terça-feira, 30 de março de 2021

680 - ÉVORA, TARTAN, MARCHAR MARCHAR... * (Texto de 06/11/2000)

 


  


TARTAN,   MARCHAR  MARCHAR *


Texto Publicado no Diário do Sul em 06/11/2000


 Para ser sincero esta crónica não devia ter sido escrita por mim, mas por um colega de escrita que infelizmente não conheço, e que nas páginas deste diário, de forma regular e nas páginas de desporto, nem sempre falando de desporto, tem contudo a virtualidade de captar o quotidiano de uma forma que admiro.

 As suas crónicas estão invulgarmente eivadas de uma ironia salutar, não mordaz, que de forma simples mas objectiva provam a sua capacidade de ver o que o rodeia tal qual a objectiva de uma máquina fotográfica.

 Recheadas de realismo diria eu, e se algumas tenho perdido, noutras tenho tido a oportunidade de verificar a realidade que não só capta mas que transpira através da escrita.

 Refiro-me a Mário Simões, procurem ler as suas palavras, sempre na secção de desporto, mas, e felizmente, nem sempre ao desporto dedicadas. Diria mesmo que mais as aprecio quanto mais do desporto se afastam, como se obedecessem a uma lógica que o obriga a mostrar a alma, mais que a cumprir a função de cronista desportivo.

 Mas perguntar-me-ão chegados a este ponto, que tem a ver o Mário Simões com a nossa conversa de hoje, ao que eu responderei que nada mais nada menos que uma espera no barbeiro em dia de chuva fraca. Realmente, e enquanto no barbeiro chegava a minha vez de levar umas tesouradas, admirei-me com um jovem dos seus dezasseis, dezassete anos, que em camisola de manga curta, mau grado o tempo frio e chuvoso que se fazia sentir, esperava como eu que o barbeiro caísse das nuvens.

 Claro que lhe perguntei se toda aquela leveza de vestuário era promessa ou mostra de virilidade, mas não, nem uma coisa nem outra, simplesmente vinha directo dos treinos que fizera no descampado próximo, para pegar a sua vez na loja das tesouradas.

 Praticava atletismo, com gosto e empenho, salvo erro nos Dianas, tendo a conversa derivado para a falta de uma pista de tartan em Évora, onde nem uma simples pista de atletismo os jovens têm à disposição, e ao que fiquei a saber por ele, até já se contentava com uma descoberta e exterior como a de Beja, lamentado-se pelo facto de que desde que há anos atrás abraçara o atletismo, ouvia falar em promessas de polidesportivos e complexos desportivos em que não acreditava já.

 Tendo-me reconhecido como cronista deste diário logo ali aproveitou para me levar a tornar público o seu desgosto e desilusão, que, como afirmou, grassavam entre muitos dos seus companheiros dessa e de outras modalidades, sem condições para a prática tão sã do desporto, que entre outros méritos conhecidos de todos, ocupa salutarmente a juventude e a afasta do fatalismo das drogas e de outras adições ou dependências igualmente nefastas...

 Para a idade que tinha passou-me bem os tópicos do sermão, e foi aí que me lembrei do Mário Simões, este era um caso de vida e desporto, tão ao seu jeito e tão ao seu gosto, e que eu por mais que me esforce, sei não saber tratá-lo como ele o trataria, eu desenrasco-me, ele teria conseguido fazer deste caso um caso a valer, o que aliado aos conhecimentos que tem de desporto, da sua prática a das condições em que se processa, seriam certamente mais proveitosas as suas palavras que as minhas.

 Contudo procurei não desiludir o nosso jovem atleta, ele saberá bem que a força de vontade também tem o seu valor nos méritos que como desportista venha a alcançar. É evidente que com condições outro galo cantaria, e certamente mais jovens se entregariam de alma e coração à salutar prática desportiva, e com um pouco de fé pode até ser que os seus filhos, ou netos, venham a desfrutar dos tão prometidos quanto apregoados equipamentos desportivos. Eu espero há anos por uma biblioteca e ainda não desesperei, conto viver pelo menos mais trinta ou quarenta anos, pelo que acredito que a mesma seja erguida ainda no meu tempo.

 No entretanto vou dando uns saltos ali a Vendas Novas, que proporcionalmente ao seu tamanho tem uma belíssima biblioteca, que equivaleria a todo o nosso Rossio de S. Brás, biblioteca que, curiosamente, tem livros, livros em que podemos mexer, e até ler ou trazer para casa. Conhecem uma biblioteca assim na nossa terra ? quem nos dera !

 Que os jovens não desesperem é o que lhes peço, alguma coisa há-de mudar nesta cidade, e ainda que mais nada mude, mudaremos nós, lá chegará o dia em que eu não terei olhos para ler, nem o meu atleta pernas para correr, aí certamente poderemos olhar para trás e ver o que esteve mal, mas como será tarde, o melhor é começarmos a ver já por que não bate a bota com a perdigota, e emendar a tempo o que estiver mal, está na nossa mão, só na nossa mão, entendemo-nos ?

 

Acabei agora de saber os resultados da participação dos nossos atletas nos jogos Paraolímpicos de Sidney, orgulhosos, trouxeram-nos ouro e prata em medalhas que nos honram, e se atentarmos que lhes falta muito mais que condições para treinos a rigor, mais uma razão para não desfalecermos à primeira contrariedade. É que na vida tudo são dificuldades e contrariedades, se não nos habituarmos a superá-las agora, então quando ?

 

* NOTA ACTUAL - Ah !  MAS HÁ MAIS QUE DIZER SOBRE A PISTA DE TARTAN, uma vez que lhe “roubaram” um corredor, impedindo que haja ali provas internacionais, impedindo que ali sejam homologados Records, impedindo que camionetas de desportistas e turistas venham a Évora assistir às provas internacionais de gabarito que ali não poderão ter lugar. Penso que a culpa coube ao   IPDJ que terá querido poupar uns tostões na obra porém, obra com tanta fiscalização e licenciamentos, é caso para perguntar quem mais pactuou com tamanho erro ??