Um homem* pintou
estrelas no firmamento, deu asas ao vento, libertou o pensamento. O mesmo homem
tornou um valor o fermento de novas ideias, foi cultor de novos
desenvolvimentos conceptuais, desenhador de diagonais, escultor de catedrais e
hoje… animador de jogos florais.
Tal homem, tais
homens, impulsionam vendavais e, nos nossos quintais, inspiram arraiais,
mobilizam no pensamento forças tais, que nem cem, mil Carnavais igualam. Cavalgam
o nosso agir, asseguram o porvir, assinalam o devir, são faróis, são sóis.
Temos há cem anos um
farol, um novo modo de pensar, o "pensar ideativo", um cata-sol, um
altar, um mar por explorar, uma protecção a este calcanhar de Aquiles do nosso
egoísmo, do nosso individualismo, esse tumor ablativo a expurgar. Esse homem assumiu-se
crítico, fez-se criativo, tornou-se racional, e não um animal como nos querem…
não desesperem, de hostes populares virou general.
Claríssimo, exigiu
que se reflectisse, na claridade se apostasse, no rigor se teimasse, e da
reflexão crítica religião se fizesse. Porquê dirão ? Por que se opôs a Antero ? Nem
só mero esmero, antes por ter ousado contrariar-lhe o pensamento instintivo,
irracional, lhe ter passado a não razão num crivo e, em nome dessa razão ter
afirmado que, a lado nenhum se vai de mãos dadas c'a vaidade, ou com a
emotividade. Temos de aprender a aprender, como aprendemos que o caminho se faz
caminhando. Havemos do ousar fazer um hábito e, trilhando novas ideias, mover o
mundo, avançar, por nós e pelos vindouros agora, e por enquanto os nossos
tesouros.
Tornaremos a
criatividade uma praxis, transformaremos tradições, faremos da passagem da idealidade
para a realidade cerne das nossas ambições. Fantasiar sim, tanto quanto
possível, mas com os pés assentes no chão, filosofar sim, mas concretizar a
ambição sonhada, problematizar ? Por que não ? Mas actuar e nunca esmorecer,
pois as boas ideias resistem ao tempo e à corrosão, resistirão, sempre. Tudo
isto devemos saber e, continuar, alimentar um espírito fecundo, apesar das críticas
e sobretudo dos louvores, e, nunca por nunca muito menos juntas ir ao fundo
neste mundo que nos compete criar.
O homem esse foi
exemplo, foi um racionalista militante num mundo que não era fácil e então
muito mais lento. Hoje move-se como sempre se moveu, só que é outro o tempo,
mais rápido, mais sofrido, menos crente, mais ateu. Quem sou eu ? Que neste
cantinho nasci, menina e moça me tornei, aqui cresci, meditei, sofri e
deambulei. Me fiz mulher me fiz mãe, me impus um querer, e medrei.
Passei passas dos
infernos, praguejei contra os Invernos, nasci com a vida torta em casa de
estreita porta, valeu-me uma alma rebelde, uma vontade indomável de endireitar esta
vara cuja alma Deus alara. Roguei pragas, rezei preces, sarei chagas. Lambi as
benesses do meu ser exangue, sou hoje o resto do que paguei em sangue, em suor,
em lágrimas de dor.
Passei uma estreita
porta que alguém me quisera impor como fluído em retorta, sublimei e, desdenhando,
caminho altiva sem receio que em meu redor qualquer actor minimize o papel que
com amor desempenhei, qual invectiva defensiva, censor mundano contra labor que
abracei com o furor de um marçano jurando morrer gerente e disso fazendo lei.
Sem causar dano, só
bem, também luto com primor e contra o mundo me bato, qual pretor que com rigor
impõe a si mesmo a grei, e, ao cabo dos trabalhos aqui estou com frescor, levo
a vida com humor e creiam-me não será disto que morro. E perguntarão vocês a
que propósito hiperbólico vem esta história cismada, pois que se saiba trabalho
não significa delito ou enxovalho, ainda que, sabem-no bem não é profecia, por
vezes p'ra mais não chega que barrigada de larica.
E não sendo
assombradiça ou na magia fiando, revolta-me ser submissa. Resta-me no vaivém da
vida esforçar-me por me ir lembrando de quem comigo porfia. Mania minha dirão,
fervor de crente alinhavo, pois não será qualquer paspalho que atrás desta minha
orelhinha me jogará o cangalho.
Meu amigo é quem me
ajuda, quem me acode se sisuda nem me aceita carrancuda, aos outros somente
brado caluda ! Só escutarei quem partilhar este meu porto de abrigo, inda que
seja um mendigo. Quem foi que manifestou há um século flagrante actualidade de
pensamento, quem foi que nos deu pernas para dar o pulo ? Quem foi que nos deu
hipótese de negar o patíbulo ? O tormento ? Quem defendeu essa tese ? Quem foi
o mandante ? Quem foi o caminhante ? Quem disse e redisse que o caminho se fará
caminhando ? O aprender, fazendo ? O querer querendo ? Quem foi que ousou ?
E é tão fácil… basta
exercitar continuamente o bom senso, e é tão possível… basta manter a frescura
do cérebro, basta fazer… basta moldar esta argila que somos, não deixar secar…
é só fazer, é só fazendo que logramos ir aprendendo, e é tão fácil… Quem foi o humanista,
pedagogo e politico que se esforçou, quem foi que lutou, quem foi que jamais
dividiu o que divisão não permite nem consente, quem foi que bradou ? Quem foi
que se impôs ? Quem foi tão explicito, quem foi o artista ? Quem foi que pintou
este cenário onde hoje, se o quisermos nos movemos como peixes em aquário ?
Quem plantou as
estrelas no céu ? Quem foi que nos deu a esperança ? Quem foi que disse ser
possível o pensar autónomo, o pensar por nós mesmas e não como autómato ? Quem
foi que disse ? O Sérgio não era desses amigos fascinados c’o umbigo, o Sérgio
sim era amigo, amigo de partilhar a sorte do seu baralho. Por isso afirmo e
reitero que se todas aqui estamos gozando o mesmo borralho em vez de qualquer
atalho a que o fado nos levasse, achasse eu quem com agrado e esmero um bolero
lhe cantasse, sem exagero vos diria valer a pena a franquia e dar por bem gasto
o dia.
Sérgio habitava a
mestria de quem escalava montanhas c'a destreza das aranhas. Soltou em vida
campanhas a que gente de má-fé sempre chamou artimanhas. Certo certo é que as
façanhas q'inda hoje se propagam pelas cidades do mundo, são obra vera e
fecunda que nos resguarda uma vida, nos preenche segunda a segunda, p'ra vergonha
dessa gente a que chamaria imunda. Singelo homem esse Sérgio, só nos pediu ou
rogou labor e preocupação c’o desenvolver o intelecto, e nunca nos impôs um
tecto pois não foi outro foi ele um dos primeiros a gritar que nem o céu era
limite, e que a todas exortou a que aqui e agora e sempre, se imite.
Foi ele o grande humanista
pois sempre nos pensou, foi ele que p’la educação e formação de todos nós sempre
lutou. Há-de esperar, há-de pensar que sejamos consequentes, colaborantes, cooperantes,
convergentes. E é isso que nós somos ? É esse o modo de ser que envergamos, o tal
trabalho quotidiano? Pensemo-nos. Lutou pela claridade do pensamento, lutou por
dar um fim ao tormento, lutou neste mundo cão e sem tréguas pela nossa
liberdade, lutou por reformar o pensamento deste povo, sobretudo dos jovens,
por lhes abrir um futuro com léguas, foi por isso que lutou, pela minha, pela
sua, pela nossa dignidade.
Che ! Basta olhar à
nossa volta ! Che ! Tanta rosa !! Tanta flor que plantou ! CHC ! Como medrou o roseiral
! Quantas de nós se abrigam debaixo desse beiral ? Quantas pessoas de Boa
Vontade nesta cidade de Giraldo Sem Pavor ? Céus ! Tanta gente Habitévora ! Meu
Deus ! Que clamor ! E não é só um Novo Sol, Deus meu! Quanto amor ! Quantos
sóis !
E tudo porque alguém um dia nos disse
"libertai-vos a vós mesmos !" com pedagogia, trabalho estrénuo, pontual
objectivo p'ra melhorar condições futuras, o vivermos. Nos colocou alta a
fasquia, que evitasse a agonia de tanta gente que sofria e inda sofre, mas atenção
! O segredo não está guardado num cofre ! E, para que a manhã nos sorria, prepararemos
o amanhã, lutemos com estas armas por um Portugal melhorado, mudado, inteligente,
humanista, progressista, ecologista, solidário sabedor e justo.
Esse homem, esse
Sérgio, foi "só" mais um cooperativista, só um, hoje somos milhões ! Paz,
dignidade, consideração e devoção à sua alma, e prometamos que poderemos ser
tantos quantos falam esta língua de Camões.
Eu posso
dizer que sim Sérgio ! ... Eu vejo as estrelas !
Lyla **
** By Maria Luísa Baião, pseudónimo
Lyla, texto concorrente ao Concurso de Poesia da Cooperativa CHC Construção e Habitação Cooperativa ocorrido entre Abril/Maio
de 2004
* Homenagem a António Sérgio, impulsionador e patrono do movimento cooperativo em Portugal, e que deu nome ao Instituto
Cooperativo António Sérgio, actual CASES - Cooperativa António Sérgio para a
Economia Social.
Habitévora, CHC, Novo Sol, Giraldo
Sem Pavor, Boa Vontade, cooperativas de habitação económica, CHEs, do
concelho de Évora.