segunda-feira, 18 de julho de 2016

362 - HÉRCULES C–130 ABNEGAÇÃO, BLUFF ?


Depois de largamente noticiado nas redes sociais que dois dos tripulantes do Hercules C – 130 teriam saído e voltado a entrar corajosamente na aeronave acidentada, numa atitude de honrosa e exemplar abnegação para salvar um terceiro elemento, acto que os levou a perecer na tentativa, a Força Aérea Portuguesa FAP desmentiu sábado passado tal lucubração. Expresso * de 16-07-2016, 1º Caderno, página 22.

Porém a FAP admitiu que a aeronave faria parte de um conjunto de seis em que, apenas e regulamente duas delas voariam devido a falta de verbas para prover à sua manutenção. Adiantou ainda a mesma fonte que os aparelhos não têm a aviónica actualizada, e que os sistemas de voo, de comunicações, de navegação, vigilância e segurança se encontram obsoletos, pelo que as aeronaves se encontram proibidas de cruzar os céus europeus pelos corredores aéreos principais, ou normais, sendo obrigadas a socorrer-se de rotas alternativas. (o equivalente a caminhos municipais ou a veredas, aditamento meu).

 A notícia adiantava que a FAP estaria na contingência da venda de uma dessas seis aeronaves para assim custear a actualização das cinco restantes, operação avaliada em 29 milhões de euros e a ser efectuada até ao ano de 2030.

Acrescento eu que o governo não tem money para actualizar os cinco velhinhos Hercules C – 130 mas equaciona porém a aquisição de vinte ou trinta moderníssimos Embraer KC – 390 … 

             Uns pândegos estes nossos governantes… 



361 - MORREU MÁRIO SOARES ...............................


Dentro de alguns dias os mídia de todo o mundo divulgarão profusa e abusadoramente a notícia do falecimento de Mário Soares, sobre quem tecerão os maiores encómios, o mais pequeno dos quais será o de, na esteira daquilo a que temos assistido de há anos para cá, darem ao avôzinho o epíteto de pai desta nossa peculiar democracia.

O nome de Mário Soares, mais concretamente da fundação que tem o seu nome foi envolvido* no esquema conhecido como “Panama Papers” o que nada me admira e só confirma a proposição corrente de que Deus está em toda a parte, e Mário Soares já esteve… Não será por acaso que A. Costa se apressa a homenageá-lo ** Mais depressa eu acredito que esteja com receio que o velhote lerpe e não tenha tempo de o medalhar com a distinção que, segundo ele julga, o defunto merecerá.

Haja limites para as loas, pois se este país se encontra no estado lastimável que todos sabemos, tal se deve em grande parte à lógica soarista que desde o início foi inculcada nas leis, nas instituições, nos hábitos partidários, sem que Álvaro Cunhal tivesse conseguido travá-la, Cunhal, outro culpado, já não está entre nós e não é de bom tom desancar num falecido. Nem o malogrado Sá Carneiro teve tempo para tal feito, como sabemos deixou o país órfão, o seu partido, e a todos nós… 

Foi essa lógica soarista do confronto, radicalizadora e polarizadora, intriguista, oportunista e aparelhística, sem oposição ou contra poder que a enfrentasse, instaurada, instalada e disseminada entre nós que aqui nos conduziu, aqui ao buraco onde estamos metidos e de onde essa mesma lógica jamais nos tirará. Tudo nesta democracia tem o seu cunho pessoal, portanto na nossa desgraça inscreve-se também o seu nome ...

Bem se pode dizer que Salazar nos governou quarenta anos mas Soares nos desgovernou outros tantos, com a agravante, ou desvantagem, de tal desiderato se reflectir negativamente neste lastimoso país por mais outros tantos e fatais quarenta anos. No mínimo.

Há gente que mais valia nem ter nascido… 




domingo, 10 de julho de 2016

360 - A PRAIA DAS MIL MARAVILHAS ...................


Chutou-lhe a areia para cima deliberadamente, ela acabara de espalhar o bronzeador e a areia colou-se-lhe à pele enfurecendo-a. Era um velho hábito dele, hábito velho e detestável, era isso e o abominável "lontra" com que a mimava sempre que a via estendida na toalha. Ano após ano e invariavelmente, miminhos como esse e banhos de areia sucediam - -se mal principiavam as férias e até ao fim destas, por vezes até muito depois, até o bronze desaparecer e os dias de praia serem esquecidos.

Os inspectores e investigadores isolaram a zona encostada à arriba e marcaram, assinalaram, numeraram e fotografaram cada pormenor encontrado nesse fatídico lugar, areia ensopada foi recolhida e guardada em sacos à prova de contaminação, e a algumas pegadas encontradas no lugar foram tirados moldes numa massa que mais parecia gesso. Outros indagaram ou interrogaram pescadores tardios que ainda por ali cirandavam, talvez presos à curiosidade mórbida que sempre anima os pobres de espirito e os mais simples.

Dizer que lhe custava aturá-lo seria mentir, ele aborrecia-a é certo, mas não a demovia de se sentir bem consigo mesma, sentia-se bonita, sabia-se bonita, e saber-se vista, olhada, admirada e apreciada era um prazer que guardava só para si, ser e sentir-se desejada ou cobiçada era o seu supra sumo, o seu segredo máximo, sabia perfeitamente nunca ter tido um corpo tão esbelto, apesar das gémeas, considerava-se mesmo no apogeu e aproveitava o que vivia como sendo o auge, o culminar de uma ambição que alimentava desde jovem.  

Magotes de curiosos foram gentil e friamente afastados pelos inspectores, e quando estes não conseguiram dar conta do recado veio um contingente da GNR estabelecer a ordem. A zona protegida, isolada, era uma área considerável, e só a ausência de provas permitia ou forçava a admitir tal não se dever à participação de animais na ocorrência. Era o costume, javalis, gatos e cães vadios deambularem esfomeados por ali, mas a cena apontava para um ritual de sadismo espontâneo cuja acção se divisava, ou adivinhava, mas da qual só o resultado era visível. As diversas partes do corpo foram colocadas uma a uma respeitosa e criteriosamente em sacos individuais e igualmente classificadas, tendo sido anotado em cada uma delas com pormenor e num mapa detalhado do local, o sítio onde fora encontrada.

Indubitavelmente fora usado um objecto afiado e cortante, ouvira alguém a um dos inspectores, ao mesmo que desabafara;

- Quem fez isto sabia o que fazia, sabia onde cortar.

Algumas vezes se haviam zangado por ela se expôr assim aos olhares alheios, ela argumentando não ser a única e ser dona do seu corpo, ele que olhasse em volta e reparasse, mais de metade das mulheres naquele recanto da praia faziam topless, que aliás era bom para a saúde. Ele ripostava entre dentes, contrariado ou ciumento, chutando-lhe areia para cima mal via a lontrinha estendida na toalha, seminua e oferecida aos olhos de toda a gente. Nunca passaram daí, mas já por várias vezes ambos tinham terminado as férias antes do tempo devido ao amargo da coisa…

O golpe começara nitidamente na púbis e só a resistência do externo travara a lâmina. O tronco estava aberto como o de um porco, ou duma rã, daquelas que dissecávamos nas aulas de ciências naturais quando éramos gaiatos e às quais cortávamos a cabeça, os braços e as pernas pois a malta gramava vê-las mexer apesar de decepadas. Naquele momento lembrei a professora Georgete Marcão inspeccionando, explicando, cabelo arranjado, unhas tratadas, bata branca desabotoada na frente, o fio de ouro pendendo repousado sobre os seios, hirtos, espetados, duros, volumosos q.b. e, contrastando, a cintura adelgaçada por um cinto larguíssimo e uma fivela ainda maior. 

Os seios foram os primeiros a ser guardados, grandes mas apesar de tudo ainda gelatinosos, cheios de areia, meticulosamente cortados e atirados cada um para seu lado. Agora flácidos mais pareciam duas próteses de silicone. As pernas inteirinhas dos pés à anca, bonitas ainda, cada uma com a respectiva nádega, o modo como estavam cortadas indiciava que quem o fizera sabia o que fazia, o inspector tinha razão, o meliante sabia o que fazia e onde cortar, e fê-lo com calma, com tempo, circunstância ou detalhe que conduz a outra não menos despicienda dedução, a vitima não estrebuchara, não dera luta, portanto o pescoço terá sido o primeiro a ser cortado, cerce, com um golpe limpo, terá sido um golpe único, porém fica a dúvida.
Mesmo de longe consegui observar que a vitima usava o cabelo curto, curtinho, curtíssimo, onde e como lhe teria ele pegado, agarrado, ele ou ela, digo o homicida, como terá subjugado a vitima para aplicar o golpe sabendo-se-lhe a testa oleada e escorregadia devido ao bronzeador ?

Há mistérios que, por mais que a gente pense, por mais que a gente os reconstrua ou tente reconstruir a cena jamais lograremos esclarecer. A uns cinquenta passos e onde a verdura já se mantinha estava montado uma espécie de altar improvisado, maçãs, símbolo do pecado, flores, velas, terá sido um qualquer rito a ditar a sorte da desgraçada ? Espalhadas um pouco aleatoriamente meia dúzia de embalagens ou saquetas de Durex acusavam nitidamente a tentativa de terem pretendido ser abertas, poderia residir nelas a chave do mistério e guardarem as impressões digitais do assassino, decerto que a ter havido sexo não fora consentido, teria havido estupro, a vítima fora violada e somente a autopsia diria se fora esventrada ainda viva ou depois de morta.

A proximidade a que me encontrava facilitou-me a apreensão do ocorrido, mas mexeu muito comigo, à noitinha tentei fazer a minha gelatina preferida que contudo não me saiu como sempre, mas mesmo com isto na cabeça, isto a cena de praia macabra, e fazendo as limpezas em simultâneo, acabei de descobrir porque me saíra mal a gelatina… é que entre uma coisa e outra vou fazendo outras e depois meto os pés pelas mãos, mas afinal sabem porquê, porque me falhou desta vez a gelatina ?

Sabei então porque me saiu mal a gelatina, porque liguei o forno no máximo e ele só pode estar a 160º ! 

Ele há coisas... 

quinta-feira, 7 de julho de 2016

359 - O ESBIRRO EMBIRRANTE ...............................


A mota atormentava-me e em simultâneo assustava-me. Toda aquela parafernália de campainhas e luzinhas fazia-me temer uma paragem nada agradável devida a falta de combustível. E depois como seria, não era coisa que se levasse às costas, pelo que apontei-a logo à Mobil, onde cheguei, adivinhem, lembram-se daqueles filmes do 007 em que ele desligava a bomba no último segundo e o marcador digital da espoleta nos indicava que o fizera no derradeiro 0, 007 milissegundo antes da coisa ter ido pelos ares ? Pois bem, mas eu afinal cheguei à bomba, de gasolina ressalvo, e depois de atestar verifiquei que o depósito afinal (outra vez afinal, o jogo de ontem fez-me mal, ou o jogo ou as mistelas) ia eu dizendo que afinal ainda lá teria gasosa para uns cinquenta quilómetros pelo menos, os japoneses não são nada exagerados, devem ter ficado com traumas e complexos após Fukushima. Aposto.

Atestei e fui pagar, o Ludovino, gentil como sempre, ofereceu-me uma linda bola de praia que presto ofereci a uma criancinha ranhosa que andava por ali e eu, para corresponder à empatia perguntei-lhe pela brasileira, a brasileira não é a Brasileira do Chiado, mas uma beldade tropical que lhe tem arruinado a vida e a saúde, o posto de gasolina é o último negócio de família que, por causa dela, ou apesar dela ainda não trespassou, vai morrer feliz o Ludovino, novo e feliz, mas quem a conheça reconhecer-me – á razão, a mim e mais ainda ao Ludovino, há coisas que nos fazem acreditar na beleza da natureza, na finalidade positiva da vida, que nos enchem de devoção ambientalista, e estávamos nisto, filosofando, quando pelo canto do olho topei o freguês que se seguia preparando-se para pagar e não fui capaz de me suster;

- Foda-se ! Você é policia ó amigo ! Ou é ou foi ! Multou-me há quarenta anos por causa d'uma merda de uma mijinha às duas da manhã ! Nunca mais esqueci essa cara ! Você não pode ser bom homem ! 

E era verdade, era ele, e era policia aliás estava aposentado. Eu nunca esquecera aquela cara de buldogue, e disse-lho, fora em 1974, não recordo o dia exacto mas foi entre o 16 de Março e o 25 de Abril, o Café Portugal fechava às duas da manhã, a malta ficara-se na conversa, que nos levou até ao início da rua Gabriel Victor do Monte Pereira onde, apertado, dada a hora tardia e o escuro de um pequeno cotovelo que a rua fazia, dei dois passos e aliviei-me da cerveja que me atormentava a plenitude do pensamento e me desassossegava o intelecto e a dialéctica.  

Nem sei de onde eles apareceram, eram dois, andavam acossados desde a intentona de Março e eu, eu e todos os cabeludos, éramos decerto gente da oposição, ou da oposição ou dela simpatizantes, e não se enganavam.

- Mas onde queria você que eu me aliviasse com o café fechado homem ?

Ontem, então, como hoje, não havia, nem em quantidade e muito menos em qualidade, casas de banho públicas que satisfizessem, e já que estamos em maré de filosofias e retóricas adianto-vos duas coisinhas, por um lado uma vez houve em que a brasileira quase me convenceu a tornar-me vegan, e por outro, outro lado não se percam, posso assegurar-vos que muitíssima coisa não mudou absolutamente nada desde então neste país e algumas até mudaram para pior, para bem pior ou muito pior depois do 25 de Abril.

Resumindo, penalizou-me em setenta e cinco escudos, o que à época e por uma mijinha foi um dinheirão ! Multado por indecente e má figura. Talvez agora o Ciríaco, o Pereira e a Ana compreendam melhor o gozo que me dá mijar em todo o lado e sempre que posso, é a minha luta, é uma tara, um complexo, uma vingança cuja divida se encontra ainda muito longe de me estar paga na totalidade.

O polícia, de canadianas e arrastando o esqueleto lá abalou num mata-velhos a chiar de ferrugento. Sobreviveu ao 25 Abril, decerto se adaptou, reformulou, eu não vos disse que quase nada mudou ? Nem a merda nem as moscas, só mudou a retórica, a dialéctica, a demagogia, que passou a ser feita à maneira *…

358 - O ARTISTA ILUMINADO ….……......……….

 Pintura de Guido Daniele – Milão - Itália *

Chegara perto de mim a todo o vapor, ofegante, nem bom dia nem boa tarde, nem olá, nem como vais ? Eu nem a entendia c’a pressa de falar e de se impor, recomendei-lhe calma, c’aguentasse os cavais. Não me pediu segredo nem dinheiro, pois é, é inacreditável, mas solicitou-me urgência, a mim, que descendo de um bufarinheiro e tal bastou p’ra me irritar, que impertinência. Urgência era de quando eu acreditava haver nas coisas principio meio e fim, urgência era quando cria que o mundo girava declinado simplesmente por cortesia, urgência era no tempo em que se ouviam as musas nos jardins, agora, agora se me querem ofender peçam-me urgência, mas urgência por quê ? E para quê ?

Urgência no meio desta demência é incongruência, confusão, absurdo, qual a nexexidade dela neste mundo agiota onde não bate a bota com a perdigota, mundo dividido, encantado, poliglota, sem bases, abstruso e fora de linha, pelo que me forcei a alhear-me dela, repetitiva, insistente e chata até ao tutano. Com esta idade podia ser um Picasso, um Matisse, Salvador Dali, um qualquer. Algo se passara com ela que ninguém aprofundara. Nem quando enlouquecera. Crucificaram-na.

São as capas dos jornais quem hoje me convoca, Teixeira dos Santos vigiando o desempenho da CGD, a raposa guardando o galinheiro, Pedro Guterres contratado pela Mota-Engil, bendita a pátria que tais filhos tem e para bem dos quais somos imolados.

Lembro-me dela desde há mais de vinte e tal anos, a esperança nos olhos, a magia nas mãos, sonhos em ebulição, o céu como limite. Ainda falei com o pai, Ermelinda fora crucificada, ainda lhe disse que se fosse comigo iria lá abaixo ao Algarve partir a cara ao tipo, porém sempre fora um pai com mais garganta que cabeça;

- E depois ?  Um professor não tem sempre razão ? 

Respondera-me.

De nada teria valido ter-lhe dito que não, de nada teria valido ter-lhe dito que naquele capitulo ser até muito raro terem razão. Não é a arte sobejamente subjectiva, furtando-a portanto e naturalmente aos cânones de uma razão preconceituosa ?

Mas, apertado entre subjectividade e cânones, esse pai ficara como ficam agora os clientes ou consumidores perante os caixas dos supermercados, quando a maquineta lhes pergunta após terem inserto o cartão multibanco;

- A crédito ou a débito ?

Ele inscrevia-se naquela folgada percentagem dos que não sabendo uma coisa nem outra e perante a pressão da fila em espera respondia sim. A ignorância não se publicita, a vida não é o varão d’uma discoteca e quando o banco lhe pede contas e as vai prestar, esclarece-as no segredo dos gabinetes e orgulha-se por a sua reputação não ser matéria do domínio público, nem sair beliscada apesar dos juros lhe custarem os olhos da cara.

A cara, isso, eu ter-lhe-ia ido à cara, crucificou-a, ele teria que me explicar, e não só a mim o que dissera à miúda, não se desfaz um sonho, não um professor, ainda por cima munido de uma subjectividade imprópria para a questão e usando de violência psicológica sobre uma adolescente que estava incumbido de formar e não de confundir. Era um artista iluminado certamente. Não se faz. As duas mãos estampadas naquela cara seria o mínimo que o pai devia fazer-lhe, talvez mesmo partir-lhe o nariz, fazê-lo sangrar, para ele aprender a ser homenzinho. Era por certo um professor fechado, um artista iluminado, imagino-o apreciador de cores fortes, de traços definidos, apreciador de vinhos, e de direitos, aposto que nunca falta a uma manifestação.

O maior problema desta crise nem é a obscena promiscuidade com que a matilha politica suga tudo à sua volta sem deixar nada para os outros, é que os outros lho consintam sem lho fazerem sentir, sentir que o preço dos abusos lhes sairía pela hora da morte, a esta classe politica alguém devia obrigar a esbarrar com a cara em duas mãos, nas duas mãos de cada um de nós, não reconhecerão nunca outro argumento, quando muito o garrote, ou o muro, mas não queria entrar por aí para vos não assustar, além de que tenho uma reputação a defender...

Nada teria custado ao pai da pikena ter montado a mota e rumado ao Algarve, assumindo-se como um justiceiro cavalgando em honra da sua dama, atravessando as planícies alentejanas como quem atravessa as pampas argentinas, cindindo de dia besouros e besourinhos e de noite luzes e luzinhas, em direcção ao pirilampo que tão bem soube mandar abaixo os sonhos a personalidade em formação e o carácter ainda não consolidado de uma adolescente. O motard das pampas**, o Ernesto, o Che tê-lo-ia feito, independentemente do escândalo que pudesse armar, Emília teria adorado e talvez a sua jovem personalidade não tivesse claudicado ao ver o seu cavaleiro acorrer em defesa da sua dama, ela. Foi um crime, a miúda foi simplesmente crucificada.

O que esta crise tem de pior é a dignidade que nos retira, em especial aos jovens, esta crise seca tudo em seu redor, protege numa redoma os que estão bem instalados e aos outros exige que trabalhem, que se esforcem para os manter sem sequer lhes darem os meios para o fazerem, para se libertarem, para se dignificarem, pois o trabalho como todos sabemos liberta e honra. Quanta violência, quantas ambições por cumprir, quantas realizações ficam p’lo caminho, quantos sonhos abandonados, quanto orgulho engolido, quantas vidas não cumpridas, quantos dramas, quanta inconsciência e incompetência no que ao prever, acautelar, providenciar e assegurar do futuro à nossa juventude concerne. Só paroli, paroli, paroli… Outros países para se desenvolverem revoltaram-se. Encostem a nossa elite a um muro e não hesitem, fuzilem-na…

O mesmo devia ter feito o meu amigo àquele professor algarvio que sem um laivo de consciência negou a uma miúda a existência, somente porque ela alimentava outros padrões. Estava eu congeminando estas pérolas e, tão repentinamente quão se tinha atrelado a mim, ei-la agora correndo em sentido contrário e no encalço de um individuo que passara apressado, de gabardina, ou quispo, em pleno verão, de aspecto untuoso, coxeando ligeiramente e arrastando a perna, aposto que a fim de se ver livre dela, e fiquei-me  olhando-os enquanto a vista mo permitiu, depois meti-me no carro e também eu dei meia volta e marchei rua adiante, até dar com eles numa fila enorme e enrolada, um magote de gente apinhada frente às instalações do IEFP, essencialmente jovens e alguns menos jovens numa fila de gente amorfa, sem futuro, sem dignidade, gente condenada, uma geração inteira condenada, ou ainda mais gerações, todas elas condenadas…                                                                                                                                                                                                                                           Pintura de Sónia Barreto - Évora - 2017

* Pinturas de Guido Daniele – Milão - Itália
* https://www.facebook.com/guido.daniele.9
**http://www.saeditora.com.br/catalogo/relatos/de-moto-pela-america-do-sul/
** https://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%A1rios_de_Motocicleta