Enquanto
durar a mágoa ardente, nem lhe fará frente a felicidade urgente que experimento
e vivo, ambas digladiando-se na terra de ninguém, neste meu peito, trincheira
profundamente aberta, longo pranto.
Ferozmente
se enfrentam, ora avançam ora recuam, tremendo eu, estremecendo c’os recontros,
balanço, não tombo, tento o equilíbrio, ora tomando partido ora hesitando.
Ouço
o clarim, os cascos dos cavalos, a carga da brigada e emudeço quando troam os
canhões, quando avanço não esmoreço, olho-me e, umas vezes eu, outras outro eu,
serei sempre eu mesmo erguendo este estandarte, vivendo este contraste entre
quem fui e quem sou, entre o que vivi e o sonho que persigo.
Persigno-me,
após aturada genuflexão ponderada reflexão prostrou-me no chão, chão
que ora piso ora me foge debaixo dos pés e eu, buscando-me, vejo-me mas não me
alcanço, ou procuro-me e não me encontro e,
balançando à deriva neste mar de
desencontros que é a vida, eis que diviso tábua de salvação a que me agarro
como um náufrago, bóia a que lancei mão e na qual me apoio esperançoso e crente
de que,
Nossa
Senhora de Fátima acolherá este ateu agnóstico no seu regaço, porque são rosas Senhor,
até aqui só têm sido rosas e nada se opõe a que doravante assim não seja,
pois
desde que haja vontade e ensejo para tal até em cima ou no exíguo espaço
d’uma agenda coiso e tal, afirmava o juiz Vidigal, homem experiente e expedito
ou não fosse dele este dito.
Feito
e dito ou dito e feito, resta esperar o resultado, o proveito, aguardar
serenamente, esquecer casa em Benavente e continuar confiante, soprando a bóia,
inflando a esperança, projectando a vida, sarando chagas e olvidando mágoas,
quais cicatrizes que,
podendo não estar cá sempre cá estarão, recordando e
lembrando quão rica de pormenores é a vida e nós meras formiguinhas, vogando à deriva
numa casca de noz, sobrevivendo, curando chagas, abafando mágoas, aprisionando prantos,
acreditando que entre encantos e desencantos, entre encontros e desencontros,
havemos de vogar felizes e contentes com a sina que a cada um fadou,
ou o
destino lhe destinou, como quem passou incólume entre os pingos da chuva e se
não molhou.
Mentira,
e a prová-lo estão as cicatrizes que arrastamos, as visíveis e as invisíveis e,
por muito que as escondamos e calemos, elas aí estão, quando menos esperamos
gritando por nós e denunciando-nos,
porque não há almoços grátis, tudo tem um preço,
um custo, e esse custo mor parte das vezes fica-te inscrito na pele, no ADN, e
torce-te, molda-te, verga-te, e depois?
Depois
são as inexplicáveis atitudes que em ti ninguém entende, e por vezes nem tu
mesmo, é genético, é hereditário, é congénito, é-te intrínseco, é fruto do teu carácter,
da tua personalidade, do teu feitio, dos teus modos.
São as tuas taras, as tuas
manias, as tuas pancadas, as tuas pancas, daí a bóia, a necessidade da bóia, de
um colete de salvação que te salve a ti mesmo de ti, para que haja onde te
agarrares e sobrevivas.
Por
isso a necessidade de esperança, de devoção, de fé nos segredos que a vida
encerra e neles creias, neles, acredites, é forçoso acreditar, confiar, para
que sintas confiança e avances, para que o terreno pantanoso se solidifique à
medida que avanças, que caminhas.
Que marques a direcção, o rumo, e não hesites,
que dês o passo.
Carregas em ti anos de experiência, portanto ousa, não temas,
confia, crê, e cria uma brocha, uma boneca de trapo, um esfregaço com que cauterizes
as feridas, um bálsamo para as chagas, láudano para as mágoas, um lenço para o
pranto, e ergue-te, caminha, vai.
A
felicidade constrói-se, por vezes mesmo sobre os escombros de tudo que vivemos
e, sendo preciso, é começar de novo uma vez e outra se necessário …
Verdade
ou não Belisário ?