domingo, 9 de fevereiro de 2020

632 - CHAMARAM-ME CERTA VEZ EXUBERANTE, by Maria Luísa Baião *



Chamaram-me certa vez exuberante. Talvez porque quando tropeço, mais depressa me endireite que levante, talvez por teimar traçar os meus caminhos. Faça chuva ou faça sol, seja noite seja dia, busco tecer a teia que é a vida de um modo que a luz incida em mim quando percorro até as ruas mais sombrias. Ser feliz é tudo quanto sempre quis e, tornar a vida que em mim vive, apenas e tão só uma alegria.

Pareço por vezes marchar contra a corrente, nunca esqueço porém ser a vida uma espiral elíptica sem quaisquer certezas. O que conta é o percurso. Sei que às noites os dias se sucedem e jamais a vida está parada. Há que saber fluir p’ra que não deixemos meia vida por viver, fluir, iludir a melancolia se e quando nos ameaça ou assobia, e negar penas ou mecenas, pois a vida não tem qualquer infalibilidade no final.

Não pára a vida, continua, qual flor em fraga de rochedo, teimando erguer-se em direcção à luz e, mesmo cega, é bom nunca deixá-la desviar-se duma linha, d’um propósito. Como tantas de nós faremos, como eu, como vós.

Por isso, até p’las brechas do luar me deixo seduzir umas vezes e esgueirar outras, torneando prantos intuídos ou dores escondidas, caladas, mas sempre ameaçando. E distraída mas bem consciente me vou deixando levar, enquanto sonho. Despistando quem teceu esta teia que nos trama, sorrindo à esquerda e à direita, e em minha alma guardando segredos, quais encantos e, na ponta dos pés caminhando vou, conduzindo por esta tortuosa linha que o futuro me traça, por vezes até de viés andando, cumprindo essa incrível linha de vida insinuada na palma da minha mão, carregando-a honradamente.

Do pranto faço canto quando calha, como se o caminho que minha vida traça se encontrasse pejado de alecrim dourado. Viver não pode ser andar perdida, pensando o tempo passado e a velhas histórias atear fogueiras. Viver é iludir canseiras, viver se preciso for do pensamento se o silêncio ameaça ensurdecer-nos. Diluir expandindo-o, o meditar é magia que torna fortes meus percursos, não crer no quase nada se e quando nos parece tudo, dar a volta por cima, puxar um lenço da manga e libertar o aroma do jasmim. 


O futuro não concretiza maus fados se o enfrentarmos e, distraídas, persistentes, cantando a vida levarmos. É um monstro enternecido que se quebra face à força de vontade, ao crer, quando muito queremos e teimamos de cabeça erguida. O destino pode ser um menino de rosadas bochechas se afagado. Domado. Ajudou-me a quebrar tratados e traçar propósitos, e pode levar-nos onde nem imaginamos se e quando portas e janelas à vida escancararmos.

Chamaram-me uma vez exuberante, e eu, contente, devia ter pedido que o dissessem uma e outra vez. Então talvez tivesse enfrentado o que fingi não perceber. E a lua continua, brilhando desperta, espraiando seus cabelos como um manto, p’ra esconder dos dorminhocos o alvoroço, como tambor rufando saindo do coração agitando o ar. Agigantando.

Recordo a infância e já era assim, madura, trocando as palavras com que então jogava e venero ainda como coisa preciosa neste lugar mudo, de enigmas, sofismas, onde se ouvem as botas de tropas marchando, matando e morrendo p’los que vão vencendo.

Erguer-me-ei sempre e, exuberante continuarei acreditando em lendas, crendo em mitos e, com zombaria, farei frente a ídolos, derrubarei a ironia espraiando-se soez e tentando esta alegria que quero estimulada, atenta, nunca possessa, antes vívida, liberta.

E, dia após dia desperto exuberante calcando o deserto que teimam propor-nos, somente se exaurida ou ferida me aquieto no tempo, por bem pouco tempo. Apenas de jóias despojada me verão, mas ver-me-ão sempre como paradisíaco jardim cujas flores, despontando no tempo e no pensamento me tornem árvore, de robusto tronco ou salgueiro flexível atreita a fazer frente a vagas alterosas, alteradas, com que um mar ideologicamente tenebroso todos os dias me, nos fustiga.

Exuberante, triunfante, sinónimos de um crer e de algo querer de modo teimoso, persistente, esfuziante, até que se torne coisa tonitruante, garante de uma vontade, de uma verdade.

Exuberante, eu bem ouvi. De mau grado o disseram pressenti, mas obrigado. Que bem me soube tal saber nesse preciso instante, nesse momento capital. Sejamos modestas, humildes e honestas quando assim é pois as palavras são setas que nos forçam a ficar despertas, vívidas e, sempre, sempre libertas.

* by Maria Luísa Baião – texto inédito, não existe certeza quanto à sua publicação no Diário do Sul, Évora – 04 de Abril de 2003


quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O CHEGA, O RENASCER DA FÊNIX E A LÚCIA ...



Muita gente está admirada, surpreendida, quiçá assustada com o modo estrepitoso, polémico, rocambolesco e vertiginoso como o CHEGA vem subindo nas sondagens.

Têm razão e não têm, porque efectivamente o CHEGA chegou e nem parou, desatou a trepar como trepadeira ávida de escalar o muro e chegar ao sol. Desculpai-me o estilo. Não têm razão porque embora tardiamente, como todas as modas que tomam vez em Portugal, a coisa devia ser esperada. Não a têm ainda porque o epifenómeno que o CHEGA consubstancia teve lugar, germinou e amadureceu no seio de quarenta e cinco anos de comodismo e imobilismo em que ninguém se insurgiu contra o rumo descabido que a nossa peculiar democracia todos os dias trilhava.

De deputados a advogados, a professores, a doutores e engenheiros, arquitectos, jornalistas, enfermeiros, funcionários públicos, militares, paramilitares, juízes, oficiais e aprendizes, patrões, empresários e outros que tais, passaram a vidinha pensando exclusivamente em si mesmos, no fim do mês, no vencimento anual, nos negócios, nas empresas, nas chorudas comissões, nas folgas, nos feriados, nas pontes, nas carreiras e escalões profissionais, congelamentos e retenções, esquecendo a coesão, a solidariedade, e deixando impavidamente que vinte por cento da população caísse na pobreza, a classe média definhasse, outro quinto emigrasse, que oportunistas enriquecessem, a corrupção alastrasse, tudo sem largarem um pio, um queixume, um protesto, de tal modo que já nem as estradas são nossas, tendo este povo de seu apenas uma dívida colossal a pagar e piolhos para se catar.

Diariamente, acomodados e instalados, toda esta gente tomava a bica nunca vendo porém o desenho na sua frente, o futuro, a sina, o destino, maravilhosamente plasmado nas borras do café, até o dique ceder. Sim o dique, porque o CHEGA é o avanço tumultuoso da esperança que o dique da cegueira há quarenta e cinco anos travava.

 Agora que a água avança imparável como sendo coisa nova ou desconhecida, pois nela como num cadinho de alquimista se misturam a esperança amordaçada durante décadas e os anseios que já ninguém consegue calar, fecham-se as mentes intolerantes, todas elas entrando num período de negação, em que todos se recusam a ver o que há muito era óbvio, a abstenção a ganhar peso nas eleições, a sua supremacia emergindo sobre tudo e todos como água subindo numa barragem e ameaçando galgar o paredão, vindo por aí em incontrolável turbilhão arrastando tudo à sua frente.

Vai demorar até que as coisas atrapalhadamente acalmem e voltem ao lugar, jamais ao antigo e mesmo lugar mas ao lugar do certo e correcto, a um lugar onde todos se possam ver e rever. É por isso que o recém-chegado CHEGA é uma amálgama de vontades e de anseios deixados por cumprir pelos partidos do sistema, os quais, instalados no seu bem-estar e mordomias se esqueceram completamente do país real.

O polémico CHEGA é o produto do elitismo do PSD, da arrogância do PS e da suposta superioridade moral das esquerdas. Pois olhem bem e vejam a sua obra, a sua criação, a sua criatura, a quem fazem frente barrando o caminho que é de todos, caminho que o CHEGA é obrigado a percorrer abrindo-o à cotovelada. Devia haver mais tolerância, democracia e respeito, o CHEGA mais não é que a Fénix renascendo no mesmíssimo lugar onde a imolaram.

Mas o que é o CHEGA que chegou e se impôs, que aos tropeções e apesar de desastradamente trepa aglutinando as gentes e, como as águas galgando as margens, tudo parece submergir ? O novel CHEGA é ou será nem mais menos do que aquilo que nós quisermos, o CHEGA após a bonança seguirá o rumo traçado em congressos de gente exaltada mas civilizada, buscando também ele um rumo, um rumo que não passe pela iniquidade, pela desigualdade, pela injustiça e descalabro a que chegámos.

Portanto era a hora de dizer basta !

Era hora de dizer chega !

É hora de dar lugar a outra maioria, à competência, ao mérito, é hora de acabar com o partidarismo, com o amiguismo, com o seguidismo, é hora de mudança, uma mudança salutar de que o país há muito anda necessitado. É que a classe política instalada no sistema deixara de ver o país, só tendo olhos para os seus interesses, as suas negociatas, as suas manigâncias, para o chefe, o cacique, o partido. É hora de salutarmente mudar a agulha, mudar de linha, mudar de rumo.

Não temam, concedo que o CHEGA cresce rápida e aleatoriamente, avançando às cegas e à bordoada pois lhe fecham caminho na AR e lhe barram espaço na comunicação social, é também sabido que no seu seio se atropelam interesses e vontade dispares, mas nada disto é novo, existe transparência, tudo se vê, e se primeiro foram as dores do parto, são agora as dores do crescimento a dar nas vistas. Mas o caminho será trilhado, uma vez o rumo traçado o caminho far-se-á, caminhando, porque o caminho se faz caminhando e nós nos faremos caminhantes dele e nele.

Porque estou no CHEGA Lúcia ?

Por tudo isto, porque sou democrata, porque me conheço, porque sei do que sou capaz, porque tenho boa imagem de mim, porque me julgo boa pessoa, porque defendo a igualdade de oportunidades, porque como muitos outros não me senti representado nem me identifiquei nunca com nenhum dos partidos do sistema, os quais vivem numa cegueira e endogamia doentias de que agora se queixam. Porque quero colocar ponto final na corrupção que grassa por todo o lado como a merda de cão nos passeios, porque me senti traído como traídos se terão sentido as centenas de milhar de portugueses obrigados a procurar lá fora o lugar ao sol que aqui lhes foi negado, porque não quero ver subsidiada a vinda de imigrantes quando tudo fizemos para negar aos nossos o seu próprio país.

Neste capítulo concedo que me tornei patriota, nacionalista, porque os portugueses não são números nem são para abandonar à sua sorte, porque como muitos de vocês eu quero um Portugal grande de novo e nele, os portugueses primeiro que todos. Porque quero deixar no CHEGA o meu esforço, o meu empenho cívico, o meu saber, a minha marca, os meus genes, o meu ADN.

Hasta La Victoria siempre Comandante Che Guevara !

A revolução está aí, cumpra-se ou morramos nela !

Não a revolução de Abril, mas a revolução do CHEGA.

A chegada do CHEGA mais não é que o resultado de quarenta e cinco anos de democracia de pantomima, de pechisbeque, e agora admiram-se ?

Não havia nexessidade.

Não havia, mas agora há …


LER TAMBÉM : - https://mentcapto.blogspot.com/2020/02/631-chega-para-ca-chega-para-la.html

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

629 - A taverna do Rato Bicho*, o Hélio e a Patrícia …

Arredores de Linköping

O Rato Bicho nem estava cheio de rebentar como é costume nos dias em que servem cozido à portuguesa, um prato típico alentejano, muito vulgar mas ali muitíssimo bem confeccionado, ricamente acompanhado e bastante apreciado, que porém tem o condão de atrair clientes como a merda atrai as moscas.

Se bem que as mesas estivessem todas ocupadas, não havia, todavia, gente em fila de espera que nos apressasse, pressionando-nos psicologicamente no sentido de despachar o almoço de molde a deixar a mesa livre para quem estivesse a seguir, pelo que a conversa fluía natural e livremente.

A páginas tantas, ou será melhor dizer entre as entradas e o primeiro prato, o Hélio aproveitou uma pausa nos nossos treclarec e mastiganço para colocar na berlinda a questão que verdadeira e profundamente o atormentaria;

- Pois é. E então a senhora, a Fátima, desculpa Baião, desculpem-me, mas ainda não estou à vontade com ela, com a Fátima, mas é mesmo sueca ? E ela percebe mesmo o que estou a dizer, percebe-me bem Fátima ?

Vi logo que estava aliviando nele o receio costumeiro e vezeiro de, lá para o fim do almoço, uma vez emborcados os jarros de vinho da casa, largasse inadvertidamente uma ou outra palavra menos própria, esquecendo haver ali senhoras, e sosseguei-o, pois ela, a Fátima, alvo de tanta atenção e curiosidade, contorcia-se com o incómodo sentindo-se pouco á vontade, fenómeno aliás já de mim conhecido.

- Sueca dos sete costados Hélio, respondi-lhe. Mas está integrada, pois encontra-se entre nós desde os seus vinte e poucos anos ou menos ainda, razão p’la qual praticamente fala e pensa somente em português.


Em boa verdade a Fátima licenciara-se cedo no seu país, na sua terra natal, Linköping,** uma cidadezinha de nome impronunciável a sudoeste de Estocolmo. É um país diferente a Suécia, onde o ensino é não só diferente do nosso como bastante eficiente. Filha de mãe sueca e pai português fizera-se Engenheira do Gelo, uma qualquer especialidade que eles por lá têm que os ajuda muito e lhes dá muito jeito, mais jeito que os nossos engenheiros agrícolas já que nem agricultura temos e, de forma algo curiosa para nós, simultaneamente estudara também enfermagem.

 Lá estudam o gelo como nós não estudamos as terras. Avaliam da sua solidez e consistência, refiro-me ao gelo claro, a sua formação, e concomitantemente a das neves que os originam, dos seus depósitos, camadas e avalanches, que provocam e controlam para as gerir, evitando danos maiores como cortes de estradas e caminhos de ferro ou a morte de pessoas, passíveis de por elas poderem ser soterradas.

- Mas veio cá parar abaixo, isto aqui é mais quentinho e que diz ela de Portugal e do Alentejo Baião ?

- Sim ela andou sempre cá ou lá, ou lá ou cá, mas o que a fez escolher o nosso país foi um acidente que ainda muito nova por lá sofreu. Uma vez saltou de paraquedas no alto de uma montanha afim de colocar explosivos e gerir uma avalanche, acabando por cair sobre gelo fino que, abrindo-se, a engoliu numa fenda enorme. Foi uma queda de trinta metros que só não foi pior porque o cordame e o velame do paraquedas a ampararam, ainda assim a pancada e as dores acabaram-lhe com a carreira de engenheira do gelo mal a tinha começado.

- Por isso Hélio não te admires, digamos ter vindo convalescer para cá, gozar do nosso sol e trabalhar na empresa do pai, no Porto. Era ainda muito jovem, mas tendo sentido necessidade de integração, de socialização, aleatoriamente acabou por colidir com, e aderir ao Movimento Nacional Feminino, MNF, onde rapidamente fazia amigas, facilmente se integrando na sociedade Portuense.

- Xiiiiiii Baião !!!  MNF !!! onde ela se meteu !!!

Ó meu caro Hélio não sejas parolo, aquelas gentes, digo os suecos, têm uma noção de solidariedade e de coesão diferentes da nossa, vera, efectiva, e que colocam em prática de modo altruísta, de tal modo que o Movimento Nacional Feminino, MNF, a convidou para integrar o corpo de enfermeiras paraquedistas numa das nossas províncias ultramarinas e, mal ela abriu a boca foi contemplada com Angola, onde muito jovem acabou por ir bater com os costados e de onde regressaria dois ou três anos depois para tirar em Lisboa uma especialidade de assistência a politraumatizados, tão forte fora a impressão que lhe causaram os desgraçados dos nossos tropas com quem teve a sorte ou o azar de se cruzar.

- Fogo Baião, admirou-se a Patrícia. A D. Fátima, a Fátima digo eu, não tinha pai para a Rita como por cá dizemos. Eu também estive em Angola, aliás sou de lá, eu e o Kayaka, foi lá que me apaixonei pelo Hélio, e sofremos ou vivemos nesses dias umas aventuras danadas em Luanda, na altura da independência aquilo esteve mesmo muito bravo lá.

- Pois foi Patrícia, sei, lembro-me de me contares as peripécias e temores do Hélio, e olha tão bravo era o ambiente em Luanda nessa altura que ela já não voltou a Angola.

Foi por essa época que a conheci na estrela, onde eu fora operado a um ouvido, foi nesse Verão quente. E foi por essa altura que também ela e a Luisinha se conheceram, a festa de fim de curso das duas fora feita em simultâneo, em conjunto, e ficaram amigas. é uma velha amiga de família, estivemos quase quarenta anos sem nos vermos, sem sabermos uns do outro.

- Sim, então evaporou-se ?  politraumatizou-se ? voltou à Suécia ? Inquiriu a Patrícia ávida de curiosidade.


- Nada disso pá, por cá fartaram-se de lhe chamar fascista, reaccionária, mercenária e outros apodos indizíveis, compelindo-a a abandonar a enfermagem e a enveredar por ir trabalhar para o Porto, voltou à empresa do pai como secretária e tradutora, casou-se, teve dois filhos lindos, diz ela, divorciou-se e desapareceu do radar. Por esse motivo só de tempos a tempos trocávamos impressões ou um cartão de boas festas.

Isso também aconteceu com muitas amigas e amigos meus Baião, bem, a uns ou nunca mais os vi ou nunca mais soube nada deles, ou só de quando em quando nos vemos, a vida separa-nos, trama-nos, é dos livros, acontece-nos a todos, e sim esse Verão quente foi mesmo quente, não me admiro que tenha passado por isso, por muito menos houve gente a passar por coisas piores, é a vida, foi, mas por essa altura todos os ânimos andavam exaltados em demasia, isso é verdade.

A bem dizer só a doença da Luisinha a traria de modo mais frequente até nós Patrícia, efectiva e tristemente há males que veem por bem costuma o povo dizer, já eu quanto a isso calo-me para não errar, nada digo, não digo nada para não sair asneirada.

- Então a pintura na capa do livro... Disse a Patrícia.

Sim, a Fátima pinta ou faz que pinta e essa capa resultou dum quadro em acrílico que a Fátima oferecera à Luisinha, depois disso soubemos tinha sido operada à coluna devido à tal queda dada há quase cinquenta anos e as relações reataram-se com mais afinco. Se quisesse ser inconveniente diria ter-se tratado de um surto súbito de solidariedade na desgraça, a Luisinha também tivera a sua recaída por essa época, causada pelo cancro da mama e que na altura julgávamos ultrapassado…


- Pois, pois, recaída tiveste tu pois houve quem te tivesse visto a falhares o degrau do Rato Bicho e a ser amparado pelo senhor padre Ramalho…


Uma jóia de homem ! Almoçou connosco, almoçou na nossa mesa, quanto ao meu estado de saúde nesse dia alegarei em minha defesa ter passado a noite anterior acordado e agitado, não dormira, e apesar de não ter dormido não caí, tive a sensação a emoção, estremeci, estava cansado, mas também estava muito excitado e muito feliz, não chegou a ser uma queda, não passou de um susto…  


           Coisas da vida ...




https://www.facebook.com/Restaurante-O-Rato-Bicho-1054631951232728/


** Linköping -  https://www.google.com/search?q=LINK%C3%96PING+su%C3%A9cia&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjLtZW5utrjAhX2D2MBHR-CBxEQ_AUIESgB&biw=1024&bih=625

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

628 - SORRISO, QUIMERA, JARDIM DO PARAÍSO.




SORRISO, QUIMERA, JARDIM DO PARAÍSO…



Volto de novo à mesa do café,
como volta não volta ao jardim do Bacalhau.

O mesmo café, a mesma mesa mas,
até o jardim não é o mesmo sem ti.

São inda sombras tuas pairando por ali,
roço-me nelas como sempre fiz,

ou fizera.

Agora uma quimera o teu riso, o teu sorriso,
o mesmo posso dizer do jardim do Paraíso.   *



* Jardim do Bacalhau ou do Paraíso,  no Largo do Paraíso, 
  ali ao "Farrobo", em Évora, dois nomes para um mesmo jardim.







sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

627 - POEMINHA A LEMBRAR BELISÀRIO



Enquanto durar a mágoa ardente, nem lhe fará frente a felicidade urgente que experimento e vivo, ambas digladiando-se na terra de ninguém, neste meu peito, trincheira profundamente aberta, longo pranto.

Ferozmente se enfrentam, ora avançam ora recuam, tremendo eu, estremecendo c’os recontros, balanço, não tombo, tento o equilíbrio, ora tomando partido ora hesitando.

Ouço o clarim, os cascos dos cavalos, a carga da brigada e emudeço quando troam os canhões, quando avanço não esmoreço, olho-me e, umas vezes eu, outras outro eu, serei sempre eu mesmo erguendo este estandarte, vivendo este contraste entre quem fui e quem sou, entre o que vivi e o sonho que persigo.

Persigno-me, após aturada genuflexão ponderada reflexão prostrou-me no chão, chão que ora piso ora me foge debaixo dos pés e eu, buscando-me, vejo-me mas não me alcanço, ou procuro-me e não me encontro e,

balançando à deriva neste mar de desencontros que é a vida, eis que diviso tábua de salvação a que me agarro como um náufrago, bóia a que lancei mão e na qual me apoio esperançoso e crente de que,

Nossa Senhora de Fátima acolherá este ateu agnóstico no seu regaço, porque são rosas Senhor, até aqui só têm sido rosas e nada se opõe a que doravante assim não seja, 

pois desde que haja vontade e ensejo para tal até em cima ou no exíguo espaço d’uma agenda coiso e tal, afirmava o juiz Vidigal, homem experiente e expedito ou não fosse dele este dito.

Feito e dito ou dito e feito, resta esperar o resultado, o proveito, aguardar serenamente, esquecer casa em Benavente e continuar confiante, soprando a bóia, inflando a esperança, projectando a vida, sarando chagas e olvidando mágoas, quais cicatrizes que, 

podendo não estar cá sempre cá estarão, recordando e lembrando quão rica de pormenores é a vida e nós meras formiguinhas, vogando à deriva numa casca de noz, sobrevivendo, curando chagas, abafando mágoas, aprisionando prantos, acreditando que entre encantos e desencantos, entre encontros e desencontros, havemos de vogar felizes e contentes com a sina que a cada um fadou, 

ou o destino lhe destinou, como quem passou incólume entre os pingos da chuva e se não molhou.

Mentira, e a prová-lo estão as cicatrizes que arrastamos, as visíveis e as invisíveis e, por muito que as escondamos e calemos, elas aí estão, quando menos esperamos gritando por nós e denunciando-nos, 

porque não há almoços grátis, tudo tem um preço, um custo, e esse custo mor parte das vezes fica-te inscrito na pele, no ADN, e torce-te, molda-te, verga-te, e depois?

Depois são as inexplicáveis atitudes que em ti ninguém entende, e por vezes nem tu mesmo, é genético, é hereditário, é congénito, é-te intrínseco, é fruto do teu carácter, da tua personalidade, do teu feitio, dos teus modos. 

São as tuas taras, as tuas manias, as tuas pancadas, as tuas pancas, daí a bóia, a necessidade da bóia, de um colete de salvação que te salve a ti mesmo de ti, para que haja onde te agarrares e sobrevivas.

Por isso a necessidade de esperança, de devoção, de fé nos segredos que a vida encerra e neles creias, neles, acredites, é forçoso acreditar, confiar, para que sintas confiança e avances, para que o terreno pantanoso se solidifique à medida que avanças, que caminhas. 

Que marques a direcção, o rumo, e não hesites, que dês o passo.

Carregas em ti anos de experiência, portanto ousa, não temas, confia, crê, e cria uma brocha, uma boneca de trapo, um esfregaço com que cauterizes as feridas, um bálsamo para as chagas, láudano para as mágoas, um lenço para o pranto, e ergue-te, caminha, vai.

A felicidade constrói-se, por vezes mesmo sobre os escombros de tudo que vivemos e, sendo preciso, é começar de novo uma vez e outra se necessário …

Verdade ou não Belisário  ?