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terça-feira, 10 de dezembro de 2019

ALCÁÇOVAS, DIA DE DOÇARIA, O DESASTRE…



Este domingo podia ter sido bem melhor passado, não tivessem sido aqueles grandes camelos, mas nem o problema foi de monta nem deixei que gente tonta me estragasse o dia.

 A coisa teve porém a sua graça pela ignorância que demonstra e põe à vista, e não somente ignorância como falta de visão, falta de mundo, de viagens, quando nem teria sido necessário ir a Paris, Roma, Londres ou Madrid, bastava ter dado um salto a Arraiolos, Montemor-o-Novo ou Portel, falo pelo que vi e vivi.

O quid pro quo conta-se em poucas penadas e menos palavras ainda, pois quisera o destino que eu visitasse mas não visse a Mostra de Doçaria das Alcáçovas, doçaria que aliás abunda por todo o Alentejo e por todo o país, mas que ali funcionará como chamariz para a paróquia, ou para a Freguesia, sendo que a ideia até não está mal pensada. Estará até melhor idealizada que a especulação com os misteriosos e duvidosos Segredos do Endovélico ou o mirabolante aproveitamento de colocar à noitinha os pategos todos olhando para o céu mirando as estrelinhas como se faz na minha terra.

Doces ao menos alegram-nos a alma e confortam-nos o estômago, não é por aí que o gato vai às filhoses, mas foi, para mim aquilo não passou duma louvável iniciativa parcamente pensada e porca mente organizada. Curiosamente já vai na 20ª edição, longa vida lhe desejo, mas por mim evitarei passar pelas Alcáçovas nos próximos 50 anos ou mais, pelo menos enquanto lembrar os jograis medievais que pensaram e deram corpo à iniciativa. Tirando isso, os doces, a comezaina, que mais tem as Alcáçovas para oferecer a quem lá vá ?

Chocalhos, mas já lá iremos.

Organizara o meu passeio de modo a aproveitar bem o domingo, visitar a Mostra de Doçarias, comprar algumas iguarias, almoçar e regressar a Évora a tempo de terminar a jorna como a tinha premeditado porém, há sempre um porém, um todavia, um contudo, a Mostra só abriria nesse dia, não de manhã mas pelas duas da tarde.

No problem, invertem-se os termos, almoça-se primeiro e visita-se a Mostra depois, qual o problema ?

Absolutamente nenhum. Vamos ao almoço.

E foi aí que começou o todavia. O pessoal era mais que muito, os restaurantes nem eram assim tantos, e com uma soberba estranha para meio tão modesto corriam com quem não tivesse mesa marcada pois os comensais eram mais que as encomendas.

Não somente eu e a minha Fátima corremos tudo como tudo nos fechava as portas, a nós e a muitos outros, a todos, num deles a quase totalidade das mesas estava reservada à Câmara Municipal de Viana do Alentejo.


Nada contra, a câmara lá há-de ter os seus colaboradores, afilhados, boys, tios, sobrinhos e outros multicores a quem agradecer, a quem homenagear, a quem honrar, a quem pagar, a quem engraxar etc etc e tal, ninguém leva a mal, estamos em Portugal e mais tarde ou mais cedo, mais hora menos hora a câmara há-de pagar e é entidade que não se pode hostilizar.

Brinco é certo, mas não lhes nego o direito, nem à câmara nem ao restaurante, embora ache que a vida não são dois dias nem o Carnaval três, o ano tem mais 362 ou 363 dias em que há que pensar e sobreviver.

Triste, faminto, esfomeado, revoltado, regressei a Évora onde também se come bem ou melhor ainda, também Évora é digna dos melhores doces. Voltei pois á minha terra, virei as costas às Alcáçovas onde jurei nunca mais meter os pés nem para mijar, jurei eu e juraram provavelmente mais umas largas dezenas ou centenas de visitantes.

As últimas semanas têm sido um corrupio, fui á Mostra Gastronómica de Arraiolos, exemplarmente organizada e onde ninguém ficou sem almoçar, aliás almoçou-se num espaço digno, capaz, acolhedor, depois passei pelo Festival de Sopas de Montemor-o-Novo onde igualmente e num espaço idêntico, e de idêntica forma os restaurantes da zona estavam representados, tinham o seu lugar reservado e próprio, tal como as sopas, doces e vinhos, ninguém ficou em pé, ninguém ficou sem almoçar nem ninguém teve que andar correndo e saltando procurando onde o fazer e toda a gente certamente terá jurado voltar. Lá, não às Alcáçovas.

No fim-de-semana passado calhara-me a Feira do Montado em Portel e também aí, numa tenda enorme foram acolhidos os restaurantes da terra e dos arredores, que encheram a barriga aos visitantes com maravilhas e doces, não tendo dado por ninguém se queixar, todos almoçaram, todos visitaram a Mostra e todos saíram fartos e contentes.


Contudo em Viana e nas Alcáçovas optou-se, por ignorância, desconhecimento, incompetência, falta de originalidade e de visão por correr a pontapé os visitantes famintos, e eram muitos. Ora não havia nexexidade. Como diria o padre do Herman, o diácono Remédios.

Se em vez de passarem a vida na terrinha os organizadores da Mostra de Doçarias dessem de vez em quando uma voltinha pelas paróquias vizinhas só teriam a ganhar e nem gastariam muita gasolina. Nem todos na Junta de Freguesia de Alcáçovas ou na Câmara Municipal de Viana do Alentejo serão culpados, mas aos que o são deviam pendurar ao pescoço de cada um deles um chocalho bem pesado e bem lustroso, para que todos nós soubéssemos quem eram as alimárias e luminárias cuja cabecinha não merece nem de perto nem de longe o pecúlio que nós, contribuintes, lhes pagamos mensalmente. E sempre era dada à freguesia uma outra e original oportunidade de as Alcáçovas mostrarem os seus famosos chocalhos.

E eu que tão empenhado tenho andado em mostrar à minha Fatinha as belezas e as maravilhas do Alentejo, vi-me naturalmente compungido e comprometido, pelo que só me restou pegar nela e levá-la dali daquele pesadelo quanto mais depressa melhor, o que fiz enquanto fui rabujando e praguejando;

Perdoa-lhes Fatinha que não sabem o que fazem… Fazem uns belos chocalhos p’ra vacas, bestas, cavalgaduras, mas faltam-lhes polimento, etiqueta, modos, formação, educação, consideração pelos forasteiros e boas maneiras…



sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

401 - CAVALGADA HERÓICA ........ Alter ** .........


A semana tinha sido exaltada e prenhe de apreensão. Choveria? Não choveria ? E tanta coisa pendente disso ! No sábado aprazado entre as sete e as oito da manhã, três ou quatro vezes tirei a moto da garagem e a voltei a guardar. Finalmente, pelas oito e pouco uma aberta prometeu um dia lindo ! Não hesitei ! Mota fora ! Aí vamos nós ! Quando cheguei ao ponto de encontro estavam lá vinte ou trinta resistentes como eu. Pelas nove e já com sol, estavam reunidas perto de sessenta motos e mais de noventa amigos ! Partimos rumo a Alter do Chão, às coudelarias reais !

Pelo sim pelo não todo mundo tinha envergado os fatos anti chuva, não fosse o diabo tecê-las. E não foi que teceu mesmo ! Desde a saída de Évora, pelo Frei-Aleixo e até Estremoz foi uma prova de resistência em que ninguém foi abaixo. O passeio prometia. GNR na frente e atrás p’ra não deixar ninguém sair dos eixos, a estrada molhada fazendo com que nas curvas o esfíncter se contraísse. Uma neblina de sonho solta pelos pneus das motos pisando no molhado tudo toldava, enquanto os escapes abertos provocavam um silêncio ruidoso e ensurdecedor de que me fui alheando, propiciando a que deixasse a moto deslizar e os sonhos divagar.

É preciso saber sonhar sabem ? Deixar espaço ao sonho… A mim faz-me sentir bem, é um estímulo cada um destes passeios, um período consagrado à divagação em que a sensibilidade é levada ao ponto de exaustão. Ao extremo.

Na orla do ângulo de visão permitido pelo capacete divisava os raios de sol desenhando na neblina grinaldas com mais cores que uma palete e eu, acelerando num ritmo certo deixava o imaginário ir fluindo, acompanhando a estrada que não via já, toda ela um carreiro de amor, as motas como um rebanho criado pela minha pródiga imaginação. Os traços descontínuos da via bruxuleavam ante os meus olhos soltando reflexos doirados e coloridos quando o sol batia na estrada, no espelho da estrada molhada, desenhando vitrais góticos cujas cores não encerravam figuras mas lembranças e sim, lembrei-te em baixo-relevo enquanto, delineando as curvas, fiz todas sem que por uma sequer tivesse dado, sem que uma vez tivesse pisado o traço, e, em cada curva tu, e eu, perdido em carícias ingénuas, nem ciúmes nem saudades, somente o coração batendo placidamente, o motor ronronando, a estrada fugindo, eu sonhando e uma 125 azul surpreendentemente, acompanhando-nos. *

No peito uma chama de desejo, lume ardendo nos sentidos, volúpia que meu corpo sublima bamboleando nas curvas. Não chove já, acelero de novo, acompanho-os sem dar por eles, as curvas repetem-se, cada vez mais perto de ti, não sei já em quais delas penso, se nas que molhadas são um perigo se nas tuas, cuja silhueta mentalmente desenho preenchendo-me com desenhos que me toldam e tornam lascivos os sentidos, enquanto desprendido de tudo, tramo mergulhar em pecado na boémia, ébrio do teu odor, do odor libertado pelos prados que a estrada ladeavam e a primavera confirmava. Confundido rendi-me a mim mesmo e curvei sem dar por tal ou pela estrada, há muito que não chovia e o sol afagava-nos com os seus raios, espraiei os olhos pela paisagem e foi a ti que vi como se tingida na retina, beijando-me em lírica e serena ausência mas prenhe de promessas e delírios sabendo-me presa fácil de paixões e carências.

Chegados apenas os cavalos me seduziram pelas possibilidades de montar um deles, preferencialmente alado que, por milagre, minha alma levasse mergulhando-a em céus de esplendor num gesto delicado que, tocando a abóbada celeste, te envolvesse neste anseio conquistando-te o corpo quando eu, de ouvidos tilintando embriagados, vendo em meu redor flâmulas e pendões multicores rodeando um mar de rosas entre nós e o céu, só tivesse dado acordo de mim quando as trombetas me solicitaram para o festim do almoço.

Restaurante abarrotando, mesas sobrelotadas, toda a gente quer ficar perto de toda a gente mas não te alvitro entre os demais, enquanto isso o espírito de camaradagem e de festa divaga sobre nós abençoando-nos, retribuímos não desdenhando do cozido nem do tinto ou da cerveja que pródigos pajens e arlequins nos colocaram à disposição. Confesso não ver já quem está à minha direita, à esquerda ou em frente, que interessa isso se somos como irmãos de velha e honrosa irmandade?

E não me sais da ideia, lembro ter afivelado um sorriso que me durou toda a tarde e não perdi, antes guardei, não fosse caso que, na prova de vinhos em Estremoz, te perdesse do pensamento sob influência de tais éteres pois só vê-los bastava para nos toldar a razão. Mas não estive com cuidados, minha alma vagabunda tanto navega neste mundo como caminha sobre o mar, pois não sou de nenhum lugar, nem me acho louco por ser assim, vos garanto porém embora não lembre já o opíparo jantar, ter sido um dia tão feliz, tão feliz que somente no dia seguinte dei por mim e, como sempre lá estavas, não sei se à minha esquerda se à minha direita, acho que à direita, não fosse a bainha da espada enredar-se na roda do teu vestido...


** Devo esclarecer que esta linda cavalgada teve lugar em 2009, foi promovida pelo grupo de amigos das motas da empresa Estradas de Portugal EP, belissímo passeio que me esquecera da publicar.... Aproveitei agora a oportunidade... Bom jantar para todos e todas, boas curvas, Bom Natal, bons passeios e um abraço... :)

segunda-feira, 7 de março de 2016

320 - BOAS INTENÇÕES...... INFERNO CHEIO ........


Em boa verdade teremos que admitir encerrar a preposição que titula este texto muita autenticidade e, exemplificando de modo claro quantos subterfúgios ou dissimulações, mais que boas intenções, podem acoitar-se ou albergar-se nela. Não a traria à colação não tivesse ela sido objecto de exaltação à mesa da nossa tertúlia de café, a qual desta vez terminou mal, com um desfecho que nos envergonhou a todos, pois nos sentimos vítimas dos réprobos olhares de quem não pôde deixar de dar-nos atenção, e especial atenção a pormenores que distraído nem acompanhei cabalmente mas que levaram a Mara a levantar-se de supetão e, estendendo a mão e o dedo do meio atirou a quem a quis ouvir:

- Ora tomem ! A mesma coisa é meter dois dedos no cu e cheirá-los ao mesmo tempo, isso sim é a mesma coisa  !

E abalou encalhando em tudo e todos, barafustando, não sem ter derrubado uma ou duas cadeiras na precipitação de nos voltar as costas e batido com as portas do café. A questão que tanto a azucrinou parece ter sido o móbil das coisas ou das pessoas, o que as faz moverem-se por uma causa, o altruísmo ou o interesse, defendendo ela que sem interesse na coisa, e interesseiros, o mundo jamais avançaria, enquanto outros de nós, mais condescendentes, conciliadores, contemporizadores ou tolerantes (e parvos, segundo ela) aceitavam que muito boa gente, muitas pessoas, agiriam de boa-fé, e não por interesse.

Mais tarde, em casa, e a propósito da tertúlia do café volto a deparar-me casualmente com a mesma questão, o que move as pessoas ? O altruísmo desinteressado, boa fé, boa vontade ou o interesse pessoal ou de grupo ? Desta vez suscitou-me verdadeira curiosidade o facto de os jornais e alguns folhetos na caixa do correio, numa simultaneidade premeditada e articulada com SMS e e-mails, me forçarem a dar conta de umas quaisquer eleições no meu partido, meu quer-se dizer-se, não pago quotas há bem mais de uma dúzia de anos, mas isso não foi obstáculo que tivesse obstado ao bombardeamento abusivo de que fui alvo, com intromissões forçadas na minha privacidade, talvez por me ter sido prometido despudoradamente um desconto de 90% no pagamento das cotas em falta (quotas ou cotas é a mesma coisa), ainda que eu seja mais do tipo ou tudo ou nada percebem ?  Melhor fazer rezet e recomeçar, como quando o PC pifa… mas enfim, “em frente que atrás vem gente”, como diria uma velha amiga minha que até era bastante nova…  era e é.

Altruísmo ou interesse material ou outro ? E não serão o altruísmo e a bondade movidos por interesse ? Tão pertinente questão, ou dilema, foi há muitos anos cientificamente provado por George Price, que tão bem o explicou através de uma fórmula matemática que nos deixou uma equação e cuja preposição (ou proposição, neste caso?) nunca falha e o tornou conhecido primeiro e famoso depois precisamente por isso, essa equação acabaria por levar ao teorema que tem o seu nome. Mas, alinhavava eu, foi o aparente desinteresse e o excesso de voluntarismo e a propaganda a essas eleições no meu partido que me deitaram para cima a levar-me à observação do muito interesse ou tanto desinteresse demonstrado ou camuflado nelas.

Nem sei bem para que eram as eleições, não aprofundei suficientemente o negócio, por mera falta de interesse fruto do desinteresse que o conhecimento antecipado destas habilidades provoca, ainda que desta vez os candidatos tivessem sido dois, dois dá um ar mais democrático à coisa e sempre disfarça o unanimismo vigente e doentio evitando resultados similares aos da Coreia do Norte. Uma boa jogada. Pena ficarmo-nos pelas percentagens, outra ilusão, que muito bem esconde quantas vezes só Deus sabe os vinte ou trinta que votaram… ou nem isso… mas enfim, sejam vinte sejam trinta perfazem sempre os 100% .
Êxito total portanto…

Depois de lidos com atenção os comunicados pelos quais sempre me desinteressei diria que andou ali o céu, o inferno e até o purgatório terá metido uma mãozinha. Uma alminha caída do céu, plena de virtudes e apoiada pela tutela, tutela que nunca aparece nem dá a cara mas toda a gente conhece e que tudo decide até antes de começar. Uma alminha do céu dizia eu, bateu-se contra uma outra alminha, ingénua e sentimental, destinada ingloriamente a morrer no inferno, mas a quem como habitualmente fora autorizado ou consentido satisfazer os interesses e as jogadas de quem pode tê-los e fazê-las.

Pois essa alminha ingénua a quem o inferno estava predestinado tentou, ainda que a inteligência não tivesse ajudado, tentou e melhor pregou mas, o gene recessivo estava lá e sem querer trouxe ao cimo a cadeia de ADN, perdão de interesses, sem tão pouco ter reparado que todo o discurso enfermava de vicio de forma imperdoável nos tempos que correm, o colocar à frente de tudo os interesses do partido, do aparelho, a nível local neste caso, aparecendo os interesses dos militantes dos alentejanos e dos portugueses no fim da lista de prioridades a satisfazer, inqualificável mas demonstrativo do amadorismo e ignorância de quem delineou a estratégia dessa lista na qual, a menos que fossemos militantes ferrenhos e crédulos jamais embarcaríamos. Enfim, cumpriu, cumpriu as ordens e os desígnios de alguém, satisfez os interesses de pessoa ou grupo indeterminado, não oficial e nunca oficializado mas que está lá, nos bastidores, sempre, e manobrando os cordelinhos dos bonecos que atira para a boca de cena, os bonecos uteis.

No outro extremo da oferta um digno representante da tutela e que se classificava a si mesmo como a personalidade mais bem preparada para ocupar o lugar, ao que eu sorri e pensei que, dado o lugar que as aldeias, vilas, cidades, o próprio Alentejo e Portugal ocupam no fim da lista de desenvolvimento da Europa essa seria precisamente a faceta a esconder, ao invés de a gabar, de que se gabará ? De um Alentejo em perda por todos os lados e domínios ? Um Alentejo que definha e morre em todos os aspectos há quarenta anos às mãos de incompetentes, inclusive das suas não deveria orgulhá-lo, contudo há que defender os interesses do grupo e cá estão uma vez mais os interesses disfarçados de altruísmo, porque não se trata já de um grupo ideológico mas de grupo de amigos ou se quiserem de um grupo de interesses ou de negócios e que tem feito o que se sabe ao longo de quarenta anos, tantas tem pintado que nem vê quanto a manta está curta e que se a puxa para tapar os ombros se lhe destapam os pés… 


George Price, que criticou construtivamente o célebre William Hamilton, e a quem todavia deve o apoio que teve e o elevou à fama, sabia do que falava. Também neste caso apareceu talvez vinda do purgatório uma outra alminha que, heresia das heresias, se atreveu e tentou demonstrar por A mais B, publicamente, nos jornais, o que estaria errado e o quanto haveria de injusto naquela justa, tentando que do mal o menos, mas foi tarde e sobretudo inútil o seu puro sacrilégio, palpita-me que dentro de algum tempo se irá sujeitar ao que quis evitar e afastar-se desiludido, é o que costuma surtir a coerência e a unanimidade se excessiva e cultivada, ou manipulada, é como a endogamia, onde os filhos começam a nascer cegos…

Estas coisas do desinteresse escondido pelo interesse disfarçado não são bem a mesma coisa e foi isso que perturbara tanto a amiga Mara, estas coisas não passam de gato escondido com rabo de fora é o que é, porém apresentam-se-nos tão subtis que nem George Price acreditou no teorema infalível que ele próprio criara. Morreu pobre tentando desmentir ser o puro interesse que nos torna ricos, e de agnóstico, ou ateu, passou a crente, talvez por crer (de acreditar) que só mesmo Deus consegue fazer com que o “homem”, nado e criado à Sua imagem, comungue de tanta perfídia, cultive supina ignorância e seja capaz de tanto oportunismo demonstrando tamanho desprezo à custa e pelos que diz defender, 
... os Seus desígnios são realmente insondáveis…

Quanto ao resto da querela ou justa nobre e cientifica entre os dois sábios citados, George R. Price e William D. Hamilton, deixo-vos todos os links possíveis no fim do texto para que possam inteirar-se, informar-se e cultivar-se, pois eu explicações somente com vez marcada e pagas à hora, e na hora que a vidinha ta difícil… 



















quarta-feira, 29 de julho de 2015

260 - ALL THE ALLENTEJO .......................................

               
              No momento em que, sem hesitações lhe espetaram o facalhão na garganta eu arrepiei-me, e, ainda que a faca não tenha sido enfiada até ao cabo o sangue jorrava em golfadas, e arrepiei-me de novo ao sentir rodarem a faca, como se fosse em mim que a forçavam, arrepiei-me uma terceira vez quando a faca, digo o facalhão, foi retirado e atrás dele mais sangue jorrou ainda, esguichava-lhe e escorria-lhe pelo pescoço quando o meu pai lhe procurou o buraco da primeira facada com os dedos aí introduzindo outro facalhão, de lâmina brilhante e muito mais larga que a primeira, havia que alargar o golpe e sangrá-la depressa.

A tudo isto eu assistia encostado à parede, melhor, colado à parede, enquanto ela gemia, já só gemia, estrebuchara imenso, mas dois homens fortes tinham-lhe colocado os joelhos na barriga para se firmarem e agarraram-lhe com denodo os membros bem atados. O pior tinha sido a atrapalhação do meu pai, mangas arregaçadas, o suor ensopando-lhe a testa, fácies tenso deixando antever os dentes, pequeninos, as mãos pingando sangue, escorrendo sangue, gritando aos homens, ordens curtas, precisas, um último grunhido, minha mãe aparando o sangue num alguidar de barro, a avó Inácia doseando o sal para que não coagulasse, coalhasse ou a rechina não sairia boa, a tia Aia picando a salsa e os alhos para a parte destinada a coalhar e a ser cortada em cubos miudinhos e transformada num petisco.

Homens acudiram à forquilha e aos tojos que, ardendo musgariam a marrã a fim de, com raspadeiras improvisadas lhe retirarem as cerdas, o lume foi chegado às patas e os cascos arrancados fumegantes, eu e outros miúdos lutámos por eles para lhes roermos o sabugo, a marrã inteiriçada, depois lavada até ficar luzidia, dependurada em dois postes atados em X e aberta, os intestinos caindo no chão, as miudezas aventadas para outro alguidar e
repentinamente perdem-se-me as recordações, por que raio não sou capaz de lembrar quem eram os outros gaiatos se era com eles que eu brincava, e tanto que eu brinquei, sumiram-se-me as lembranças, só as recupero em casa, a salgadeira aberta, mantas de toucinho, a perna para presunto pintada com pimentão e colorau, punhados de sal, cheiro a pimentão, muito pimentão na carne, e lá vou eu com a tia Aia p’ra casa da avó Inácia pois em dias assim só atrapalharia e nem vagar havia, nem vagar nem ninguém para tomar conta de mim.

Um dia seria destemido como o meu pai, destemido e convencido, o melhor e mais rápido a matar e abrir porcos no Alentejo, onde por enquanto somente brincava mas a cuja magia me estava habituando, descobrindo e deslumbrando, até com os mimos que me prodigalizavam todos quantos me rodeavam, especialmente a avó Inácia e a tia Aia.

Tantas vezes me disseram ser o Alentejo impar que acabei acreditando, os pais, os avós, tias e tios, até a avó Inácia, com quem em miúdo passava longos períodos de férias na aldeia. A tia Aia também me fizera acreditar em tal, e seria injusto esquecê-la.

Sou extrovertido, e confiante, diria que demasiado confiante (até há quem diga que sou um convencido), talvez por ter nascido aqui, nesta terra de xisto e fragas lascadas, de espaços abertos e campos extraordinariamente iluminados, amplos, resplandecentes, melhor dizer reverberantes se quiser ser fiel à memória da tia Aia, ela chamava-lhe a marca da terra.

A tia Aia colocava marcas em tudo, desconhecia a gramática, nunca ouvira falar de adjectivos, tinha contudo um modo muito próprio de catalogar o mundo, eu, por exemplo, nunca fui só Berto, eu era o Bertinho querido umas vezes e o Bertinho lindo outras, tal como as flores das giestas no campo não eram somente bonitas, eram celestialmente bonitas pois Deus decerto as quisera diferentes de todas as outras, e para melhor.

Já provaram vocês o mel alentejano de abelhas que sobretudo se alimentem destas flores de giesta e esteva ? E já repararam como em relação aos demais o gosto é desigual, para melhor ? Repararam como nem coalha no inverno ? O único que não coalha ? A tia Aia tinha razão, Deus colocou uma marca no Alentejo, aliás várias marcas, até o perfume dessa flor não se limitava a ser agradável, ele era, na tabela da tia Aia, indelevelmente agradável e inesquecivelmente inolvidável.

Custa-nos crer como neste cenário de horizontes largos o homem se deixou aprisionar durante séculos, custa-me aceitar que não tenham partido daqui todas as revoluções, não aceito que a submissão, que o cante alentejano tão bem exprime seja ainda hoje uma das nossas marcas, porque aqui, nestes campos lindos e que, como adjectivaria a tia Aia, luxuriantes, onde a ausência de solidariedade campeia, a única coisa que, mau grado o paredão de Alqueva parece não se deixar submeter é a natureza, que, alheia à luta dos homens se renova em cada primavera e, ao contrário de nós, gente, humanos, prima por manter ainda a diferenciação do carácter das suas estações bem marcado, ao invés do indígena, que aos poucos e em quarenta anos se transformou num camaleão gelatinoso, ou, como diria a tia Aia, em lindíssimos e gelatinosos camaleões, inda que sendo bichinhos que ela, que jamais saíra daqui, vez alguma tivesse visto.

Visto ou ouvido, estas vastas terras aplanam a alma e injectam nos seres vírus de bonomia, estado anímico que a tia Aia, sempre mexendo, adjectivaria de letargia, no que pacificamente lhe concedo toda a razão. Aqui o tempo não anda para a frente, não avança, regride, olhemos as nossas vilas aldeias e cidades e comprovemo-lo, um paraíso perdido, um vazio no tempo que nem Einstein previra mas que agora, mentes brilhantes, vendem aos turistas em pacotinhos de fins de semana, disso se encarregarão os operadores turísticos e para tal a GenuineLand preparou os nativos alentejanos cujo céu, livre de poeiras e fumos, vendemos em pastilhas  de noites de breu com um sabor estrelado através da Dark Sky Alqueva.

A novidade aqui passa só e somente por essas adjectivadas e exageradas promoções, os publicitários sempre foram excessivos, e não o foram ou são somente com este Alentejo, lugar onde procuram, ou alguém força, estabelecer novas tradições com mais rapidez que aquela com que enterram as velhas. Pôr em pé o misticismo Endovélico no Alandroal, obrigar-nos a todos a olhar o balão como pategos no Dark Sky, ou tentar tapar o buraco que a desertificação abriu na peneira com o projecto GenuineLand, embasbacando perante as centenas de empregos, milhares de empregos que estas coisas geram, tá-se mesmo vendo, é andar brincando com o Alentejo.

Brinca-se no Alentejo e no país, agora até promovem e homenageiam quem mais brinca.

Brincalhões …

Foto 1 – A arma usada na matança.
Foto 2 – Monsaraz no horizonte.
Foto 3 - O horizonte visto de Monsaraz.
Foto 3 – Afloramentos de xisto perto da ribeira de Lucefecit.







                      

terça-feira, 11 de março de 2014

Alentejo, antes e depois, sempre ele …


O Expresso do passado sábado 8 de Março trazia, nas páginas centrais do seu Caderno de Economia, mais concretamente nas páginas 14 e 15, acerca da nossa pauperização, herdada e programada, um artigo curioso e que estranhamente ninguém mais abordou, nem sequer nas suas outras publicações de charneira, Visão, Exame ou até na SIC.

Resumidamente o artigo, bem desenvolvido e melhor fundamentado, procurava explicar a razão pela qual em Portugal, inserido no espaço económico europeu, os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

O Expresso juntou alguns dos seus sábios e economistas, pegou nos dados estatísticos do Eurosat, analisou cada região da Europa comunitária pelas suas classificações NUT1 NUT2 e NUT3, comparou-as entre elas e ao longo do tempo para concluir que de entre todas as mais pobres são Portugal e a Grécia, esta apesar de tudo melhor do que nós, sendo que entre todas as 31 regiões portuguesas o Alentejo está, por muito que nos custe aceitar, entre as que apresentam pior situação e desempenho.

Portugal aparece como a região mais pobre da EU, União Económica e monetária, a titulo de exemplo assinalo um concelho da serra da Estrela com um PIB de somente 8.300€ por habitante, 8% do rendimento per capita da região mais rica da EU, a de Wolfsburg, 108.000€ anuais por habitante e quatro vezes superior à média europeia, no fundo da tabela, o nosso país apresenta 7 das 10 regiões mais pobres, e é aqui que surge destacado no fim da tabela o Alentejo Central com somente 20% da média europeia, encabeçada pela Holanda, Luxemburgo e Alemanha…

Destaca o articulista, ou os articulistas, que a EU e o euro foi para nós um péssimo negócio, país cujas elites não se encontraram à altura do desafio que assumiram.

Foram usados pelo Expresso os dados insuspeitos do Eurostat para os anos de 2000 / 2011, que se baseou nas designações NUTs para o estudo apresentado.

       O semanário não apresentou soluções nem julgamentos, não apontou culpados nem fez comentários, deixou aos leitores e à intimidade de cada um essa tarefa, eu diria que como sempre uns dirão que os culpados são os outros, e os outros que os culpados são os uns, cá para mim a culpa de tudo é dos Kosovares…