sexta-feira, 29 de junho de 2018

514 - O TRIUNPHO DA VONTADE, segunda parte ...


Ora não deixando de ser verdade que o sonho comanda a vida, é porém acordados que damos conta dela, que procuramos cumprir a nossa vontade, que agimos segundo o nosso entendimento das coisas e as circunstâncias que nos cercam, fazendo uso do tal livre arbítrio de que vos falara. Acima de tudo há que manter a coerência, sermos honestos connosco próprios, não desatando por exemplo a berrar contra o imperialismo capitalista para depois nos irmos empanturrar de coca-cola. Esta é só uma achega, exemplos poderia dar-vos aos molhos. Primeiro que tudo há que fazer um esforço mínimo para entender o mundo que nos cerca, a nível global, regional e local, big is good, but small is beautiful, and little is pretty frases mui usadas na minha juventude e oriundas dum velho e milenar provérbio chinês de minha autoria.

Vamos dar lógica a esta arenga e começar pelo nosso país, onde se produz pouco e cada vez menos, onde os níveis de produção baixam porque os meios não nos seduzem, os meios de produção não são apelativos e os tugas debandam, emigram para onde a sua mão-de-obra seja melhor remunerada, apreciada e valorizada deixando o país cada vez mais pobre por variadas razões, menos produtores e consumidores, menos potenciais casais, logo menos meninos, menos filhos que alimentem a mão-de-obra barata, porém fazendo contribuições para a segurança social, SS, afim de assegurar as pensões dos nossos velhos que cada vez são mais, e nem as portas da eutanásia lhes abriram, cousa que além de os ter poupado a diversos sofrimentos teria aliviado também os cofres da SS.

É todo um castelo de cartas a desmoronar-se por não se ter olhado com seriedade para a demografia há trinta ou quarenta anos atrás, e continuamos a não ver nela o essencial. Tentamos remediar, importar migrantes, o que não é a mesma coisa pois mal se apercebam que a vida neste jardim à beira-mar plantado não interessa a ninguém, nem ao menino Jesus, disparam em direcção a outras paragens mais compensadoras. Andámos e andamos engordando deputados e governantes há décadas para afundarem esta nação na razão directa da proeminência das suas barrigas e, se a ignorância era um factor a ter em conta no tempo da outra senhora, não é menos verdade que essa mesma ignorância, agora apelidada de riqueza e diversidade curricular e instilada na nossa juventude por professores por sua vez e na generalidade (há excepções) tão ignorantes quanto ela, faz desta a juventude mais bem preparada dizem, contudo tão estúpida e ignorante quão as anteriores, parecem dizer-nos as estatísticas.

Mas voltemos à vaca fria, digo eu que isto são pormenores, peanuts, e se é verdade que esta juventude não está para lavar pratos por tuta e meia, está todavia disposta a lavá-los na Suíça ou na Alemanha, pois lá o tuta-e-meia é muito mais substancial e além disso não está ninguém conhecido a vê-los e que os possa envergonhar do mister. Alguns lavando-os com belos diplomas que este povinho suou para lhes proporcionar, o que só prova que se não são eles os parvos, eles jovens, decididamente somos nós ao pagar os cursos de que outros irão tirar beneficio.

Esta coisa dos meios de produção não serem nossos arrasta-nos para a pobreza, a miséria, quem os tem só pensa em si e ainda que pague impostos, que não na Holanda já agora, o grosso dos lucros não irá financiar as nossas escolas, nem os nossos hospitais, nem estradas, nem pontes nem terminais, p’lo que tudo nos cairá em cima, e quando digo tudo, digo todos os impostos e mais alguns pois há que alimentar estradas, portos e aeroportos, há que os pagar, que pagar tudo, inclusive as prebendas de quem nos desgoverna mas consecutivamente elegemos até que nos metam num buraco onde pereceremos. Como fugir disto, deste ciclo infernal ? Emigrando, ou emigrando ou lutando, fazendo valer o triunfo da vontade, sendo coerentes, em primeiro lugar com nós mesmos.

A vontade é algo que se manuseia, ou somos nós a fazê-los ou o farão outros por nós, Hitler sabia-o, precisava de carne para canhão, daí que entre muitas outras medidas e métodos para enganar o seu povo e fazer valer a sua vontade condecorasse com a Cruz Púrpura as mães que parissem muitos filhos, e elas honradas e envaidecidas tinham-nos que nem porcas parideiras. Ao prometer dez mil euros por cada filho Rui Rio insere-se na lógica hitleriana que conduz ao triunfo da vontade, mas esquece que nem ele está na Alemanha nem nós estamos em 1933, pelo que a sua ridícula, mas tão lógica quão impossível ideia irá pelo cano. Temos no mínimo que conceder-lhe o mérito por ter pensado no problema e tentado uma solução, parece que as mães portuguesas não são tão parvas como julguei e ante uma economia que as exclui fecham as pernas e tenha filhos quem quiser que elas não, ora aí está uma posição inteligente, coerente e de louvar.

Fazer filhos destinados a carne para canhão ou a alimentar contingentes que garantam grosso modo uma mão-de-obra barata, então façam-nos os excelsos e inteligentes e gordos políticos que tivemos e temos. Puta que os pariu. Ler Marx é preciso, sobretudo se não formos marxistas, é preciso ver como manobram os exploradores, capitalistas ou não, e como devemos furtar-nos a essas manobras. Reparem que nem os Dez Mandamentos traduzem o pensamento de Spartacus e muito menos se reflectem na totalidade do direito romano embora uns e outros destes factores sejam mais ou menos contemporâneos. O imperador Constantino pacificou o império ao instituir o cristianismo como religião oficial (não exclusiva) mas não tocou no direito romano e se os mandamentos - Honrarás pai e mãe (e os outros legítimos superiores), - Não matarás (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo), - Não furtarás (nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo) - Não cobiçarás as coisas alheias, surgem na lei romana tal se deve unicamente ao facto de já lá estarem. Não houve transposição do Decálogo (a tábua de Moisés) para o direito romano, houve sim manutenção do que protegesse e mantivesse os privilégios das classes possidentes romanas, o cristianismo viria a impor-se mais tarde, após a queda do império romano, mas para ser franco, foi mais papista que o Papa e, ao invés de conquistar e assimilar, como os romanos tinham feito, conquistou e destruiu para reconstruir impondo a sua vontade, a sua visão, a palavra de Deus, tendo sido até hoje o maior destruidor de civilizações e da liberdade de pensamento, condicionando de melhor ou pior maneira a filosofia, o materialismo, o modo de ver, viver, no fundo o modo de pensar de meio mundo de há quase vinte séculos para cá.

A génese dos nossos descobrimentos levou com ela a bandeira do cristianismo, a palavra dos Jesuítas e da Inquisição, a censura e o castigo, a morte na fogueira que tudo sacralizava em especial a palavra do Senhor. A nossa História Trágico-Marítima não está isenta dos horrores que Pizarro e Cortez praticaram no Novo Mundo, essa parte da nossa história está escondida, não se incita à sua leitura, ao seu conhecimento, não se editam nem reeditam as obras sobre ela. Neste aspecto vale-nos Fausto Bordalo Dias cujos álbuns no dão conta das chacinas e peripécias vividas, acompanhadas de boa música, Fausto, mais que um cantautor e compositor é historiador, quase o único historiador actual da nossa História Trágico-Marítima, trágica devido a ponderosa razão podem acreditar.

Ora como podem ver tudo tem a sua hora, a sua oportunidade, a sua circunstância. A sociedade de hoje quebrou normas sociais com séculos e ninguém irá ganhar com isso, onde se vive mais uma instabilidade real e latente, na instituição casamento, que terá quinhentos anos e se impôs para ordenar os desvarios, vive-se na actualidade uma brutal instabilidade, cousa altamente desaconselhada. A vida, a sociedade, os novos hábitos sociais conduziram ao aniquilamento do casamento, também a sociedade tem horror ao vazio e perante o vazio a que o casamento foi remetido, tornado uma fonte de problemas, a sociedade reagiu, e bem, dispensando-o e com a sua queda um dos pilares principais desta civilização, é ela que soçobra, entra em decadência, acabará um dia, provavelmente às mãos duma outra civilização cuja riqueza a nossa civilizada civilização em tempos recuados destruiu, o islão, hoje tão bárbaro quanto o era o cristianismo ao tempo das primeiras cruzadas. Deus nos ajude.  

Não recordo a Editora, mas procurem na net ou nos livreiros, a “História Do Casamento”, livro interessante, a história do casamento desde os seus primórdios pré-históricos, em que as mulheres se encarregavam de manter o fogo perene que afugentava as feras e grelhavam os nacos de carne arrancados às carcaças de diversos animais, enquanto em simultâneo, como mães faziam pelos seus rebentos e pelos do clã, num maternalismo cooperativo e comum. E ainda arrebanhavam lenha e se ocupavam de outros pormenores. Era o tempo, ou foi o tempo das sociedades matriarcais, enquanto o homem caçava, agricultava, construía, desde instrumentos para a caça e pesca às rudimentares habitações e utensílios. O sexo era livre por esses tempos, a promiscuidade era uma questão de sobrevivência, os ciúmes ainda não tinham sido inventados nem causavam a catrefa de mal entendidos e desaguisados a que hoje estamos habituados. Todos eram filhos de todos, pais de todos, mães de todos, e, a crer na história viveriam relativamente felizes. Mas o aumento da população e do número de filhos de todos acarretou dúvidas e questões novas, às quais havia que dar resposta, pelo que mais ou menos em meados ou finais da Idade Média, a Igreja, a única instituição com força, para não dizer a única de pé após as trevas originadas pela queda do Império Romano, e a única disseminada por todo o mundo ocidental, então a única parte do mundo que contava para alguma coisa pois o resto era selvajaria.

A Igreja ia eu dizendo, pôs ordem na feliz rebaldaria vigente e daí até os padres e respectivas paróquias terem começado a efectuar um registo de quem era filho de quem e quem casado com quem foi um ar que lhes deu, e do púlpito, a pregação começou a ser outra, ameaçando com a ira de Deus quem não cumprisse, obrigando o rebanho a manter-se ordeiro no novo redil então construído, criado ou inventado. Foi assim mesmo, sem salamaleques nem paninhos quentes. Entre a plebe foi o acto do casamento institucionalizado pela igreja (acreditem, isto é história, não são tretas) pois já ninguém sabia de quem eram tantos filhos, tantos pais e tantas mães, tendo ao longo de séculos sido as populações instrumentalizadas, mentalizadas para esse estado civil superior, o dito casório, e do qual já quase ninguém hoje lembra ou conhece as origens.

Aceitemos que o casamento enquanto tal era já anteriormente vivido ou praticado, mas somente entre as classes superiores, as ditas classes possidentes, realezas e senhores feudais, coroas e dinastias, por causa das heranças, fortunas, terras, e mesmo assim só o primogénito se safava com a herança, as mulheres seriam felizes se tivessem a sorte de casar bem, com linhagem, e era-lhes imprescindível levarem um bom dote ou não valiam nadinha, os filhos segundos iam para cardeais ou bispos ou membros da corte, com tenças e lugares importantes, bem pagos, com terras dadas pelo rei, os condados, e daí foi um passo até aos duques, barões e merdas do género (foge cão que te fazem barão, para onde se me fazem conde...) Olhem hoje são só boys…

Em boa verdade nunca o Zé-Povinho tinha sido tão feliz ! Até que o lixaram com o casamento, com a mulher única e a responsabilidade conjugal, com as ameaças de não ir para o paraíso, com a excomunhão e o tanas, enquanto os pregadores, de Monges a Cardeais e até Papas, se abotoavam com os melhores pedaços de mulherio que podiam, desde freiras a beatas !

E até com as criancinhas quando calhava….

Tudo isto enquanto os mais exigentes mais intolerantes e moralistas mantinham amantes e rameiras, alcoviteiras e barregãs ! Permanentemente animados e entusiasmados, nem todos eram casados ou amigados e o casamento como hoje o conhecemos nem sequer tinha nascido por esses dias…

Os séculos provaram contudo que ainda que caro esse embate que as cruzadas permitiram ou forçaram, esse encontro ainda que violento de duas civilizações, a europeia e a do islão, deu frutos. A longo tempo e a longo prazo constataram os europeus quão atrasados cultural e civilizacionalmente estavam em relação aos vencidos que pela força tinham subjugado. Tal qual acontecera com os Romanos em relação aos Gregos, viria a acontecer agora, os Europeus tomaram-se de brios e não quiseram cultural e cientificamente ficar atrás da civilização islâmica, que venceram mas com a qual muito aprenderam.

Pois meus amigos chegámos finalmente ao fim, ao entroncamento, à estação ou ao apeadeiro da nossa conversa e por agora é tempo de terminar. Até à próxima e cuidem-se.



Eu mesmo, 13 de Maio de 2004, auditório do Diário do Sul.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

513 - O TRIUNPHO DA VONTADE, primeira parte ...

 

De modo quase automático a sociedade sempre se ajustou, com maiores ou menores flutuações, a um equilíbrio que nos cabe interpretar, e até sobre ele agir. Desde que Malthus nos surpreendeu com as suas primeiras impressões, ou leis, as quais ainda hoje chocam os mais desprevenidos, incautos ou desconhecedores de tais teorias. De tal modo que podemos dizer da demografia o que se diz da física, ou do universo, há um horror ao vazio que, de uma forma ou de outra acaba sendo preenchido. Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, como se existisse nela, demografia, o mesmo tipo de harmonia que observamos entre as leis da oferta e da procura, que, como sabeis se influenciam mutuamente.

Desde 1798 que Thomas Malthus e o seu horroroso malthusianismo que o problema é conhecido com cariz científico, e a par dele os modos de sobre o mesmo agir, o que deve ser feito atempadamente já que a resposta pretendida demorará certamente a ser cumprida. A sociedade por si mesma evita uns problemas mas cria outros e os pratos da balança, balançam deveras até que o pretendido ou natural equilíbrio seja atingido ou encontrado.

A brutalidade das palavras do poeta Jonathan Swift, por volta de 1729 e propondo aos pais que vendessem os filhos para que degustando-os as famílias ricas fizessem frente à fome que devastava a Irlanda, ou que os próprios pais os comessem, tendo ficado conhecida na história como a Modesta Proposta deve ser vista como ironia sobre as teorias de Malthus, ironia que o poeta bem sabia corresponderem à realidade, o mundo, o equilíbrio natural do mundo é autofágico, a história o prova e comprova, não assistimos ao longo dela somente a grandes e macro migrações, mas também a epidemias, fomes, guerras, tragédias, cataclismos, que separadamente ou em conjunto repõem esse equilíbrio entre recursos e consumidores dos mesmos, nós os habitantes do planeta.

A uma outra escala, a uma escala micro o modo de viver das sociedades também repara ou causa danos no tecido demográfico, veja-se como a GB, França e RDA foram procuradas após a II GG e como actualmente e por idênticos mas inversos motivos os portugueses fogem de Portugal, é caso para dizer termos por cá acordado tarde e a más horas para um problema que a demografia apontava há duas três ou quatro décadas atrás, não a ter levado a sério está e irá custar-nos os olhos da cara. Manter a estabilidade ou o crescimento de uma população obedece a factores tão diversos como a economia, o bem-estar, o pleno emprego, a felicidade ou capacidade, diria oportunidade de realização pessoal, aspectos de que Portugal não cuidou, estando agora a importar estrangeiros para colmatar o déficit demográfico, ou seja trocando a solução de um problema actual por uma carrada de problemas futuros, diria estarmos saindo da lama para nos metermos no atasqueiro.

A falta de conhecimento dos nossos governantes e deputados, uns e outros de uma ignorância atroz somente com paralelo na vaidade e prosápia (prosápia enquanto jactância e bazófia) que pavoneiam, aqui nos tem conduzido, valha-nos o facto de muitos desses migrantes acabarem por ir-se embora mal se apercebam do labirinto onde se meteram, sendo pouquíssimos os que acabam por aqui fixar raízes.

Mas estamos a desviar-nos da vaca fria e a vaca fria hoje é a demografia, o patronato tanto esticou a corda para baixo que hoje não tem mão-de-obra que lhe cuda, os tugas emigraram, fugiram da sua egoísta e patronal ambição, esses patrões que trabalhem par eles mesmos, os tugas foram fazer vida e procurar a felicidade noutras paragens. Por outro lado, não detendo já o país a posse das grandes empresas fulcrais no sustento de qualquer economia, como sabemos foram vendidas aos estrangeiros por dois patacos, sucede sermos escravos dos outros na nossa própria pátria e como tal resultar compensador procurar em terra alheia não sofrer os dissabores a que nos condenaram na nossa terra, na nossa pátria.

Como se está vendo uma pátria madrasta, capaz de salvar os bancos mas que não acode aos portugueses, aos seus lídimos filhos, o que diz bem para onde está virada a nossa política e o nosso futuro. Aos bancos acodem com milhões, aos tugas tiram a casa por dois tostões, esta é a política que tem sido exercida pelo centrão, e nem a extrema-direita nem a extrema-esquerda pegam numa bandeira que deviam erguer bem alto, a defesa dos filhos desta nação.

Por outro lado ao tuga não é ensinado, e ele sozinho não chega lá, é incapaz de sózinho pensar como combater todas estas iniquidades e arbitrariedades que lhe atiram acima. O tuga não aprende sozinho, nem acompanhado, nem sequer com os erros dos outros, não o digo eu, dizia-o Eça de Queiroz, e mais recentemente José Gil o nosso filósofo que o tuga é ignorante, vaidoso, estupido por natureza, não faz nada por si mesmo, abomina a franqueza e, a menos que surja um outro Fontes Pereira de Melo, um Marquês de Pombal, um Infante D. Henrique ou um outro Salazar que o conduza, não passará de ovelha no rebanho caminhando ordenadamente para o cadafalso.

Deus concedeu-nos o livre arbítrio, mas o tuga na generalidade nem o usa nem sabe sequer o que seja, ou do que se trata. Já me alonguei demasiado neste ensaio de hoje, amanhã lhe darei continuidade, veremos como a vontade é tudo, querer é poder, vejam o filme de Leni Riefenstahl “ O Triunfo Da Vontade “ o filme proibido de Leni Riefenstahl e aprendam com ele, uma obra-prima cinematográfica mas também da mestria com que os nazis usaram para o mal mas uma fórmula que naturalmente pode e deve ser usada, usado, a vontade, o livre arbítrio, para que consigamos chegar onde queremos, obter o que desejamos.

Amanhã haverá mais, passem bem, tomorrow falaremos dos dez mandamentos, do casamento, de porcas parideiras, de carne pra canhão, de mão-de-obra e níveis de produção, etc etc etc …







512 - UM PEQUENO ENSAIO SOBRE A MINÚCIA*


Serão casos tanto para admirar quão louvar, exemplifico com a minúcia que existe e exigem as coisas frágeis, como a quimera e o pormenor genealógico das obras de arte que Darwin nos desvendou nas asas das borboletas que o sol doira.

Coisas que nos tocam e comovem, tal qual a simplicidade do belo, ou a beleza da simples e aparente minudência do olhar contemplativo de quem observa os iridescentes reflexos do mar no final de uma tarde de verão.

Também contemplo a coerência que nos devia animar, dela dou como exemplo a firme minúcia do bisturi no rasgar das carnes e movido pela virtude do cirurgião. Ou o detalhe, a circunstância aflita das mulheres de negro vestidas que no areal deserto esperam pelo regresso das barcaças quando o mar é táureo e se rebela.

Não olvido coisas a que devemos estar atentos e ter à mão, tal como a sagaz argúcia minuciosa de Armstrong ao poisar o pé na lua, ou a particular minúcia do actor quando expectante no palco actua e nunca menor que a manual perístase ou minúcia com que o artesão fragmenta o diamante de que resulta um lapidado multicolor, irisado e brilhante como uma exposição de mestre.

Maestrina e perita minuciosa é a lagarta, qual perífrase que com mil fios de seda tece e veste o trabalhado capote do diestro, qual bagatela fadada duma sofisticada metamorfose quando e se o toiro citado investe.

O instante, a metamórfica fénix, o raio, o milagre, o inverso da paciente minúcia com que as abelhas constroem os favos de mel, metamorfose e aposta que com minuciosa minúcia a mulher busca alcançar, e ganhar, ao perfumar o corpo de oloroso gel.

Agora observem, vejam, atentem na minúcia com que a ave edifica o ninho, qual minúcia da velha senhora ao bordar o linho e nada diferente da minúcia do lenhador ao cortar a lenha com que alimenta na lareira acesa o tição que arde, a fagulha que crepita, aquece e conforta, que hipnotiza e se fita.

A mim comove-me a doçura, coisa nada mínima inda se fugaz minúcia, o carinho amor e dedicação posto no amanho da vinha, gesto de simples grandiosidade, grandiosidade complexa donde nascem os néctares com que se faz a festa.

Festa, baco, bacantes, a minúcia da fecundação, o crescer do embrião, a dolorosa e perita minúcia do parir, a extremosa ternura duma mãe amamentando o filho, amamentando o devir e o departir trigo e joio pois a vida nos exige minúcia afim de, se vivida, se viver, sendo ser.

  
* Ensaio desenvolvido como homenagem e a partir do poema “A Minúcia” do meu amigo Orlando Redondeiro e publicado in: https://www.facebook.com/groups/551642461892642/permalink/736685093388377/ D'OR OUT / 2016.



segunda-feira, 25 de junho de 2018

511 - " PARADA " by Maria Luísa Baião * ...................


Cansam-me os dias, porque a rotina se instala e ninguém vê neles brecha por onde a bruma se esfume e entre o luar da aurora. Cansam-me os dias, porque vivo em contramão sonhando a todo o momento erguer do chão o lamento que envolveu o pensamento de um povo que já foi capaz.

Olho o Céu, a quem amiúde rogo que se olhe para mais longe, para lá do universo, para lá de um véu que dilui o que de falso nos ilude. Olho em redor e confesso, que me apraz ver que ainda há gente com coragem para resolver o que é simples e urgente, gente que por palavras e actos escapa à vertigem voraz do que é imediato e fugaz, como um hiato.

Constroem-se teorias que ultrapassam Urano, mas olvidam-se soluções para o mais pequeno e profano dos males que nos afligem. Ventos solares nos fustigam, quer à esquerda ou à direita e enfunando toscas velas, caem por terra esquecidas, estrelas cadentes surgidas em momentos de quimera. Jazem por terra, inanes, ídolos idolatrados nos momentos em que, insanes os erguemos por engano muito acima dos telhados. E quando aparece alguém cuja visão apurada enxerga mais que o instante, logo lhe atiramos acima com o infame mais sonante.

Ergueram-se em tempos idos os cristãos das catacumbas. Conforta saber que agora, quando horas e promessas não cumpridas nos ameaçam com penumbras há muitos anos não vividas, as suas palavras certeiras buscam arrancar-nos novamente do fundo de existências brejeiras a que muitas consciências se acossaram receosas das carteiras, temerosas dum lampejo de partilha.

E não será maravilha que caladas há bem meio século, venham agora em arrulho mais próprio de asas de anjos, com palavras calculadas emendar os desarranjos, que é o mesmo que dizer que condenam os desmandos dos que, na embriaguez do calor que lhes fustiga a soleira, esquecem todo e qualquer um que, sem eira nem beira errando, de enganos e intrigas vitima, seja também português.

Nem ser soez é forçoso, basta apenas ser bondoso, caridoso, consciente do mal que aflige a gente para quem é mais urgente apontar, dizer que chegou a vez, a oportunidade ansiada de trilhar, auspicioso, o caminho que tardava. Desvendamos, pródigos e ufanos os mistérios do universo, incapazes de, de humanos, dar provas num simples verso. Não são velhos do Restelo quem por aí prega de novo, são a consciência acordada de um povo que avidamente, espera que alguém com coragem, solde a esta carruagem o elo que está quebrado.

Vivemos só uma vida, e nada, nada aconselha que a vivamos separada por uma antepara erguida com as nossas próprias mãos, pois quebrada a coesão, nem ministro ou sabichão carreará de novo para os trilhos um povo que desse nome, só tenha esquecidos os brilhos. Olho em redor e não sei se sou eu que estou parada, ou se em todo o meu redor tudo roda tão inerte que por tal rodar não dou. A velocidade empunhada como flama de um progresso que na esteira inflama e queima os deserdados da sorte (?) só tem parelha à altura da insensibilidade e rudez, com malvadez cultivada, como destino apregoada e apontando caminhos estreitos, caminhos de um só sentido, sem regresso nem apelo que conduzem ao cutelo, e a morte mais que certa.

Que apareça um homem, precisamos dum só homem, carregando as dores do rebanho, diferenciando o que é diferente e, indiferente ao clamor dos igualitários de serviço, calma e pausadamente trace com rigor um caminho mais suave para os viventes nesta dor que abomino. Será tarefa ciclópica, emendar, remediar, males por si não gerados, mas, se pecados tiver, o que em verdade duvido, certo é que em sua honra lhe sejam todos perdoados.

Lembrando um livro mirado donde meus olhos roubaram parágrafo sublinhado, inda lembro bem o lido;

para o autor, infeliz, “ a vida era como se lhe batessem com ela”…

Oremos. 



INTERVALO DOLOROSO

Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.

Quem me dera ser uma criança pondo barcos de papel num tanque da quinta, com um docel rústico de entrelaçamentos de parreira pondo xadrezes de luz e sombra verde nos reflexos sombrios da pouca água.

Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar.

Raciocinar a minha tristeza? Para quê, se o raciocínio é um esforço e quem é triste não pode esforçar-se.

Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu tanto quereria abdicar. Abdicar é um esforço, e eu não possuo o da alma com que esforçar-me.

Quantas vezes me punge o não ser o accionante [?] daquele carro, o cocheiro daquele trem! qualquer banal Outro suposto cuja vida, por não ser minha, deliciosamente se me penetra de eu querê-la e se me posticia [?] de alheia!

Eu não teria o horror à vida como a uma Cousa. A noção da vida como um Todo não me esmagaria os ombros do pensamento.

Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.

Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e de actos.

Por mais que por mim me embrenhe todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia.

Mesmo eu, o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge. Então as coisas aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de que me cerco. E todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma. Todas as durezas olhadas me magoam o conhecê-1as durezas. Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.

A (minha) vida é como se me batessem com ela.

* in Bernardo Soares - Livro do Desassossego

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.  - 344.

"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.