quinta-feira, 28 de junho de 2018

512 - UM PEQUENO ENSAIO SOBRE A MINÚCIA*


Serão casos tanto para admirar quão louvar, exemplifico com a minúcia que existe e exigem as coisas frágeis, como a quimera e o pormenor genealógico das obras de arte que Darwin nos desvendou nas asas das borboletas que o sol doira.

Coisas que nos tocam e comovem, tal qual a simplicidade do belo, ou a beleza da simples e aparente minudência do olhar contemplativo de quem observa os iridescentes reflexos do mar no final de uma tarde de verão.

Também contemplo a coerência que nos devia animar, dela dou como exemplo a firme minúcia do bisturi no rasgar das carnes e movido pela virtude do cirurgião. Ou o detalhe, a circunstância aflita das mulheres de negro vestidas que no areal deserto esperam pelo regresso das barcaças quando o mar é táureo e se rebela.

Não olvido coisas a que devemos estar atentos e ter à mão, tal como a sagaz argúcia minuciosa de Armstrong ao poisar o pé na lua, ou a particular minúcia do actor quando expectante no palco actua e nunca menor que a manual perístase ou minúcia com que o artesão fragmenta o diamante de que resulta um lapidado multicolor, irisado e brilhante como uma exposição de mestre.

Maestrina e perita minuciosa é a lagarta, qual perífrase que com mil fios de seda tece e veste o trabalhado capote do diestro, qual bagatela fadada duma sofisticada metamorfose quando e se o toiro citado investe.

O instante, a metamórfica fénix, o raio, o milagre, o inverso da paciente minúcia com que as abelhas constroem os favos de mel, metamorfose e aposta que com minuciosa minúcia a mulher busca alcançar, e ganhar, ao perfumar o corpo de oloroso gel.

Agora observem, vejam, atentem na minúcia com que a ave edifica o ninho, qual minúcia da velha senhora ao bordar o linho e nada diferente da minúcia do lenhador ao cortar a lenha com que alimenta na lareira acesa o tição que arde, a fagulha que crepita, aquece e conforta, que hipnotiza e se fita.

A mim comove-me a doçura, coisa nada mínima inda se fugaz minúcia, o carinho amor e dedicação posto no amanho da vinha, gesto de simples grandiosidade, grandiosidade complexa donde nascem os néctares com que se faz a festa.

Festa, baco, bacantes, a minúcia da fecundação, o crescer do embrião, a dolorosa e perita minúcia do parir, a extremosa ternura duma mãe amamentando o filho, amamentando o devir e o departir trigo e joio pois a vida nos exige minúcia afim de, se vivida, se viver, sendo ser.

  
* Ensaio desenvolvido como homenagem e a partir do poema “A Minúcia” do meu amigo Orlando Redondeiro e publicado in: https://www.facebook.com/groups/551642461892642/permalink/736685093388377/ D'OR OUT / 2016.