quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

304 - ÉVORA, ATENTADO TERRORISTA ...............


Em boa verdade ninguém sabe dizer com exactidão donde eles apareceram, eles o grupo, e pelo que foi apurado não seriam mais de meia dúzia. Todos de kispos enormes e escuros, vestimenta precoce para a época, mas ninguém estranhou, habituados que estamos a ver aparecer excursões turísticas eclécticas, até esquimós em pleno verão.

Não esqueçamos que estou tentando reconstituir minuciosamente os acontecimentos com base nas informações colhidas, que embora escassas e contraditórias nessa manhã, se vieram a mostrar numerosas e coincidentes na sua plural ambiguidade. Já lá vão uns cinco meses mas a memória não irá falhar-me, tenho o meu canhenho de apontamentos.

Ao certo ninguém parece saber por ou qual o lado por onde perpetraram o acesso à praça do Geraldo, inda que tudo leve a crer ter sido subindo a Rª da República ou descendo a 5 de Outubro ou da Selaria, digo isto por o agente em frente ao Banco de Portugal ter sido o primeiro a cair e fruto das primeiras contradições. Uns que ele tombou sem um pio e nem se terá dado conta de quem o degolou, outros que embora de boca abafada terá dado luta ao atacante que só dificilmente o subjugou, coisa a que não foi alheia a superioridade do armamento e superior pujança física do agressor. Esta é a versão que corre na esquadra e entre os agentes, o respectivo sindicato já aproveitou o ensejo para lembrar que há mais de dois anos reclama novas pistolas invocando como obsoleto o modelo que equipava o agente barbaramente assassinado (e todos os outros).

De certo apenas se sabe que o agente nem teve tempo de lançar a mão ao coldre e que sangrou como um cordeiro pascal, caído na calçada frente ao Banco de Portugal, o que dá relevo à heroicidade e ao patriotismo do seu sacrifício. 


A segunda vitima desta brutal agressão foi um infeliz e colateral acaso, trata-se de Estevão Horácio, setenta e dois anos, agente reformado e que por ali atalhava caminho vindo do mercado em direcção a casa. A mulher ainda lhe gritou:

- Não te metas Horácio !!

Mas o bom do Horácio ao ver o colega caído no chão e sangrando, não se conteve e espumando de raiva atirou-se de peito aberto ao meliante enquanto respondia à mulher:

- O dever primeiro o dever primeiro...

o terrorista, segundo testemunhos não confirmados, simplesmente terá desencravado o facalhão da goela do agente que atacara, erguido a mão e esperado e aguentado que o precipitado Horácio nele tivesse enfiado a proeminente barriga. Estevão Horácio ainda terá tido um último pensamento para a devota esposa e balbuciado:

- Ai Ester e agora ?

Ficou cadáver no mesmíssimo instante e no local onde tombou, nem terá sequer sangrado.

O resto é por demais sabido de todos. Ter-se-ão dirigido ao centro do tabuleiro da praça onde as esplanadas cheias àquela hora foram um alvo fácil, o matraquear das metralhadoras nem foi de monta, diz quem ouviu. Gente no outro extremo da praça junto à igreja de Stº Antão ou vinda da Rª João de Deus nem se terá apercebido dos tiros, que começaram exactamente ao meio dia, apenas viram o estardalhaço dos corpos, mesas e cadeiras pelo ar, tendo ficado por largos momentos expectante quanto ao motivo do estranho alarido e confusão.

Segundo testemunho não corroborado de Luís Martins, mais conhecido por Beato Salú, depois da matança, que levaram a efeito na maior das calmas, um deles ter-se-á aproximado da agência de Turismo local e disparado uma rajada contra quem de dentro se encostava aos vidros das portadas para ver o espectáculo e atirado uma granada, que os peritos vieram a classificar de ofensiva, e que não deixou vivo nenhum dos curiosos funcionários que no minuto anterior haviam sobrevivido à rajada que estilhaçara as vidraças por, no calor da bizarra cena, esta ter sido disparada demasiado alta, alegaram os mesmos peritos.

Ainda segundo Luís Martins, que especado no meio do tabuleiro aguardava expectante o que se seguiria, um dos elementos do grupo de presumíveis meliantes ter-lhe-á perguntado onde se situava a igreja de Stº. Antão, ao que ele respondeu com um gesto designando e apontando o edifício no outro extremo da praça, para onde os então alegados autores do atentado se dirigiram, armas ainda fumegando, o que não deixou de nos explicar o citado e surpreendido Luís Martins, por acaso o tipo de pessoa a quem nada surpreendia.

Segundo apurado, dezenas de telefonemas terão sido efectuados para os serviços de assistência que, inicial e compreensivelmente, tentaram de inicio canalizar as chamadas para destinos mais competentes dado o elevado numero de feridos que lhes era reportado, ao que há a acrescentar a precipitação, a ignorância e a falta de protocolo e meticulosidade de quem a partir de Évora efectuava as chamadas, confundindo durante bastante tempo os técnicos e agentes de serviço do outro lado da linha, repentinamente bombardeados com pedidos de auxilio em catadupa, o que os desestabilizava e arrancava ao remanso das rotinas protocolares, essas sim propiciadoras do bom andamento e encaminhamento das solicitações dos cidadãos, objecto, motivo e dedicação dos serviços de atendimento, como é bem sabido de todos nós.

Depois de umas trinta a cinquenta sobressaltadas chamadas, inclusivamente reportando mortos às paletes, os serviços de atendimento e assistência aperceberam-se finalmente que algo de irregular acontecera na Praça do Geraldo, e logo fizeram destacar ambulâncias, carros de apoio e um piquete que, equipado com as novas t-shirts de manga curta do fardamento de verão, se pôs a caminho acessando a dita praça pela Rª Nova, que desemboca à lateral da igreja, igreja que os alegados infiéis já tinham visitado. O designado piquete desembocou na praça precisamente no momento em que os supostos meliantes acabavam de banquetear-se com vários bules de chá, para o que intimidaram uma aterrorizada funcionária da Cozinha de Stº Humberto, obrigando-a a servi-los, e carregavam numa carrinha Citroen Berlingo fechada, pintada com motivos e cores de uma florista, à qual ninguém se lembrou de tirar a matricula, carregavam nela dizia eu, mochilas, armamento, kispos, e máscaras ou gorros passa montanhas.

Ao ver o piquete um deles, calmamente, abriu de novo uma das mochilas ou sacos de onde, segundo testemunhas e a reconstituição levada a cabo posteriormente, com recurso a uma equipa multidisciplinar onde não faltaram artistas, inclusive de teatro, capitaneados pela Sandra e pelo José Fonseca, naturais daqui e que prometeram levar à cena o incidente e conceder-lhe a conveniente abordagem plástica. Mas, retomando os factos, o suposto terrorista retirou uma pequena metralhadora com a qual disparou sobre o grupo de agentes mal este desembocou na praça e se preparava para sacar dos coldres as suas armas, ferindo dois deles e deixando outros tantos estendidos no empedrado, os restantes dispersaram rua acima, sabe-se hoje que em direcção à esquadra, que aquilo afinal era coisa séria e a pedir outro tipo de intervenção e de armamento pesado.

Uma carrinha policial Mitsubishi caixa aberta que descera a rua da Selaria teve igual tratamento, e o vidro do para brisas, tal qual os vidros das montras da papelaria Nazareth, adjacente, foram completamente estilhaçados, tendo os agentes na fuga e marcha atrás encetada atropelado mortalmente dois curiosos, um deles esmagado contra a esquina da Alcárcova de Baixo, fora estas duas vitimas não houve outras dignas de registo a assinalar, nem entre os agentes da autoridade.

Isto é, em súmula, o melhor que consegui apurar sobre o bárbaro atentado e incidente, se vos não deixo mais e melhor informação tal se deve ao facto de a investigação ser omissa num ou noutro aspecto, apesar de profundamente levada a cabo, ou por ter a mesma sido nalguns aspectos inconclusiva. A titulo de exemplo direi que após um momento inicial (e emocional há que assinalar), em que todos tinham plena certeza de ter visto os presumíveis terroristas e nitidamente identificado os mesmos sem qualquer sombra de dúvida, primeiro como árabes, depois como ciganos, e por fim como pretos, se concluiu pela maioria de testemunhos serem os ditos cujos de raça branca, caucasianos, alguns deles louros, alguns baixos, outros nem tanto, testemunhos de todo ao arrepio de quem os catalogava de gigantes, de núbios, e até de marroquinos.

A verdade é que ao certo ninguém sabe como eram ou quem eram, apesar de se terem passeado e demorado na praça com toda a desfaçatez, e nem isso já interessar, visto o terrível incidente ter catapultado o nome da cidade para os noticiários e páginas dos maiores jornais mundiais e o fluxo de turistas atingir picos impensáveis quatro meses atrás. Há quem diga ter sido o melhor que aconteceu à cidade, quem afirme nem terem os setenta e sete mortos sido um preço elevado tendo em conta os benefícios colhidos, tanto mais que noventa por cento das vítimas eram gente de fora. Nos vários serviços do estado vive-se um arrebatamento e entusiasmo como não se via há anos e não há repartição que não esteja genuinamente sedenta de indeferir um ou outro projecto, qualquer que ele seja.

Nos últimos três meses deram entrada nos competentes serviços mais de vinte solicitações para grandes investimentos, entre os quais mais de treze novos hotéis, não considerando projectos de menores dimensões. Um departamento universitário, em parceria com o Grupo PorÉvora, descobriu numa investigação histórica levada a efeito sobre um incunábulo existente na Biblioteca Pública da cidade e sobre o qual pendiam estudos vai para vinte cinco anos, apurou que já há quinhentos anos a.C. e sob o jugo romano, Cartagineses, Fenícios, ou Árabes tinham levado a efeito idêntico atentado, comprovado pelas ossadas encontradas junto à cerca velha e no lugar para onde depois foram chutados os judeus, hoje judiaria, e compreendida entre as ruas Do Raimundo e de Alconchel, actual rua Serpa Pinto. A cidade vive momentos como não vivia há muitas décadas, novas lojas sendo abertas todos os dias, e até a Guilda de comércios e ofícios, cujas direcções nunca primaram pela inteligência, se vê agora disputada com a exigência de participação de todos.

Não há fome que não dê em fartura, há males que vêm por bem, Deus escreve direito por linhas tortas, e Alá talvez um dia nos diga quem, como e porquê aquela gente nos entrou portas adentro.

Até lá, gozemos o momento…

https://www.facebook.com/Turismoevora/?fref=ts




quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

303 - FORMATADO * ................................................


FORMATADO *

Ajusta-te à fatiota,
com um sorriso idiota,
e olhas, rindo, o futuro à tua frente,
parecendo-te fluir alegremente,
dinâmico,
compelindo-te ao atrevimento,
atreve-te ! manda-te !

Mas já no ar sentes um certo constrangimento,
reparas então que o movimento que visionaras,
não é em crescendo,
nem em comprimento,
e te deparas com o chão fugindo-te debaixo dos pés,
em regressão dás-te então conta estares noutra dimensão.

Primeiro curtes um susto, medo, apreensão e aos poucos,
vais desvendando a trela curta,
a liberdade parca,
o horário cheio,
o contrato a prazo,
o recibo verde,
               o escravo da gleba
um precário, ordinário,
com emprego ao candeio,
a jorna encolhendo,
o soalho regredindo,
já te vês pedindo,
entrando em pânico,
concorrendo à panrico,
e a um milhão idêntico,
nem respostas levas...

Ficas invisível no seio das trevas,
e já não és jovem,
nem sequer assertivo, ou optimista,
ou dinâmico, ou surrealista,
nem materialista, nem consumista,
és excedente,
poluente,
um problema incongruente,
já nem és gente, já nem és nada,
és merda formatada *
por esta sociedade demente e tão excelente !

Humberto Ventura Palma Baião, Évora, 7 de Janeiro de 2016 

             



quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

302 - O IMI E A PRÓTESE D'ANCA DA ANICAS…


- Calados ! Cheira a putas ! Cheira ou não cheira ?

Na verdade cheirava intensamente, ou seja notava-se deveras, talvez devido a exagero na água-de-colónia com que aprecio refrescar a pele após barbear-me, mas daí ao despautério do Hortênsio vai uma grande distância. “Cheirar a putas” foi olor de ofensa que chegou até mim, de modo que, conhecendo-o como conheço, nem lhe dei resposta e fingi ignorá-lo quando atirei os bons dias p’ra cima da mesa do café, à volta da qual todos conspiramos e cascamos tanto nos assuntos do dia quanto uns nos outros e em especial em quem não está, ou mais precisamente em quem nem está.

O motivo da conversa do dia surpreendeu-me, pela algazarra, mas também e sobretudo por todos quebrarem em uníssono o hábito dos últimos tempos, calarem-se a tudo que metesse ou cheirasse a politica, porém o IMI, e as repercussões da aplicação do novo coeficiente de localização, a avaliação do valor dos imóveis para efeitos de tributação, aqueceu os ânimos, ali todos eram proprietários de habitação própria sendo alguns senhorios, daí a celeuma levantada e as expectativas em redor da questão do IMI.

Agastado com a piada de mau gosto do Hortênsio sentei-me e nem abri boca, quedei-me para ali a ouvi-los; que o IMI iria baixar alardeavam uns, que o IMI subiria alvitravam outros, puro eleitoralismo chutou um terceiro, quando mexem nalguma coisa nunca é para descer ó parvalhões, ajuizou um quarto. Alguns municípios nem o poderão descer mesmo que queiram, por estarem submetidos a programas de recuperação financeira como o PAEL lembrou a Anicas, enquanto me olhava como que pedindo a minha concordância ou confirmação, colando a coxa à minha numa atitude tão displicente quão desinteressada ou distraída, sabendo eu não dar ela ponto sem nó, desde que há meia dúzia de anos o Albertino a deixara viúva e ela paulatinamente recuperava os modos, o viço e a fogosidade de quando era muito mais nova (mau grado a prótese que lhe sabíamos na anca), com resultados muito positivos diga-se com toda a franqueza e em abono da verdade.

Fingindo não perceber a coisa e evitando cruzar o olhar com o Hortênsio, eu ia ouvindo uns e outros enquanto cofiava a barba, quer dizer o queixo bem escanhoado, gosto da barba feita à lâmina e ao abandonar a casa de banho terminara como invariavelmente com umas palmadinhas nas faces para espalhar o Dystron no rosto, o que me refresca a pele crestada pela Gillette e me perfuma e deixa bem disposto, disposição que nem a despropositada piada do cheiro a putas logrou retirar-me, há gente que nem sabe o que perde por não ficar calada, enfim, parvoíces.

- E tu Baião ? Que achas desta dança do IMI. P’rá i tão calado, diz lá à gente o que

- Acho bem, nem poderia achar de outro modo, os que podem aos que precisam, isto já nem é IMI, é mais uma taxa de solidariedade, pelo que vou comer e calar, até porque é como tudo o resto, a tendência será sempre para subir e não descer, solidariedade meu, sabes o que é ? Faz a tua parte e cala-te.

- Olhem a conversa deste cabrão hoje, acordaste com o cu destapado foi ? Tas sempre mandando postas de pescada contra tudo e todos e hoje deu-te para a solidariedade foi ? Se fosses…


       Não acabou a frase nem teria sido necessário, percebi-o claramente e volto a dizer de mim p’ra mim não se poder dar confiança a esta gente, a Anicas adivinhando-me o pensamento fez-me saber estar do meu lado e, encostando mais a perna, com qual por três vezes consecutivas fez mais pressão sobre a minha, deu-me um sinal que eu entendi perfeitamente. Para ser sincero a vontade que me deu foi dar-lhe um leve toque de cotovelo para que saíssemos dali deixando a cãozoada a ladrar sozinha, quer dizer falando sozinha. Vontade não me faltou, e tenho a certeza que nem à Anicas faltaria, mas um homem tem que manter a sua honestidade e integridade, um homem tem que saber estar e saber comportar-se, que diriam todos da nossa dignidade ao ver-nos abalar os dois ao mesmo tempo ? Só quem não os conheça errará a resposta, quem os não conhecer que os compre…

Refreei-me evitando polémicas e nem respondi ao alarve.

- Vejam ali na Tv. a nota de rodapé que está passando alertou com urgência o Faustino, «o desemprego mantêm-se em 12,4%…», e enquanto se mantiver alto, e mesmo baixo que seja, se não produzirmos mais os impostos jamais descerão, IMI incluído, o país, os ministérios e os municípios, estão pejados de funcionários públicos aos quais é preciso pagar, e depois de se lhes pagar não sobra um tostão nem para mandar cantar um cego, isto meus amigos, pagar impostos, é solidariedade como disse e bem o Baião, contando que ela dará também para o que é sumido nos bancos falidos, na divida cega, na fuga aos impostos, na corrupção generalizada de que ninguém tem provas, nos milhões que a incompetência queima e a irresponsabilidade some…

- Ora, mas ao menos consomem, mantêm a economia funcionando, não é o que se diz agora ? Que é necessário aumentar o consumo interno ? Estes consomem, ao menos consomem, se estivessem desempregados seria duas vezes pior, repenicou a Teresa do alto do seu poleiro e que o facto de ter sido sindicalista lhe consentia e a obrigava.

- Ó minha menina, naturalmente tens razão, condescendeu o Faustino já agastado, desempregados seria duas vezes pior, então do mal o menos, e sempre seriam mais dramas quando eles nem são culpados da trampa em que os nossos políticos nos atolaram a todos, mas se fossem funcionários do sector privado estariam a produzir e igualmente a consumir, estás vendo a diferença ? É que o óbice da coisa ou das coisas é precisamente a não produção !

- Ora essa, então não produzem ? Voltou a Teresa à carga.

- Claro que produzem sosseguei-a eu, pouco e mal embora a culpa não seja deles, eu diria que o funcionalismo público funciona “abaixo da capacidade instalada”, mas sim, produzem, ou induzem, algures a montante e a jusante sempre ajudarão a algum consumo, e a alguma produção, mas com o investimento público e o privado quase inexistentes que têm para fazer ? Os homens ainda se podem dar ao luxo de coçar os ditos cujos, e elas ?

Foi demais, fui longe demais e talvez a tenha ofendido, virou-me as costas sem retrucar e desandou…

Mas é a verdade, não por sua culpa mas alimentamos um funcionalismo público pesado, quantas vezes burocrata, ineficaz, que por vezes complica em vez de aclarar, e cujo consumo, tal como o privado, não poucas vezes é canalizado para fábricas alemãs, francesas, italianas e japonesas de automóveis e motas, material para fotografia e reprografia, consumíveis e uma plêiade de importações que nos afogam, é a nossa sina, a nossa solidariedade funcionando. Contradição ? Mas se o país vive delas, está cheio delas ! Que dizer quando na Tv. nos apresentam a recuperação do imobiliário como se de sucesso ou de construção civil se tratasse ? São compras e vendas, na sua maioria especulações, comprar por cinco e vender por dez, aplicar o dinheiro que foge aos juros e que no banco não rende, ou a ser sumido nos bancos falidos e nos que irão falir, o imobiliário é o novo colchão do aforro luso, são aplicações ou investimentos financeiros destinados a dar segurança ao capital. 

          Essas aplicações de capital não passam de subtis ou declaradas fugas à irresponsabilidade e incompetência dos nossos politicos e gestores e, qualquer dia, nem um porquinho capitalista meterá um tostão furado neste mealheiro à beira-mar plantado... Alguém acredita por exemplo que o incremento na venda de automóveis, especialmente verificado nas marcas premium seja um sinal de pujança da economia ? Contudo é assim que nos vendem estes factos…

Anda daí Anicas, tá na hora de almoçar e estou fartote de aturar estes palermas.

Temos que falar…

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

301 - PROIBIDO PROIBIR *.........................................


De tanto instigar nestes meus escritos tudo e todos a que se debruçassem seriamente sobre aquela figura maquiavélica que Salazar representa na nossa história, vi-me algumas vezes confrontado e por duas ou três envergonhado.

- Olha lá ó Baião, porque não o fazes tu ó palerma ? Já que és tão sabichão na matéria arregaça as mangas e atira-te ao trabalho, nem te deve custar muito, já deves até ter o conhecimento disso bastante adiantado.

Um houve que colocando os braços sobre os meus ombros me encorajou em jeito de confidência:

- E se quiseres entrevistá-lo pessoalmente tenho lá em casa uma caçadeira que te posso emprestar, é só dizeres e carrego dois cartuchos de chumbo grosso, o resto saberás como se faz, os canos debaixo dos queixos e zabimba ! Até gritarás para o microfone !

De modo que intui as piadas e a vergonha e predispus-me a elaborar a tal tese de mestrado ou doutoramento que tanto vinha recomendando a uns e outros, móbil, evidentemente a tão ignorada quão carismática figura de Salazar, António de Oliveira de seu nome, para o que arrebanhei todo o material em meu poder, comprei algum que era aconselhado e decerto faria falta, há obras cuja consulta simplesmente não podemos dispensar, ainda ando separando o tema em centenas de revistas e jornais que fui guardando ao longo dos tempos e sempre que continham algo digno de interesse histórico ou valioso e era aconselhável guardar.

Nessa demanda a que me propus tudo que venha à rede é peixe, e não seria justo descurar algo por mais insignificante que fosse sem antes avaliar a sua probidade, e se constitui interesse ou novidade para o trabalho em causa, foi assim que um destes dias considerei como contributo desinteressado mas manifesto o conselho de um amigo e adquiri um livrinho cuja existência eu desconhecia, ainda que recentemente dado à estampa. À primeira vista mais parece um livro de humor, tanto nos faz rir. 

           O opúsculo relata situações caricatas, tão anedóticas e ridículas que alguns julgarão não corresponderem à verdade. Infelizmente são-no, e embora o livrinho esteja escrito com alguma leviandade (não quero utilizar o termo infantilidade), as coisas sérias mesmo que despertem em nós o riso devem sempre ser tratadas com seriedade e comedimento, sobretudo estas que caracterizam, e bem, o ridículo em que caiu um regime, mas essa coisa do estilo é um problema do escritor, neste caso de um jornalista que julgo experiente, que exerce a profissão há quarenta e tantos anos e entendeu presentear-nos com o que ele mesmo parece querer fazer parecer, um livro de anedotas. Apesar de não deixar de ser um livro sério, “Proibido” ** merecia mais sobriedade.

A minha busca isenta e imparcial da figura e do reinado de Salazar não me permitiria descurar esta obra por mais ligeira ou leviana que ela se nos apresente, e ainda que na generalidade as situações retratadas não sejam novidade para mim, algumas há contudo que desconhecia e que não deixam de se inscrever no inédito absurdo que o regime do Estado Novo acabou abraçando, absurdos que embora em menor número ainda subsistem nos nossos dias, ainda há bem pouco tempo se cortaram subsídios à infância e abonos de família enquanto em simultâneo se pretendia combater de um dia para o outro o défice demográfico em que caímos, mais um deficit, mais um absurdo, este país continuará continuamente (perdão pela redundância), a surpreender-nos, ou em relação aos emigrantes, que se punham na rua em paralelo com a tomada de medidas legislativas que promoviam o seu regresso.
     Contradições atrás de contradições, o ridículo é eterno e universal, e parece bastar que descuremos a nossa atenção para que nele caiamos, todavia para mim, o que mais sobreleva neste hilariante livrinho é dito logo nas primeiras páginas, mais concretamente na pág. 12, “ … este clima de proibições… levou a que, com o tempo, nem fosse necessário produzir uma lei para proibir, por exemplo, a entrada de uma senhora de cabeça descoberta numa igreja. Ao é proibido juntaram-se os heterónimos «não se faz», «é pecado» e «parece mal», que ainda subsistem nos nossos dias”… Esse é na verdade, o busílis da questão, e esse é o tema central da minha investigação e da minha tese, como pôde um regime ridículo manter-se de pé quarenta anos se não com a aceitação, o apoio, e conivência da população, como e porquê tal aconteceu ?

Temos, sobretudo nos últimos quarenta anos, feito de Salazar o bode expiatório de tudo e para tudo, mas que dizer de quem andou com ele ao colo ? Como foi tal possível ? Que circunstâncias explicam ou justificam tamanho dislate ? Quem se calou ? Porque o fez ? Quem foi conivente por acção ou omissão ? A quem, de que modo e por quê convinha manter o regime ? Porque é o regime do Estado Novo sempre apodado de odioso e referido negativa e sistematicamente em oposição, por exemplo, à nossa terceira república que tem sido por nós significativa e exageradamente beneficiada na apreciação das suas conquistas ? Porque é moda ? Por ser de bom tom malhar no Salazarismo e tudo o resto deixar passar e consentir abusivamente e sem que nos ofendamos ou revoltemos tantas vezes com um simples encolher de ombros de resignação, não ferem os atropelos e desmandos actuais os nossos interesses e a nossa dignidade profunda e cruamente ? A esta democracia tudo se desculpa e permite ?

O livrinho relata e enumera efectivamente uma catrefa ou uma série de situações ou proibições ridículas, mas não encontraremos hoje contradições e situações igual e indesculpavelmente tão ou mais ridículas que essas ? Tão ou mais prejudiciais que essas ?

Não quero prematuramente antecipar conclusões da minha trabalheira, podem sair extemporâneas, ou pior que isso, inconclusivas, contudo duas palavras parecem sobressair já no contexto em que me aprofundo, complacência e deferência.

Salazar contou durante trinta e seis anos com a nossa complacência, mais do que a que temos tido, surpreendentemente, para com as últimas quatro décadas, ele porém contou com toda a deferência deste povo, deferência que hoje estamos longe de conceder uns aos outros e que me leva a colocar a hipótese, académica, de que não tivesse o ditador caído da cadeira e tê-lo-íamos tido connosco e acarinhado durante outros trinta e seis anos…
       É caso para pensarmos bem no assunto, sem leviandade, com isenção e imparcialidade, pois quem saiba rir-se de si mesmo ri-se duas vezes, ou ri-se a dobrar, reza um velho provérbio chinês de minha autoria e que acabei de inventar…   

* "é proibido proibir"  frase remontando aos dias subsequentes ao Maio / 68 em França. 
** “Proibido” de António Costa Santos,  
Edição 2015, Páginas: 196, Editora Guerra & Paz, ISBN: 9789898014597

BOM ANO NOVO !!!


segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

300 - O EVENTO E O INGLÊS ....................................

A carinha laroca e companhia do dia

Ora bem meus amigos devo avisá-los ou esclarecê-los que este texto, ou antes o relatado no seu conteúdo, tem um mês, perdão, tem até mais de um mês. A história que lhe dá origem situar-se-á entre 26 e 30 do verão dos marmelos ou Novembro pretérito passado, e só agora vê a luz do dia devido ao curioso facto deste vosso amigo se encontrar enfastiado com o tempo, que nem aquece nem arrefece, nem desatar a chover nem o pai a almoçar, nem a política a atar ou a desatar.

A história, verídica e hilariante, conta-se em poucas palavras e foi ouvida numa aprazível viagem em que eu e a minha Mariazinha almoçámos e jantámos, num belo dia de sol e romântico passeio. Foi por nós ouvida, ou melhor, sintonizada no rádio do carrito, tratou-se duma qualquer rádio local cujo nome nos escapou.

O debate/diálogo entrevistador / entrevistado suscitou entre nós uma verdadeira risota, e compeliu-nos a manter sintonizada essa estação que por norma nunca era por nós ouvida. Mau grado tanta atenção não logramos até ao fim da contenda descortinar qual a estação radiofónica, nem qual o agressivo entrevistador ou tão pouco o entrevistado, somente que um era tratado por senhor Pacheco, o qual por sua vez tratava o oponente, sim porque às tantas aquilo era já um embate, ou combate não declarado, tratava o interlocutor dizia eu, por excelência. Pacheco versus excelência, e constituiu um rico momento de humor que, curiosamente poderíamos situar em qualquer local destes nossos vastos e peculiares Alentejos, para quem não saiba, o Alto, o Central e o Baixo, fica a observação não vá alguém perder-se na vastidão das nossas planícies e / ou das nossas idiossincrasias.

Vamos então à vaca fria, já devem ter percebido o cenário, uma emissão matinal em que um entrevistador de uma rádio local confronta, não escuta, não se limita a ouvir ou a simplesmente permitir que alguém tratado por sua ou vossa excelência enumere ou propagandeie, ou divulgue sem contraditório um determinado evento que iria na 15ª ou 25ª edição anual, infelizmente não deu para perceber esse pormenor, porém não pode dizer-se o mesmo de sua excelência, que em dez minutos e a propósito do evento repetiu vinte ou mais vezes a palavra “potencialidades”, o evento e o concelho estariam cheios de potencialidades, o que não passou despercebido ao perspicaz locutor / entrevistador que, mal pôde, confrontou sua excelência com a violência de uma pergunta de todo inesperada:

- Excelência, acredito que o evento se revista das potencialidades por si apontadas, mas estando decorrendo a 15ª, ou 25ª, (aqui a perturbação hertziana não deixou perceber bem a coisa), e em todas elas tendo sido alavancadas essas mesmas potencialidades, não era já tempo de as ver concretizadas ?

Aqui fez-se uma pausa de chumbo e negra, em que se ouve nitidamente sua excelência remexer-se na cadeira, respirar fundo, e por fim ripostar:

- Sabe, é uma questão muito complexa que tem que considerar as envolventes exógenas (quais, o bom do Pacheco ainda tentou perguntar, mas não teve resposta) sem as quais a relevância plena jamais será atingida, isto é um processo construtivo, dinâmico, é uma realidade mutável que paulatinamente se tem vindo a construir e a assumir e que se assumirá cada vez mais como referência incontornável da realidade regional e quiçá nacional.
O carrinho velhinho

Foi aqui que eu e a Mariazinha largámos umas gargalhadas e decidimos manter a estação sintonizada, o pintarroxo estava cheio de jogo, dominava o vocabulário e cantava muito bem mas não nos alegrava. A sua conversa era tão vaga que bem poderia estar a referir-se a qualquer coisa em qualquer lugar. Mas o bom do Pacheco não se deu por achado, nem por vencido, e voltou à carga:

- Sim vossa excelência, mas queira desculpar-me, com o PIB do concelho a descer há anos, o desemprego a subir e o despovoamento gritante a que temos assistido, como justificar e sobretudo manter a aposta e a esperança num evento que a realidade parece contrariar ?

- Ora essa amigo Pacheco ! O senhor parece-me demasiado bem informado, sabia-o doutorado em bio-quimica mas desconhecia-lhe essa faceta de investigador e economista politico, deduzo das suas palavras algum descrédito e até animosidade em relação ao nosso evento, engano-me ? Não andará o amigo Pacheco enganado na profissão ? 

- Sim excelência, realmente admito que me preparei para esta entrevista, consultei os arquivos do jornal da terra e verifiquei com tristeza que o discurso de V. Exª, mais virgula menos virgula tem vindo a ser repetido ao longo dos anos pelos presidentes seus antecessores de um modo inconsequente, o discurso de V. Exª podia ter sido copiado ipsis verbis dos anteriores que ninguém daria por tal, é contra esse malabarismo da palavra e inconsequência de atitudes ou actos que deve ver a minha animosidade e a minha descrença.

- O amigo Pacheco tem razão mas erra num pormenor de extrema importância, é que sem a “Regionalização”, que há muito defendo, não somos donos do nosso querer e torna-se muito difícil passar das palavras aos actos, passar das potencialidades às realidades.

- Saiba V. Exª que na minha óptica a “Regionalização” num país tão pequeno como o nosso, só servirá para engordar o exército de jobs for the boys, engrossar o lóbi dos funcionários públicos e dos burocratas, assim houvesse querer do Terreiro do Paço, para fazer basta querer, o problema é que não se quer, o Terreiro do Paço está subjugado a outros interesses, e funcionários públicos já temos até demais.

- Ó amigo Pacheco ! Por quem é ! O rácio de funcionários não ultrapassa o de qualquer nação moderna da União Europeia, disso sei eu, não me diga uma coisa dessas, há estudos que o comprovam ! O senhor está nitidamente contra o progresso desta terra ! Pois saiba que esta terra tem potencialidades ! Tem futuro !

- Vossa excelência está redondamente enganado, estou com esta terra e com este evento desde sempre, foi no almoço da 1ªedição que eu e minha esposa decidimos acreditar nas potencialidades, no futuro, e casarmo-nos, em má hora o fizemos, vou dar a novidade a todos os ouvintes mas fui despedido a semana passada, esta rádio encerrará a sua voz e as suas portas no dia 31 de Dezembro próximo, outros mais novos e igualmente presentes nesse almoço e em redor da mesa ainda deambulam por aí procurando o primeiro emprego quase vinte anos depois, V. Exª desculpe mas isto é ter futuro ? E quanto aos estudos que consultou devem ser como os do famigerado TGV …

- Lamento amigo Pacheco mas infelizmente já sabia, folgo contudo saber que o meu amigo tem o futuro acautelado e até já lhe chamam o “inglês” ! Como sabe sou um dos accionista desta rádio, sei que irá ocupar um cargo de relevo noutra rádio e felicito-o, desejo-lhe sorte.

- Sim sim, obrigado, mas voltando aos boys, quer dizer aos funcionários públicos, ao seu rácio, comparem-se também os PIBs dos países em causa e verá que para um número de funcionários equivalentes o PIB dessas nações é 3, 4 e 5 ou mais vezes superior ao nosso, na realidade vou dirigir uma nova estação de rádio sim, mas em Newcastle excelência, pois aqui vamos de sucesso em sucesso até à derrota final, e já agora, como não duvido que toda a sua simpatia e sobretudo competência o levarão um dia a ser deputado por esta terra onde já não viverei, aproveito para lhe dar de imediato os meus parabéns, embora duvide que nessa altura ainda haja eleitores neste país.

- O senhor é um contestatário impossível ó Pacheco ! Passe bem ! Saúde e felicidades ! Raios partam o homem !
O radiozinho novinho