TARTAN,
MARCHAR MARCHAR *
Texto
Publicado no Diário do Sul em 06/11/2000
Para
ser sincero esta crónica não devia ter sido escrita por mim, mas por um colega
de escrita que infelizmente não conheço, e que nas páginas deste diário, de
forma regular e nas páginas de desporto, nem sempre falando de desporto, tem
contudo a virtualidade de captar o quotidiano de uma forma que admiro.
As suas
crónicas estão invulgarmente eivadas de uma ironia salutar, não mordaz, que de
forma simples mas objectiva provam a sua capacidade de ver o que o rodeia tal
qual a objectiva de uma máquina fotográfica.
Recheadas
de realismo diria eu, e se algumas tenho perdido, noutras tenho tido a
oportunidade de verificar a realidade que não só capta mas que transpira
através da escrita.
Refiro-me
a Mário Simões, procurem ler as suas palavras, sempre na secção de desporto,
mas, e felizmente, nem sempre ao desporto dedicadas. Diria mesmo que mais as
aprecio quanto mais do desporto se afastam, como se obedecessem a uma lógica
que o obriga a mostrar a alma, mais que a cumprir a função de cronista
desportivo.
Mas
perguntar-me-ão chegados a este ponto, que tem a ver o Mário Simões com a nossa
conversa de hoje, ao que eu responderei que nada mais nada menos que uma espera
no barbeiro em dia de chuva fraca. Realmente, e enquanto no barbeiro chegava a
minha vez de levar umas tesouradas, admirei-me com um jovem dos seus dezasseis,
dezassete anos, que em camisola de manga curta, mau grado o tempo frio e
chuvoso que se fazia sentir, esperava como eu que o barbeiro caísse das nuvens.
Claro
que lhe perguntei se toda aquela leveza de vestuário era promessa ou mostra de
virilidade, mas não, nem uma coisa nem outra, simplesmente vinha directo dos
treinos que fizera no descampado próximo, para pegar a sua vez na loja das
tesouradas.
Praticava
atletismo, com gosto e empenho, salvo erro nos Dianas, tendo a conversa
derivado para a falta de uma pista de tartan em Évora, onde nem uma simples
pista de atletismo os jovens têm à disposição, e ao que fiquei a saber por ele,
até já se contentava com uma descoberta e exterior como a de Beja, lamentado-se
pelo facto de que desde que há anos atrás abraçara o atletismo, ouvia falar em
promessas de polidesportivos e complexos desportivos em que não acreditava já.
Tendo-me
reconhecido como cronista deste diário logo ali aproveitou para me levar a
tornar público o seu desgosto e desilusão, que, como afirmou, grassavam entre
muitos dos seus companheiros dessa e de outras modalidades, sem condições para
a prática tão sã do desporto, que entre outros méritos conhecidos de todos,
ocupa salutarmente a juventude e a afasta do fatalismo das drogas e de outras
adições ou dependências igualmente nefastas...
Para a
idade que tinha passou-me bem os tópicos do sermão, e foi aí que me lembrei do
Mário Simões, este era um caso de vida e desporto, tão ao seu jeito e tão ao
seu gosto, e que eu por mais que me esforce, sei não saber tratá-lo como ele o
trataria, eu desenrasco-me, ele teria conseguido fazer deste caso um caso a
valer, o que aliado aos conhecimentos que tem de desporto, da sua prática a das
condições em que se processa, seriam certamente mais proveitosas as suas
palavras que as minhas.
Contudo
procurei não desiludir o nosso jovem atleta, ele saberá bem que a força de
vontade também tem o seu valor nos méritos que como desportista venha a
alcançar. É evidente que com condições outro galo cantaria, e certamente mais
jovens se entregariam de alma e coração à salutar prática desportiva, e com um
pouco de fé pode até ser que os seus filhos, ou netos, venham a desfrutar dos
tão prometidos quanto apregoados equipamentos desportivos. Eu espero há anos
por uma biblioteca e ainda não desesperei, conto viver pelo menos mais trinta
ou quarenta anos, pelo que acredito que a mesma seja erguida ainda no meu
tempo.
No
entretanto vou dando uns saltos ali a Vendas Novas, que proporcionalmente ao
seu tamanho tem uma belíssima biblioteca, que equivaleria a todo o nosso Rossio
de S. Brás, biblioteca que, curiosamente, tem livros, livros em que podemos
mexer, e até ler ou trazer para casa. Conhecem uma biblioteca assim na nossa
terra ? quem nos dera !
Que os
jovens não desesperem é o que lhes peço, alguma coisa há-de mudar nesta cidade,
e ainda que mais nada mude, mudaremos nós, lá chegará o dia em que eu não terei
olhos para ler, nem o meu atleta pernas para correr, aí certamente poderemos
olhar para trás e ver o que esteve mal, mas como será tarde, o melhor é
começarmos a ver já por que não bate a bota com a perdigota, e emendar a tempo
o que estiver mal, está na nossa mão, só na nossa mão, entendemo-nos ?
Acabei
agora de saber os resultados da participação dos nossos atletas nos jogos
Paraolímpicos de Sidney, orgulhosos, trouxeram-nos ouro e prata em medalhas que
nos honram, e se atentarmos que lhes falta muito mais que condições para
treinos a rigor, mais uma razão para não desfalecermos à primeira
contrariedade. É que na vida tudo são dificuldades e contrariedades, se não nos
habituarmos a superá-las agora, então quando ?
* NOTA ACTUAL - Ah !
MAS HÁ MAIS QUE DIZER SOBRE A PISTA DE TARTAN, uma vez que lhe
“roubaram” um corredor, impedindo que haja ali provas internacionais, impedindo
que ali sejam homologados Records, impedindo que camionetas de desportistas e
turistas venham a Évora assistir às provas internacionais de gabarito que ali
não poderão ter lugar. Penso que a culpa coube ao IPDJ
que terá querido poupar uns tostões na obra porém, obra com tanta fiscalização
e licenciamentos, é caso para perguntar quem mais pactuou com tamanho erro ??