sexta-feira, 18 de março de 2016

322 - THE BLONDE AND BEAUTIFUL CECILE ......


À primeira vista não passava de um inocente convite, nem era o primeiro que ela me enviava, tentei recordá-la mas quase quarenta anos fazem diferença. Estará mais velha, tal qual eu, mas tenho que reconhecer ser o seu sentido de oportunidade tão agudo quanto dantes o era.

O velho Zé Eduardo está de pés para a cova, ela sabe-o bem, como sabe que a herança os irá colocar todos em pé de guerra e que a Isabelinha não terá pulso na família. Nem na família nem nos amigos mais próximos nem nos aparentados, para efeitos de interesses instalados vai ser uma revolução.

O convite é informal, curto mas claro, a rubrica dela a mesma, só o posto é agora mais alto, e se assim é por quê ela a convidar-me ultrapassando o protocolo ? Por nos conhecermos já ? Devido à confiança que se gerou entre nós ? À amizade cultivada e ganha por nós dois ? Há quarenta anos ou perto disso que a não vejo mas lembro como era bela, bela e alta.

Parco de informação o convite, em boa verdade mal o olhei mas de imediato vi à minha frente a geografia de África nos próximos dez a quinze anos, quero dizer a sua geopolítica,. Muito dinheiro eu ganhei por aqueles anos. Não fui somente eu, o Madeira também, mas esse é infatigável, montou logo um restaurante, Deus me livre, só o trabalho, eu preferi amealhar, amealhei e curti, quero dizer chapa ganha chapa gasta, foi-se mas casei as gémeas, o pé-de-meia serviu para ajudar no começo de vida delas e não estou arrependido, quer uma quer outra levaram um bom dote, um super dote, se bem que a Valentina tenha casado melhor que a Ermelinda. A minha Luisinha não acha, mas acho eu e isso basta-me.

No dia 11 de Novembro de 1975, o Dr. Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, em nome do povo Angolano proclamou a independência às 23:00 horas transferindo a soberania de Portugal, para o Povo Angolano, Holden Roberto, líder da FNLA, proclamou a Independência da República Popular e Democrática de Angola à meia-noite desse mesmo dia 11 de Novembro, independência que foi também proclamada nesse mesmíssimo dia em Nova Lisboa (Huambo), por Jonas Savimbi, líder da UNITA. Agostinho Neto, que morreria num hospital em Moscovo durante uma operação, foi substituído na presidência de Angola e do MPLA por José Eduardo dos Santos. Ao falecer em Moscovo, a 10 de Setembro de 1979, Agostinho Neto deixou atrás de si um país totalmente em chamas.

Foi o dinheiro mais bem ganho da minha vida, depois de recuperar daqueles ferimentos que eu pensava terem-me arrumado na prateleira cai-me ela no colo, no colo é modo de dizer, sofri em Xangongo (1) mas dei-lhes água pela barba, demos-lhes, não passaram, e isso é que interessa, isso bastou-me, afinal acabaram por pagar-nos para parar.

“                                            Quinta – feira 
Bar do Sheraton, vinte e trinta, poderemos jantar se confirmar a sua presença.
                                                  Cecile Sirleaf Botha                                              “
        
Nunca cheguei a saber se o seu nome era efectivamente aquele porque há uns dez ou doze anos tentei no Google, e já depois disso também, actualmente digamos, e nenhuma entrada me surge onde seja citada, mas basta-me o cartão e o seu nome, isso é que interessa. Da última vez visitou-me quando eu de convalescença nas Berlengas (2), e passadas duas semanas jantámos no Sheraton, aquele ali ao lado da velhinha Alfredo da Costa, mas nessa altura eu vivia em Lisboa e agora não me cheira, quero dizer não me agrada, cento e cinquenta quilómetros para lá, outros tantos para cá, não não, ela tem que ser mais concreta se quiser que eu me incomode. Mas adivinho-lhe os pensamentos, teme a desestabilização após a morte do velho Eduardo, teme pelas fronteiras de novo, mas não entendo por quê eu, há muito não sou operacional, será pelos meus conhecimentos, pelos meus contactos ?

Logo no início de 1975 fora desencadeada a Operação Carlota (Operación Carlota, em espanhol) o codinome da intervenção militar cubana em Angola. Grosso modo, esse nome apenas baptiza o nome da ponte aérea de emergência Cuba-Angola que o governo da Havana realizou para ajudar o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) a manter seu poder em Luanda e lá proclamar a independência, o que veio efectivamente a acontecer a 11 de Novembro desse ano de 75. No entanto, o que era para ser apenas uma intervenção de ajuda e aconselhamento militar ao MPLA para que este conseguisse expulsar do território angolano as tropas da UNITA apoiadas pela África do Sul e da FNLA, apoiadas pelo vizinho Zaire, transformou-se numa intervenção de larga escala que duraria dezasseis anos e envolveu não apenas soldados e conselheiros militares portugueses (estes em pequeníssima escala e funcionando em termos de contrato de avençados) mas especialmente cubanos, dada a quantidade de efectivos para ali deslocados e que além de militares incluíram médicos, engenheiros e professores. Cerca de 250 consultores cubanos chegaram a Angola em 1975. Até 1987, mais de 37 mil cubanos estavam em Angola e em 1988 chegaram a 50 mil.

O coronel morreu, o Abrantes também, a tal rede já nem existe e a haver alguma coisa será cada um por si. Ricos tempos, corremos mundo. Valeu a pena, eu estou bem, as gémeas estão bem, pena que cada uma para seu lado mas a vida é assim mesmo. Serão conselhos, será o meu conselho que ela quer ? Admira-me se não tiverem ninguém no terreno, têm, de certeza. Ou virá somente sondar, tirar nabos da púcara como dizemos por aqui. Não disparo uma arma vai para trinta anos, e curiosamente foi contra ela que a disparei ! Depois de acertarmos contas não, depois disso acabou-se, nunca mais. Desisto, vou esperar que ela se abra. Aquela guerra nem era minha.

A 14 de agosto 1975, uma mensagem “urgente e confidencial” do Alto - Comissário (interino) informa Lisboa de que foram dadas instruções sobre medidas de segurança ao consulado do Zaire por causa das informações públicas de que grandes quantidades de armamento estavam sendo fornecidas à FNLA, provindo de Kinshasa, capital do Congo ou Zaire.

Foram tempos duros, ganhava-se bom dinheiro mas eram tempos duros, e essa história de sermos só conselheiros era mesmo só história, era e é. E se os outros nos vencessem ? Se os deixássemos vencer ? Mandavam-nos para casa ou seríamos encostados ao mesmo muro que os demais ? Não os podíamos deixar ganhar, desse por onde desse. Além de que os pretos por esse tempo não valiam nada, chegavam tão depressa quão partiam, e não aprendiam nada, não sabiam nada, nem ficavam tempo suficiente para isso, eram um perigo até para eles mesmos. O que lhes valia era serem muitos, caíam uns apareciam logo outros, isso e os cubanos. Também lá ganharam bom dinheirinho esses com a história do internacionalismo libertário ou proletário. Pois. Até com os cardumes de peixe no mar acabaram.

No dia 21 de agosto 75 temendo o alastrar da influência comunista na zona e abrindo uma segunda frente a fim de enfraquecer o MPLA e deste modo ajudar a UNITA, as tropas sul-africanas desencadearam um ataque à cidade de Pereira D’Eça (actual Ondjiva), com focagem especial nos aquartelamentos militares do MPLA e cubanos. Na operação participaram helicópteros de combate excepcionalmente preparados, carros todo o terreno blindados e cerca de 600 homens brancos, incluindo alguns portugueses e negros. As forças do MPLA na altura controlavam essas áreas do sul de Angola e do deserto da Namíbia. O inimigo iniciou um ataque geral com a destruição das instalações e equipamentos da nação, referia a transmissão militar angolana captada pelos sul-africanos. 

Não faço a mínima ideia do que quererá desta vez a bela Cecile, quer dizer não imagino, mas o que quer que seja que ela queira desconfio já estar arrumado para isso, velho para isso, aposentado digamos. O problema é que esta gente nova não sabe nada de nada, nem dar dois tiros, quanto mais ensinar o que quer que seja, mas é que não sabem mesmo nada de nada, nem desarmar uma mina se fosse necessário. Coitado do Miranda, por causa de uma antipessoal de fragmentação é que ele se foi. Eram difíceis de detectar e mais difíceis ainda de desarmar aquelas. Foi a sorte grande para a viúva, mas os pretos demoraram mais de dez anos a cumprir o contrato. Pretos. Vão desestabilizar aquela merda toda outra vez. Aposto que vão, eu não me chame Humberto.

Em 1977, a África do Sul mudou a estratégia de defensiva para ofensiva, tentando caçar a SWAPO em Angola, movimento de libertação da Namíbia e que tinha apoio angolano, país com quem concertava posições e para onde se retirava para retemperar forças levando a mais um passo na escalada da guerra. Os Sul-africanos tinham percebido que não era possível proteger toda a sua fronteira contra a infiltração da SWAPO e que as tropas eram insuficientes. Desfeririam obedecendo à nova estratégia ataques preventivos contra as bases da SWAPO sendo a sua atenção concentrada nos resultados comparados do custo-benefício efectivo das operações lançadas. A Força Aérea Sul Africana deu muitas vezes cobertura aérea a estas operações de contra guerrilha. A sua intensidade aumentou em 1981 durante a operação Protea. A SWAPO foi varrida como ameaça séria entre 1983 a 1984, contudo e apesar da resistência dos sul-africanos viria a conseguir os seus objectivos e como partido político governa a jovem nação desde essa data, 1990.




quinta-feira, 17 de março de 2016

321 - UNHAS PARA TOCAR VIOLA ..........................



Olhar aquelas mãos tratadas, as unhas cuidadas de modo esmerado, compridas q.b., pintadas numa cor carregada e em mãos de dedos esguios, de pele branca, lisa, reflectindo os anos vividos e a viver, ou mais ou menos isso, suscita em mim, sempre, os pensamentos mais pecaminosos que imaginar nos seja permitido.

Natural ou inconscientemente fui-lhe complicando a satisfação dos meus pedidos, complicando nem será o termo, será mais correcto alegar sofisticação dos pedidos, o que a obrigava a manusear as mãos frente aos meus olhos durante muito mais tempo. Pegar na coisa, na coisa ou no coiso, no que quer que eu pedisse ou solicitasse, ou comprasse, e manuseá-la, ou manuseá-lo, buscar-lhe o jeito, medir-lhe mentalmente o tamanho, ajuizar das necessidades para o envolver, escolher um padrão condicente e cortar a folha correctamente, à medida, embrulhar com jeitinho, cuidadosamente, sem rugas no papel e, no final colocar-lhe um lacinho. Perfeito.

E, enquanto as mãos lhe buscam e apuram a perfeição, eu, deleitado, olho-as, a elas e, por cima dos óculos à dona dessas miraculosas mãos, reparo então como os cabelos lhe oscilam, ondulam como um pêndulo ao sabor dos movimentos das mãos, e os olhos, os olhos meu Deus, que quando pestanejam me fazem esquecer do que ali me levara e dou por mim pedindo o jornal na padaria, papo-secos na farmácia, aspirinas na florista ou pão na livraria. Distraído pego em tudo aquilo preparando-me para abalar sem pagar e logo um sorriso aberto, de dentes mais brancos que os de um teclado me recorda diplomática e docemente:

- Vai pagar em cheque ou em numerário senhor Baião, quer facturinha, com número de contribuinte ? Arrisca o carrinho ?

Então acordo da distracção brejeira a cuja cegueira sucumbira e fico preso do seu olhar pestanudo e linguajar profuso, o porta moedas aberto, a carteira aberta, esperando ouvi-la soletrar a importância da coisa, o valor da conta, desculpando-me da minha abstracção, rotineira já, e reparo então que susteve o riso, a risota, e ao suster-se o peito lhe arfa e o volume aumenta e me toca, corrijo, me sensibiliza, a mim, homem sensível, que nem deve enervar-se pois tenho um “stent” na aorta há coisa de meia dúzia de anos.

Tal como as conversas, ou como as cerejas que se comem umas atrás das outras, também os atributos, os pormenores ou as peculiaridades da beleza nos levam, nos conduzem, a que os observemos um após outro com particular atenção exigindo que nos detenhamos num ou noutro ponto ou aspecto mais do nosso agrado, reparo nesse instante como a calça de ganga se lhe ajusta à perna, se lhe cola e a molda como a uma alva e marmórea coluna dórica, contudo o cós, baixo, deixa antever-lhe ao baixar-se a pele morena e tisnada a qual, a exemplo dos eflúvios do café que me toldam as sensações mantendo-me sonhando acordado, faz com que ao invés de conferir trocos e compras me perca nessa maravilha que o feminino encerra há milhões de anos e nos faz permanecer e avançar seja ou não seja.

Esteja ou não esteja ante nós a mulher ideal, quer sonhada, quer imaginada, pois um pormenor nos basta, quantas vezes um simples pormenor nos basta para abastardar os sentidos, a razão e a emoção, relembro quantas vezes um mero sinalzinho na cara, no pezinho* ou uma peculiaridade em mais recatado e íntimo lugar, senão vejamos, desta foram suficientes as unhas, tratadas, cuidadas com esmero, nem curtas nem compridas mas jamais roídas, os dedos esguios, uma palma fina de pele branca onde deixo perder o olhar, divagar, como se por ali pudesse ser deduzida, admirada e amada a mulher ideal, e me subvertesse irracionalmente o desejo animal, carnal, tornado incapaz de raciocinar, de acordar, de guardar a compra feita e despedir-me, sair delicada e cortêsmente, ir à vida, tomar juízo e disfarçar o rubor que me tomara de assalto e me prostrara o cogito, a disposição, a emoção.


Saio sorridente, atravesso a rua, cumprimento o Pedro e brinco com ele porque a ele sim, à juventude sim, é lícito arvorar todas as armas e alimentar todos os sonhos e desejos que a um cinquentenário cuidariam de amesquinhar, como se a maturidade a sabedoria e a segurança e a plenitude da vida não fossem agora, e não quando a cegueira e a impetuosidade da inexperiência dão corpo e fruto, ditam as regras e o caminho que, pasme-se, tantas vezes é mal percorrido ou nem sequer é palmilhado e as vidas se perdem num labirinto de escuridão e ignorância, de preconceitos e juízos de valor à priori errados e aos quais só o olor de amores-perfeitos atenua a negritude do basalto das calçadas.

Agarro nas fotocópias e saio faustoso ante o sol da manhã que me alimenta a alma e o pensamento, nas calmas dirijo-me à clínica de podologia onde marcara vez. É tempo de tratar de mim com o mesmo cuidado, o mesmo esmero, talvez aplicar-lhes um verniz contra ou prevenindo a onicomicose, um verniz branco ou transparente, e as apare convenientemente, evitando que os cantos ou bicos se encravem no dedo e me tornem manco o andar, isto é me obriguem a coxear, para além do mau aspecto que provocam ao descalçar-me e invariavelmente o dedo do pé sair pelo buraco que elas mesmas cortaram e me poderá envergonhar, a mim que se há coisa que tenha pouca seja precisamente vergonha. A verdade é que não desejo arranhar as canelas ou rasgar as meias de licra a ninguém.

Estamos quase lá, boa Páscoa e tratai das unhas, das mãos e sobretudo dos pés. O bom amante é aquele que, sem a arranhar, em paz dorme com a Violante, adiantou o Pedro rindo com vontade, pois a realidade é que o Livro de Eclesiastes é desapiedado no que concerne às vaidades humanas, mas nada nos diz ou convida quanto à renúncia a essas vaidades ou quanto às tentações e fraquezas a que sucumbamos ou façamos frente, respondi-lhe eu. Mas essa, ou esta, é uma discussão teológica que eu mesmo alimento, a renúncia, a salvação, o desespero, o fascínio, sucumbir ou não sucumbir, discussão em que de modo afectuoso me coloco sempre a salvo de mim próprio, como se fosse um descarado, tumultuoso e ambivalente conivente dos pecados em que me enleio. 





segunda-feira, 7 de março de 2016

320 - BOAS INTENÇÕES...... INFERNO CHEIO ........


Em boa verdade teremos que admitir encerrar a preposição que titula este texto muita autenticidade e, exemplificando de modo claro quantos subterfúgios ou dissimulações, mais que boas intenções, podem acoitar-se ou albergar-se nela. Não a traria à colação não tivesse ela sido objecto de exaltação à mesa da nossa tertúlia de café, a qual desta vez terminou mal, com um desfecho que nos envergonhou a todos, pois nos sentimos vítimas dos réprobos olhares de quem não pôde deixar de dar-nos atenção, e especial atenção a pormenores que distraído nem acompanhei cabalmente mas que levaram a Mara a levantar-se de supetão e, estendendo a mão e o dedo do meio atirou a quem a quis ouvir:

- Ora tomem ! A mesma coisa é meter dois dedos no cu e cheirá-los ao mesmo tempo, isso sim é a mesma coisa  !

E abalou encalhando em tudo e todos, barafustando, não sem ter derrubado uma ou duas cadeiras na precipitação de nos voltar as costas e batido com as portas do café. A questão que tanto a azucrinou parece ter sido o móbil das coisas ou das pessoas, o que as faz moverem-se por uma causa, o altruísmo ou o interesse, defendendo ela que sem interesse na coisa, e interesseiros, o mundo jamais avançaria, enquanto outros de nós, mais condescendentes, conciliadores, contemporizadores ou tolerantes (e parvos, segundo ela) aceitavam que muito boa gente, muitas pessoas, agiriam de boa-fé, e não por interesse.

Mais tarde, em casa, e a propósito da tertúlia do café volto a deparar-me casualmente com a mesma questão, o que move as pessoas ? O altruísmo desinteressado, boa fé, boa vontade ou o interesse pessoal ou de grupo ? Desta vez suscitou-me verdadeira curiosidade o facto de os jornais e alguns folhetos na caixa do correio, numa simultaneidade premeditada e articulada com SMS e e-mails, me forçarem a dar conta de umas quaisquer eleições no meu partido, meu quer-se dizer-se, não pago quotas há bem mais de uma dúzia de anos, mas isso não foi obstáculo que tivesse obstado ao bombardeamento abusivo de que fui alvo, com intromissões forçadas na minha privacidade, talvez por me ter sido prometido despudoradamente um desconto de 90% no pagamento das cotas em falta (quotas ou cotas é a mesma coisa), ainda que eu seja mais do tipo ou tudo ou nada percebem ?  Melhor fazer rezet e recomeçar, como quando o PC pifa… mas enfim, “em frente que atrás vem gente”, como diria uma velha amiga minha que até era bastante nova…  era e é.

Altruísmo ou interesse material ou outro ? E não serão o altruísmo e a bondade movidos por interesse ? Tão pertinente questão, ou dilema, foi há muitos anos cientificamente provado por George Price, que tão bem o explicou através de uma fórmula matemática que nos deixou uma equação e cuja preposição (ou proposição, neste caso?) nunca falha e o tornou conhecido primeiro e famoso depois precisamente por isso, essa equação acabaria por levar ao teorema que tem o seu nome. Mas, alinhavava eu, foi o aparente desinteresse e o excesso de voluntarismo e a propaganda a essas eleições no meu partido que me deitaram para cima a levar-me à observação do muito interesse ou tanto desinteresse demonstrado ou camuflado nelas.

Nem sei bem para que eram as eleições, não aprofundei suficientemente o negócio, por mera falta de interesse fruto do desinteresse que o conhecimento antecipado destas habilidades provoca, ainda que desta vez os candidatos tivessem sido dois, dois dá um ar mais democrático à coisa e sempre disfarça o unanimismo vigente e doentio evitando resultados similares aos da Coreia do Norte. Uma boa jogada. Pena ficarmo-nos pelas percentagens, outra ilusão, que muito bem esconde quantas vezes só Deus sabe os vinte ou trinta que votaram… ou nem isso… mas enfim, sejam vinte sejam trinta perfazem sempre os 100% .
Êxito total portanto…

Depois de lidos com atenção os comunicados pelos quais sempre me desinteressei diria que andou ali o céu, o inferno e até o purgatório terá metido uma mãozinha. Uma alminha caída do céu, plena de virtudes e apoiada pela tutela, tutela que nunca aparece nem dá a cara mas toda a gente conhece e que tudo decide até antes de começar. Uma alminha do céu dizia eu, bateu-se contra uma outra alminha, ingénua e sentimental, destinada ingloriamente a morrer no inferno, mas a quem como habitualmente fora autorizado ou consentido satisfazer os interesses e as jogadas de quem pode tê-los e fazê-las.

Pois essa alminha ingénua a quem o inferno estava predestinado tentou, ainda que a inteligência não tivesse ajudado, tentou e melhor pregou mas, o gene recessivo estava lá e sem querer trouxe ao cimo a cadeia de ADN, perdão de interesses, sem tão pouco ter reparado que todo o discurso enfermava de vicio de forma imperdoável nos tempos que correm, o colocar à frente de tudo os interesses do partido, do aparelho, a nível local neste caso, aparecendo os interesses dos militantes dos alentejanos e dos portugueses no fim da lista de prioridades a satisfazer, inqualificável mas demonstrativo do amadorismo e ignorância de quem delineou a estratégia dessa lista na qual, a menos que fossemos militantes ferrenhos e crédulos jamais embarcaríamos. Enfim, cumpriu, cumpriu as ordens e os desígnios de alguém, satisfez os interesses de pessoa ou grupo indeterminado, não oficial e nunca oficializado mas que está lá, nos bastidores, sempre, e manobrando os cordelinhos dos bonecos que atira para a boca de cena, os bonecos uteis.

No outro extremo da oferta um digno representante da tutela e que se classificava a si mesmo como a personalidade mais bem preparada para ocupar o lugar, ao que eu sorri e pensei que, dado o lugar que as aldeias, vilas, cidades, o próprio Alentejo e Portugal ocupam no fim da lista de desenvolvimento da Europa essa seria precisamente a faceta a esconder, ao invés de a gabar, de que se gabará ? De um Alentejo em perda por todos os lados e domínios ? Um Alentejo que definha e morre em todos os aspectos há quarenta anos às mãos de incompetentes, inclusive das suas não deveria orgulhá-lo, contudo há que defender os interesses do grupo e cá estão uma vez mais os interesses disfarçados de altruísmo, porque não se trata já de um grupo ideológico mas de grupo de amigos ou se quiserem de um grupo de interesses ou de negócios e que tem feito o que se sabe ao longo de quarenta anos, tantas tem pintado que nem vê quanto a manta está curta e que se a puxa para tapar os ombros se lhe destapam os pés… 


George Price, que criticou construtivamente o célebre William Hamilton, e a quem todavia deve o apoio que teve e o elevou à fama, sabia do que falava. Também neste caso apareceu talvez vinda do purgatório uma outra alminha que, heresia das heresias, se atreveu e tentou demonstrar por A mais B, publicamente, nos jornais, o que estaria errado e o quanto haveria de injusto naquela justa, tentando que do mal o menos, mas foi tarde e sobretudo inútil o seu puro sacrilégio, palpita-me que dentro de algum tempo se irá sujeitar ao que quis evitar e afastar-se desiludido, é o que costuma surtir a coerência e a unanimidade se excessiva e cultivada, ou manipulada, é como a endogamia, onde os filhos começam a nascer cegos…

Estas coisas do desinteresse escondido pelo interesse disfarçado não são bem a mesma coisa e foi isso que perturbara tanto a amiga Mara, estas coisas não passam de gato escondido com rabo de fora é o que é, porém apresentam-se-nos tão subtis que nem George Price acreditou no teorema infalível que ele próprio criara. Morreu pobre tentando desmentir ser o puro interesse que nos torna ricos, e de agnóstico, ou ateu, passou a crente, talvez por crer (de acreditar) que só mesmo Deus consegue fazer com que o “homem”, nado e criado à Sua imagem, comungue de tanta perfídia, cultive supina ignorância e seja capaz de tanto oportunismo demonstrando tamanho desprezo à custa e pelos que diz defender, 
... os Seus desígnios são realmente insondáveis…

Quanto ao resto da querela ou justa nobre e cientifica entre os dois sábios citados, George R. Price e William D. Hamilton, deixo-vos todos os links possíveis no fim do texto para que possam inteirar-se, informar-se e cultivar-se, pois eu explicações somente com vez marcada e pagas à hora, e na hora que a vidinha ta difícil… 



















sexta-feira, 4 de março de 2016

319 - EI-LOS QUE PARTEM, NOVOS E VELHOS… por Maria Luísa Baião * .................................................


Voltei lá porque em menina me pegavam ao colo e me mostravam os aviões, e quando mais tarde descobri que não era o meu tio José Alves da Silva quem chamava as libelinhas dos ares até se fazerem à pista cerrei os punhos e bati-lhe com eles no peito, enraivecida por me roubarem o mistério de tal magia.

Vagamente, mas lembro-me ainda de um vestidinho estampado, de chita, com bonequinhos e florzinhas apanhado em balão pela cintura, e das pessoas sorrindo, carregadas de malas, sacos, sacolas e talêgos, não consigo é recordar-me do que diziam, nem sequer do que me diziam, do que me disseram, recordo-as apenas felizes, sorridentes, beijos e abraços, por vezes lágrimas que nunca soube distinguir entre as de tristeza e as de alegria, lembro bem essas despedidas, cumprimentos, partidas, chegadas, se lembro, até da gare sempre em festa.

Eu calcorreava tudo, cantarolando e saltitando, conhecia tudo e todos me conheciam, não eram muitos, talvez vinte contando as fardas ou uniformes, uns carimbavam passaportes, trás, trás, o seguinte se faz favor, the next passenger to please, le prochain passager s'il vous plaît, qui suit, s'il vous plaît et bon voyage, bon vol, who follows, bienvenue à Faro, Algarve, Portugal, please and good flight, welcome to Faro, Algarve, Portugal, merci, thank you, 

só não me era permitido passar para a pista, pisar a tal risca amarela, e ao colo de meu tio José Alves ouvia e aprendia as primeiras palavras estrangeiras enquanto ele vigiava, os passaportes, os passageiros, os suores frios, os tremores, as hesitações, uma mala mais cheia, ou mais pesada, um gesto mais esquivo, um gaguejar, lembro uma senhora inglesa que falava sem parar e afinal só escondia na mantilha um pequenino cachorrinho e que até a deixaram levá-lo pois nem era proibido, nem vacinas tinha, já de lá para cá teria sido impossível embarcá-lo disse o meu tio entredentes e com um sorriso nos lábios para o senhor Armando que recebia os tickets, les billets, e carimbava os passaportes, 

in the Heathrow Airport nothinh happens, quipped my uncle for the English lady, who travels to London, smiling at him, que, ultrapassado o medo se calou e não mais deu um pio. Entretanto fui saltar à corda e saltitar, brincar à cabra cega com o Armandinho na areogare vazia.

Lá longe ouviam-se ronronar os motores dos Lockheed Super Constellations, eram lindos, sempre que um se aproximava para landing o meu tio pegava em mim e corria para a pista, adoráva-mos vê-los descer, por vezes havia muito vento e então borregavam, e nós encantados esperando até que eles finalmente landing, as pinturas metálicas, neste caso nem pintura, outras vezes brilhantes, as riscas longas e lindas a todo o comprimento, o moinho das hélices rodando rodando antes de pararem de vez.

No ano seguinte comecei a distingui-los, os da Ibéria, os nossos, da TAP, os da Lufthansa, da Air France, da KLM, e nesse ano a minha tia fez-me umas calças como as que usavam algumas hospedeiras da BEA quando estavam de licença, e algumas turistas trazidas pela PANAM, eu envaidecida pois fui a primeira a usar calças em todo o Algarve e arredores, senti mesmo um orgulho em mim como só voltaria a sentir em meados desse ano ao fazer o exame da quarta classe. Ainda as lembro, azulinhas escuras com um bolso no peitilho onde a minha tia Felismina bordara um aviãozinho muito lindo e sorridente, os suspensórios eram debruados ou ponteados num verde contrastante que se via ao longe fazendo com que não coubesse em mim de contente.

Quando fiz o exame para técnica, lá pelos meus dezassete anos a tia Mina e o tio José Alves ofereceram-me uma viagem à escolha, Paris or London, e o tio Zé aplicava-se nas horas extras pois já lhe faltavam poucas para acumular as frequent flyer miles que lhe dariam direito aos nossos tickets, uma qualquer regalia lá do trabalho dele. 

Foi nesse ano que a Carol Burns da BOAC me ofereceu o seu chapeuzinho vermelho e fez com que eu mesma sonhasse ser hospedeira, e na verdade sonhei mesmo com isso, depois veio o 25 de Abril, o meu tio ficou sem emprego e foi obrigado a emigrar, a minha tia retirou-se para a casa na serra e eu fui estudar para Lisboa onde se viam já os jactos Caravelle soprando e planando sobre a cidade. Formei-me em fisioterapia, dediquei-me à luta, à revolução, a apoiar o nosso povo e ainda tenho o chapeuzinho vermelho da Carol que guardo numa caixinha com muito amor e carinho e junto aos tickets que me levariam a London or Paris quando somassem as tais mil frequent flyer miles estipuladas. 

Depois do último exame meti-me num táxi e ainda cheguei a tempo e horas ao aeroporto para me despedir do tio José Alves que migrava para os USA, a tia Mina chorava, a gare de departures era triste, ela estava triste, nunca mais presenciei arrivées or departures alegres, felizes, com gentes em festa, aos beijos e abraços, cantando e dançando, e claro que aviões não são libelinhas, perderam a graça, a magia, tornaram-se um monte de problemas, uma teimosia politica, um negócio nada rentável pago sobretudo por quem nem sequer voa, Joaninha avoa avoa…

Só já os vejo na Tv, ei-los que partem uma vez mais, desta estão tristes, muito tristes, carimbam os passaportes calados, chorosos, acabrunhados, revoltados, e tudo me parece mudo como num filme antigo, ninguém diz suivant, next passenger, prochain passager, merci, please, thank you, s'il vous plaît, 

sorriem apenas, sorrisos em silicone de cor fúxia como diz o meu marido, as máquinas piscando luzinhas, varando as malas e recolhendo imagens do seu interior, é outra magia, portais por onde a fila passa para outra dimensão, tire o cinto por favor, a carteira se tiver moedas deixe também o porta moedas, caminhe devagar, isqueiros não, líquidos não, só o indispensável, e sonhos, sonhos pode ter, mas só para levar, não para usar aqui, não para ter aqui, mas pode levar os que entender e desejar, 

espreitei, nenhum Zé Alves, tudo automático, tudo informático, nem cãezinhos, nem Armandos nem Armandinhos, nem pistas, nem riscas nem risquinhos, não consigo lobrigar nada já, nem há landings nem planes up à vista, nem borregagens, é tudo lá longe, perfeito, cronometrado, contrafeito, sem efeito em nós, e penso de mim para mim,

- Olha que, com efeito …

* Publicado por Maria Luísa Baião em 3 de Março de 2016 - in; https://www.facebook.com/notes/maria-luisa-baiao/ei-los-que-partem-novos-e-velhos-/1242760425738081




EI-LOS QUE PARTEM

Ei-los que partem
novos e velhos
buscando a sorte
noutras paragens
noutras aragens
entre outros povos
ei-los que partem
velhos e novos

Ei-los que partem
de olhos molhados
coração triste
e a saca às costas
esperança em riste
sonhos dourados
ei-los que partem
de olhos molhados

Virão um dia
ricos ou não
contando histórias
de lá de longe
onde o suor
se fez em pão
virão um dia
ou não…

Letra e música de Manuel Freire



quarta-feira, 2 de março de 2016

318 - A TINA, EU E POLANYI NO MERCADO..........



Polanyi de seu nome, penou as passinhas do Algarve e correu seca e meca durante os seus setenta e oito anos de vida. Simpatizante de ideias socialistas, revolucionárias no tempo em que viveu, esses tempos não foram rosas senhor, fora obrigado a fugir para Inglaterra por ser judeu, donde pulou para os EUA, aí professando até eu ter nascido, mais concretamente na Universidade de Columbia. De regresso à sua Hungria natal mal teve tempo de matar saudades, morreu comemorava eu os meus onze anos, sempre fiel a si mesmo e à sua visão do marxismo, que estudou a fundo, ou não se chamasse Karl, não Karl Marx, nem Karl Bond, Karl somente. Karl Polanyi.

Em, certa medida fui seu contemporâneo, pelo menos até aos meus onze anitos, com a diferença que todo um mundo nos separava, ele já então sabia tudo, e por isso se tornou perigoso. Eu, que não sabia nada e cuja ignorância e estupidez, inofensivas para todos que não eu, vivi, foi-me permitido viver, longe de, a seu exemplo, contestar as teorias económicas que faziam furor, moda, e se tornavam lei num mundo que a América tinha vencido, subjugado, um mundo em que a vitória colocou nas suas mãos todos os despojos e todos os direitos, adquiridos e por adquirir, incluindo os do passado e do porvir.

Com a sua parca participação na IGG e as vantagens daí arrebanhadas os EUA acordaram de um torpor secular e bocejavam ainda quando, contra sua aparente vontade, se viram bafejados com o envolvimento na IIGG, que haveria de provocar a explosão das suas indústrias (não das suas fábricas) e do sistema e centro financeiro de Wall Street que se tornou de dimensão mundial.

Ao contrário do “orgulhosamente sós” do nosso salazarento Salazar, a América foi compelida a abraçar o mundo, para além do dispositivo militar que entretanto entretecera em redor do globo, herdou de mão beijada as possessões do velho império vitoriano da GB e nunca mais teve mãos a medir. Talvez um dia se faça ou se publique a história do minuto em que, para pagar à América as suas dívidas de guerra, a GB lhe entregou tudo de mão beijada e numa salva de prata, de posses a possessões e entrepostos por todo o mundo, a uma dívida colossal que acabou de pagar somente há meia dúzia de anos, e de milhares ou milhões de patentes e descobertas ou avanços no campo cientifico, que chutaram a América para os píncaros e remeteram a GB para o fim da fila. Assistindo a tudo isto Wernher von Braun sorria e coçava com uma varinha, que metia entre o gesso, o braço que tinha partido.

Como se não bastasse a apropriação material do globo, a nível teórico e na esteira de David Ricardo, Adam Smith, Quesnay, Keynes, Milton Friedman e Hayek, as teorias económicas foram perfilhadas por este mundo cuja imagem os EUA delineavam em bloco, contra Karl Marx e o seu pensamento teórico dialéctico e, naturalmente contra o bloco oposto, o soviético, onde uma tentativa profunda do marxismo se tentava (tentou) pôr em prática.

Neste contraditório caldo de cultura entre dois blocos nada mais tinha permissão ou ordem para sobreviver, tendo sido devido a esse abstruso planeta que o pensamento económico teórico de Polanyi não teve lugar, de um lado apertado pela ditadura conceptual de mercado que se instalava, do outro empurrado derivado do facto de nele não existirem mercados mas apenas factores de produção de um só dono, estatizados. Num mundo criado assim não admira que, como diz e muito bem Jean-Pierre Lebrun: "O homem contemporâneo não saiba o que é desejar, saiba só o que é consumir".

O pensamento de Polanyi, o primeiro que gritou bem alto por liberdade, é muito fácil de resumir, defende ele que milhares de anos de história humana haviam criado a necessidade de trocas, necessidade de uma economia incipiente e gerida por reis e senhores, submetida a normas e regras que essas dinastias, realezas ou senhores definiam, regras claras que até o conjunto de anciãos de um qualquer clã ou tribo estabeleceria para uma vivência harmoniosa, sendo a partir delas que a economia se processava, não ousando expandir o seu caudal para fora dessas margens ou desse leito. O “homem, ou os homens” ordenavam e comandavam, o que do ponto de vista antropológico, sociológico, psicológico, da história económica, da teoria económica e da epistemologia não pode ser contraditado, a lei dos homens comandava as trocas, o comércio, a economia, o mercado ou os mercados. Não existia para Polanyi uma esfera económica separada da sociedade, e eram ainda motivos humanos, mais que humanos, a ditar a lei à qual os mercados deviam obediência, a que tinham que sujeitar-se.

Hoje sabemos como é, ou como são as coisas, e sim, é verdade que existe interdependência e competição entre produtores, entre fornecedores, entre empresas, entre países, nos preços, nas economias, mas o seu reconhecimento não obriga ao jugo do jogo dos seus resultados, das suas interdependências, das suas competições e que passaram a dominar o “homem”, a dar-lhe ordens, a submetê-lo, é a célebre T.I.N.A. de que tanto temos ouvido falar nos últimos tempos. TINA, acrónimo do inglês para There Is No Alternative (em português, 'Não há alternativa'

Claro que há e sempre houve e haverá alternativas, enquanto país Portugal nem seria um bom exemplo para este texto ou este caso, falhámos o mais básico bom senso governativo, demos o flanco, as costas e o cu, e queixamo-nos que nos caíram em cima. Não soubemos criar nem manter nem sequer defender os centros de decisão nacionais e agora tudo desaba, tudo se transforma em centros de destruição nacional, somos tacanhos e desajeitados, incompetentes e irresponsáveis, amaldiçoamos tudo em que tocamos ou em que nos metemos, é a TAP, é o NOVO BANCO, são os milhares de lesados dos vários bancos e os dez milhões de lesados dos desgovernos que há quarenta anos nos lixam devido a uma ignorância extrema, a uma falta de cultura confrangedora e abissal e que, como uma vez mais se confirma no caso do despedimento de mais 1.000, mil de uma assentada, não sabem resolver um problema, solucionar uma equação, fazer uma projecção, alinhavar uma previsão, tentando enfiar no momento e com os pés uma linha numa agulha e, cereja no topo, vem o presidente do sindicato dos trabalhadores do fisco exigir que se acabe com o sigilo fiscal, talvez temendo pelos seus ordenados ao fim do mês, pois o levantamento desse sigilo devia ter sido exigido há mais de trinta anos, e o que o país precisa neste momento não é de mais mecanismos sanguessuga, mas sim que se trabalhe, que se invista, se produza, se mobilize tudo e todos à volta de verdades tão comezinhas quanto a necessidade de trabalhar, trabalharmos todos, mas nisso ninguém pega, ninguém apregoa ou exige, não dá votos...

Passamos o tempo a criticar os mercados que sim, que tomaram uma dimensão supra humana que já Polanyi denunciava e criticava, mas cometemos todos os erros e mais alguns dos que os mercados agradecem e passamos a vida a discutir o acessório, enquanto o essencial vai ficando para as calendas gregas. Criticamos a sociedade de mercado, a economia de mercado, esquecendo que para lhe sobreviver ou poder ditar-lhe leis não podemos sucumbir, precisamos de força, de argumentos, de trunfos na manga, de independência, de ser vencedores, alguns povos são-no, conseguem-no, por que não nós ? Irracionalmente, nós portugueses preferimos deixarmo-nos “comer” pelos famigerados mercados, pelas desumanas leis dos mercados, a pior delas o medo da fome ou a esperança do lucro, e depois queixamo-nos de ser uns deserdados da sorte…

Não defendo que nos deixemos conduzir exclusivamente por motivos materialistas, mas que não os ignoremos, eles existem, e esfolam, e matam, é essa a lógica absurda dos mercados que, por causa da dívida nos sugam até à exaustão o que conduz à incapacidade de pagarmos a dita dívida.

A racionalidade dos “mercados” está inquinada, terá que ser o “homem”, a sociedade, a mandar neles e não o contrário, é essa a posição que Polanyi defendeu cedo e a horas, e com unhas e dentes já lá vão setenta anos e pela qual o calaram... Os mercados não têm olhos nem alma, o homem sim, e a voz de Polanyi era tanto mais inconveniente quanto mais os mercados se implantavam a nível mundial. Essencialmente após a IIGG a teoria económica ou as várias teorias, instalaram-se de armas e bagagens aproveitando o vazio critico deixado pelos pensadores existentes, ou sobreviventes, e estabeleceu-se como que uma conspiração hipercrítica dos que reivindicavam a moral ou o primado da acção politica, cujas forças definharam permitindo o avanço cego do efeito cilindrante da concepção conceptual (desculpai-me a redundância) das teorias e leis económicas dos mercados, perante as quais a justiça, a liberdade e a lei claudicam cada vez mais tornando-se insipidas.

Ora das sociedades antigas faziam parte a justiça, a liberdade e a lei, que agora perdem força ante o avanço inexorável das leis dos “mercados”, inumanas, impessoais e cegas, pondo em causa desde tempos imemoráveis o fim último dos estados, o qual deve ser a defesa da rectidão e da justiça, da liberdade, e nunca a protecção dos anónimos ou identificados interesses económicos que se escondem por trás da aparência dinâmica ou moderna mas depredadora dos mercados cuja mão, visível ou invisível, vai muito além da manutenção de uma economia saudável.  

Tenho para mim que o homem é um animal racional do mais irracional que há, e nesse particular estou mais próximo de Thomas Hobbes que de Carl Menger, Portugal tem que encontrar alternativa à T.I.N.A. e tem que se tornar um estado tal qual Hobbes o preconizava em 1651 no seu célebre “Leviatã”; “os estados precisam de um poder absoluto que evite que os humanos se destrocem uns aos outros como uma alcateia de lobos famintos”. Salazar, e talvez Marcelo, o Caetano, sabiam isto, os de agora não sabem nada de nada… Temos que gritar liberdade como Polanyi, mas para isso temos também que nos desfazer do peso do passado, das dívidas, dos preconceitos, da ignorância e da estupidez… 

(e tu que achas Pacheco ??? :D :D :D kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk)

Pintura de Alon Gabbay