Mesmo
em férias, consegui ir sabendo algo do que se passa na nossa terra, e foi em
férias, fruindo outros ares, culturas e tradições que tive conhecimento do
desfecho do caso de Barrancos. Foi pois longe de Barrancos que verdadeiramente
entendi o que estava em causa.
Uns
dias bem passados na costa espanhola, gozando dos benefícios da globalização
(esquecendo que estava a mais de mil quilómetros de casa, não dava por isso) e
tirando vantagens deste vasto mercado, posso assegurar que só os preços e a
qualidade dos serviços nos superam. Mais baixos os primeiros, os outros muito
acima do que se faz no nosso cantinho. Como diria o José Mário Branco no seu célebre
“FMI”, “ ..A produtividade, ora aí está !...”, e eu acrescentaria; a
organização, ora aí temos a questão, o planeamento, o urbanismo, o ordenamento
territorial, etc., etc., etc.
O Hotel
em que estou todas as noites brinda os hóspedes com um diferente programa de
animação cultural, uma destas noites, durante uma sessão de bailado flamenco,
os dançarinos levaram-me a compreender melhor este povo, cheio de vida e
iniciativa, e por analogia os nossos barranquenhos.
Os
espanhóis têm orgulho em sê-lo, são um povo com razões pelas quais lutam e se
afirmam perante a homogeneidade cultural que a globalização força. Nós, à excepção
dos barranquenhos, nunca nos afirmámos em coisa nenhuma, e tenho as minhas
dúvidas que o nosso patriotismo ainda valha alguma coisa para muitas (os) de
nós. Percebi-o quando um par de dançarinos adejava em torno um do outro numa
representação dançada de sedução e conquista, tal como no mundo animal se vê.
Elas,
brilhando de cores, folhos e lantejoulas, atraem o macho com um bailado
rítmico, algo erótico, em que a beleza do corpo, o movimento e as formas que
toma, se oferecem numa recusa negada. Os machos adoram este fulgor, cortejam e
volteiam como borboletas em redor de intensa luz, exprimem, ou expressam o seu
garbo, para terminarem rendidos, de joelho, frente a frente.
O homem
das cavernas, que dizem caçador porque em murais desenhava caçadas de animais,
não está longe do pistoleiro americano que colocava uma marca na coronha do
revólver cada vez que abatia outro homem em duelo. Os pilotos da I e da II
guerras mundiais, pintavam nos seus aviões os símbolos de inimigos abatidos.
O meu
avô, que Deus tem, contava-me em criança histórias de famosos pugilistas.
Brecht, sim o Bertol, apreciava tanto quanto o meu avô, como aliás o faziam
outros intelectuais da época, essa violência do boxe, não havia então o
politicamente incorrecto que hoje amordaça. Ora o meu avô foi sempre uma pessoa
de bem, e mais bondoso que um S. Bernardo, nunca o seu gosto pelo violento boxe
o alterou. Hoje temos um ministro que foi boxeur e ninguém lhe chama atrasado
mental por isso, é criticado por razões bem menos violentas.
Nos
nossos dias os americanos orgulham-se da sua multiracialidade, a que agora
chamam multiculturalismo, o que não os impede de calar a boca a índios e pretos,
à porrada ou a tiro. Os sul-africanos tinham o seu “apartheid”, um orgulho
muito próprio, uma coisa só vista..., os brasileiros têm a MPB, música e língua
(portuguesa) que levam a todo o mundo, até cá, até a nós. E nós, salvo raras
excepções, temos a música pimba e a ambição de possuir de tudo em que no mundo
alguém se orgulha, roupas de marca, ténis, relógios, automóveis, talvez se
safem os galos de Barcelos e a louça das Caldas da Rainha, pois tudo o resto
nos vem de fora, pelo comboio ou pelo paquete, como dizia Eça. Excepções temo-las
portanto bem poucas, e sabendo-se que o mundo não evoluiu uniformemente desde
as grutas de Lascaux até à confusão com os gémeos in vitro, não compreendo
tanta pressa em uniformizar o que não é igual, nunca foi e nunca será.
Tudo
tem o seu tempo, Barrancos também o terá, até lá aceito a sua defesa da
tradição, da cultura, da individualidade, da diferença. Se nos querem tornar
todos iguais, globalmente iguais, comecem pelo que é realmente importante,
condições sócio económicas, legislação laboral, direitos cívicos e standards de
produtividade e salariais idênticos. Não se prendam com o acessório, que só
serve para distrair do essencial. Por que terá que morrer de fome um
paquistanês que sua as estopinhas para produzir as raquetes do ténis que nos
faz babar no Estoril Open?
Por que
se envaidecem os americanos com a conquista da Lua e não podem os barranquenhos
orgulhar-se da coragem de enfrentar um touro ? Cada um afirma-se de acordo com
o que lhe permite a sua cultura e o tempo em que é vivida. Não vou a touradas,
não sou pelos touros de morte, mas ninguém me vê criticando forcados ou
toureiros, nem ouvirá. Evoluirão a seu tempo. Uma coisa são barracadas, outra
touradas, o nosso parlamento confunde-as e dá-lhes demasiada importância. É o seu
modo de se afirmar... (Benidorm,15-7-02)
By Maria Luísa Baião, Benidorm,15-7-02, publicado no Diário do Sul provavelmente a
30 De Julho de 2002.
30 De Julho de 2002.