tinhas, uma
conversa interessante, e o mesmo sorriso que, mal passaras no carro
arreganharas à janela, baixando o vidro apressada como se tivesse chegado a
desejada.
E chegara. Chegara
tolerante, benevolente e carente, por isso nos despachámos, acorrendo às águas
calmas de um lago onde deslizavam patinhos, e peixinhos vermelhinhos de que
fugimos para a sombra de um prédio altíssimo onde, perante Ele o altíssimo nos
confessámos mutuamente e, sem darmos pelo tempo decorrido debandámos para o almoço
de onde derivámos tomando um rumo aleatório que nos levou à albufeira sem
gente, a uma paisagem despida, escondida e, onde acoitados pela sede e coragem que
nos preenchiam ousámos não sucumbir, e resistir, concordar, comungar e vencer.
Já antes guardara uma foto ou duas tuas com o carinho de um
crente e a esperança de um deserdado, todavia passei a venerá-las com o fervor
dum apaixonado, a fé de um devoto e a clarividência de um iludido. Nem eras
bonita por aí além, nunca deves ter sido, nem era isso que buscava em ti porque
o que em ti encontrei só eu sei, e só eu sinto. Bastaste-me, bastas-me,
bastar-me-ás sempre, assim tu não mudes pois nada há a mudar e para pior já
basta assim. Pouquíssimas pessoas encontrei na vida com quem me identificasse
pronta e completamente, a primeira estou prestes a perdê-la, Deus tem contudo
sido bom p'ra mim, a segunda foste tu que num irreflectido gesto te apagaste,
ciosa de ti, temendo ser observada, como se eu não tivesse milhares de canais
pornográficos na net e precisasse mirar-te, quando nem os outros miro, mesmo aos
milhares. Quando quero ou preciso mirar-te vou olhar a tua foto, nem te vejo
bem, estás de viés, mas o que vejo sossega-me. A esplanada sobre o rio, a calma
na tua expressão, o nariz árabe, o enxame de cabelos onde sonhei enfiar os
dedos como um pente pelo menos umas cem ou duzentas vezes.
Sem ter que ter perdido a paciência ensinando-te, aprendeste
tudo que há de importante a aprender, a saber, perder-te seria perder um
património inigualável, uma caixa de ressonância ou câmara de eco da minha consciência.
Naquele dia, naquela tarde, não te perdi, ganhei-te, ou ganhaste-me,
ganhámo-nos, não merecemos perdermo-nos e, a perder, que nos percamos um dia
nos braços um do outro.
Merecemo-nos.