Há
quinze dias, mais precisamente na terça, 27 de Março deste ano da graça de 2001, desloquei-me com
curiosidade ao Hotel da Cartuxa para assistir aos debates sobre “Évora, Cidade
Moderna”, onde também esteve presente o Director deste Diário que, na quinta-feira
seguinte apresentou uma local sobre o evento, nunca tendo eu pensado que o
assunto a tanta gente preocupasse deveras.
Várias
ideias chave se fixaram facilmente no meu espírito, umas devido à eloquência
dos oradores, outras relevantes pela pertinência dos casos abordados. De uma
coisa fiquei ciente, não me apercebera ainda, e considero-me uma pessoa bem
informada, da profundidade ou gravidade que a estagnação da nossa cidade
atingiu.
Efectivamente
de há muitos anos a esta parte temo-nos confinado à preservação e divulgação do
Centro Histórico, como se tudo o resto não existisse. E o resto são o grosso
dos habitantes desta terra, somos todas nós, vivendo maioritariamente em
bairros sem a mínima qualidade de vida ou articulação com o centro da cidade.
Numerosos
hiatos se interpõem entre a cidade e os bairros, em especial nestes, e não
somente do ponto de vista arquitectónico, mas também funcional. Falta de
equipamentos, de transportes bem articulados, vias de acesso e estacionamento,
zonas verdes, mobiliário urbano, enfim, pasmei com o que é possível fazer e não
tem sido feito.
Talvez
a questão que mais me tenha sensibilizado tenha decorrido do espaço para
construção ou mesmo das construções imobiliárias, cujos valores atingem em
Évora números aterradores, fortemente condicionantes da fixação de
investimentos e pessoas, autêntico travão ao desenvolvimento, à criação de
emprego, ao progresso.
Provavelmente
já todas nos apercebemos que a vida não está fácil, nem para nós nem para os
nossos filhos, o que talvez não tenhamos interiorizado ainda é que é possível
alterar este estado de coisas.
Évora
apaga-se a cada dia que passa por falta de uma liderança ambiciosa e capaz,
está ela própria a perder o lugar de liderança que detinha no Alentejo, a
comprová-lo o facto de alguém ter lucidamente apontado o exemplo da nossa
“Terceira Zona Industrial”, um espelho inequívoco da nossa realidade e bem à
altura do Terceiro Mundo para que esta cidade caminha.
Terceira
Zona Industrial ? Exacto ! Eu já a conhecia, simplesmente comodamente aceitara
que as coisas eram mesmo assim. São assim, mas podem ser de outro modo, haja
quem tenha vontade e queira. Há algum tempo precisei de uma grade em madeira
para substituir uma janela da garagem, onde fui levada ? À quinta do Capitão
Poças, ali para o St. Antonico. Outra vez tive necessidade de tirar um risco do
carro, fui dar ao mesmo sítio, quem precisar de algo, na nossa terra, não
precisa de consultar as Páginas Amarelas, vá ao lugar que vos indiquei, ali há
de tudo para todos. Verdade ? Verdade ! Sem as mínimas condições de segurança,
de higiene, de trabalho. Ali impera o elevado espírito desenrasca e inventivo,
tão típico dos portugueses, é todo um submundo de alminhas governando-se
trabalhando, numa promiscuidade de misteres e gentes equilibrando-se no arame,
como num circo.
Sucateiros uns, habitando casas degradadas
outros, lado a lado tecnologias de ponta e os mais arcaicos processos, mas
todos lutando, sobrevivendo teimosamente, desfeando esta cidade Património
Mundial, num amplo espaço clandestino.
Na
realidade pergunto-me quantas pequenas indústrias e actividades não estarão na
nossa terra segregadas em guetos, umas em garagens, outras em vãos de escada,
outras em quintais insalubres, outras em pequenos espaços que exigem de quem
neles labuta corpo de contorcionista e paciência de santo, sem hipóteses de
crescerem enquanto empresas, sem condições para criar riqueza, emprego,
limitados na sua coragem, limitados na sua criatividade, teimosamente
sobrevivendo, sem que o Poder Local alguma vez se tenha preocupado com tal
desiderato.
Um
dos presentes levantou-se comovido do meio da assistência e ali mesmo prometeu
que com ele não seria assim. Acreditei, porque senti sinceridade nas suas
palavras, e porque acredito nessas dezenas ou centenas de empresários, pequenos
artificies e industriais a quem se lhes forem dadas condições poderemos ficar a
dever muito do desenvolvimento desta nossa cidade, uma cidade do Terceiro
Mundo, plantada em pleno Século XXI.
By Maria Luísa Baião, texto publicado
no Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, em 12 - 04 - 2001