Tomava
uma tarde destas um capilé numa esplanada do café Bugatti, na rua da Constituição
758, ao Porto, quando, para fugir ao convite a comer uma francesinha lancei
como mote de conversa o curioso nome daquela rua. Não o disse mas quem me conhece
sabe perfeitamente preferir eu as de Vendas Novas, pelo que, fiel à minha
tradição e gosto, airosamente me safei da francesinha que me queriam sentar no
colo.
Pois
a rua da Constituição deve o seu nome a isso mesmo, à Constituição, qual delas
? Naturalmente uma não tão velha quanto aquela velha rua mas velha, mais
concretamente a primeira Constituição portuguesa, a de 1822. Sim, Portugal foi
pioneiro na moderação do poder politico, em 1822 acabava-se o absolutismo da nossa
monarquia que se adaptou aos novos ventos europeus e aceitou partilhar
responsabilidade e poder.
Contudo
as coisas não correram da melhor forma ainda que se tenham aguentado durante quase
cem anos, perder poder é uma espinha que fica sempre atravessada na garganta, não
o ter todo para si mesmo é ambição que tira o sono. Como tal esta parceria
entre os reis e os homens duraria até 1910, ano em que tomou assento no trono o
absolutismo republicano.
Foram
noventa anos de altos e baixos, mais baixos que altos, até o tira teimas de
1910 acabar com o ora agora mandas tu ora agora mando eu. Creio que o
desiderato não se ficou a dever tanto aos defeitos da monarquia ou às virtudes
da república mas sim ao facto de estarmos em Portugal e o povo, naturalmente
ser o português, esse eterno insatisfeito.
Em
boa verdade se as coisas correram mal durante noventa anos, de 1910 a 1926, uns
meros dezasseis anitos, a coisa correu pessimamente. Os então dois maiores e representativos
partidos nunca se entenderam, iguaizinhos aos nossos PS e PSD, e por nunca se
terem entendido, a economia ter soçobrado, a fome avançado e a miséria
espalhado em 1926 deram o braço a torcer, ajoelharam e pediram a Coimbra os
favores de um seu professor de finanças o qual, contrariado mas veio, o tempo
suficiente para ter reparado não ser aquela gente que se cheirasse tendo feito
as malas e regressado à sua velha Coimbra, na gíria eu diria que acabara de
fazer um manguito a quem tivera a veleidade de o convidar.
Com
a sua partida as coisas foram de mal a pior, Portugal atravessava as ruas da
amargura, o país estava virado do avesso e depauperado. Henrique Raposo num seu
pequeno, barato (3,50€) mas ilustrativo livrinho, “Alentejo Prometido” 112 páginas, uma edição da Fundação Francisco
Manuel dos Santos datada de 2016 e que na altura gerou por estas bandas em
que vivo enorme celeuma, dá-nos correctíssimamente conta do ambiente social vivido
no Alentejo, ambiente que poderemos sem risco extrapolar para o resto do país.
Ou
seja, as coisas não poderiam estar pior, pior só viriam a estar por alturas de
2020, onde de novo os dois principais partidos desta mísera republica se digladiam
para ver qual deles é capaz de atirar o país ao tapete. Com uma divida enorme e
que se vai agigantar, o país patina há 46 anos, mais concretamente depois
daquela madrugada que todos esperávamos, depois daquele dia inicial inteiro e
limpo d’onde emergimos da noite e do silêncio, e depois de livres termos habitado
a substância do tempo, voltámos a fazer como a avestruz e a enterrar a cabeça
na areia, lixando o nosso futuro e o dos vindouros numa loucura inexplicável que
ninguém se atreveu, nunca, a denunciar, muito menos a pôr termo.
Mas
eis que do nada surge um estandarte, um líder, uma vanguarda abrindo caminho à
onda avassaladora que nos há-de submergir para, como a Fénix, podermos acordar
num novo amanhecer que até hoje ninguém, repito ninguém, se atrevera a colocar
em marcha, todos vendo o rei nu, todos calando cobardemente o que urge denunciar.
E surgida esta figura, que nada mais é que um estandarte, um condutor, um
mobilizador, atrever-me-ia a dizer um salvador, que fazemos nós ? Tal como
fizeram a Cristo logo pensamos crucifica-lo, mesmo antes de ajuizarmos o por
quê da sua vinda, a oportunidade do seu nascimento/ aparecimento, a necessidade
que a sua epifania cumpre, a necessidade de mudarmos de regime visto o nosso
ter ficado cego e surdo aos motivos que lhe estiveram na origem e podermos
afirmar existirem hoje mais desigualdade, injustiça e iniquidade que as que
havia quando da tal madrugada que todos esperávamos, depois daquele dia inicial
inteiro e limpo d’onde emergimos da noite e do silêncio, e depois de livres
termos habitado a substância do tempo, voltámos a enterramo-nos na merda até
aos cabelos.
Bifana de Vendas Novas
São
injustos os ataques a André Ventura e ao CHEGA, nem o homem nem o partido
tiveram ainda tempo nem oportunidade de mostrarem ao que vêm e quanto valem, contudo
todos à vez ou ao molhe lhes caem em cima como se tivessem lepra, mas são
incapazes de fazer mea culpa mea culpa e indagar os motivos que estão na génese
e na necessidade do aparecimento de André Ventura e do seu partido. Ninguém se
incomoda em saber o que deveria ter sido feito ao longo dos últimos 46 anos e
não o foi ? Só os incomoda o que partido e homem ainda nem tempo tiveram
para fazer ?
O
país entrou numa espiral que o enterra cada vez mais fundo, o compadrio, o
seguidismo, o parasitismo, o favoritismo e todos os males que pretendemos
combater em 74 estão no seu auge, no seu máximo, então e agora não há
necessidade de lhe pôr cobro ? Precisamos de um regime novo que reponha em
funcionamento as virtudes da democracia, André Ventura é o agitador, o
mobilizador, não o populista mas o adventista que reporá nos carris um comboio
destrambelhado. Durante 46 anos quem deveria ter pugnado pelo país e pela
democracia só fez por si mesmo, é oportunista, mas só têm críticas e pedras a
atirar ao populista que nem isso ainda teve tempo para ser ? Não tenho agora a
menos dúvida que Salazar era inteligentíssimo, sabia o que fazia e como o fazer,
sabia com quem tratava e como tratar este país, esta gentinha, com um garrote
na língua e uma bota cardada no pescoço. Manteve-se 46 anos no poder praticamente
sem um protesto, e morreu de velho, velho e pobre, não o defendo, mas do outro
lado do mundo Mao foi outro timoneiro que nunca hesitou em conduzir o seu povo
nem que fosse à bordoada. E fê-lo.
A “Revolução Cultural” chinesa foi provavelmente a revolução mais
abjecta que possamos imaginar, todavia foi necessária. Lá, tal como cá, os
obreiros da revolução comunista tinham-.se instalado no poder, travando o país,
imobilizando-o a seu desejo e conveniência. A velha e renovada China estava a
voltar aos tempos feudais por interesse dos seus revolucionários, tal qual está
acontecendo em Portugal, os mesmos que fizeram o 25 de Abril instalaram-se e
não abrem mão de oportunidades para os demais, a esperança que foi o 25 de Abril está
a morrer às suas mãos e devido aos seus gananciosos interesses pessoais.
Sem o horror dessa revolução a China nunca teria podido vir a ser a potência que é hoje. Há males que vêm por bem, Deus por vezes escreve direito por linhas tortas. Faça-se como fez Mao, uma nova revolução, não abjecta como o foi a Revolução Cultural chinesa, mas fundada
na necessidade de repor os valores da democracia que estes democratas
reservaram exclusivamente para si mesmos, para familiares e amigos numa vergonhosa
e inimaginável prática que nunca julgámos vir a ser posta em uso. Mas contra
essas práticas a comunicação social, vivendo de subsídios, vendida e rendida ao
poder, nada diz, vive de esmolas, entretém-se a chamar fascista ao outro.
Está
bem, estamos conversados.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
25 DE ABRIL
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.
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