terça-feira, 26 de maio de 2020

644 - PORTO - RUA DA CONSTITUIÇÃO 758 .........


Tomava uma tarde destas um capilé numa esplanada do café Bugatti, na rua da Constituição 758, ao Porto, quando, para fugir ao convite a comer uma francesinha lancei como mote de conversa o curioso nome daquela rua. Não o disse mas quem me conhece sabe perfeitamente preferir eu as de Vendas Novas, pelo que, fiel à minha tradição e gosto, airosamente me safei da francesinha que me queriam sentar no colo.


Pois a rua da Constituição deve o seu nome a isso mesmo, à Constituição, qual delas ? Naturalmente uma não tão velha quanto aquela velha rua mas velha, mais concretamente a primeira Constituição portuguesa, a de 1822. Sim, Portugal foi pioneiro na moderação do poder politico, em 1822 acabava-se o absolutismo da nossa monarquia que se adaptou aos novos ventos europeus e aceitou partilhar responsabilidade e poder.


Contudo as coisas não correram da melhor forma ainda que se tenham aguentado durante quase cem anos, perder poder é uma espinha que fica sempre atravessada na garganta, não o ter todo para si mesmo é ambição que tira o sono. Como tal esta parceria entre os reis e os homens duraria até 1910, ano em que tomou assento no trono o absolutismo republicano.

Foram noventa anos de altos e baixos, mais baixos que altos, até o tira teimas de 1910 acabar com o ora agora mandas tu ora agora mando eu. Creio que o desiderato não se ficou a dever tanto aos defeitos da monarquia ou às virtudes da república mas sim ao facto de estarmos em Portugal e o povo, naturalmente ser o português, esse eterno insatisfeito.

Em boa verdade se as coisas correram mal durante noventa anos, de 1910 a 1926, uns meros dezasseis anitos, a coisa correu pessimamente. Os então dois maiores e representativos partidos nunca se entenderam, iguaizinhos aos nossos PS e PSD, e por nunca se terem entendido, a economia ter soçobrado, a fome avançado e a miséria espalhado em 1926 deram o braço a torcer, ajoelharam e pediram a Coimbra os favores de um seu professor de finanças o qual, contrariado mas veio, o tempo suficiente para ter reparado não ser aquela gente que se cheirasse tendo feito as malas e regressado à sua velha Coimbra, na gíria eu diria que acabara de fazer um manguito a quem tivera a veleidade de o convidar.


Com a sua partida as coisas foram de mal a pior, Portugal atravessava as ruas da amargura, o país estava virado do avesso e depauperado. Henrique Raposo num seu pequeno, barato (3,50€) mas ilustrativo livrinho, “Alentejo Prometido” 112 páginas, uma edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos datada de 2016 e que na altura gerou por estas bandas em que vivo enorme celeuma, dá-nos correctíssimamente conta do ambiente social vivido no Alentejo, ambiente que poderemos sem risco extrapolar para o resto do país.

Ou seja, as coisas não poderiam estar pior, pior só viriam a estar por alturas de 2020, onde de novo os dois principais partidos desta mísera republica se digladiam para ver qual deles é capaz de atirar o país ao tapete. Com uma divida enorme e que se vai agigantar, o país patina há 46 anos, mais concretamente depois daquela madrugada que todos esperávamos, depois daquele dia inicial inteiro e limpo d’onde emergimos da noite e do silêncio, e depois de livres termos habitado a substância do tempo, voltámos a fazer como a avestruz e a enterrar a cabeça na areia, lixando o nosso futuro e o dos vindouros numa loucura inexplicável que ninguém se atreveu, nunca, a denunciar, muito menos a pôr termo.


 Mas eis que do nada surge um estandarte, um líder, uma vanguarda abrindo caminho à onda avassaladora que nos há-de submergir para, como a Fénix, podermos acordar num novo amanhecer que até hoje ninguém, repito ninguém, se atrevera a colocar em marcha, todos vendo o rei nu, todos calando cobardemente o que urge denunciar. E surgida esta figura, que nada mais é que um estandarte, um condutor, um mobilizador, atrever-me-ia a dizer um salvador, que fazemos nós ? Tal como fizeram a Cristo logo pensamos crucifica-lo, mesmo antes de ajuizarmos o por quê da sua vinda, a oportunidade do seu nascimento/ aparecimento, a necessidade que a sua epifania cumpre, a necessidade de mudarmos de regime visto o nosso ter ficado cego e surdo aos motivos que lhe estiveram na origem e podermos afirmar existirem hoje mais desigualdade, injustiça e iniquidade que as que havia quando da tal madrugada que todos esperávamos, depois daquele dia inicial inteiro e limpo d’onde emergimos da noite e do silêncio, e depois de livres termos habitado a substância do tempo, voltámos a enterramo-nos na merda até aos cabelos.

Bifana de Vendas Novas

São injustos os ataques a André Ventura e ao CHEGA, nem o homem nem o partido tiveram ainda tempo nem oportunidade de mostrarem ao que vêm e quanto valem, contudo todos à vez ou ao molhe lhes caem em cima como se tivessem lepra, mas são incapazes de fazer mea culpa mea culpa e indagar os motivos que estão na génese e na necessidade do aparecimento de André Ventura e do seu partido. Ninguém se incomoda em saber o que deveria ter sido feito ao longo dos últimos 46 anos e não o foi ? Só os incomoda o que partido e homem ainda nem tempo tiveram para fazer ?

O país entrou numa espiral que o enterra cada vez mais fundo, o compadrio, o seguidismo, o parasitismo, o favoritismo e todos os males que pretendemos combater em 74 estão no seu auge, no seu máximo, então e agora não há necessidade de lhe pôr cobro ? Precisamos de um regime novo que reponha em funcionamento as virtudes da democracia, André Ventura é o agitador, o mobilizador, não o populista mas o adventista que reporá nos carris um comboio destrambelhado. Durante 46 anos quem deveria ter pugnado pelo país e pela democracia só fez por si mesmo, é oportunista, mas só têm críticas e pedras a atirar ao populista que nem isso ainda teve tempo para ser ? Não tenho agora a menos dúvida que Salazar era inteligentíssimo, sabia o que fazia e como o fazer, sabia com quem tratava e como tratar este país, esta gentinha, com um garrote na língua e uma bota cardada no pescoço. Manteve-se 46 anos no poder praticamente sem um protesto, e morreu de velho, velho e pobre, não o defendo, mas do outro lado do mundo Mao foi outro timoneiro que nunca hesitou em conduzir o seu povo nem que fosse à bordoada. E fê-lo.  

A “Revolução Cultural” chinesa foi provavelmente a revolução mais abjecta que possamos imaginar, todavia foi necessária. Lá, tal como cá, os obreiros da revolução comunista tinham-.se instalado no poder, travando o país, imobilizando-o a seu desejo e conveniência. A velha e renovada China estava a voltar aos tempos feudais por interesse dos seus revolucionários, tal qual está acontecendo em Portugal, os mesmos que fizeram o 25 de Abril instalaram-se e não abrem mão de oportunidades para os demais, a esperança que foi o 25 de Abril está a morrer às suas mãos e devido aos seus gananciosos interesses pessoais. 

Sem o horror dessa revolução a China nunca teria podido vir a ser a potência que é hoje. Há males que vêm por bem, Deus por vezes escreve direito por linhas tortas. Faça-se como fez Mao, uma nova revolução, não abjecta como o foi a Revolução Cultural chinesa, mas fundada na necessidade de repor os valores da democracia que estes democratas reservaram exclusivamente para si mesmos, para familiares e amigos numa vergonhosa e inimaginável prática que nunca julgámos vir a ser posta em uso. Mas contra essas práticas a comunicação social, vivendo de subsídios, vendida e rendida ao poder, nada diz, vive de esmolas, entretém-se a chamar fascista ao outro.

Está bem, estamos conversados.  









SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.

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