quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

634 - SIM SÉRGIO ! ! ! EU VEJO AS ESTRELAS ! ! ! by Maria Luísa Baião **


Um homem* pintou estrelas no firmamento, deu asas ao vento, libertou o pensamento. O mesmo homem tornou um valor o fermento de novas ideias, foi cultor de novos desenvolvimentos conceptuais, desenhador de diagonais, escultor de catedrais e hoje… animador de jogos florais.

Tal homem, tais homens, impulsionam vendavais e, nos nossos quintais, inspiram arraiais, mobilizam no pensamento forças tais, que nem cem, mil Carnavais igualam. Cavalgam o nosso agir, asseguram o porvir, assinalam o devir, são faróis, são sóis.

Temos há cem anos um farol, um novo modo de pensar, o "pensar ideativo", um cata-sol, um altar, um mar por explorar, uma protecção a este calcanhar de Aquiles do nosso egoísmo, do nosso individualismo, esse tumor ablativo a expurgar. Esse homem assumiu-se crítico, fez-se criativo, tornou-se racional, e não um animal como nos querem… não desesperem, de hostes populares virou general.

Claríssimo, exigiu que se reflectisse, na claridade se apostasse, no rigor se teimasse, e da reflexão crítica religião se fizesse. Porquê dirão ? Por que se opôs a Antero ? Nem só mero esmero, antes por ter ousado contrariar-lhe o pensamento instintivo, irracional, lhe ter passado a não razão num crivo e, em nome dessa razão ter afirmado que, a lado nenhum se vai de mãos dadas c'a vaidade, ou com a emotividade. Temos de aprender a aprender, como aprendemos que o caminho se faz caminhando. Havemos do ousar fazer um hábito e, trilhando novas ideias, mover o mundo, avançar, por nós e pelos vindouros agora, e por enquanto os nossos tesouros.

Tornaremos a criatividade uma praxis, transformaremos tradições, faremos da passagem da idealidade para a realidade cerne das nossas ambições. Fantasiar sim, tanto quanto possível, mas com os pés assentes no chão, filosofar sim, mas concretizar a ambição sonhada, problematizar ? Por que não ? Mas actuar e nunca esmorecer, pois as boas ideias resistem ao tempo e à corrosão, resistirão, sempre. Tudo isto devemos saber e, continuar, alimentar um espírito fecundo, apesar das críticas e sobretudo dos louvores, e, nunca por nunca muito menos juntas ir ao fundo neste mundo que nos compete criar.

O homem esse foi exemplo, foi um racionalista militante num mundo que não era fácil e então muito mais lento. Hoje move-se como sempre se moveu, só que é outro o tempo, mais rápido, mais sofrido, menos crente, mais ateu. Quem sou eu ? Que neste cantinho nasci, menina e moça me tornei, aqui cresci, meditei, sofri e deambulei. Me fiz mulher me fiz mãe, me impus um querer, e medrei.

Passei passas dos infernos, praguejei contra os Invernos, nasci com a vida torta em casa de estreita porta, valeu-me uma alma rebelde, uma vontade indomável de endireitar esta vara cuja alma Deus alara. Roguei pragas, rezei preces, sarei chagas. Lambi as benesses do meu ser exangue, sou hoje o resto do que paguei em sangue, em suor, em lágrimas de dor.

Passei uma estreita porta que alguém me quisera impor como fluído em retorta, sublimei e, desdenhando, caminho altiva sem receio que em meu redor qualquer actor minimize o papel que com amor desempenhei, qual invectiva defensiva, censor mundano contra labor que abracei com o furor de um marçano jurando morrer gerente e disso fazendo lei.

Sem causar dano, só bem, também luto com primor e contra o mundo me bato, qual pretor que com rigor impõe a si mesmo a grei, e, ao cabo dos trabalhos aqui estou com frescor, levo a vida com humor e creiam-me não será disto que morro. E perguntarão vocês a que propósito hiperbólico vem esta história cismada, pois que se saiba trabalho não significa delito ou enxovalho, ainda que, sabem-no bem não é profecia, por vezes p'ra mais não chega que barrigada de larica.

E não sendo assombradiça ou na magia fiando, revolta-me ser submissa. Resta-me no vaivém da vida esforçar-me por me ir lembrando de quem comigo porfia. Mania minha dirão, fervor de crente alinhavo, pois não será qualquer paspalho que atrás desta minha orelhinha me jogará o cangalho.

Meu amigo é quem me ajuda, quem me acode se sisuda nem me aceita carrancuda, aos outros somente brado caluda ! Só escutarei quem partilhar este meu porto de abrigo, inda que seja um mendigo. Quem foi que manifestou há um século flagrante actualidade de pensamento, quem foi que nos deu pernas para dar o pulo ? Quem foi que nos deu hipótese de negar o patíbulo ? O tormento ? Quem defendeu essa tese ? Quem foi o mandante ? Quem foi o caminhante ? Quem disse e redisse que o caminho se fará caminhando ? O aprender, fazendo ? O querer querendo ? Quem foi que ousou ?

E é tão fácil… basta exercitar continuamente o bom senso, e é tão possível… basta manter a frescura do cérebro, basta fazer… basta moldar esta argila que somos, não deixar secar… é só fazer, é só fazendo que logramos ir aprendendo, e é tão fácil… Quem foi o humanista, pedagogo e politico que se esforçou, quem foi que lutou, quem foi que jamais dividiu o que divisão não permite nem consente, quem foi que bradou ? Quem foi que se impôs ? Quem foi tão explicito, quem foi o artista ? Quem foi que pintou este cenário onde hoje, se o quisermos nos movemos como peixes em aquário ?

Quem plantou as estrelas no céu ? Quem foi que nos deu a esperança ? Quem foi que disse ser possível o pensar autónomo, o pensar por nós mesmas e não como autómato ? Quem foi que disse ? O Sérgio não era desses amigos fascinados c’o umbigo, o Sérgio sim era amigo, amigo de partilhar a sorte do seu baralho. Por isso afirmo e reitero que se todas aqui estamos gozando o mesmo borralho em vez de qualquer atalho a que o fado nos levasse, achasse eu quem com agrado e esmero um bolero lhe cantasse, sem exagero vos diria valer a pena a franquia e dar por bem gasto o dia. 

Sérgio habitava a mestria de quem escalava montanhas c'a destreza das aranhas. Soltou em vida campanhas a que gente de má-fé sempre chamou artimanhas. Certo certo é que as façanhas q'inda hoje se propagam pelas cidades do mundo, são obra vera e fecunda que nos resguarda uma vida, nos preenche segunda a segunda, p'ra vergonha dessa gente a que chamaria imunda. Singelo homem esse Sérgio, só nos pediu ou rogou labor e preocupação c’o desenvolver o intelecto, e nunca nos impôs um tecto pois não foi outro foi ele um dos primeiros a gritar que nem o céu era limite, e que a todas exortou a que aqui e agora e sempre, se imite.

Foi ele o grande humanista pois sempre nos pensou, foi ele que p’la educação e formação de todos nós sempre lutou. Há-de esperar, há-de pensar que sejamos consequentes, colaborantes, cooperantes, convergentes. E é isso que nós somos ? É esse o modo de ser que envergamos, o tal trabalho quotidiano? Pensemo-nos. Lutou pela claridade do pensamento, lutou por dar um fim ao tormento, lutou neste mundo cão e sem tréguas pela nossa liberdade, lutou por reformar o pensamento deste povo, sobretudo dos jovens, por lhes abrir um futuro com léguas, foi por isso que lutou, pela minha, pela sua, pela nossa dignidade.

Che ! Basta olhar à nossa volta ! Che ! Tanta rosa !! Tanta flor que plantou ! CHC ! Como medrou o roseiral ! Quantas de nós se abrigam debaixo desse beiral ? Quantas pessoas de Boa Vontade nesta cidade de Giraldo Sem Pavor ? Céus ! Tanta gente Habitévora ! Meu Deus ! Que clamor ! E não é só um Novo Sol, Deus meu! Quanto amor ! Quantos sóis !

 E tudo porque alguém um dia nos disse "libertai-vos a vós mesmos !" com pedagogia, trabalho estrénuo, pontual objectivo p'ra melhorar condições futuras, o vivermos. Nos colocou alta a fasquia, que evitasse a agonia de tanta gente que sofria e inda sofre, mas atenção ! O segredo não está guardado num cofre ! E, para que a manhã nos sorria, prepararemos o amanhã, lutemos com estas armas por um Portugal melhorado, mudado, inteligente, humanista, progressista, ecologista, solidário sabedor e justo.

Esse homem, esse Sérgio, foi "só" mais um cooperativista, só um, hoje somos milhões ! Paz, dignidade, consideração e devoção à sua alma, e prometamos que poderemos ser tantos quantos falam esta língua de Camões.

Eu posso dizer que sim Sérgio ! ... Eu vejo as estrelas !

                                                                         Lyla  **


** By Maria Luísa Baião, pseudónimo Lyla, texto concorrente ao Concurso de Poesia da Cooperativa CHC Construção e Habitação Cooperativa  ocorrido entre Abril/Maio de 2004 
       
 *    Homenagem a António Sérgio, impulsionador e patrono do movimento cooperativo em Portugal, e que deu nome ao Instituto Cooperativo António Sérgio, actual CASES  - Cooperativa António Sérgio para a Economia Social.   

Habitévora, CHC, Novo Sol, Giraldo Sem Pavor, Boa Vontade, cooperativas de habitação económica, CHEs, do concelho de Évora.                                                                                                       

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

633 - BARRANCOS, CLARO... by Maria Luísa Baião


                                      
 Mesmo em férias, consegui ir sabendo algo do que se passa na nossa terra, e foi em férias, fruindo outros ares, culturas e tradições que tive conhecimento do desfecho do caso de Barrancos. Foi pois longe de Barrancos que verdadeiramente entendi o que estava em causa.

Uns dias bem passados na costa espanhola, gozando dos benefícios da globalização (esquecendo que estava a mais de mil quilómetros de casa, não dava por isso) e tirando vantagens deste vasto mercado, posso assegurar que só os preços e a qualidade dos serviços nos superam. Mais baixos os primeiros, os outros muito acima do que se faz no nosso cantinho. Como diria o José Mário Branco no seu célebre “FMI”, “ ..A produtividade, ora aí está !...”, e eu acrescentaria; a organização, ora aí temos a questão, o planeamento, o urbanismo, o ordenamento territorial, etc., etc., etc.

O Hotel em que estou todas as noites brinda os hóspedes com um diferente programa de animação cultural, uma destas noites, durante uma sessão de bailado flamenco, os dançarinos levaram-me a compreender melhor este povo, cheio de vida e iniciativa, e por analogia os nossos barranquenhos.

Os espanhóis têm orgulho em sê-lo, são um povo com razões pelas quais lutam e se afirmam perante a homogeneidade cultural que a globalização força. Nós, à excepção dos barranquenhos, nunca nos afirmámos em coisa nenhuma, e tenho as minhas dúvidas que o nosso patriotismo ainda valha alguma coisa para muitas (os) de nós. Percebi-o quando um par de dançarinos adejava em torno um do outro numa representação dançada de sedução e conquista, tal como no mundo animal se vê.

Elas, brilhando de cores, folhos e lantejoulas, atraem o macho com um bailado rítmico, algo erótico, em que a beleza do corpo, o movimento e as formas que toma, se oferecem numa recusa negada. Os machos adoram este fulgor, cortejam e volteiam como borboletas em redor de intensa luz, exprimem, ou expressam o seu garbo, para terminarem rendidos, de joelho, frente a frente.

O homem das cavernas, que dizem caçador porque em murais desenhava caçadas de animais, não está longe do pistoleiro americano que colocava uma marca na coronha do revólver cada vez que abatia outro homem em duelo. Os pilotos da I e da II guerras mundiais, pintavam nos seus aviões os símbolos de inimigos abatidos.

O meu avô, que Deus tem, contava-me em criança histórias de famosos pugilistas. Brecht, sim o Bertol, apreciava tanto quanto o meu avô, como aliás o faziam outros intelectuais da época, essa violência do boxe, não havia então o politicamente incorrecto que hoje amordaça. Ora o meu avô foi sempre uma pessoa de bem, e mais bondoso que um S. Bernardo, nunca o seu gosto pelo violento boxe o alterou. Hoje temos um ministro que foi boxeur e ninguém lhe chama atrasado mental por isso, é criticado por razões bem menos violentas.


Nos nossos dias os americanos orgulham-se da sua multiracialidade, a que agora chamam multiculturalismo, o que não os impede de calar a boca a índios e pretos, à porrada ou a tiro. Os sul-africanos tinham o seu “apartheid”, um orgulho muito próprio, uma coisa só vista..., os brasileiros têm a MPB, música e língua (portuguesa) que levam a todo o mundo, até cá, até a nós. E nós, salvo raras excepções, temos a música pimba e a ambição de possuir de tudo em que no mundo alguém se orgulha, roupas de marca, ténis, relógios, automóveis, talvez se safem os galos de Barcelos e a louça das Caldas da Rainha, pois tudo o resto nos vem de fora, pelo comboio ou pelo paquete, como dizia Eça. Excepções temo-las portanto bem poucas, e sabendo-se que o mundo não evoluiu uniformemente desde as grutas de Lascaux até à confusão com os gémeos in vitro, não compreendo tanta pressa em uniformizar o que não é igual, nunca foi e nunca será.

Tudo tem o seu tempo, Barrancos também o terá, até lá aceito a sua defesa da tradição, da cultura, da individualidade, da diferença. Se nos querem tornar todos iguais, globalmente iguais, comecem pelo que é realmente importante, condições sócio económicas, legislação laboral, direitos cívicos e standards de produtividade e salariais idênticos. Não se prendam com o acessório, que só serve para distrair do essencial. Por que terá que morrer de fome um paquistanês que sua as estopinhas para produzir as raquetes do ténis que nos faz babar no Estoril Open?

Por que se envaidecem os americanos com a conquista da Lua e não podem os barranquenhos orgulhar-se da coragem de enfrentar um touro ? Cada um afirma-se de acordo com o que lhe permite a sua cultura e o tempo em que é vivida. Não vou a touradas, não sou pelos touros de morte, mas ninguém me vê criticando forcados ou toureiros, nem ouvirá. Evoluirão a seu tempo. Uma coisa são barracadas, outra touradas, o nosso parlamento confunde-as e dá-lhes demasiada importância. É o seu modo de se afirmar... (Benidorm,15-7-02)
                             
                           ‎


By Maria Luísa Baião, Benidorm,15-7-02, publicado no Diário do Sul provavelmente a
‎30‎ De ‎Julho‎ de ‎2002.   


domingo, 9 de fevereiro de 2020

632 - CHAMARAM-ME CERTA VEZ EXUBERANTE, by Maria Luísa Baião *



Chamaram-me certa vez exuberante. Talvez porque quando tropeço, mais depressa me endireite que levante, talvez por teimar traçar os meus caminhos. Faça chuva ou faça sol, seja noite seja dia, busco tecer a teia que é a vida de um modo que a luz incida em mim quando percorro até as ruas mais sombrias. Ser feliz é tudo quanto sempre quis e, tornar a vida que em mim vive, apenas e tão só uma alegria.

Pareço por vezes marchar contra a corrente, nunca esqueço porém ser a vida uma espiral elíptica sem quaisquer certezas. O que conta é o percurso. Sei que às noites os dias se sucedem e jamais a vida está parada. Há que saber fluir p’ra que não deixemos meia vida por viver, fluir, iludir a melancolia se e quando nos ameaça ou assobia, e negar penas ou mecenas, pois a vida não tem qualquer infalibilidade no final.

Não pára a vida, continua, qual flor em fraga de rochedo, teimando erguer-se em direcção à luz e, mesmo cega, é bom nunca deixá-la desviar-se duma linha, d’um propósito. Como tantas de nós faremos, como eu, como vós.

Por isso, até p’las brechas do luar me deixo seduzir umas vezes e esgueirar outras, torneando prantos intuídos ou dores escondidas, caladas, mas sempre ameaçando. E distraída mas bem consciente me vou deixando levar, enquanto sonho. Despistando quem teceu esta teia que nos trama, sorrindo à esquerda e à direita, e em minha alma guardando segredos, quais encantos e, na ponta dos pés caminhando vou, conduzindo por esta tortuosa linha que o futuro me traça, por vezes até de viés andando, cumprindo essa incrível linha de vida insinuada na palma da minha mão, carregando-a honradamente.

Do pranto faço canto quando calha, como se o caminho que minha vida traça se encontrasse pejado de alecrim dourado. Viver não pode ser andar perdida, pensando o tempo passado e a velhas histórias atear fogueiras. Viver é iludir canseiras, viver se preciso for do pensamento se o silêncio ameaça ensurdecer-nos. Diluir expandindo-o, o meditar é magia que torna fortes meus percursos, não crer no quase nada se e quando nos parece tudo, dar a volta por cima, puxar um lenço da manga e libertar o aroma do jasmim. 


O futuro não concretiza maus fados se o enfrentarmos e, distraídas, persistentes, cantando a vida levarmos. É um monstro enternecido que se quebra face à força de vontade, ao crer, quando muito queremos e teimamos de cabeça erguida. O destino pode ser um menino de rosadas bochechas se afagado. Domado. Ajudou-me a quebrar tratados e traçar propósitos, e pode levar-nos onde nem imaginamos se e quando portas e janelas à vida escancararmos.

Chamaram-me uma vez exuberante, e eu, contente, devia ter pedido que o dissessem uma e outra vez. Então talvez tivesse enfrentado o que fingi não perceber. E a lua continua, brilhando desperta, espraiando seus cabelos como um manto, p’ra esconder dos dorminhocos o alvoroço, como tambor rufando saindo do coração agitando o ar. Agigantando.

Recordo a infância e já era assim, madura, trocando as palavras com que então jogava e venero ainda como coisa preciosa neste lugar mudo, de enigmas, sofismas, onde se ouvem as botas de tropas marchando, matando e morrendo p’los que vão vencendo.

Erguer-me-ei sempre e, exuberante continuarei acreditando em lendas, crendo em mitos e, com zombaria, farei frente a ídolos, derrubarei a ironia espraiando-se soez e tentando esta alegria que quero estimulada, atenta, nunca possessa, antes vívida, liberta.

E, dia após dia desperto exuberante calcando o deserto que teimam propor-nos, somente se exaurida ou ferida me aquieto no tempo, por bem pouco tempo. Apenas de jóias despojada me verão, mas ver-me-ão sempre como paradisíaco jardim cujas flores, despontando no tempo e no pensamento me tornem árvore, de robusto tronco ou salgueiro flexível atreita a fazer frente a vagas alterosas, alteradas, com que um mar ideologicamente tenebroso todos os dias me, nos fustiga.

Exuberante, triunfante, sinónimos de um crer e de algo querer de modo teimoso, persistente, esfuziante, até que se torne coisa tonitruante, garante de uma vontade, de uma verdade.

Exuberante, eu bem ouvi. De mau grado o disseram pressenti, mas obrigado. Que bem me soube tal saber nesse preciso instante, nesse momento capital. Sejamos modestas, humildes e honestas quando assim é pois as palavras são setas que nos forçam a ficar despertas, vívidas e, sempre, sempre libertas.

* by Maria Luísa Baião – texto inédito, não existe certeza quanto à sua publicação no Diário do Sul, Évora – 04 de Abril de 2003


quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O CHEGA, O RENASCER DA FÊNIX E A LÚCIA ...



Muita gente está admirada, surpreendida, quiçá assustada com o modo estrepitoso, polémico, rocambolesco e vertiginoso como o CHEGA vem subindo nas sondagens.

Têm razão e não têm, porque efectivamente o CHEGA chegou e nem parou, desatou a trepar como trepadeira ávida de escalar o muro e chegar ao sol. Desculpai-me o estilo. Não têm razão porque embora tardiamente, como todas as modas que tomam vez em Portugal, a coisa devia ser esperada. Não a têm ainda porque o epifenómeno que o CHEGA consubstancia teve lugar, germinou e amadureceu no seio de quarenta e cinco anos de comodismo e imobilismo em que ninguém se insurgiu contra o rumo descabido que a nossa peculiar democracia todos os dias trilhava.

De deputados a advogados, a professores, a doutores e engenheiros, arquitectos, jornalistas, enfermeiros, funcionários públicos, militares, paramilitares, juízes, oficiais e aprendizes, patrões, empresários e outros que tais, passaram a vidinha pensando exclusivamente em si mesmos, no fim do mês, no vencimento anual, nos negócios, nas empresas, nas chorudas comissões, nas folgas, nos feriados, nas pontes, nas carreiras e escalões profissionais, congelamentos e retenções, esquecendo a coesão, a solidariedade, e deixando impavidamente que vinte por cento da população caísse na pobreza, a classe média definhasse, outro quinto emigrasse, que oportunistas enriquecessem, a corrupção alastrasse, tudo sem largarem um pio, um queixume, um protesto, de tal modo que já nem as estradas são nossas, tendo este povo de seu apenas uma dívida colossal a pagar e piolhos para se catar.

Diariamente, acomodados e instalados, toda esta gente tomava a bica nunca vendo porém o desenho na sua frente, o futuro, a sina, o destino, maravilhosamente plasmado nas borras do café, até o dique ceder. Sim o dique, porque o CHEGA é o avanço tumultuoso da esperança que o dique da cegueira há quarenta e cinco anos travava.

 Agora que a água avança imparável como sendo coisa nova ou desconhecida, pois nela como num cadinho de alquimista se misturam a esperança amordaçada durante décadas e os anseios que já ninguém consegue calar, fecham-se as mentes intolerantes, todas elas entrando num período de negação, em que todos se recusam a ver o que há muito era óbvio, a abstenção a ganhar peso nas eleições, a sua supremacia emergindo sobre tudo e todos como água subindo numa barragem e ameaçando galgar o paredão, vindo por aí em incontrolável turbilhão arrastando tudo à sua frente.

Vai demorar até que as coisas atrapalhadamente acalmem e voltem ao lugar, jamais ao antigo e mesmo lugar mas ao lugar do certo e correcto, a um lugar onde todos se possam ver e rever. É por isso que o recém-chegado CHEGA é uma amálgama de vontades e de anseios deixados por cumprir pelos partidos do sistema, os quais, instalados no seu bem-estar e mordomias se esqueceram completamente do país real.

O polémico CHEGA é o produto do elitismo do PSD, da arrogância do PS e da suposta superioridade moral das esquerdas. Pois olhem bem e vejam a sua obra, a sua criação, a sua criatura, a quem fazem frente barrando o caminho que é de todos, caminho que o CHEGA é obrigado a percorrer abrindo-o à cotovelada. Devia haver mais tolerância, democracia e respeito, o CHEGA mais não é que a Fénix renascendo no mesmíssimo lugar onde a imolaram.

Mas o que é o CHEGA que chegou e se impôs, que aos tropeções e apesar de desastradamente trepa aglutinando as gentes e, como as águas galgando as margens, tudo parece submergir ? O novel CHEGA é ou será nem mais menos do que aquilo que nós quisermos, o CHEGA após a bonança seguirá o rumo traçado em congressos de gente exaltada mas civilizada, buscando também ele um rumo, um rumo que não passe pela iniquidade, pela desigualdade, pela injustiça e descalabro a que chegámos.

Portanto era a hora de dizer basta !

Era hora de dizer chega !

É hora de dar lugar a outra maioria, à competência, ao mérito, é hora de acabar com o partidarismo, com o amiguismo, com o seguidismo, é hora de mudança, uma mudança salutar de que o país há muito anda necessitado. É que a classe política instalada no sistema deixara de ver o país, só tendo olhos para os seus interesses, as suas negociatas, as suas manigâncias, para o chefe, o cacique, o partido. É hora de salutarmente mudar a agulha, mudar de linha, mudar de rumo.

Não temam, concedo que o CHEGA cresce rápida e aleatoriamente, avançando às cegas e à bordoada pois lhe fecham caminho na AR e lhe barram espaço na comunicação social, é também sabido que no seu seio se atropelam interesses e vontade dispares, mas nada disto é novo, existe transparência, tudo se vê, e se primeiro foram as dores do parto, são agora as dores do crescimento a dar nas vistas. Mas o caminho será trilhado, uma vez o rumo traçado o caminho far-se-á, caminhando, porque o caminho se faz caminhando e nós nos faremos caminhantes dele e nele.

Porque estou no CHEGA Lúcia ?

Por tudo isto, porque sou democrata, porque me conheço, porque sei do que sou capaz, porque tenho boa imagem de mim, porque me julgo boa pessoa, porque defendo a igualdade de oportunidades, porque como muitos outros não me senti representado nem me identifiquei nunca com nenhum dos partidos do sistema, os quais vivem numa cegueira e endogamia doentias de que agora se queixam. Porque quero colocar ponto final na corrupção que grassa por todo o lado como a merda de cão nos passeios, porque me senti traído como traídos se terão sentido as centenas de milhar de portugueses obrigados a procurar lá fora o lugar ao sol que aqui lhes foi negado, porque não quero ver subsidiada a vinda de imigrantes quando tudo fizemos para negar aos nossos o seu próprio país.

Neste capítulo concedo que me tornei patriota, nacionalista, porque os portugueses não são números nem são para abandonar à sua sorte, porque como muitos de vocês eu quero um Portugal grande de novo e nele, os portugueses primeiro que todos. Porque quero deixar no CHEGA o meu esforço, o meu empenho cívico, o meu saber, a minha marca, os meus genes, o meu ADN.

Hasta La Victoria siempre Comandante Che Guevara !

A revolução está aí, cumpra-se ou morramos nela !

Não a revolução de Abril, mas a revolução do CHEGA.

A chegada do CHEGA mais não é que o resultado de quarenta e cinco anos de democracia de pantomima, de pechisbeque, e agora admiram-se ?

Não havia nexessidade.

Não havia, mas agora há …


LER TAMBÉM : - https://mentcapto.blogspot.com/2020/02/631-chega-para-ca-chega-para-la.html

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

629 - A taverna do Rato Bicho*, o Hélio e a Patrícia …

Arredores de Linköping

O Rato Bicho nem estava cheio de rebentar como é costume nos dias em que servem cozido à portuguesa, um prato típico alentejano, muito vulgar mas ali muitíssimo bem confeccionado, ricamente acompanhado e bastante apreciado, que porém tem o condão de atrair clientes como a merda atrai as moscas.

Se bem que as mesas estivessem todas ocupadas, não havia, todavia, gente em fila de espera que nos apressasse, pressionando-nos psicologicamente no sentido de despachar o almoço de molde a deixar a mesa livre para quem estivesse a seguir, pelo que a conversa fluía natural e livremente.

A páginas tantas, ou será melhor dizer entre as entradas e o primeiro prato, o Hélio aproveitou uma pausa nos nossos treclarec e mastiganço para colocar na berlinda a questão que verdadeira e profundamente o atormentaria;

- Pois é. E então a senhora, a Fátima, desculpa Baião, desculpem-me, mas ainda não estou à vontade com ela, com a Fátima, mas é mesmo sueca ? E ela percebe mesmo o que estou a dizer, percebe-me bem Fátima ?

Vi logo que estava aliviando nele o receio costumeiro e vezeiro de, lá para o fim do almoço, uma vez emborcados os jarros de vinho da casa, largasse inadvertidamente uma ou outra palavra menos própria, esquecendo haver ali senhoras, e sosseguei-o, pois ela, a Fátima, alvo de tanta atenção e curiosidade, contorcia-se com o incómodo sentindo-se pouco á vontade, fenómeno aliás já de mim conhecido.

- Sueca dos sete costados Hélio, respondi-lhe. Mas está integrada, pois encontra-se entre nós desde os seus vinte e poucos anos ou menos ainda, razão p’la qual praticamente fala e pensa somente em português.


Em boa verdade a Fátima licenciara-se cedo no seu país, na sua terra natal, Linköping,** uma cidadezinha de nome impronunciável a sudoeste de Estocolmo. É um país diferente a Suécia, onde o ensino é não só diferente do nosso como bastante eficiente. Filha de mãe sueca e pai português fizera-se Engenheira do Gelo, uma qualquer especialidade que eles por lá têm que os ajuda muito e lhes dá muito jeito, mais jeito que os nossos engenheiros agrícolas já que nem agricultura temos e, de forma algo curiosa para nós, simultaneamente estudara também enfermagem.

 Lá estudam o gelo como nós não estudamos as terras. Avaliam da sua solidez e consistência, refiro-me ao gelo claro, a sua formação, e concomitantemente a das neves que os originam, dos seus depósitos, camadas e avalanches, que provocam e controlam para as gerir, evitando danos maiores como cortes de estradas e caminhos de ferro ou a morte de pessoas, passíveis de por elas poderem ser soterradas.

- Mas veio cá parar abaixo, isto aqui é mais quentinho e que diz ela de Portugal e do Alentejo Baião ?

- Sim ela andou sempre cá ou lá, ou lá ou cá, mas o que a fez escolher o nosso país foi um acidente que ainda muito nova por lá sofreu. Uma vez saltou de paraquedas no alto de uma montanha afim de colocar explosivos e gerir uma avalanche, acabando por cair sobre gelo fino que, abrindo-se, a engoliu numa fenda enorme. Foi uma queda de trinta metros que só não foi pior porque o cordame e o velame do paraquedas a ampararam, ainda assim a pancada e as dores acabaram-lhe com a carreira de engenheira do gelo mal a tinha começado.

- Por isso Hélio não te admires, digamos ter vindo convalescer para cá, gozar do nosso sol e trabalhar na empresa do pai, no Porto. Era ainda muito jovem, mas tendo sentido necessidade de integração, de socialização, aleatoriamente acabou por colidir com, e aderir ao Movimento Nacional Feminino, MNF, onde rapidamente fazia amigas, facilmente se integrando na sociedade Portuense.

- Xiiiiiii Baião !!!  MNF !!! onde ela se meteu !!!

Ó meu caro Hélio não sejas parolo, aquelas gentes, digo os suecos, têm uma noção de solidariedade e de coesão diferentes da nossa, vera, efectiva, e que colocam em prática de modo altruísta, de tal modo que o Movimento Nacional Feminino, MNF, a convidou para integrar o corpo de enfermeiras paraquedistas numa das nossas províncias ultramarinas e, mal ela abriu a boca foi contemplada com Angola, onde muito jovem acabou por ir bater com os costados e de onde regressaria dois ou três anos depois para tirar em Lisboa uma especialidade de assistência a politraumatizados, tão forte fora a impressão que lhe causaram os desgraçados dos nossos tropas com quem teve a sorte ou o azar de se cruzar.

- Fogo Baião, admirou-se a Patrícia. A D. Fátima, a Fátima digo eu, não tinha pai para a Rita como por cá dizemos. Eu também estive em Angola, aliás sou de lá, eu e o Kayaka, foi lá que me apaixonei pelo Hélio, e sofremos ou vivemos nesses dias umas aventuras danadas em Luanda, na altura da independência aquilo esteve mesmo muito bravo lá.

- Pois foi Patrícia, sei, lembro-me de me contares as peripécias e temores do Hélio, e olha tão bravo era o ambiente em Luanda nessa altura que ela já não voltou a Angola.

Foi por essa época que a conheci na estrela, onde eu fora operado a um ouvido, foi nesse Verão quente. E foi por essa altura que também ela e a Luisinha se conheceram, a festa de fim de curso das duas fora feita em simultâneo, em conjunto, e ficaram amigas. é uma velha amiga de família, estivemos quase quarenta anos sem nos vermos, sem sabermos uns do outro.

- Sim, então evaporou-se ?  politraumatizou-se ? voltou à Suécia ? Inquiriu a Patrícia ávida de curiosidade.


- Nada disso pá, por cá fartaram-se de lhe chamar fascista, reaccionária, mercenária e outros apodos indizíveis, compelindo-a a abandonar a enfermagem e a enveredar por ir trabalhar para o Porto, voltou à empresa do pai como secretária e tradutora, casou-se, teve dois filhos lindos, diz ela, divorciou-se e desapareceu do radar. Por esse motivo só de tempos a tempos trocávamos impressões ou um cartão de boas festas.

Isso também aconteceu com muitas amigas e amigos meus Baião, bem, a uns ou nunca mais os vi ou nunca mais soube nada deles, ou só de quando em quando nos vemos, a vida separa-nos, trama-nos, é dos livros, acontece-nos a todos, e sim esse Verão quente foi mesmo quente, não me admiro que tenha passado por isso, por muito menos houve gente a passar por coisas piores, é a vida, foi, mas por essa altura todos os ânimos andavam exaltados em demasia, isso é verdade.

A bem dizer só a doença da Luisinha a traria de modo mais frequente até nós Patrícia, efectiva e tristemente há males que veem por bem costuma o povo dizer, já eu quanto a isso calo-me para não errar, nada digo, não digo nada para não sair asneirada.

- Então a pintura na capa do livro... Disse a Patrícia.

Sim, a Fátima pinta ou faz que pinta e essa capa resultou dum quadro em acrílico que a Fátima oferecera à Luisinha, depois disso soubemos tinha sido operada à coluna devido à tal queda dada há quase cinquenta anos e as relações reataram-se com mais afinco. Se quisesse ser inconveniente diria ter-se tratado de um surto súbito de solidariedade na desgraça, a Luisinha também tivera a sua recaída por essa época, causada pelo cancro da mama e que na altura julgávamos ultrapassado…


- Pois, pois, recaída tiveste tu pois houve quem te tivesse visto a falhares o degrau do Rato Bicho e a ser amparado pelo senhor padre Ramalho…


Uma jóia de homem ! Almoçou connosco, almoçou na nossa mesa, quanto ao meu estado de saúde nesse dia alegarei em minha defesa ter passado a noite anterior acordado e agitado, não dormira, e apesar de não ter dormido não caí, tive a sensação a emoção, estremeci, estava cansado, mas também estava muito excitado e muito feliz, não chegou a ser uma queda, não passou de um susto…  


           Coisas da vida ...




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