quarta-feira, 7 de abril de 2021

684 SOBRE O VIVER E O PENSAR by Luísa Baião *

             


684 - SOBRE O VIVER E O PENSAR by MARIA LUISA BAIÃO *

 

Vi-a vasculhando um caixote, depois outro. Virava e revirava os conteúdos, seleccionava os frascos, cujas tampas abria e, cheirando-os, com os dedos magros e sujos aproveitava o pouco ou nada que podia. Caía uma chuva miudinha, daquelas que não incomodando nos repassa se distraídas, a roupa e a alma.

 Era lusco-fusco, os faróis dos carros acesos, redondos, projectavam-se rectilíneos e infindos no piso molhado, espelhado, sem poças. Não a incomodavam já os olhares de quem passava e menos ainda de quem, como eu, sentada à mesa e à janela, caneta e papel na mão esperando motivo e inspiração para mais uma crónica, a olhava surpreendida primeiro, compreensiva depois.

 Que esconderiam aqueles andrajos? Aquela sofreguidão por algo que pudesse levar à boca? Aquela quase insolência para com o tempo, o desdém por quem a olhava? Não proíbem já a mendicidade como dantes parece, pelo contrário, estar a democratizar-se a pobreza.

 Globalizámos a pobreza e a miséria. Não precisamos mais das imagens do Sudão, da Etiópia, de Darfur. A globalização galopante e impante dos nossos dias coloca-nos à mesa queijo francês, frutas tropicais, vinhos internacionais. Mas igualmente na nossa peugada, os chacais de cujos restos os velhos e novos pobres aguentam os dias e os ais.

 São vidas preenchidas de tédio, mergulhadas em hábitos de limos que os ventos, em lamentos sibilantes, sopram em nossa direcção entristecendo-nos, envergonhando-nos. Sobre os ombros um xaile coçado. Pensei ter sentido o cheiro desse xaile.

 Um mistério naquela rua sombreada, com pouco movimento. No céu, escuro, brilharam relâmpagos, ecoaram trovões.

 A mulher vasculhava, vasculhava, como se a sua sobrevivência estivesse em jogo. A mim assaltavam-me náuseas, angustia. Via-a e ouvia-lhe o silêncio do esgaravatar no lixo, a silhueta débil, como se a vida lhe fosse estreita e estranha, por certo não lhe permitindo extravagâncias.

 A noite caía na directa proporção da mágoa que me crescia na alma. A sombra que a mulher é agora entreolha, espreita, faz-me calafrios. Estou petrificada perante essa sombra cujo rosto não diviso. Ela ignora que lhe invado os segredos, lhe traço mentalmente o carreiro do destino, lhe percorro o fado. Olho-a daqui, deste meu castelo onde habito segura. Sinto vontade de chorar. A vergonha tolhe-me.

 Que fazer com esta sombra que se multiplica na minha consciência a ponto de parecerem já mil, dez mil sombras, dez milhões?

 Terá alguma vez sido cliente da PT, provável consumidora da EDP, tido porventura conta na CGD, consumidora fiel da GALP, ficado com dívidas a alguma seguradora? Aproximo-me da sacada e vejo a rua negra e, na sombra, essa sombra que se arrasta e ameaça dissipar-se na névoa que se espalha.

 Um vazio entorpece-me, sinto esse vazio nas ruas desertas onde, em que, a madrugada irá mitigar esta angústia. As histórias de pobreza e de miséria repetir-se-ão, como miragens de horizonte em horizonte e retornarão às minhas horas atrás da janela olhando as ruas distantes, porque não as sinto já minhas mas de uma multidão de indigentes, crescente, vindos, nados, nas prosperidades de outras gentes que não eu, que me envergonho deste progresso que criei, que criámos. 

Aqui fiquei, assim fiquei, nesta solidão escura de minha casa onde, em sobressalto o coração bateu. Não fugi, não reagi, não dormi, nem a vontade se impôs contra este sobrenatural desvelo com que à valeta encostamos os novos e os velhos.

 O silêncio quedou-me, sussurrou-me verdades nada atreitas às amenidades burguesas de que desfruto, há muito atormentada, agora em luto. Silêncios que encobrem esquecimentos, desinteresses, recusas. O silêncio arquitectou-me planos, deu-me argumentos contra o sofrimento infligido por aqueles que não jogam limpo. 

Silenciar este silêncio incómodo é gritar aos quatro ventos quanto sou, quanto somos cúmplices dessas vidas que o não são, que não ouvimos, que não vimos, que não dizem nada, nada mais do que nos conta uma expressão magoada, lágrimas, choro, vergonha.

 Olhares sombrios de amargura, momentos tristes de vidas que o foram, agora em suplício, em despedida, em medo, em indiferença a nós votada. Sucesso, prazer, reconhecimento, status, graça, alegria, dinheiro, fama. Vãs glórias que não escondem a pobreza fingindo existências surdas, mudas, cegas aos nossos olhos bem pensantes.

 “Tenho tanto sentimento que frequente / me persuado de que sou sentimental / Mas reconheço ao medir-me / que tudo isso é pensamento / que não senti, afinal / Temos, todos que vivemos / uma vida que é vivida / e outra vida que é pensada / e a única vida que temos / é essa que é dividida / entre a verdadeira e a errada / Qual porém é verdadeira / e qual errada / ninguém nos saberá explicar / e vivemos de maneira / que a vida que a gente tem / é a que tem que pensar “  **

 
* Maria Luísa Baião, editado em 07-04-2012 no Facebook

** Fernando Pessoa – 1933 – “Sobre o Viver e o Pensar“


ÉVORA À CONVERSA, PROJECTOS AMBIENTAIS




                             683 - ÉVORA À CONVERSA

PROJECTOS AMBIENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL

 

Confesso que pensei em participar, mas depois vi quem organizava a coisa e de imediato me passou a ideia.

No actual momento a minha participação poderia ser entendida como mera provocação, e para além disso uma coisa já aprendi com os comunistas, apelam constantemente à nossa participação cívica mas depois, quando participamos e os confrontamos com ideias diferentes cai o Carmo e a Trindade.

Só se ouvem a eles mesmos, e confrontá-los no seu próprio espaço, coisa de que não estariam á espera, até seria giro. Mas ficai sabendo que tenho a minha ideia de desenvolvimento sustentável, primeiro tornar minimamente aceitável e sustentável a vida das famílias, tornar rentável a economia, e depois os luxos do sustentável.

Do desenvolvimento sustentado, tanto tenho ouvido apregoar esta palavra "sustentado", que o seu entendimento já perdeu para mim qualquer significado. E agora desculpem-me o desabafo, palhaçadas, tudo isto não passa de palhaçada, então num momento em que o país vive uma crise aguda, o desemprego atinge valores que todos escondem, num momento em que voltou a haver fome e aflição, num momento em que há tanto a esclarecer e a debater urgentemente, o candidato da câmara traz para o debate o ambiente e a sustentabilidade ? E se os promotores do evento o enfiassem por um sítio que eu cá sei acima ? Não será isso que estão a pedir ? Ou estarão a gozar com o pagode ?

 Tenho então que admitir ter virado moda esta coisa do sustentável, mas que é afinal isso do desenvolvimento sustentado ? Sustentado em quê ?  Eu diria que não é o desenvolvimento que é sustentado, pois se em Évora não tem havido nem há sequer desenvolvimento, quer parecer-me é que andamos a sustentar há muito gente que só tem promessas para nos dar, as velhas promessas de sempre, velhas de 40 anos... E combersa fiada...

Naturalmente tenho o meu próprio projecto ambiental, no caso ambiental empresarial, e não vos vou contar para já, lá mais para o meio da campanha irão saber, isto é quando chegar a altura própria... Não quero que me roubem as ideias…

Lá engraçada seria a minha participação no painel, mas já sei o que a casa gasta e não estou para aí virado, siam vinte cães atirados a um osso, viria de lá sem canelas. Já tive experiencias com eles, prefiro deixá-los a falar sozinhos, gostam de se ouvir...  Nem é medo ou receio, não quero ser mal entendido, mas aqueles “democratas” não me dizem nada, são o tipo de democratas com quem nem perco tempo...  




682 UM CASO PERDIDO OU MAIS UMA TOLICE ?


A magnífica (???) reitora da Universidade de Évora, que neste blogue já critiquei algumas vezes devido a atitudes que comprovam não ser a senhora expoente nem da virtude nem da inteligência voltou a fazer uma das suas…


 Sendo militante ou simpatizante do PSD, direitos que não lhe contesto, é contudo a reitora de todos os professores e alunos, é a representante de uma importante instituição regional e nacional que a deveriam obrigar a algum recato, respeito e diplomacia.


 Vir publicamente expressar a sua preferência por uma candidatura é mais uma das suas tolices, a notícia da Rádio Campanário é clara, apresenta-a na qualidade de  Reitora da Universidade de Évora, "  A coligação “Mudar com Confiança”, composta pelo PSD e CDS-PP, terá a atual Reitora da Universidade de Évora (UE) como Mandatária de Candidatura às próximas eleições autárquicas. " ...


Afinal é a coligação PSD/CDS, de cujos líderes sou amigo pessoal e amigos a quem respeito, que lhe paga o vencimento ao fim do mês ou somos todos nós contribuintes ????? Devo portanto deduzir que uma vez mais a dita senhora nem pensou na dimensão da asneira, nem teve sequer o cuidado de se apresentar como simples cidadã eleitora, o que mesmo assim viria a cair mal. E o dever de isenção ? E de contenção ? Ou há que combater o CHEGA a todo o preço e a qualquer custo ? O próximo presidente da autarquia serei certamente eu, começamos mal senhora reitora, muitissímo mal ...


 A senhora tem o direito a preferências e a votar em quem quiser, não tem é o direito de manifestar publicamente as suas simpatias se elas colidirem com o mínimo que a democracia exige a todos nós, respeito e decência…


 E mais não digo, não vá a senhora atirar-se para debaixo de um comboio… 


LINK DE LIGAÇÃO:

https://www.radiocampanario.com/ultimas/regional/autarquicas-2021-ana-costa-freitas-e-a-mandataria-da-coligacao-psd-cds-pp-na-candidatura-a-camara-de-evora?fbclid=IwAR1jAX39tIU2-bWyMzv-Yzgk-1Pi8J7kS2PbVcWoFGfcsdd_b7AR9IvjzeE


 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

1 FAX PARA ESQUECER, UMA IDEIA DE CIDADE.

 


681 - UM FAX PARA ESQUECER UMA IDEIA DE CIDADE

Texto 2 de 12, escrito em 22 de Junho de 2000 e publicado no Diário do Sul em 31 de Julho de 2000 - ATENÇÃO ESTE TEXTO TEM VINTE ANOS !


Continuando a crónica anterior, que mais não foi que o intróito à ideia de cidade, cuja temática se baseia no desenvolvimento de um exercício de pensamento que permita conceber a cidade em termos futuros. Exporei hoje alguns factos que não deixarão de nos fazer meditar na amplitude de um problema magno e ao qual não tem sido dada a devida atenção.

 Debrucei-me criticamente sobre o FAX MUNICIPAL Nº 26 de Abril passado. (Abril de 2000) Não o fiz na mira de oportunidades para mal dizer, não me entendam mal, fi-lo como análise dos feitos apresentados em promoção, ou não é essa a finalidade do dito FAX ? E se é essa a finalidade aconselho vivamente que contratem um bom publicitário. Bem, o que vi deixou-me consternado pela pobreza dos factos apresentados, se não houve mais e melhor para mostrar a culpa não foi minha, se esse fax não me conquistou pelas obras apresentadas, menos ainda pelo futuro que não anunciou, é caso para dizer que há necessidade de mais um assessor nesta área.

 Um único aspecto positivo posso extrair do dito FAX, a entrada em vigor do novo Plano de Urbanização, PU, pioneiro e fundamental. Ergue como habitualmente a bandeira do desenvolvimento sustentado, tanto tenho ouvido apregoar esta palavra "sustentado", que o seu entendimento já perdeu para mim qualquer significado.

Que é afinal isso do desenvolvimento sustentado ? Sustentado em quê ?  Eu diria que não é o desenvolvimento que é sustentado, pois se não há desenvolvimento, quer parecer-me é que com o novo PU existem agora condições para sustentar o que há muito andamos a sustentar, as promessas, as velhas promessas.

 Num só especto o novo PU é digno de nota, o novo conceito de equidade que introduz, no resto é um plano, sujeito às oscilações e contingências de qualquer plano, que crises guerras ou clima num ápice deitam por terra. As melhores intenções têm sido tantas vezes traídas por meros acontecimentos que o PU tem um valor relativo e contingente, como tudo na vida.

Mas não sejamos pessimistas. O novo Plano é bom, é bom que o tenhamos, há agora condições para dar um salto qualitativo na organização e desenvolvimento da cidade, mas dará ela esse salto ? Ter o Plano de Urbanização, o PU, é condição necessária mas não suficiente, muito irá depender da forma como essa ferramenta for usada e das mãos ou do artificie que lhe pegar. Tenho na garagem todas as ferramentas que o Cutileiro usa e nunca me passou pela cabeça ser com elas capaz de fazer o mesmo que ele. Gostar gostava, nunca serei é capaz de tal. Fatal como o destino.

Mas voltemos ao FAX que nos apresenta as obras do regime, à sua imagem e à sua escala. Logo à partida um erro crasso nos é apresentado como algo a aplaudir, o restauro do antigo posto da Brigada de Trânsito à saída para Lisboa e a ser recuperado como Posto de Turismo Avançado. A ideia até não é má, mas onde é que já se viu um Posto de Turismo ainda por cima avançado, à saída de uma cidade, no lado direito, numa via por onde se processa pela esquerda o grosso caudal de quem chega ? Não estará ele do lado errado dessa via ? E a ninguém ocorreu isso ? Ficámos também a saber que continuam os esforços com o SITE, problema de difícil solução, até aí não duvido.

 Bem, não vou comentar exaustivamente o resto, a pavimentação de uma ou outra rua que não contesto ser necessária, mas daí até ser notícia, só na falta de melhor, e para encher página. Desde quando é que a pavimentação de uma rua, ou de dez, é caso para notícia ? Idem para a criação do Gabinete Municipal da Juventude, alguém tem que a controlar, não é ? Manuel Peres a quem a cidade muito deve também foi notícia, homenagem a ti tulo póstumo e nome em rua. Não contesto, melhor só o Diário do Sul.

 Em seguida meia página dedicada a sacos do lixo, outra meia página para a iniciativa Évora Cidade Limpa, e uma página para o Aterro Municipal que tanta polémica tem gerado. E é isto e pouco mais que o FAX tem para nos oferecer, fait divers, mais dignos de uma revista de coração e mexericos, nada de grandes ideias ou grandes projectos, nada que nos faça sonhar e acreditar. As miudezas com que nos presenteia, que nem um cariz eleitoralista satisfazem, talvez contentem uma população e um eleitorado pouco exigente, que aliás é a pedra basilar do corpo eleitoral do poder instituído.

Sim, que a capacidade de projecção de uma antevisão de futuro para uma cidade ou região não é monopólio de quem pode, mas de quem sabe, ter o poder é uma coisa, saber o melhor a fazer com ele é outra. Muito depende da vontade, do grau, da cultura e do nível de conhecimentos de que uma equipa dispõe, por vezes mais que do dinheiro à disposição, e já agora por falar em dinheiro, alguém já ouviu falar de engenharia financeira ? E para que serve ? E de imaginação ?

 Melhor será ficarmos hoje por aqui, por um FAX que é a imagem nítida das capacidades de que se dispõe, um FAX que não vence nem convence e que mostra o que é esta cidade, uma cidade que não sabe para onde vai, sem destino, sem futuro que conheçamos e do qual nos possamos orgulhar.

Para a semana a terceira crónica sobre o mesmo tema. 

 


ATENÇÃO !! Esta crónica foi escrita em 22 de Junho de 2000 e publicada no Diário do Sul em 31 de Julho de 2000 - ATENÇÃO ESTE TEXTO TEM VINTE ANOS ! QUALQUER COMPARAÇÃO COM A ACTUALIDADE SERÁ MERA ESPECULAÇÃO !!



terça-feira, 30 de março de 2021

680 - ÉVORA, TARTAN, MARCHAR MARCHAR... * (Texto de 06/11/2000)

 


  


TARTAN,   MARCHAR  MARCHAR *


Texto Publicado no Diário do Sul em 06/11/2000


 Para ser sincero esta crónica não devia ter sido escrita por mim, mas por um colega de escrita que infelizmente não conheço, e que nas páginas deste diário, de forma regular e nas páginas de desporto, nem sempre falando de desporto, tem contudo a virtualidade de captar o quotidiano de uma forma que admiro.

 As suas crónicas estão invulgarmente eivadas de uma ironia salutar, não mordaz, que de forma simples mas objectiva provam a sua capacidade de ver o que o rodeia tal qual a objectiva de uma máquina fotográfica.

 Recheadas de realismo diria eu, e se algumas tenho perdido, noutras tenho tido a oportunidade de verificar a realidade que não só capta mas que transpira através da escrita.

 Refiro-me a Mário Simões, procurem ler as suas palavras, sempre na secção de desporto, mas, e felizmente, nem sempre ao desporto dedicadas. Diria mesmo que mais as aprecio quanto mais do desporto se afastam, como se obedecessem a uma lógica que o obriga a mostrar a alma, mais que a cumprir a função de cronista desportivo.

 Mas perguntar-me-ão chegados a este ponto, que tem a ver o Mário Simões com a nossa conversa de hoje, ao que eu responderei que nada mais nada menos que uma espera no barbeiro em dia de chuva fraca. Realmente, e enquanto no barbeiro chegava a minha vez de levar umas tesouradas, admirei-me com um jovem dos seus dezasseis, dezassete anos, que em camisola de manga curta, mau grado o tempo frio e chuvoso que se fazia sentir, esperava como eu que o barbeiro caísse das nuvens.

 Claro que lhe perguntei se toda aquela leveza de vestuário era promessa ou mostra de virilidade, mas não, nem uma coisa nem outra, simplesmente vinha directo dos treinos que fizera no descampado próximo, para pegar a sua vez na loja das tesouradas.

 Praticava atletismo, com gosto e empenho, salvo erro nos Dianas, tendo a conversa derivado para a falta de uma pista de tartan em Évora, onde nem uma simples pista de atletismo os jovens têm à disposição, e ao que fiquei a saber por ele, até já se contentava com uma descoberta e exterior como a de Beja, lamentado-se pelo facto de que desde que há anos atrás abraçara o atletismo, ouvia falar em promessas de polidesportivos e complexos desportivos em que não acreditava já.

 Tendo-me reconhecido como cronista deste diário logo ali aproveitou para me levar a tornar público o seu desgosto e desilusão, que, como afirmou, grassavam entre muitos dos seus companheiros dessa e de outras modalidades, sem condições para a prática tão sã do desporto, que entre outros méritos conhecidos de todos, ocupa salutarmente a juventude e a afasta do fatalismo das drogas e de outras adições ou dependências igualmente nefastas...

 Para a idade que tinha passou-me bem os tópicos do sermão, e foi aí que me lembrei do Mário Simões, este era um caso de vida e desporto, tão ao seu jeito e tão ao seu gosto, e que eu por mais que me esforce, sei não saber tratá-lo como ele o trataria, eu desenrasco-me, ele teria conseguido fazer deste caso um caso a valer, o que aliado aos conhecimentos que tem de desporto, da sua prática a das condições em que se processa, seriam certamente mais proveitosas as suas palavras que as minhas.

 Contudo procurei não desiludir o nosso jovem atleta, ele saberá bem que a força de vontade também tem o seu valor nos méritos que como desportista venha a alcançar. É evidente que com condições outro galo cantaria, e certamente mais jovens se entregariam de alma e coração à salutar prática desportiva, e com um pouco de fé pode até ser que os seus filhos, ou netos, venham a desfrutar dos tão prometidos quanto apregoados equipamentos desportivos. Eu espero há anos por uma biblioteca e ainda não desesperei, conto viver pelo menos mais trinta ou quarenta anos, pelo que acredito que a mesma seja erguida ainda no meu tempo.

 No entretanto vou dando uns saltos ali a Vendas Novas, que proporcionalmente ao seu tamanho tem uma belíssima biblioteca, que equivaleria a todo o nosso Rossio de S. Brás, biblioteca que, curiosamente, tem livros, livros em que podemos mexer, e até ler ou trazer para casa. Conhecem uma biblioteca assim na nossa terra ? quem nos dera !

 Que os jovens não desesperem é o que lhes peço, alguma coisa há-de mudar nesta cidade, e ainda que mais nada mude, mudaremos nós, lá chegará o dia em que eu não terei olhos para ler, nem o meu atleta pernas para correr, aí certamente poderemos olhar para trás e ver o que esteve mal, mas como será tarde, o melhor é começarmos a ver já por que não bate a bota com a perdigota, e emendar a tempo o que estiver mal, está na nossa mão, só na nossa mão, entendemo-nos ?

 

Acabei agora de saber os resultados da participação dos nossos atletas nos jogos Paraolímpicos de Sidney, orgulhosos, trouxeram-nos ouro e prata em medalhas que nos honram, e se atentarmos que lhes falta muito mais que condições para treinos a rigor, mais uma razão para não desfalecermos à primeira contrariedade. É que na vida tudo são dificuldades e contrariedades, se não nos habituarmos a superá-las agora, então quando ?

 

* NOTA ACTUAL - Ah !  MAS HÁ MAIS QUE DIZER SOBRE A PISTA DE TARTAN, uma vez que lhe “roubaram” um corredor, impedindo que haja ali provas internacionais, impedindo que ali sejam homologados Records, impedindo que camionetas de desportistas e turistas venham a Évora assistir às provas internacionais de gabarito que ali não poderão ter lugar. Penso que a culpa coube ao   IPDJ que terá querido poupar uns tostões na obra porém, obra com tanta fiscalização e licenciamentos, é caso para perguntar quem mais pactuou com tamanho erro ??