domingo, 14 de junho de 2020

ARRASTAR MULTIDÕES, OU ARRASTAR OS PÉS * inédito, por Maria Luísa Baião



Desde que em 73 ou 74, ano em que obteve algum sucesso com o aluguer de um monte a um grupo de escravos da colónia que a vida lhe sorria. De tal modo que, sem dar nas vistas e mantendo embora a mesma casinha simplória que alugara quando aqui assentara arraiais, mandou erguer no meio da serra um monte nada modesto que hoje não venderia a ninguém por menos de cinquenta ou setenta mil.

Foi o primeiro agente imobiliário que a terra conheceu, alugar o monte abrira-lhe horizontes conhecimentos e contactos que nunca pensara vir a abarcar, tanto que se dá mal com o protocolo e nunca se sentiu à vontade entre gente normal. Os recalcados complexos de inferioridade com que aqui chegou depressa lhe passaram, só não reparou que o rodeavam tolos que o incensaram mas que agora lhe não são capazes de acudir.

A favela estava carente, fez umas gracinhas e brilhou, tendo caído no goto de quem nunca soube o que querer e ainda não sabe, embora tenha passado tanto tempo que já lhe chamam avô. Foi apostando sempre no imobiliário, sempre devagar, que os excessos de oferta nunca foram bons para o negócio e é sabido que a procura é mais mansa se não tiver muito por onde se afirmar. A par dos negócios que ia controlando com mão de ferro fazia umas obrinhas de melhoramentos na favela, o que fez com que, para onde quer que fosse, arrastasse invariavelmente atrás de si uma multidão agradecida, ainda que cada vez mais empobrecida.

Depois descobriu acidentalmente que essas multidões estavam ávidas, há muito ávidas de consideração, coisa banal barata mesmo, que começou por distribuir parcimoniosamente, ainda que a baixo preço e hoje dissipa por altos valores. Negócio é negócio mas as coisas não vão bem. A turba é ingrata e a horda não lhe sai já nada barata. Uns exigem cada vez mais obras, a consideração passou de moda e atingiu uma cotação que anda pelas ruas da amargura, outros já não vão lá por menos e só lhe gritam;

- Fiquemos !

Ou uns ou outros diremos, não vai já decerto contentar ambiciosos há trinta anos desejosos e muito menos os gananciosos que lhe apertam o cerco, lhe tolhem o passo, roubam o espaço e dele tentam fazer um palhaço. Não deixa nem se queixa, vai andando, mirrando, a consciência não lhe pesa, a coerência ! Ah! A coerência ! Essa sim que coincidência ! Que ambivalência ! É um homem de sucesso a quem o processo avilta, mas em qualquer entrevista, se pelo progresso lhe perguntam, não hesita;

- Ah ! O progresso ! Não seria má ideia não !

E por aí se fica.

Amealhou um capital nada desprezível durante todos estes anos, pena que o ande a desbaratar em atitudes senis que já não convencem ninguém. Morrerá pobre se por este caminho teimar, pobre e sem glória, já que vassalos, gonçalos e outros que tais, mais dados aos vis metais, dele fizeram o bezerro de oiro que uns tolos adoram e outros ignoram. Como deus não terá grande sucesso neste mundo de mitos, como fetiche acredito mesmo que venha a ser empalhado ou melhor, embalsamado, se no entretanto não ficar emparedado.

É este profano que querem consagrar quem fica mais pequeno a cada dia que passa, em simultâneo passam-se os dias, acumulam-se os dias em que nada se passa, há-de até chegar o dia em que nesta cidade virtuosa, nem uma passa, o que não deve demorar muito até que aconteça, visto que todos se afadigam para que nada se faça, mas tudo pareça. Dos tempos de rapaz ficou-lhe o hábito de andarilho ou não tivesse ele corrido meio mundo para aqui chegar, por isso está velho dizem uns, que não dizem outros, está apenas gasto por baixo de tanto andarilhar, e a gente sem saber no que acreditar.

No entanto quando passa deixa já no ar um excessivo cheiro a naftalina, enquanto as criancinhas, somente as criancinhas ou outros inocentes, divisam já em seu redor seráficos querubins, anunciando o abandono da alma, gulosa de ascender à eternidade e posar desnuda nos frescos da abobada que o espera, que a todos espera.

Já não arrasta multidões, um fenómeno sociológico que a economia o desenvolvimento e o progresso futuros hão-de explicar para o ano faz com que já não arraste multidões. Vagarosa e penosamente arrasta os pés por estas calçadas que esventrou e só as crianças lembrarão um dia aquele andarilho que por aqui passou.


* NOTA: Vasculhando uma pouco usada gaveta dei com um nítido primeiro rascunho deste inédito de Maria Luísa Baião, impresso numa folha A4 já amarelecida pelo tempo, não datado e entalado entre dois livros que em tempos idos agitaram a urbe, ambos do mesmo autor ainda que separados cronologicamente por dúzia e meia de anos, ESTA CIDADE E EU do ano 2000 um deles, e UM PROJECTO PARA O FUTURO o outro, de 2016. Atendendo ao lugar em que o rascunho se encontrava diria que o mesmo reportará alegadamente ao autor das obras mencionadas. Tive o cuidado de nada alterar, cuidei somente da pontuação e de um ou outro pormenor de somenos importância. Eu próprio que com ela privei ignoro o sentido de alguns parágrafos, talvez o leitor faça deles uma leitura mais completa que a minha, por esse motivo impunha-se que o texto fosse minimamente remexido por mim, facto que respeitei em memória e respeito pela sua autora.A seu tempo darei a minha opinião sobre este pequeno livro que somente agora comecei a ler.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

647 - CHEGA ! SOMOS TODOS CAPITÃES ! ! !


Naquela linda madrugada os militares depositaram de bandeja nas mãos de cada partido nado-vivo e aparecido um quinhão de democracia. Sem que nada tivessem feito para isso cada um deles foi levado em braços e sentado numa cadeira, a cadeira do poder.

Hoje, ciosos do que lhes foi dado, negam aos demais o que, respaldados nesse cadeirão, julgam exclusiva e eternamente seu. Não é, e como disse Salgueiro Maia, esta democracia é de todos, somos todos capitães. Surgem portanto como ridículas abusivas e falhas de base moral todas as tropelias e acusações vomitadas e vociferadas contra o CHEGA, contra o recém-chegado CHEGA, que tem tanto direito à sua quota quanto os demais.

 Melhor seria que se aprofundassem as razões que catapultaram o aparecimento do CHEGA, que propiciaram a sua génese e que mobilizaram em pouco tempo tantos e tantos portugueses a julgar pelas sondagens e a comprovar no próximo acto eleitoral. Paulatinamente o CHEGA tem vindo a morder um pouco o eleitorado de todos os partidos, isso explica a aversão ao novel e recém-chegado participante da festa da democracia.

Tenho para mim que o CHEGA dará voz e contará com os votos perdidos maioritariamente para a abstenção, o que significa que tem programa, ideias e promessas em que os portugueses crêem e das quais sentem necessidade, ou seja o CHEGA tem o que os outros não têm, o CHEGA oferece o que os outros guardam só para si, o CHEGA é aquilo que os outros não são, e sabemos como os partidos do sistema se viraram exclusivamente para os seus interesses, os seus militantes, os seus afilhados, amigalhaços e familiares, arvorando-se em detentores de verdades nas quais já ninguém acredita a não ser eles mesmos e os seus fanáticos ou lunáticos militantes.

Mais do que reformado este país precisa ser arrasado, dou-vos um exemplo, eu que nunca morri de amores por Pedro Passos Coelho bati-lhe palmas quando pretendeu limitar e reduzir as reformas mais altas para beneficiar as mais baixas quando da crise em que tão tristemente pontificou. O seu reinado, acudindo a mais um desastre provocado pelo PS, foi um completo desastre, ficámos sem anéis e sem dedos, mas as várias medidas positivas que tentou implementar em favor dos mais desfavorecidos foram travadas pela Constituição da República Portuguesa.

É caso para perguntar ao serviço de quem está esta constituição, ao serviço de que interesses, é caso para afirmar que também ela precisa ser arrasada, reformada, refeita, feita de novo. E como ela muitos mecanismos e situações que por serem tão gritantemente injustas envergonham o país e os portugueses de bom senso.

Há que instituir o mérito no preenchimento de lugares, há que proibir negócios com familiares, há que impedir que os familiares negoceiem com o estado ou ocupem lugares nos governos, nos ministérios, nas edilidades, nas empresas públicas, etc etc etc …

Só desta forma o país avançará e se regenerará, sendo este um dos principais pontos do programa do CHEGA que tanto faz temer e tremer a burguesia instalada e corrupta que nos desgoverna. O compadrio, o parasitismo, o facciosismo, o partidarismo e o amiguismo não podem continuar a ser o alfa e o ómega deste país.

Por isso o CHEGA precisa de ti, da tua força, da tua vontade, do teu voto, só juntos podemos alterar esta situação de podridão em que Portugal caiu e nos arrasta para a miséria e o drama a cada dia que passa.

Vota CHEGA em todos os actos eleitorais que se aproximam, tu precisas do CHEGA o CHEGA precisa de ti, temos que mostrar a nossa força, a força para acudir aos dramas diários que nos caem em cima, a força que nos pode acudir, a força que fará a diferença, a força que está interessada em que tu venças !

VOTA CHEGA !!!


MADRUGADA

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


domingo, 7 de junho de 2020

646 HÁ FOME NO ALENTEJO, NÃO HÁ FUTURO...


No Alentejo e especialmente em Évora caro amigo que me estás lendo, caro eborense, este texto é para ti que tens a cabeça cheia do sucesso que propagandeiam mas sofres na pele o drama da miséria em que o país cai sem que ninguém te ouça. Sofres calado e sem esperança há demasiado tempo, o país e os nossos governantes com tudo se preocupam menos com a vida dos portugueses, com a tua, com a minha, com a de todos. Como tu sei muito bem que a crise não é de agora, vem muito de trás... Como tu sinto na pele haver reformas que deveriam ter sido feitas há 40 anos e continuam na gaveta... Em 25 de Abril no exacto momento em que acabou o autoritarismo do antigo regime começou a estagnação do novo... A estagnação e o oportunismo...  *

Essa mudança tem sido bem feita, demorámos quarenta anos a dar por ela, contudo todavia mas porém não estamos melhor, todo o país definha e já nada é nosso, dantes tudo era deles, de uns poucos, agora não é de ninguém, foi vendido à estranja... Lastimo que unicamente os aspectos negativos tenham ficado para nós. A actual escolaridade média é um bluff, o INE afirma que o período de maior crescimento de economia portuguesa foi entre 1953 e 1974... Foi preciso a liberdade e a democracia para que a libertinagem em que se entrou e se lhe seguiu deitar tudo por terra... Dantes éramos pobres, agora caminhamos para miseráveis... Dantes o país que crescia a uma média de 10% ao ano, cresce agora a 1,2% ou 1,3% e fazem-te acreditar estares a participar numa via de progresso e de sucesso.
  

Antes de Abril o país evoluía e preparava-se para um progresso sustentado e com profissionais à altura do desafio que enfrentava, com o 25 Abril o país e a escolaridade tornaram-se um bluff, agora o país não produz, não cria emprego mas cria dívida, não cria oportunidades mas inventa impostos e os estudantes saem das escolas analfabetos, verdadeiros estúpidos funcionais... iletrados... ignorantes...
  
Verdade que o CHEGA precisa de ti, mas tu também precisas do CHEGA, juntos criaremos a força necessária para deitar abaixo parasitas e oportunistas, juntos criaremos a força necessária à mudança, uma mudança que olhe para ti, que olhe por ti, por mim, por nós. Sem ti o CHEGA não chegará a lado algum, sem o CHEGA tu nunca verás reposta nem a democracia, nem a igualdade, precisamos do CHEGA para cilindrar a desigualdade, a iniquidade, a injustiça.
  
Divulga e partilha esta página junto de amigos e conhecidos, junto de zangados e ofendidos, junto de empobrecidos e desempregados, doravante esta página será o nosso ponto de reunião, de união, o nosso estandarte, a nossa bandeira no Alentejo, divulga-a junto de eborenses e alentejanos, a nossa terra tem futuro, tem futuro connosco, nunca terá futuro sem nós.



* VER TAMBÉM O TEXTO 643 - 





quarta-feira, 3 de junho de 2020

645 - PEQUENOS INDUSTRIAIS, QUE TEIMOSIA... By Maria Luísa Baião *



Há quinze dias, mais precisamente na terça, 27 de Março deste ano da graça de 2001, desloquei-me com curiosidade ao Hotel da Cartuxa para assistir aos debates sobre “Évora, Cidade Moderna”, onde também esteve presente o Director deste Diário que, na quinta-feira seguinte apresentou uma local sobre o evento, nunca tendo eu pensado que o assunto a tanta gente preocupasse deveras.

Várias ideias chave se fixaram facilmente no meu espírito, umas devido à eloquência dos oradores, outras relevantes pela pertinência dos casos abordados. De uma coisa fiquei ciente, não me apercebera ainda, e considero-me uma pessoa bem informada, da profundidade ou gravidade que a estagnação da nossa cidade atingiu.

Efectivamente de há muitos anos a esta parte temo-nos confinado à preservação e divulgação do Centro Histórico, como se tudo o resto não existisse. E o resto são o grosso dos habitantes desta terra, somos todas nós, vivendo maioritariamente em bairros sem a mínima qualidade de vida ou articulação com o centro da cidade.



Numerosos hiatos se interpõem entre a cidade e os bairros, em especial nestes, e não somente do ponto de vista arquitectónico, mas também funcional. Falta de equipamentos, de transportes bem articulados, vias de acesso e estacionamento, zonas verdes, mobiliário urbano, enfim, pasmei com o que é possível fazer e não tem sido feito.

Talvez a questão que mais me tenha sensibilizado tenha decorrido do espaço para construção ou mesmo das construções imobiliárias, cujos valores atingem em Évora números aterradores, fortemente condicionantes da fixação de investimentos e pessoas, autêntico travão ao desenvolvimento, à criação de emprego, ao progresso.

Provavelmente já todas nos apercebemos que a vida não está fácil, nem para nós nem para os nossos filhos, o que talvez não tenhamos interiorizado ainda é que é possível alterar este estado de coisas.


Évora apaga-se a cada dia que passa por falta de uma liderança ambiciosa e capaz, está ela própria a perder o lugar de liderança que detinha no Alentejo, a comprová-lo o facto de alguém ter lucidamente apontado o exemplo da nossa “Terceira Zona Industrial”, um espelho inequívoco da nossa realidade e bem à altura do Terceiro Mundo para que esta cidade caminha.

Terceira Zona Industrial ? Exacto ! Eu já a conhecia, simplesmente comodamente aceitara que as coisas eram mesmo assim. São assim, mas podem ser de outro modo, haja quem tenha vontade e queira. Há algum tempo precisei de uma grade em madeira para substituir uma janela da garagem, onde fui levada ? À quinta do Capitão Poças, ali para o St. Antonico. Outra vez tive necessidade de tirar um risco do carro, fui dar ao mesmo sítio, quem precisar de algo, na nossa terra, não precisa de consultar as Páginas Amarelas, vá ao lugar que vos indiquei, ali há de tudo para todos. Verdade ? Verdade ! Sem as mínimas condições de segurança, de higiene, de trabalho. Ali impera o elevado espírito desenrasca e inventivo, tão típico dos portugueses, é todo um submundo de alminhas governando-se trabalhando, numa promiscuidade de misteres e gentes equilibrando-se no arame, como num circo.



 Sucateiros uns, habitando casas degradadas outros, lado a lado tecnologias de ponta e os mais arcaicos processos, mas todos lutando, sobrevivendo teimosamente, desfeando esta cidade Património Mundial, num amplo espaço clandestino.

Na realidade pergunto-me quantas pequenas indústrias e actividades não estarão na nossa terra segregadas em guetos, umas em garagens, outras em vãos de escada, outras em quintais insalubres, outras em pequenos espaços que exigem de quem neles labuta corpo de contorcionista e paciência de santo, sem hipóteses de crescerem enquanto empresas, sem condições para criar riqueza, emprego, limitados na sua coragem, limitados na sua criatividade, teimosamente sobrevivendo, sem que o Poder Local alguma vez se tenha preocupado com tal desiderato.

Um dos presentes levantou-se comovido do meio da assistência e ali mesmo prometeu que com ele não seria assim. Acreditei, porque senti sinceridade nas suas palavras, e porque acredito nessas dezenas ou centenas de empresários, pequenos artificies e industriais a quem se lhes forem dadas condições poderemos ficar a dever muito do desenvolvimento desta nossa cidade, uma cidade do Terceiro Mundo, plantada em pleno Século XXI.





By Maria Luísa Baião, texto publicado no Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, em 12 - 04 - 2001              






terça-feira, 26 de maio de 2020

644 - PORTO - RUA DA CONSTITUIÇÃO 758 .........


Tomava uma tarde destas um capilé numa esplanada do café Bugatti, na rua da Constituição 758, ao Porto, quando, para fugir ao convite a comer uma francesinha lancei como mote de conversa o curioso nome daquela rua. Não o disse mas quem me conhece sabe perfeitamente preferir eu as de Vendas Novas, pelo que, fiel à minha tradição e gosto, airosamente me safei da francesinha que me queriam sentar no colo.


Pois a rua da Constituição deve o seu nome a isso mesmo, à Constituição, qual delas ? Naturalmente uma não tão velha quanto aquela velha rua mas velha, mais concretamente a primeira Constituição portuguesa, a de 1822. Sim, Portugal foi pioneiro na moderação do poder politico, em 1822 acabava-se o absolutismo da nossa monarquia que se adaptou aos novos ventos europeus e aceitou partilhar responsabilidade e poder.


Contudo as coisas não correram da melhor forma ainda que se tenham aguentado durante quase cem anos, perder poder é uma espinha que fica sempre atravessada na garganta, não o ter todo para si mesmo é ambição que tira o sono. Como tal esta parceria entre os reis e os homens duraria até 1910, ano em que tomou assento no trono o absolutismo republicano.

Foram noventa anos de altos e baixos, mais baixos que altos, até o tira teimas de 1910 acabar com o ora agora mandas tu ora agora mando eu. Creio que o desiderato não se ficou a dever tanto aos defeitos da monarquia ou às virtudes da república mas sim ao facto de estarmos em Portugal e o povo, naturalmente ser o português, esse eterno insatisfeito.

Em boa verdade se as coisas correram mal durante noventa anos, de 1910 a 1926, uns meros dezasseis anitos, a coisa correu pessimamente. Os então dois maiores e representativos partidos nunca se entenderam, iguaizinhos aos nossos PS e PSD, e por nunca se terem entendido, a economia ter soçobrado, a fome avançado e a miséria espalhado em 1926 deram o braço a torcer, ajoelharam e pediram a Coimbra os favores de um seu professor de finanças o qual, contrariado mas veio, o tempo suficiente para ter reparado não ser aquela gente que se cheirasse tendo feito as malas e regressado à sua velha Coimbra, na gíria eu diria que acabara de fazer um manguito a quem tivera a veleidade de o convidar.


Com a sua partida as coisas foram de mal a pior, Portugal atravessava as ruas da amargura, o país estava virado do avesso e depauperado. Henrique Raposo num seu pequeno, barato (3,50€) mas ilustrativo livrinho, “Alentejo Prometido” 112 páginas, uma edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos datada de 2016 e que na altura gerou por estas bandas em que vivo enorme celeuma, dá-nos correctíssimamente conta do ambiente social vivido no Alentejo, ambiente que poderemos sem risco extrapolar para o resto do país.

Ou seja, as coisas não poderiam estar pior, pior só viriam a estar por alturas de 2020, onde de novo os dois principais partidos desta mísera republica se digladiam para ver qual deles é capaz de atirar o país ao tapete. Com uma divida enorme e que se vai agigantar, o país patina há 46 anos, mais concretamente depois daquela madrugada que todos esperávamos, depois daquele dia inicial inteiro e limpo d’onde emergimos da noite e do silêncio, e depois de livres termos habitado a substância do tempo, voltámos a fazer como a avestruz e a enterrar a cabeça na areia, lixando o nosso futuro e o dos vindouros numa loucura inexplicável que ninguém se atreveu, nunca, a denunciar, muito menos a pôr termo.


 Mas eis que do nada surge um estandarte, um líder, uma vanguarda abrindo caminho à onda avassaladora que nos há-de submergir para, como a Fénix, podermos acordar num novo amanhecer que até hoje ninguém, repito ninguém, se atrevera a colocar em marcha, todos vendo o rei nu, todos calando cobardemente o que urge denunciar. E surgida esta figura, que nada mais é que um estandarte, um condutor, um mobilizador, atrever-me-ia a dizer um salvador, que fazemos nós ? Tal como fizeram a Cristo logo pensamos crucifica-lo, mesmo antes de ajuizarmos o por quê da sua vinda, a oportunidade do seu nascimento/ aparecimento, a necessidade que a sua epifania cumpre, a necessidade de mudarmos de regime visto o nosso ter ficado cego e surdo aos motivos que lhe estiveram na origem e podermos afirmar existirem hoje mais desigualdade, injustiça e iniquidade que as que havia quando da tal madrugada que todos esperávamos, depois daquele dia inicial inteiro e limpo d’onde emergimos da noite e do silêncio, e depois de livres termos habitado a substância do tempo, voltámos a enterramo-nos na merda até aos cabelos.

Bifana de Vendas Novas

São injustos os ataques a André Ventura e ao CHEGA, nem o homem nem o partido tiveram ainda tempo nem oportunidade de mostrarem ao que vêm e quanto valem, contudo todos à vez ou ao molhe lhes caem em cima como se tivessem lepra, mas são incapazes de fazer mea culpa mea culpa e indagar os motivos que estão na génese e na necessidade do aparecimento de André Ventura e do seu partido. Ninguém se incomoda em saber o que deveria ter sido feito ao longo dos últimos 46 anos e não o foi ? Só os incomoda o que partido e homem ainda nem tempo tiveram para fazer ?

O país entrou numa espiral que o enterra cada vez mais fundo, o compadrio, o seguidismo, o parasitismo, o favoritismo e todos os males que pretendemos combater em 74 estão no seu auge, no seu máximo, então e agora não há necessidade de lhe pôr cobro ? Precisamos de um regime novo que reponha em funcionamento as virtudes da democracia, André Ventura é o agitador, o mobilizador, não o populista mas o adventista que reporá nos carris um comboio destrambelhado. Durante 46 anos quem deveria ter pugnado pelo país e pela democracia só fez por si mesmo, é oportunista, mas só têm críticas e pedras a atirar ao populista que nem isso ainda teve tempo para ser ? Não tenho agora a menos dúvida que Salazar era inteligentíssimo, sabia o que fazia e como o fazer, sabia com quem tratava e como tratar este país, esta gentinha, com um garrote na língua e uma bota cardada no pescoço. Manteve-se 46 anos no poder praticamente sem um protesto, e morreu de velho, velho e pobre, não o defendo, mas do outro lado do mundo Mao foi outro timoneiro que nunca hesitou em conduzir o seu povo nem que fosse à bordoada. E fê-lo.  

A “Revolução Cultural” chinesa foi provavelmente a revolução mais abjecta que possamos imaginar, todavia foi necessária. Lá, tal como cá, os obreiros da revolução comunista tinham-.se instalado no poder, travando o país, imobilizando-o a seu desejo e conveniência. A velha e renovada China estava a voltar aos tempos feudais por interesse dos seus revolucionários, tal qual está acontecendo em Portugal, os mesmos que fizeram o 25 de Abril instalaram-se e não abrem mão de oportunidades para os demais, a esperança que foi o 25 de Abril está a morrer às suas mãos e devido aos seus gananciosos interesses pessoais. 

Sem o horror dessa revolução a China nunca teria podido vir a ser a potência que é hoje. Há males que vêm por bem, Deus por vezes escreve direito por linhas tortas. Faça-se como fez Mao, uma nova revolução, não abjecta como o foi a Revolução Cultural chinesa, mas fundada na necessidade de repor os valores da democracia que estes democratas reservaram exclusivamente para si mesmos, para familiares e amigos numa vergonhosa e inimaginável prática que nunca julgámos vir a ser posta em uso. Mas contra essas práticas a comunicação social, vivendo de subsídios, vendida e rendida ao poder, nada diz, vive de esmolas, entretém-se a chamar fascista ao outro.

Está bem, estamos conversados.  









SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.

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