sexta-feira, 29 de junho de 2018

514 - O TRIUNPHO DA VONTADE, segunda parte ...


Ora não deixando de ser verdade que o sonho comanda a vida, é porém acordados que damos conta dela, que procuramos cumprir a nossa vontade, que agimos segundo o nosso entendimento das coisas e as circunstâncias que nos cercam, fazendo uso do tal livre arbítrio de que vos falara. Acima de tudo há que manter a coerência, sermos honestos connosco próprios, não desatando por exemplo a berrar contra o imperialismo capitalista para depois nos irmos empanturrar de coca-cola. Esta é só uma achega, exemplos poderia dar-vos aos molhos. Primeiro que tudo há que fazer um esforço mínimo para entender o mundo que nos cerca, a nível global, regional e local, big is good, but small is beautiful, and little is pretty frases mui usadas na minha juventude e oriundas dum velho e milenar provérbio chinês de minha autoria.

Vamos dar lógica a esta arenga e começar pelo nosso país, onde se produz pouco e cada vez menos, onde os níveis de produção baixam porque os meios não nos seduzem, os meios de produção não são apelativos e os tugas debandam, emigram para onde a sua mão-de-obra seja melhor remunerada, apreciada e valorizada deixando o país cada vez mais pobre por variadas razões, menos produtores e consumidores, menos potenciais casais, logo menos meninos, menos filhos que alimentem a mão-de-obra barata, porém fazendo contribuições para a segurança social, SS, afim de assegurar as pensões dos nossos velhos que cada vez são mais, e nem as portas da eutanásia lhes abriram, cousa que além de os ter poupado a diversos sofrimentos teria aliviado também os cofres da SS.

É todo um castelo de cartas a desmoronar-se por não se ter olhado com seriedade para a demografia há trinta ou quarenta anos atrás, e continuamos a não ver nela o essencial. Tentamos remediar, importar migrantes, o que não é a mesma coisa pois mal se apercebam que a vida neste jardim à beira-mar plantado não interessa a ninguém, nem ao menino Jesus, disparam em direcção a outras paragens mais compensadoras. Andámos e andamos engordando deputados e governantes há décadas para afundarem esta nação na razão directa da proeminência das suas barrigas e, se a ignorância era um factor a ter em conta no tempo da outra senhora, não é menos verdade que essa mesma ignorância, agora apelidada de riqueza e diversidade curricular e instilada na nossa juventude por professores por sua vez e na generalidade (há excepções) tão ignorantes quanto ela, faz desta a juventude mais bem preparada dizem, contudo tão estúpida e ignorante quão as anteriores, parecem dizer-nos as estatísticas.

Mas voltemos à vaca fria, digo eu que isto são pormenores, peanuts, e se é verdade que esta juventude não está para lavar pratos por tuta e meia, está todavia disposta a lavá-los na Suíça ou na Alemanha, pois lá o tuta-e-meia é muito mais substancial e além disso não está ninguém conhecido a vê-los e que os possa envergonhar do mister. Alguns lavando-os com belos diplomas que este povinho suou para lhes proporcionar, o que só prova que se não são eles os parvos, eles jovens, decididamente somos nós ao pagar os cursos de que outros irão tirar beneficio.

Esta coisa dos meios de produção não serem nossos arrasta-nos para a pobreza, a miséria, quem os tem só pensa em si e ainda que pague impostos, que não na Holanda já agora, o grosso dos lucros não irá financiar as nossas escolas, nem os nossos hospitais, nem estradas, nem pontes nem terminais, p’lo que tudo nos cairá em cima, e quando digo tudo, digo todos os impostos e mais alguns pois há que alimentar estradas, portos e aeroportos, há que os pagar, que pagar tudo, inclusive as prebendas de quem nos desgoverna mas consecutivamente elegemos até que nos metam num buraco onde pereceremos. Como fugir disto, deste ciclo infernal ? Emigrando, ou emigrando ou lutando, fazendo valer o triunfo da vontade, sendo coerentes, em primeiro lugar com nós mesmos.

A vontade é algo que se manuseia, ou somos nós a fazê-los ou o farão outros por nós, Hitler sabia-o, precisava de carne para canhão, daí que entre muitas outras medidas e métodos para enganar o seu povo e fazer valer a sua vontade condecorasse com a Cruz Púrpura as mães que parissem muitos filhos, e elas honradas e envaidecidas tinham-nos que nem porcas parideiras. Ao prometer dez mil euros por cada filho Rui Rio insere-se na lógica hitleriana que conduz ao triunfo da vontade, mas esquece que nem ele está na Alemanha nem nós estamos em 1933, pelo que a sua ridícula, mas tão lógica quão impossível ideia irá pelo cano. Temos no mínimo que conceder-lhe o mérito por ter pensado no problema e tentado uma solução, parece que as mães portuguesas não são tão parvas como julguei e ante uma economia que as exclui fecham as pernas e tenha filhos quem quiser que elas não, ora aí está uma posição inteligente, coerente e de louvar.

Fazer filhos destinados a carne para canhão ou a alimentar contingentes que garantam grosso modo uma mão-de-obra barata, então façam-nos os excelsos e inteligentes e gordos políticos que tivemos e temos. Puta que os pariu. Ler Marx é preciso, sobretudo se não formos marxistas, é preciso ver como manobram os exploradores, capitalistas ou não, e como devemos furtar-nos a essas manobras. Reparem que nem os Dez Mandamentos traduzem o pensamento de Spartacus e muito menos se reflectem na totalidade do direito romano embora uns e outros destes factores sejam mais ou menos contemporâneos. O imperador Constantino pacificou o império ao instituir o cristianismo como religião oficial (não exclusiva) mas não tocou no direito romano e se os mandamentos - Honrarás pai e mãe (e os outros legítimos superiores), - Não matarás (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo), - Não furtarás (nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo) - Não cobiçarás as coisas alheias, surgem na lei romana tal se deve unicamente ao facto de já lá estarem. Não houve transposição do Decálogo (a tábua de Moisés) para o direito romano, houve sim manutenção do que protegesse e mantivesse os privilégios das classes possidentes romanas, o cristianismo viria a impor-se mais tarde, após a queda do império romano, mas para ser franco, foi mais papista que o Papa e, ao invés de conquistar e assimilar, como os romanos tinham feito, conquistou e destruiu para reconstruir impondo a sua vontade, a sua visão, a palavra de Deus, tendo sido até hoje o maior destruidor de civilizações e da liberdade de pensamento, condicionando de melhor ou pior maneira a filosofia, o materialismo, o modo de ver, viver, no fundo o modo de pensar de meio mundo de há quase vinte séculos para cá.

A génese dos nossos descobrimentos levou com ela a bandeira do cristianismo, a palavra dos Jesuítas e da Inquisição, a censura e o castigo, a morte na fogueira que tudo sacralizava em especial a palavra do Senhor. A nossa História Trágico-Marítima não está isenta dos horrores que Pizarro e Cortez praticaram no Novo Mundo, essa parte da nossa história está escondida, não se incita à sua leitura, ao seu conhecimento, não se editam nem reeditam as obras sobre ela. Neste aspecto vale-nos Fausto Bordalo Dias cujos álbuns no dão conta das chacinas e peripécias vividas, acompanhadas de boa música, Fausto, mais que um cantautor e compositor é historiador, quase o único historiador actual da nossa História Trágico-Marítima, trágica devido a ponderosa razão podem acreditar.

Ora como podem ver tudo tem a sua hora, a sua oportunidade, a sua circunstância. A sociedade de hoje quebrou normas sociais com séculos e ninguém irá ganhar com isso, onde se vive mais uma instabilidade real e latente, na instituição casamento, que terá quinhentos anos e se impôs para ordenar os desvarios, vive-se na actualidade uma brutal instabilidade, cousa altamente desaconselhada. A vida, a sociedade, os novos hábitos sociais conduziram ao aniquilamento do casamento, também a sociedade tem horror ao vazio e perante o vazio a que o casamento foi remetido, tornado uma fonte de problemas, a sociedade reagiu, e bem, dispensando-o e com a sua queda um dos pilares principais desta civilização, é ela que soçobra, entra em decadência, acabará um dia, provavelmente às mãos duma outra civilização cuja riqueza a nossa civilizada civilização em tempos recuados destruiu, o islão, hoje tão bárbaro quanto o era o cristianismo ao tempo das primeiras cruzadas. Deus nos ajude.  

Não recordo a Editora, mas procurem na net ou nos livreiros, a “História Do Casamento”, livro interessante, a história do casamento desde os seus primórdios pré-históricos, em que as mulheres se encarregavam de manter o fogo perene que afugentava as feras e grelhavam os nacos de carne arrancados às carcaças de diversos animais, enquanto em simultâneo, como mães faziam pelos seus rebentos e pelos do clã, num maternalismo cooperativo e comum. E ainda arrebanhavam lenha e se ocupavam de outros pormenores. Era o tempo, ou foi o tempo das sociedades matriarcais, enquanto o homem caçava, agricultava, construía, desde instrumentos para a caça e pesca às rudimentares habitações e utensílios. O sexo era livre por esses tempos, a promiscuidade era uma questão de sobrevivência, os ciúmes ainda não tinham sido inventados nem causavam a catrefa de mal entendidos e desaguisados a que hoje estamos habituados. Todos eram filhos de todos, pais de todos, mães de todos, e, a crer na história viveriam relativamente felizes. Mas o aumento da população e do número de filhos de todos acarretou dúvidas e questões novas, às quais havia que dar resposta, pelo que mais ou menos em meados ou finais da Idade Média, a Igreja, a única instituição com força, para não dizer a única de pé após as trevas originadas pela queda do Império Romano, e a única disseminada por todo o mundo ocidental, então a única parte do mundo que contava para alguma coisa pois o resto era selvajaria.

A Igreja ia eu dizendo, pôs ordem na feliz rebaldaria vigente e daí até os padres e respectivas paróquias terem começado a efectuar um registo de quem era filho de quem e quem casado com quem foi um ar que lhes deu, e do púlpito, a pregação começou a ser outra, ameaçando com a ira de Deus quem não cumprisse, obrigando o rebanho a manter-se ordeiro no novo redil então construído, criado ou inventado. Foi assim mesmo, sem salamaleques nem paninhos quentes. Entre a plebe foi o acto do casamento institucionalizado pela igreja (acreditem, isto é história, não são tretas) pois já ninguém sabia de quem eram tantos filhos, tantos pais e tantas mães, tendo ao longo de séculos sido as populações instrumentalizadas, mentalizadas para esse estado civil superior, o dito casório, e do qual já quase ninguém hoje lembra ou conhece as origens.

Aceitemos que o casamento enquanto tal era já anteriormente vivido ou praticado, mas somente entre as classes superiores, as ditas classes possidentes, realezas e senhores feudais, coroas e dinastias, por causa das heranças, fortunas, terras, e mesmo assim só o primogénito se safava com a herança, as mulheres seriam felizes se tivessem a sorte de casar bem, com linhagem, e era-lhes imprescindível levarem um bom dote ou não valiam nadinha, os filhos segundos iam para cardeais ou bispos ou membros da corte, com tenças e lugares importantes, bem pagos, com terras dadas pelo rei, os condados, e daí foi um passo até aos duques, barões e merdas do género (foge cão que te fazem barão, para onde se me fazem conde...) Olhem hoje são só boys…

Em boa verdade nunca o Zé-Povinho tinha sido tão feliz ! Até que o lixaram com o casamento, com a mulher única e a responsabilidade conjugal, com as ameaças de não ir para o paraíso, com a excomunhão e o tanas, enquanto os pregadores, de Monges a Cardeais e até Papas, se abotoavam com os melhores pedaços de mulherio que podiam, desde freiras a beatas !

E até com as criancinhas quando calhava….

Tudo isto enquanto os mais exigentes mais intolerantes e moralistas mantinham amantes e rameiras, alcoviteiras e barregãs ! Permanentemente animados e entusiasmados, nem todos eram casados ou amigados e o casamento como hoje o conhecemos nem sequer tinha nascido por esses dias…

Os séculos provaram contudo que ainda que caro esse embate que as cruzadas permitiram ou forçaram, esse encontro ainda que violento de duas civilizações, a europeia e a do islão, deu frutos. A longo tempo e a longo prazo constataram os europeus quão atrasados cultural e civilizacionalmente estavam em relação aos vencidos que pela força tinham subjugado. Tal qual acontecera com os Romanos em relação aos Gregos, viria a acontecer agora, os Europeus tomaram-se de brios e não quiseram cultural e cientificamente ficar atrás da civilização islâmica, que venceram mas com a qual muito aprenderam.

Pois meus amigos chegámos finalmente ao fim, ao entroncamento, à estação ou ao apeadeiro da nossa conversa e por agora é tempo de terminar. Até à próxima e cuidem-se.



Eu mesmo, 13 de Maio de 2004, auditório do Diário do Sul.